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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

erigido pela piedade de El-Rei D. Manuel. Sobre o tombadilho vêem-se figuras sinistras, barbas esqualidadas, olhares torvos. Não perguntem quem são. São os Josés do Telhado e os Joões Brandões que vem, chamados pelo sr. ministro do reino, para exercerem os logares de administradores dos concelhos que tiverem a veleidade de quererem trazer ao parlamento representantes independentes, que advoguem com zêlo e coragem os seus direitos o velem pelos seus interesses (apoiados).

A auctorisação para crear comarcas é muito, mas não basta. Essa immensa rede de arrastar colherá muito, muitissimo (apoiados). Servirá para corromper, para comprar vontades, mas nem tudo se venderá (apoiados). E necessario mais. E indispensavel a ameaça, a violencia, o cacete. Venham pois os Josés Correias e quejandos (apoiados prolongados).

Francamente, sr. presidente, isto não é systema constitucional! (Apoiados.) Isto é uma farçada ridicula e nada mais. Decididamente estamos em pleno carnaval, em permanente carnaval (apoiados).

O peior será depois o dies irae. Quem sabe? Talvez, ao inverso do que acontece no theatro, a tragedia venha depois da comedia (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Com uma caridade verdadeiramente evangélica, mas parece que pouco propria de um ministro do Deus vivo, o illustre deputado veiu aqui fazer reviver as paixões de perto de trinta annos!

E uma missão que nem todos cariam capazes de cumprir. N'esta epocha de tolerancia em que estamos vivendo, tantas iras quasi que só poderiam accender animos devotos! (Apoiados).

Nomeei administrador do concelho o individuo a que se referiu o illustre deputado. Achei-o no numero dos cidadãos elegiveis e eleitores. Se o tivesse achado na posição do José do Telhado e do João Brandão, de certo nem o governador civil de Aveiro m'o teria proposto, nem se m'o tivesse proposto, eu o teria nomeado (apoiados).

Tem havido n'esta terra governos de paz e governos de justiça, encontraram em grande criminoso, e procederam de certo contra elle; acharam muitos-mais criminosos, prenderam alguns, que foram depois deportados para a costa de Africa. Que benevolencia houve então para aquelle homem coberto de crimes, que todos o toleraram?!... (Riso —apoiados.)

Pensei que, se tinha commettido culpai, de certo o seu peccado estava já esquecido, e talvez elle se tivesse regenerado.

Mas lêem-se agora uns escriptas publicados em 1845, e dizem-me que eu nunca os devera ter esquecido.

Esqueço muitas das cousas que tenho escripto, só não esqueço os principios da moralidade e da justiça: o mais, tudo aquillo que eram paixões, tudo aquillo que eram odio, tudo aquillo que eram vinganças, tudo aquillo que eram violencias, tudo isso eu esqueço, e peço a Deus que nunca me dê memoria para o commemorar (muitos apoiados). Deixo a outros o recorda-lo, para mim ha do ser sempre esquecido (apoiados).

Ha ainda um caso mais grave, é que o sr. conde de Thomar não quiz nomear esse homem. Depois d'isto augmenta a gravidade do caso!

Parece que esse acto devia ser para mim uma regra de procedimento. Parece que, desde a recusa d'esse ministro a fazer essa nomeação, eu devia recusar-me tambem! Porque elle o não quiz nomear, tambem eu o não devia nomear! Comprehendo pouco a força d'este argumento (apoiados).

Todos os elogios que o illustre deputado fez á rainha pessoa para depois me deprimir, não faço caso d'elles, e perdoe-me a camara se deixo tudo isso em silencio (apoiados).

Aqui nem está Catão nem está Bruto. Em 1845 havia um jornalista; e se escrevi ou não escrevi importa pouco; sendo necessario assumir a responsabilidade, assumo-a. Não sou d'esses que praticam muitas vezes os actos, e depois os imputam aos outros, ou declinara a sua responsabilidade. Tomo-a do que escrevi, levem-me aos tribunaes por isso, mas não venham suscitar aqui os odios de 1845, e querer que as pessoas que figuraram n'uma epocha desgraçada, n'uma epocha de guerra fratricida, conservem no fundo do coração esse odio, que póde nascer de um sentimento nobre, mas que não se póde acreditar que o seja (apoiados).

Foi nomeado administrador um cidadão que eu podia nomear. Accusem os actos d'esse funccionario, mas não me venham para aqui com a doutrina da predestinação, porque eu não a admitto nos juizos humanos— Cum nondum nati fuissent, aut aliquid boni egissent, aut mali... Jacob dilexi, Esau autem odio habui.

Não admitto na politica a predestinação; não admitto a doutrina de que, por um homem ter commettido erros, seja sempre proscripto, e quando a sociedade não o persegue, não irei eu persegui-lo como ministro (apoiados).

As normas e regras da justiça não são essas; as regras e as normas da politica permittem e até recommendam o esquecimento. Aquelle que não souber esquecer nunca ha de ser um bom politico. (Vozes: — Muito bem.)

O illustre deputado foi infeliz na conclusão do seu discurso; o illustre deputado fez uma injustiça aos eleitores do seu circulo; julgou que o acto do governo tinha por fim impedir a sua reeleição.

Quando faço as nomeações não tenho nunca em vista o ataque aos direitos dos cidadãos! Os empregados, se no acto da eleição commetterem violencias, hão de ser punidos. Se o illustre deputado suspeita o contrario, eu não lhe posso tirar essa suspeita; não o posso livrar d'ella; como tambem não lhe posso tolher essa tendencia infeliz para suspeitar mal dos outros. (Vozes: — Muito bem.)

Não mereço os elogios que s. ex.ª me fez quanto ao meu passado. Sou muito pequeno, sou muito insignificante, principalmente considerando-me em absoluto. Ás vezes, porém, quando me comparo, chega o demónio do orgulho a tentar-me para acreditar que valho alguma cousa; mas absolutamente não valho nada.

É escusado recordar as glorias do meu passado. Se sou um apostata, se sou um renegado, não me contristam essas accusações, e soffro tudo resignado por amor da patria (apoiados).

So me querem arguir por tudo isso, arguam, que não lh'o levo a mal; e mesmo na hora extrema podem até morrer descansados, que nem sequer tenho que lhes perdoar, porque não julgo que me injuriam (apoiados).

«O acto de que me arguem affirmam que desdiz das minhas glorias passadas.» Seja. Mas que glorias são essas? V. ex.ª, sr. presidente, sabe bem como ellas muitas vezes têem sido aqui avaliadas; até por essas glorias me têem julgado indigno de me sentar n'este logar. (Vozes: — Muito bem, muito bem)

A opinião de hoje não será a opinião de ámanhã, como não é a opinião de hontem; mesmo na bôca do illustre deputado é variavel como a aura popular (apoiados).

Eu aceito todas as qualificações que me queiram dar emquanto V. ex.ª, sr. presidente, as permittir n'esta casa. porque quando ellas forem injuriosas, V. ex.ª do certo ha de chamar á ordem os illustres deputados que as enunciarem (apoiados).

Mas não julgo taes as que se apresentam e até gosto de me apurar n'este chrysol, mesmo porque estou ha muito costumado a isto (riso).

E quando em toda a minha vida quasi que me têem feito responsavel pelos actos dos meus amigos, não me custa

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