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vando-se por modo authentico que faltaram muitos mais, como da exposição que vem de fazer-se, é logico que se procedeu falsamente. E similhante eleição não póde produzir effeito sem offensa da lei e da moral publica.

Quanto ás violencias contra que se protestou não podem ser tomadas em consideração á falta de prova.

Assim pois a vossa commissão, attendendo a que se acha evidentemente provado que na assembléa de Santa Maria de Celorico se obrou com fraude e falsamente;

Attendendo a que na assembléa de Cortiço da Serra a circumstancia supra indicada cria vehementes suspeitas de viciação da uma, visto não se terem observado as prescripções do artigo 84.° do decreto eleitoral de 1852, que parecem essenciaes para garantir a verdade do suffragio, quando se dá a hypothese estabelecida;

Attendendo a que se torna impossivel apreciar bem e com segurança qual seria o resultado da eleição, se esta corresse legalmente;

Attendendo emfim a que o cidadão proclamado eleito na assembléa de apuramento não teve a maioria que ali se lhe attribuiu, nem a bastante para ser proclamado, e a que não é liquido se o outro candidato a obteve, alem de ser contra as boas praticas parlamentares e contra o prescripto na lei dar a junta preparatoria ou a camara diploma a quem o não trouxe do respectivo circulo:

Por taes motivos, e outros menos importantes que o processo fornece, é a vossa commissão de parecer que seja annullada a eleição do circulo n.° 93 (Celorico da Beira).

Sala da commissão, 15 de maio de 1868. = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = Manuel Bento da Rocha Peixoto = Manuel Eduardo da Motta Veiga = Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira = Joaquim Antonio de Calça e Pina.

(Toma a cadeira da presidência o sr. Costa Simões, supplente á presidência.)

O sr. Coelho do Amaral: — Em bem más condições me toca a palavra.

Pouco auctorisada é sempre a minha voz para me julgar com direito á attenção da camara, mas por muito que o fôra, difficil seria consegui-lo agora, quando a camara se acha tão impressionada com a leitura, que acabou de ouvir fazer ao sr. ministro da fazenda, do relatorio apresentado por s. ex.ª sobre o modo de resolver o nosso difficil problema financeiro.

A camara esta impressionada, eu não o estou menos, e parece-me que o paiz o estará tambem, logo que tenha conhecimento das medidas que o nobre ministro da fazenda propõe. Se bem, se mal, impressionado, se favoravel, se desvantajosamente, não o direi agora: breve o dirá o tempo.

A questão, na minha humilde opinião, na maior parte fica de pé. Muito sensatas, muito justas, muito esclarecidas são as considerações expendidas n'aquelle trabalho, que honra o seu auctor, mas as conclusões não estão nas premissas.

As premissas denunciam a urgencia do remedio, porém as conclusões adiam-no. E o adiamento aggrava o mal.

Vou entrar na materia da ordem do dia, mandando para a mesa uma emenda aos considerandos do parecer da illustre commissão de verificação de poderes sobre a eleição do circulo n.° 93, Celorico da Beira, e á conclusão d'esse parecer, a qual emenda passo a ler:

Attendendo a que se acha evidentemente provado que na assembléa de Santa Maria de Celorico se obrou com fraude e falsamente, fazendo-se ali figurar como votantes muitos eleitores, que de um modo authentico se prova não terem votado;

Attendendo a que tal fraude e falsidade influem de um modo absoluto para a contagem e verificação do numero real dos votantes de todo o circulo;

Attendendo a que na assembléa de Cortiço da Serra não consta da acta nem de qualquer outro documento irregularidade alguma, que possa crear suspeitas de viciação da uma, ou affectar de nullidade o acto eleitoral;

Attendendo a que, restabelecida a verdade da eleição na assembléa de Santa Maria de Celorico, é facil apreciar qual o resultado total da eleição em todo o circulo;

«Attendendo finalmente a que o cidadão proclamado eleito na assembléa de apuramento não teve a maioria que ali se lhe attribuiu, nem a bastante para ser proclamado; e que, ao contrario, o outro candidato, restabelecida a verdade pela verificação do numero real dos votantes de todo o circulo, obteve a maioria absoluta dos votos do mesmo, e a bastante para ser proclamado;

Proponho que, em observancia do que dispõe o artigo 33.° da lei de 23 de novembro de 1859, seja proclamado deputado pelo circulo n.° 93 (Celorico da Beira) o cidadão José de Oliveira Baptista. = Francisco Coelho do Amaral.»

A camara esta cansada, deve estar aborrecida, desgostosa, contristada, com a discussão d'estas deploraveis lutas eleitoraes, que denunciam um grave vicio na nossa organisação constitucional, atrazo, descaimento e aberração na nossa educação politica, pouco ou nenhum respeito peias leis e completo desprezo pelo direito politico, o mais importante e mais valioso de um povo livre.

Tenho diante de mim, n'este processo, um lastimoso quadro em que se desenham com negras côres os abusos, os excessos, as violencias e os attentados de toda a ordem contra o livre exercicio do direito eleitoral.

Sinto que o meu estado de saude me não permitta desenrolar em toda a sua hedionda nudez esse sudario triste e repugnante de iniquidades, de escandalos, de torpezas, de crimes, de actos em fim de uma selvageria revoltante. Não deixarei todavia de lhes consagrar logo alguns momentos, para que não fiquem impunes, ao menos moralmente, nem passem desapercebidos, sem que no seio da representação nacional se levante um protesto de vehemente indignação

contra as atrocidades inqualificáveis, praticadas no circulo n.° 93, Celorico da Beira, pela auctoridade, que devia ser a primeira a dar o exemplo do respeito pelas leis, e a mais forte garantia de liberdade dos cidadãos.

Passo porém primeiro a occupar-me do parecer da illustre commissão de verificação de poderes sobre a eleição d'este mesmo circulo.

Discutirei com a força e com a energia de uma convicção profunda, mas com franqueza, com boa fé e com lealdade, sem azedume, sem acrimonia e sem obcecação facciosa, a que nunca obedeci.

Serei severo, inexoravel até, com a fraude, com o dólo, com a falsidade, e com todas essas tricas e recursos baixos o vis de que costumam lançar mão os devassos e corruptos falsificadores do voto publico, para abafarem e annullarem a livre manifestação do suffragio popular; mas conter-me-hei dentro dos limites que o nosso dever e posição assignalára ás nossas discussões.

As scenas de hontem, esqueçamo-las; não as repitamos por honra nossa, por decoro d'esta casa e por credito do systema representativo (muitos apoiados).

A illustre commissão, fazendo a exposição dos fundamentos em que assenta o seu parecer, conclue pela annullação da eleição. Conformar-me-ía com esse expediente, que seria adoptavel, se não podesse encontrar-se outro mais consentaneo aos principios immutaveis da justiça, e ás disposições da lei, qual o de restabelecer-se a verdade da eleição, e tirar-lhe as suas legitimas consequencias. Se pelo processo, e documentos que o acompanham, ella poder ser restabelecida, cabe á camara faze-lo, para se não seguirem os absurdos de negar a procuração áquelle, a quem, pela evidencia do processo, se mostra que os eleitores a conferiram, e ficar sem effeito um acto, sem ser por culpa dos eleitores, nem do verdadeiro eleito; e o de viciar-se o util pelo inutil.

O artigo 33.° da lei de 23 de novembro de 1859 diz:

«Será considerado como eleito deputado sómente aquelle cidadão que obtiver maioria absoluta dos votos do numero real dos votantes de todo o circulo eleitoral.»

Ha portanto visivel violação da lei sempre que, podendo pelo processo apurar-se quem obteve essa maioria, se for annullar o processo ou eleição, o que importa o mesmo que privar o deputado realmente eleito da procuração que os povos realmente lhe deram, e o qual a lei manda considerar como deputado eleito.

Sr. presidente, insurjo-me hoje, como me insurgi sempre, contra esta jurisprudencia parlamentar sobre diplomas que aqui se tem pertendido estabelecer, e que eu peço licença aos seus seguidores para qualificar de erronea e subversiva dos bons principios, da boa doutrina liberal.

Não é a assembléa de apuramento quem dá o diploma, quem o dá é a lei, interpretando a vontade dos eleitores, e se aquella o enviou a quem não tem direito a elle, pertence á camara emendar o erro e proclamar deputado aquelle que a lei manda considerar como tal, e a quem os povos realmente deram procuração. Sustentar o contrario importa deixar á disposição da assembléa de apuramento a validade ou nullidade de uma eleição.

Supponhamos que essa assembléa por um erro de calculo, commettido em boa ou má fé, conta a um candidato mais votos do que na verdade teve, e até dos que constam das actas, poderá alguem sustentar que se deve por isso annullar a eleição? Poderá alguem deixar de reconhecer que, a sustentar-se tal doutrina, esta na mão da assembléa de apuramento o invalidar a eleição mais legal? Poderá duvidar-se de que então a vontade ou o erro não fica superior á vontade do eleitor? Póde alguem sustentar que a camara, que julga em ultima instancia, não póde ou não deve desfazer esse erro, e restabelecer a verdade? E lá esta o artigo 103.° do decreto de 30 de setembro de 1852 determinando expressamente que = á camara pertence exclusivamente a decisão definitiva de todas as duvidas e reclamações que se suscitarem nas assembléas primarias e de apuramento =.

Inutil seria este recurso, se a camara não podesse desfazer os erros de apuramento, restabelecer a verdade, e proclamar deputado aquelle que tivesse obtido a maioria legal dos votos. O recurso desapparecia, e seria uma superfectação, uma causa inutil e esteril, se porventura se negasse á camara a competencia para conhecer dos erros e das fraudes, que podessem ter sido commettidos nas assembléas primarias e de apuramento, emenda-los e desfaze-los.

Parece-me esta doutrina clara. Admiro que a opposta seja partilhada por caracteres respeitaveis, cuja illustração, saber e rectas intenções eu sou o primeiro a reconhecer; mas não posso conformar-me com a opinião dos illustres jurisconsultos. Repito; se a camara não dá procurações, tambem não as dão as assembléas de apuramento; dá-as, como já disse, a lei, considerando deputado eleito aquelle que obteve maioria absoluta do numero real dos votantes do circulo; e pela jurisprudencia da illustre commissão, em logar de ser considerado deputado, annulla-se a eleição!

Pergunto eu aos illustres jurisconsultos, e peço-lhes desculpa de o fazer; quando a lei manda respeitar um acto, annullam-o os illustres jurisconsultos? Ignora alguem porventura o axioma juridico de que o util não se vicia nem annulla pelo inutil? E onde nos leva a jurisprudencia sustentada pela illustre commissão? Á annullação do voto, do principio das maiorias, e á negação da lei.

Creio ter demonstrado de um modo incontestavel, e em face das disposições expressas, terminantes e positivas da lei, que a esta camara pertence conhecer das duvidas, e dos erros commettidos por qualquer modo, quer seja pela fraude ou dolo, quer em boa ou má fé, nas assembléas primarias ou de apuramento, desfazer esses erros, restabelecer a verdade, e tirar-lhes todas as consequencias logicas, legitimas e necessarias, e leva-las a todos os seus resultados legaes. Mas temos ainda mais. Temos os precedentes, de que me occuparei logo; agora passando a occupar-me da eleição da assembléa de Santa Maria de Celorico, tratarei de ver se posso ajusta-la e aferi-la pelas disposições dos differentes artigos da legislação que regula a materia, e que acabei de ler á camara, e pelos precedentes.

Na assembléa de Santa Maria de Celorico acham-se recenseados n'um dos cadernos que serviram ás operações eleitoraes 746 eleitores, e n'outro 748. Contei e recontei, conferi nome por nome, dei-me a um trabalho improbo, mas respondo pela exactidão das asseverações que, em materia de facto, aqui avançar. Constam, digo, dos cadernos do recenseamento da assembléa eleitoral de Santa Maria de Celorico, n'um 746 eleitores, e n'outro 748. No primeiro acham-se por descarregar 15, contendo nota negativa de descargas 5. Explico o que entendo por nota negativa de descarga. Dou esse nome á nota que se acha em frente dos nomes de cinco eleitores: votou com rubrica do respectivo revesador, e na mesma linha e mais adiante: não votou com rubrica do mesmo revesador. Considero pois valida a ultima nota. Logo são 20 os eleitores sem descarga e 726 com descarga.

Houve 726 votantes na assembléa de Celorico pelas descargas, mas d'estes eram fallecidos 21. As certidões de obito juntas ao processo mencionam 25, mas a differença de 25 para 21 procede de que 4 d'esses eleitores fallecidos não estão descarregados. Por consequencia são descarregados só 21.

Eu examinei o processo com o maior cuidado e minuciosidade, como o devia fazer. Ha alem d'isto declarações, por escriptura publica de que não concorreram á eleição, e todavia se acham descarregados, de 46 eleitores; é maior o numero d'estes declarantes pelo parecer da commissão, mas a differença procede do mesmo motivo de que alguns d'estes não estão descarregados no respectivo caderno. Eu tive muito trabalho para chegar a esta exactidão, e trabalhei muito, porque queria apresentar-me com segurança; tive trabalho, porque queria poder assegurar com a certeza da verdade e com a consciencia firme todos os factos que podiam influir no modo de considerar e avaliar esta eleição. As descargas são n'um caderno 728, e n'outro caderno 733.

(Interrupção do sr. Calça e Pina.)

Eu estou fazendo obra por um caderno onde os recenseados são 746, mas se o illustre relator quer farei obra pelo outro onde os recenseados são 748. No primeiro não têem descarga 20 eleitores, no segundo não têem descarga 15 eleitores. No primeiro estão descarregados 726, e no segundo 733.

Eu aceito os cadernos que ao illustre relator aprouver. Mas continuando a analyse pelo primeiro caderno, que eu aqui marquei com, a letra A, temos declarações por escripturas publicas, cujas copias se acham juntas ao processo, de que não foram votar 46 eleitores, e declarações dos parochos de cinco freguezias de que não tinham verificado a identidade de varios dos seus freguezes, que não foram votar por doentes, ausentes e por outros motivos, em numero de vinte e tres, no que não confere tambem com o numero apresentado no parecer da commissão, no qual ha uma differença para mais muito grande. Estas declarações acham-se tambem juntas ao processo.

Ha uma declaração singular de um eleitor da freguezia de Lagiosa, José Leite Pereira de Mello, passada pelo seu proprio punho, e de que a commissão faz menção no seu parecer, na qual declaração aquelle eleitor diz que não tinha ido votar pelo receio de ser maltratado.

(Interrupção do sr. Calça e Pina.)

Pois, quando tratâmos de verificar a verdade dos factos, não serão os mais competentes para os provar aquelles com quem elles se deram? Não serão as mais proprias para testificar a verdade das causas aquellas pessoas com quem ellas se passam? Quem então as ha de provar?

O contrario é fechar as portas á verdade, e não a querer conhecer.

Além da declaração dos parochos, como já disse, os mesmos eleitores declaram por escriptura publica que não foram votar.

Sommando pois estas differentes addições dão-nos a somma total de 91 eleitores que se acham descarregados em um caderno (e em outro são 93), os quaes pelas certidões de obito, pelas declarações feitas por escriptura publica, e pelas declarações confirmativas de cinco parochos de differentes freguezias, se mostra não terem votado.

Deduzidos estes 91 dós 726 votantes descarregados em um dos cadernos, fica o numero real dos mesmos 635 na assembléa de Santa Maria de Celorico.

Ora, na assembléa de Fornos de Algodres foi o numero dos votantes de 686, e na de Cortiço da Serra de 350, os quaes todos com os 635 da assembléa de Celorico dão o, numero real dos votantes em todo o circulo 1671. Mas se se quizer fazer a conta pelas descargas do caderno B da assembléa de Santa Maria de Celorico, as quaes são 733, isto é mais 7 do que as do caderno A, mas no qual as descargas dos mortos são mais 2 do que n'este, será o numero real dos votantes n'essa assembléa de 640 e o dos de todo o circulo de 1676. No primeiro caso a maioria absoluta é de 836, e no segundo de 839.

E note-se que eu não me faço cargo de negar como descarga apenas uma letra inicial, porque ha n'um caderno 11 votantes, que têem apenas um C. e isto não é descarga legal.

Mas eu quero conceder tudo quanto possa deixar o mais favoravelmente collocada que seja possivel a eleição de Santa Maria de Celorico, com alguma apparencia de legalidade, e por isso, repito, não combato a validade ou a authenticidade de algumas descargas em que a nota é apenas uma letra inicial.