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Foi approvado e proclamado deputado o sr. Fausto de Queiroz Guedes.

O sr. Carlos Bento: — Não quero demorar a resolução de negocios importantes, mas entendi que devia dizer algumas palavras sobre a questão que tem estado sujeita á apreciação da camara, e começo por declarar que para mim esta questão é uma questão de fazenda. Talvez isto seja uma illusão minha, mas parece-me que não, e creio até que a camara devia occupar-se d'ella n'este sentido; parlamentos de paizes muito mais ricos e adiantados do que nós se occupam d'ella debaixo d'este ponto de vista, ainda que rapidamente. Entre nós não é assim. Entre nós cada ministro da marinha segue as suas idéas a respeito do systema de construcções navaes. As intenções dos ministros são sempre muito legitimas, mas o certo é que por não termos tratado nem discutido o systema das nossas construcções navaes, estas muitas vezes custam muito caro e não são as melhores.

A camara preoccupa-se pouco com isso, não quer saber mesmo se com a compra de madeiras para as nossas construcções navaes se faz uma grande despeza, e se esta ás vezes é inutilisada.

Nós aqui no parlamento, repito, não discutimos nunca o systema das nossas construcções navaes; entretanto as nações que têem mais meios do que nós, discutem o systema das construcções navaes, discutem os armamentos militares, discutem a organisação dos seus arsenaes, e discutem o modo como elles estão dirigidos. Aqui não. Aqui somos bastante cavalheiros e bastante fidalgos para tratarmos destes objectos (riso).

O meu illustre amigo, o sr. Amaral, ministro da marinha, pessoa que muito respeito, prezo, e... eu não lhe faço mais declarações de louvor, porque estão muito vulgares os elogios, e eu quero fazer-lhe uma excepção para lhe fazer justiça (riso). Digo, o sr. ministro da marinha comprou uma embarcação. Não contesto a utilidade de adquirir uma embarcação. ía. ex.ª por motivos de força maior, vendo que tinha tres ou quatro navios de que não podia dispor de prompto, e que as circumstancias demandavam que tivesse ás suas ordens uma outra embarcação, tratou de a adquirir.

Não contesto essa necessidade e utilidade, não quero mesmo demorar-me n'este ponto, que é um facto consummado; mas o que quero é chamar a attenção da camara para o facto da declaração do nobre ministro quando disse: «As construcções navaes no arsenal hão de continuar e continuar com toda a actividade». Continuar como? Fazendo embarcações.

O sr. ministro da marinha disse isto, mas deve lembrar-se de que as experiencias que se fizeram no arsenal da marinha, nos não ficaram muito baratas. S. ex.ª esteve-o defendendo, e eu ataco-o por outro lado.

Peço a s. ex.ª que tenha a bondade de apresentar o relatorio ácerca das construcções, declarando qual o systema que pretende adoptar, de empreitada ou não empreitada, e quaes os meios de que dispõe.

E observo que não comprehendo como de repente, só pela vontade de um ministro, se podem resolver as difficuldades que se apresentavam e dependiam de certos elementos.

Não estavamos habilitados para fazer construcções navaes de certa ordem, e não o estamos ainda. Não é vergonha, porque a França, por exemplo, compra navios de guerra aos Estados Unidos, e porque outras nações mais adiantadas do que nós, compramos á Inglaterra e á America.

E preciso tomar uma resolução sobre este ramo importante de serviço publico, e eu espero que o sr. ministro traga á camara o relatorio a que me referi, expondo quaes são as suas idéas a este respeito.

Estou completamente de accordo com o sr. Carlos Testa, a quem tambem não faço elogios, porque os merece (riso). Os argumentos de s. ex.ª são importantes. Hoje não basta dizer que fazemos um navio de guerra barato; póde não ser um navio de guerra, e ser muito caro. Gastando réis 100:000$000 ou 200:000$000 em construcções navaes, que não satisfaçam ao fim para que forem destinadas, creio que gastamos muito.

A respeito da questão dos transportes tambem estou de accordo com o sr. Carlos Testa.

Antes de o sr. ministro da marinha entrar para o gabinete já eu entendia que não se tirava resultado para as construcções, nem interesse para o estado, da subvenção importante que concedemos a uma companhia ingleza para estas construcções; e a minha opinião era que deviamos commetter essa subvenção n'um fundo sufficiente, para dar margem sufficiente para pagar as despezas das construcções navaes e a amortisação do capital.

Não posso renegar esta idéa, que era anterior á entrada do sr. ministro, e que esta enunciada.

Esta questão é seria e importante, é questão de fazenda, como todas as outras que hão de ser submettidas á apreciação da camara.

Não tenho informações nenhumas a respeito do navio comprado, mas faço plena justiça á resolução do nobre ministro, relativamente a essa compra.

Declaro entretanto que não se póde dar um voto de confiança ao governo para as novas construcções navaes fóra do paiz, sem se saber quaes as bases sobre que assentam, e os meios que o governo tem á sua disposição para as levar a effeito.

Sem isso não posso dar o meu voto; e, para fallar com franqueza, entendo que a camara fará mal se der o seu voto.

O sr. Mesquita da Rosa: — Sr. presidente, é muito a custo que uso da palavra, não só porque muito pouco confio em mim, como pelo natural respeito que esta camara me impõe, mas como breves momentos terei de a occupar, espero que assim melhor me relevarão a fórma da minha exposição, e porventura algum erro de doutrina.

Entendo, e assim todos os livres cambistas, como principio incontroverso, que o consumidor deve ter a liberdade de buscar o mercado onde mais barato lhe venderem, assim como o vendedor aquelle onde melhor possa fazer produzir os seus generos. Se isto deve ser para o particular faculdade e direito, é para o governo, a meu ver, obrigação e dever impreterivel.

' N'esta occasião em que tanto se falla em economias, parece-me haver ainda menos rasão para que alguem se persuada que o governo não deve comprar em mercado estrangeiro o que por igual preço se não fabrique no nosso, visto que a differença não póde deixar de ser á custa do paiz, á custa do contribuinte.

O meu amigo, o sr. Fradesso da Silveira, entende, como proteccionista que é, que os governos têem obrigação de, por meio de compras em peiores condições, animar as industrias. A minha opinião é que não é esta a missão dos governos, assim como tambem é opinião minha que qualquer industria que não póde viver sem protecção é, em logar de elemento de riqueza, uma calamidade publica.

Disse s. ex.ª que na Europa central a industria progredira pela protecção. Eu podia adduzir um grande numero de exemplos para provar exuberantemente que lá fóra, assim como por cá, a protecção tem dado exactamente resultados contrarios (apoiados). A respeito das industrias que mais conheço, posso provar a s. ex.ª que a protecção não tem tido os resultados que os proteccionistas esperaram, e que têem sido um grande onus para o consumidor (apoiados).

Disse s. ex.ª que nunca os livres-cambistas se queixaram por o governo ser productor em algumas industrias, e atacar assim o trabalho nacional. Devo dizer a s. ex.ª que tambem não desejo ver o governo productor, e que não aceito que elle faça produzir caro por meios artificiaes, assim como tambem não desejo que elle queira produzir "barato por iguaes meios (apoiados).

Digo como o sr. Fradesso da Silveira, que não quero industria official. Diz s. ex.ª não ter rasão de ser uma cordoaria administrada pelo estado. O mesmo digo eu, e ainda mais, não desejo que o governo tenha imprensa nacional, que mande ensinar a cantar, que dê subsidios a theatros, que mantenha quintas regionaes, e escolas profissionaes. Não é esta a sua missão. Quero que o governo reconheça o direito que todos os cidadãos devem ter de produzir e vender pelo mais que poderem, e de comprarem o mais barato que lhes for possivel. Tudo quanto não for isto é injusto. Se um consumidor precisa de um certo artigo, e é obrigado para obte-lo a empregar quatro dias do seu esforço em logar de tres, pelo quaes lhe dariam o de procedencia estrangeira, ha aqui, segundo creio, um ataque á propriedade do consumidor.

Disse s. ex.ª querer chegar pela protecção á liberdade; e eu direi que é muito mau o caminho, e para nós que temos trinta e um annos de onerosas protecções, é reconhecidamente mau. -

O que vou dizer é talvez fóra de occasião. S. ex.ª como sei por uma proposta de um projecto de lei, de que já este anno renovou a iniciativa, diz que não póde fazer-se qualquer reducção nas pautas, sem longos inqueritos á industria do paiz. E que a escola proteccionista, conhecendo que não é recebida, e não podendo vencer a torrente da opinião, quer desvia-la ganhando tempo. Devo dizer que como vejo as cousas do lado do consumidor, e s. ex.ª sempre do lado do productor, eu entendo que só poderia ser util o inquerito que consultasse tanto este como aquelle. Como isto é impossivel, votarei contra todos os inqueritos á industria por serem falsos e despendiosos.

S. ex.ª foi presidente de uma commissão encarregada de inquirir do estado das industrias do paiz. É dever impreterivel declarar que dizendo serem falsos os inqueritos, não tive idéa alguma de offender s. ex.ª a quem tanto respeito pelo seu talento e qualidades. É evidente que só podia servir-se para o seu trabalho das informações recebidas.

Vou citar um artigo. Diz-se no inquerito a que me refiro que a industria de pannos tem só a protecção de 30 por cento. Posso afiançar a v. ex.ª e á camara, não ser verdade. Tomaram como typo e base para o calculo os artigos caros, que não produzem agora, que nunca produziram, e que supponho, a continuarem as protecções, que não produzirão n'estes trinta annos. Repito, não desejo inqueritos, porque, alem de outras rasões são feitos á custa do thesouro, que não so alimenta milagrosamente, e só tem vida pelo imposto. Ora, para quem deseja economias, a despeza é circumstancia attendivel. Além d'isto vejo no seu pedido o desejo de collocar um certo grupo de individuos em circumstancias privilegiadas, e eu rejeito sempre o privilegio. O sr. Fradesso defende os interesses dos productores; eu hei de defender sempre os do consumidor, que formam o maior numero. São estes os deveres da justiça, e o que ensina a boa rasão.

Não quero tomar mais tempo á camara. Se usei da palavra foi por que, tendo crenças velhas, manifestadas pela imprensa, e muito arraigadas, de que a liberdade é tudo, e que todos os problemas de economia social, que porventura se não possam resolver por ella, não têem solução possivel, entendi ser dever imprescriptivel protestar contra quaesquer insinuações ou objecções, que importassem censura a um ministro, que tivera a idéa de comprar em mercado estrangeiro, o que se não podia produzir no paiz nem tão bom, nem tão barato.'

Vozes: — Muito bem.

O sr. Fradesso da Silveira: — Estimo ter provocado esta questão por dois motivos principaes: um d'elles foi o ter dado logar a que o illustre deputado, meu antigo camarada e amigo, o sr. Testa, apresentasse á camara esclarecimentos importantissimos que a devem habilitar para apreciar o modo por que o governo se houve em relação ao assumpto de que se tratava; o outro motivo foi o ter proporcionado ensejo á estreia do meu collega e amigo o sr. Mesquita da Rosa, estreia pela qual eu lhe faço os meus sinceros comprimentos.

Não vinham talvez muito para o caso algumas das considerações que s. ex.ª apresentou, pois que eu, logo que annunciei a minha interpellação com a maior moderação possivel, tive a cautela de dizer que não aproveitava a occasião para vir tratar umas certas questões que mais tarde ou mais cedo hão de ser debatidas n'esta casa.

Muito de leve, e apenas provocado pelo illustre ministro da marinha, tive de dizer alguma cousa que deu origem ás observações do sr. Mesquita da Rosa. Não sei a proposito de que, mas creio que a proposito das doutrinas apresentadas pelo sr. ministro da marinha, declarou-se o proprio sr. ministro anti-proteccionista radical, manifestando assim a opinião do governo, com a qual eu não concordo..

Em presença d'isto, e respondendo a uma parte do sr. ministro, fallei eu da Europa central, e disse que estava ali o exemplo de uma grande transformação, porque um paiz essencialmente agricola se transformara pela protecção em paiz manufactor, apto para concorrer em todos os mercados com os paizes que se diziam essencialmente e naturalmente industriaes.

Diz o sr. Mesquita da Rosa que eu estou em erro, e ainda creio que não. Dizem os livres-cambistas, como s. ex.ª que a transformação ali feita, foi devida inteiramente á liberdade, e eu ainda entendo o contrario. A explicação é facil.

A transformação que elevou aquelle paiz de ser essencialmente agricola a ser industrial e ao mesmo tempo agricola, foi um effeito natural e logico do systema protector. Como se constituiu o Zollverein? Como appareceu aquella grande confederação? Como se abateram as barreiras que separavam os diversos estados, e como se explica a sua prosperidade fabril? Os partidarios da liberdade de commercio, ampla e precipitada, dizem que a explicação é facil; porque se estabeleceu a liberdade de commercio entre todos aquelles estados; e eu digo que ella é facil, porque em torno d'estes estados se levantou a barreira, que os separou de todos os outros, emquanto de tal barreira careceram.

Aquelles estados, quando tiveram de tomar uma resolução, aceitaram de entre todas as pautas, a pauta da Prussia, que era a mais alta, e augmentaram ainda os direitos. É porque a industria de então, ainda fraca, sentiu a necessidade de se reforçar por este modo. É preciso ver como aquella industria nasceu ali; é preciso notar que lhe deu vida o bloqueio continental, arma de guerra politica, que sendo perniciosa para muitos interesses, deu origem a muitas industrias, creando fabricas, no continente, que sem elle nunca teriam existido.

Em 1815 a invasão dos productos inglezes ía derribar essa industria nascente. Tres annos durou a luta; mas no fim d'elles a Prussia, apesar das reclamações da Gran Bretanha, elevava os direitos da pauta, e a industria resurgia animada pela protecção.

Veja-se a historia de Zollverein desde que se fundou a sociedade allemã até hoje, e ahi acharão todos o fundamento que eu tenho para pedir que façam o que elles fizeram, se querem conseguir o que elles conseguiram.

É por isso que eu digo que a Europa central é um exemplo, que se póde perfeitamente citar. Exportava lãs, cereaes, madeiras, o outros productos do solo; importava os productos fabricados em França, na Belgica, na Hollanda, na Inglaterra, na Suissa. E agora concorre com as primeiras nações industriaes!... Deve isto á protecção.

Peço desculpa á camara de lhe ter roubado ainda por tanto tempo a sua attenção; não devo cansa-la mais hoje, porque tem cada cousa o seu logar proprio. Gosto pouco de insistir nas questões que não levam a uma resolução, podemos ter uma discussão academica, mas o parlamento não é academia. Para outro fim nos mandaram aqui.

Tenho comtudo obtido durante esta questão diversos esclarecimentos que me são uteis, e que eu não quero deixar de os mencionar. Estava convencido até agora de que isto de estudar, indagar, inquirir era uma cousa util; estava convencido de que assim os homens d'estado se habilitavam para reger os destinos do povo; agora vou estar convencido do contrario. Os inqueritos não prestam. A Inglaterra, que nós citamos tantas vezes, e com tanta rasão, funda todas as suas resoluções importantes no estudo, e talvez seja uma tonta! Diz-se que não é possivel fazer inqueritos verdadeiros! E comtudo faz a Inglaterra inqueritos valiosos; faz a França importantes averiguações sobre todos os assumptos da governação. Nós não devemos faze-los. Para cá não prestam.

Pois esta questão que se trata aqui hoje não foi já tratada em França, em um inquerito que lá se fez? Pois não ha ali um inquerito sobre a marinha, do qual se obtiveram esclarecimentos muito uteis?

Estava eu muito enganado. Agora já estou convencido do contrario. Parece-me que bastará simplesmente aceitar uma theoria extremamente commoda e dispensa-se o estudo. Compremos os artefactos onde forem mais baratos, e dito isto esta dito tudo; não ha nada mais facil para regular os destinos de uma nação. Estabelece-se a regra, que extingue a producção. Se ha um paiz que offerece qual-qtter artefacto por preço inferior ao da nossa producção, suspende-se aqui a fabricação, e assim a pouco e pouco cessaremos o fabrico, porque difficilmente haverá producto que algum outro paiz não faça por preço menor.

Eu disse que não morria de amores pela industria official