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220 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mado, isto é, que a soberania do povo é incompativel, inconciliavel com a soberania do throno; e que este e os seus sequazes hão de sempre conspirar contra ella, ou á plena luz do dia, como d'antes, ou na sombra, como hoje.

Que outra asserção do sr. Dias Ferreira que merecia a honra de ficar archivada nos annaes do parlamento, era o modo por que o Rei D. João VI e D. Maria II entenderam dever jurar as constituições feitas pelo povo, isto é, para o fim de as não cumprir.

Que tambem merecia ficar archivada, pela origem insuspeita que trazia, a declaração do sr. Antonio Maria de Carvalho, do que fôra o povo, a nação portuguesa, que revindicou para si a sua liberdade, e que a possuia como uma conquista sua e não como um favor ou dadiva do dador da carta.

Que esta era a verdade por elle, orador, proclamada sempre, mas agora confirmada por auctoridades insuspeitas.

Que contra estas verdades se insurgira o deputado da maioria o sr. D. José do Saldanha, e em contraposição a ellas fizera no parlamento asserções tão categoricas no sentido do mais refinado ultramontanismo, que, não se tendo levantado contra ellas por parte da maioria ou da opposição mpnarchica, protesto algum, elle, orador, via-se obrigado a levantar o repto em nome do povo e da causa que representa, para não ficarem sem a devida resposta nos archivos do parlamento portuguez.

Que o pr. D. José de Saldanha tinha prestado ao paiz com a sua franqueza, pouco vulgar no parlamento, o grande serviço de desmascarar a audacia com que a reacção ultramontana em Portugal já bate em toda a linha as conquistas mais importantes do seculo actual, sentindo-se já tão forte, que não tem rebuço em proclamal-o do alto da tribuna parlamentar!

O orador aproveitava a occasião para accordar o espirito publico dormente e alheio aos seus interesses mais caros, e para dar rebate para elle acudir em defeza das prerogativas do seculo, assim ameaçadas, e a que estavam ligadas a felicidade e independencia da sua patria.

Para mostrar o perigo que corria a causa publica, se não se atalhasse e repellisse de prompto a conspiração que se está urdindo contra as proprias instituições, contra o direito publico moderno, e contra a soberania popular, baseada na proclamação dos direitos do homem, lembrou como esta é a base de todas as constituições dos povos que se regem constitucionalmente, quer sob a forma monarchica, quer sob a republicana.

Todos os povos modernos assentam as suas constituições nos principios consignados na declaração dos direitos do homem.

Pôde bem dizer-se que está ali o decalogo e o evangelho da civilisação do mundo.

Que a prova indiscutivel de que assim era, achava-se no facto de que aquelles mesmos povos que conspiraram durante a santa alliança sob o espirito de Metternich contra a revolução franceza que os proclamára, todos se tinham visto obrigados a aproveital-os para as suas constituições, e a regularem por elles mais ou menos as constituições que impozeram aos mais povos.

Que este facto, achando-se constatado nas leis de todos os paizes cultos, era acima de toda a contestação, e bem podia dizer-se ser elle a pedra angular da politica moderna.

Que para saber-se como o ultramontanismo trabalhava sem treguas para derrubal-a, e com ella todo o edificio social, convinha averiguar o juizo que a igreja romana fazia da revolução que a assentára, confrontando-o com o juizo que esta merecera ás maiores celebridades do tempo, e que tem hoje por si o assentimento do mundo.

Goeth, o maior gemo de Allemanha, que assistira á batalha de Valmy, e presenceára o enthusiasmo com que os soldados da republica franceza, ao caírem sob a metralha do inimigo, saudavam a liberdade e levavam de vencida os seus contrarios, disse aos officiaes que o interrogaram sobre a memoravel batalha estas palavras, não menos memoraveis: - Hoje começa uma era nova para a humanidade; podeis dizer que assististes ao seu nascimento!

Jean Muller, que é mais um homem do passado que do futuro, que passou a sua vida no silencio do seu gabinete, reproduzindo com a imparcialidade, da sua critica, como n'uma machina photographica, os acontecimentos do mundo, corrobora o pensamento de Goethe; diz elle:

"O mundo antigo desmorona-se: abre-se um mundo novo."

Na Inglaterra Fox, partilhando do mesmo pensamento, accentua-o com mais precisão, quando diz:

"A revolução é o maior passo que se deu para o livramento do genero humano."

Em França, madame de Sstael, que assistira ainda aos primeiros dias de terror, que, por vinculos de sangue, estáva ligada á aristocracia ingleza, nas primeiras linhas que escreveu sobre a grande revolução, pondo-se de accordo com os philosophos da Allemanha e da Inglaterra, escreve o seguinte:

"A revolução franceza é uma das grandes epochas da ordem social. Os que a consideram como um acontecimento accidental não lançaram os olhos, nem para o passado, nem para o futuro.

"Tomaram os actores pela peça, e, a fim de satisfazerem suas paixões, attribuiram aos homens de então o que os seculos tinham preparado.

Martine, no seu livro Das constituições, affirma que a grandeza da revolução franceza está em não ser só uma revolução da França, mas uma revolução do espirito humano, que nasceu no mundo no mesmo dia em que nasceu a imprensa.

Michelet, no seu livro immortal A revolução franceza, define-a: "a chegada da lei, a resurreição do direito, a reacção da justiça".

A contraprova d'estas asserções valiosas estava, disse o orador, no facto acima referido, de que todos os povos modernos, quer se governassem sob a turma republicana, sua fiel interpetre, quer sob a monarchia representativa, viviam hoje do seu espirito, reconhecendo, como seu evangelho politico os direitos do homem por ella proclamados.

Ides agora ouvir, disse o orador, o juizo da igreja de Roma: o que o ultramontanismo pensa a similhante respeito.

"A revolução, diz monseigneur de Ségur, no seu livro La révolution 3.ª edição belga de 1862, é o espirito do mal, o mal na sua mais alta potencia, o mal de carne e osso, é Satanaz em pessoa; sim, Satanaz é o pae da revolução. A revolução é a sua obra começada no céu, e perpetuando-se na humanidade de seculo em seculo. Eis a genealogia: o paganismo, que é a encarnação do Satanaz, gerou a renascença, a renascença gerou Luthero e a Calvino, a reforma gerou Voltaire e Rousseau, os quaes espalharam na França o poder de seu pão, e geraram por seu turno a revolução.!

Logo a revolução descende em linha directa do diabo em quarto grau!...

"A historia do mundo é a historia da lucta gigantesca dos dois chefes de exercito: de um lado Christo, com a sua santa igreja; do outro Satanaz, com todos os homens que elle perverte e alista sob a bandeira maldita da revolta."

O padre Delboz, que escreveu a historia da igreja de França, desde a convocação dos estados geraes até á quéda do directorio, compara os estados geraes a um vulcão; diz elle:

"Ás chammas do luxo e da magnificencia devia succeder uma torrente de enxofre e de betume, é o diabo era pessoa que reina na França durante a revolução; é elle que faz echoar as cidades e os campos com as proclamações de liberdade e de igualdade."