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SESSÃO DE 5 DE MAIO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs. Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Deu se conta dos seguintes officios: um do ministerio da guerra, devolvendo, informado, o requerimento em que Elias Chaves Folki-hée pede uma pensão; outro do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos requeridos pelo sr. Dantas Baracho. relativamente á arrematação de capacetes; outro do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Jalles, relativamente á arrematação de lanificios. - Teve segunda Leitura um projecto de lei do sr. Oliveira Matos, isentando de contribuições, durante dez annos, a contar da sua edificação, os predios construidos na serra da Estrella entre 1:300 e 1:800 metros de altitude, destinados ao recolhimento de doentes tuberculosos. - O sr. Mancellos Ferraz apresentou um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo. - Entrou em discussão o projecto de lei n.º 46, estabelecendo provisoriamente direitos sobre o trigo, milho, cereaes em grão não especificados, farinha de todos os cereaes e a fava que, no dia 4 de maio de 1888, não estiverem nos portos portuguezes ou em viagem directa dos paizes productores. Este projecto, em cuja discussão tomaram parto os srs. D. José de Saldanha, ministro da fazenda, Franco Castello Branco, Augusto Fuschini, Moraes Carvalho, Consiglieri Pedroso e Carrilho, foi a final approvado, approvando-se tambem o pensamento de uma proposta do sr. Franco Castello Branco, sendo retiradas as propostas que apresentaram os srs. D. José de Saldanha e Moraes Carvalho.
Na ordem do dia continua a interpellação ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa, usando da palavra sobre a ordem, em opposição ao governo, o sr. Julio de Vilhena.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde

Presentes á chamada 50 srs. deputados. São os seguintes : - Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco de Barros Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Pires Villar, João - Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Alves de Moura, Avellar Machado, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José do Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Pedro Victor e Estrella Braga.
Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Villaça, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Mazziotti, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, João, Arroyo, Menezes Parreira, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Barbosa Colen, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Oliveira Matos, Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Mancellos Ferraz, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marcai Pacheco, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Jalles, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Pereira de Matos, Guilherme Pacheco, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Pedro do Lencastre (D.), Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE
Officios

Do ministerio da guerra, devolvendo, informado, o requerimento em que Elisa Chaves Soares Folkihée, pede uma pensão.
Á commissão de guerra.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Dantas Baracho, os documentos relativos á arrematação de capacetes.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Antonio Maria Jalles, sobre arrematação de lanificios.
Para a secretaria.

Segunda leitura
Projecto de lei

Senhores.-Venho submetter ao vosso esclarecido exame e imparcial apreciação, um projecto de lei recommendavel pelas indicações scientificas que o aconselham e pelas vantagens que aos que soffrem d'elle resultam.
O projecto de lei que formulo mira ao conseguimento do isenção de contribuições dos predios urbanos que se construirem na serra da Estrella, entre 1:300 a 1:800 metros de altitude, durante dez annos, destinados a receber aquelles individuos que na mesma serra pretendam debellar as doenças, de peito pelo tratamento de ar rarefeito das altitudes.
E a sciencia moderna que hoje aconselha e recommenda, este tratamento nas molestias pulmonares, a exemplo do que se faz na Suissa ha já bastantes annos.
A construcção de casas na serra da Estrella, n'aquella altitude, é um emprehendimento utilissimo, com que todos muito aproveitam.
Considerando, pois, de indiscutivel vantagem para os doen-
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tes tuberculosos do nosso paiz, a construção de habitações adequadas na serra da Estrella, entre l:300 a 1:800 metros de altura acima do nivel do mar;
Considerando os grandes obstaculos que difficultam e tornam quasi impossiveis aquellas construcções, attentos os altos preços dos materiaes e operarios, resultantes da posição do local, para onde não ha uma unica estrada;
Considerando que se vae dar protecção legitima a uma exploração nova, util e humanitaria, para a qual a iniciativa particular entre nós encontra sensiveis reluctancias;
Considerando que embora a sciencia hoje aconselhe nas doenças de peito e tratamento do ar rarefeito das altitudes com apreciavel vantagem, poderá ámanhã surgir outra indicação scientifica geradora do abandono de tal tratamento, e consequentemente a perda certa do capital despendido nas mencionadas habitações;
Considerando, finalmente, que as primeiras construções ali levantadas promettem ser a origem de uma povoação florescente, tenho a honra de propor e apresentar. submettendo-o á justa e esclarecida apreciação d'esta camara, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º São isentos de contribuições os predios urbanos construidos na serra da Estrella, entre 1:300 a 1:800 metros de altitude durante dez annos, a contar da sua edificação, destinados ao recolhimento de doentes tuberculosos,
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das commissões de fazenda, 4 de maio de 1888.= O deputado J.M de Oliveira Matos.
Lido na mesa, foi admittido e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara, com urgencia, os originaes ou copias da correspondencia trocada entre o mesmo ministerio e o presidente ou vogaes da commissão que foi encarregada de examinar e dar parecer ácerca do methodo de leitura de Candido José Ayres de Madureira, abbade de Areozello = Luiz da Cunha de Marcellos, deputado pelos olivaes
Mandou-se expedir

O sr. Presidente .- Vae entrar em discussão o projecto n.º46
Leu-se na mesa.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 46

Senhores.- Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta do governo n.º 45-C, datada de hoje, tendente a evitar que os interesses da fazenda publica possam ser prejudicadas por despachos antecipados dos generos cujos direitos de importação são elevados n'outra proposta também datada de hoje;
Considerando quanto é urgente promulgar a providencia que o governo acaba de sujeitar ao exame parlamentar, como alias a camara o reconheceu, entende que deveis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O trigo, o milho, os ceraes em grão não especificados, a farinha de todos os cereaes e a fava que no dia 4 de maio de 1888 não estiverão nos portos portuguezes ou em viagem directa dos paizes productores para os mesmos portos, pagarão provisoria e respectivamente por Kilogramma os direitos de 20 réis, 16 réis, 15réis, 30réis e 14 réis.
$ 1.º A differença entre os direitos acima fixados e os actuaes, marcados na pauta geral das alfandegas, será considerada como em deposito até resolução das côrtes, a fim de entrar na receita publica ou ser restituida, no todo ou em parte, aos interessados.
$ 2.ºAs disposições de esta lei começarão a vigorar no dia da sua aplicação do diario do governo.
Art. 2.º Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão de fazenda, 4 de maio de 1888. = A. Baptista de Sousa = Antonio Eduardo Villaça = José Frederico Laranjo = A. Fonseca = Vicente R. Monteiro = Oliveiras Martins = Marianno Presado = Fernando Mattoso Santos = Carlos Lobo d'Avila = Elvino de Brito = Antonio M. Pereira Carrilho, relator.

N.º 45-C
Senhores.- Em proposta de lei da presente data solicita o governo a vossa approvação para uma mudança importante nos direitos sobre os cereaes e as farinha.
Fazendo apropria importancia do assumptos suppor que seja demorado o exame parlamentar da referida proposta, convem evitar que a especulação commercial realise avultadas importações dos generos, cujos direitos são elevados, e assim prejudique os interesses agricolas e os do fisco.
Por este motivo tenho a honra de submetter ao vosso esclarecida exame a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º O trigo, o milho, os cereaes em grão não especificados, a farinha de todos os cereaes e a fava, que no dia 4 de maio de 1883 não estiverem nos pontos, pagarão provisoria e respectivamente por Kilogramma os direitos de 20 réis, 16 réis, 15 réis, 30 réis e 14 réis.
$ unico. A differença entre os direitos acima fixados e os actuaes será considerada como em deposito até resolução das côrtes, a fim de entrar na receita publica ou ser restituida no todo em parte aos interessados.
Ministerio dos negocios da fazenda, 2 de maio de 1888.
Marianno Cyrillo de Carvalho.

O sr. Fuschini:- Sr. Presidente, v. exa. Comprehende perfeitamente que não vou contrair o projecto em discução; é uma medida usada em todos os paizes que se administram soffrivel e regularmente, á qual portanto dou o meu voto.
Não desejo, pois, perder tempo, e limito-me a fazer ligeiras considerações e perguntas ao sr. Ministro da fazenda.
V. exa. admittirá tambem que não é momento opportuno para discutir o projecto apresentado hontem á camara pelo sr. Ministro da fazenda, projecto que aida tem de ser apreciado pela commissão, e a respeito do qual reservo a minha opinião.
Mas, sr. Presidente, forçoso é referir-se á folha official do srs. ministros têem folhas officiaes; assim, as Novidades são a folha official do sr.
ministro das obras publicas e o Diario popular a do sr. ministro da fazenda.
Não é, pois para estranhar que me dirija n'este momento a s. exa., tomando-lhe contas e pedindo-lhe explicações ácerca das idéas expostas por s. exa. na sua folha official - o Diario popular.
(Interrupção)
Sabe v. exa. que o estylo é o homem, e nós não somos tão ignorantes em questões literarias, que não reconheçamos o estylo rijo e incisivo do sr. Marianno de Carvalho.
Por isso, no parece, que os artigos do Diario popular e das Novidades traduzem a personalidade politica dos dois ministros.
Mas, seja como for, o Diario popular ha dias referia se a uma experiencia, que o sr. ministro projecta mandar fazer, a fim de determinar a percentagem e a qualidade das farinhas dos trigos nacionaes e a sua comparação com as dos trigos estrangeiros.
Sr. Presidente, devo observar á camara e a v. exa. que a economia politica moderna é essencialmente experimental; não me repugna, pois, que para se resolver uma

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questão d'esta ordem se recorra a experiencias bem feitas e bem dirigidas, mas como o projecto que tem por fim minorar a crise agricola foi apresentado muito tarde, e entendo que se devem tomar medidas ingentes, receio que as experiencias possam obstar a sua discussão, e que por isso não seja ainda estudado n'esta sessão legislativa.
Sr. presidente, estas affirmações deixaram-mo duvidas no espirito; se s. exa. quer fazer experiencias completas sobre as farinhas, essas experiencias podem ser muito longas e absorver muitas semanas
Se o sr. ministro da fazenda, pretende apenas fazer experiencias para obter a percentagem das farinhas, parece-me que poderão ser feitas em periodo curto; mas se quer fazer investigações mais completas, melhor seria na sua folha official não ter fallado n'isso, porque póde haver quem te negue a entrar na discussão da sua proposta, antes de se conhecerem os resultados das experiencias a que mandou proceder.
Sr. presidente, mais uma vez confesso: o sr. Marianno de Carvalho é por tal fórma habil que com qualquer medida sua é preciso praticar, o que se faz no ataque das praças fortes; estabelecer as parallelas muito distantes, e approximal-as successivamente, porque á primeira investida não se vence uma proposta sua quasi inexpugnavel.
De resto, ainda me lembro do meu Virgilio que punha na bôca dos troyanos a celebre pharase: timeo dannos et donn ferentes; quando os gregos me trazem offertas, receio sempre d'ellas.
Dito isto, o meu desejo é ouvir do sr. ministro da fazenda uma explicação clara c precisa; não são necessarias muitas palavras, basta unicamente dizer o que tem feito a respeito d'este assumpto, o que tenciona fazer, e qual o periodo ora que conta completar as suas experiencias.
O sr. Ministro da Faseada (Marianno de Carvalho) : - (O discurso será publicado em oppendice a esta sessão guindo s. exa. o restituir.)
O sr. D. José de Saldanha:- Sr. presidente, pedi a palavra para declarar que, debaixo do ponto de vista restricto, mas levantado, de defender os interesses, do thesouro publico, entendo que o projecto de lei em discussão, n.° 46, é uma boa norma de administração publica.
Se alguma cousa ha para lamentar e que essa norma não tenha sido a norma seguida em Portugal, em todos os casos analogos.
Na mesma ordem de idéas entendo, pois, que o sr. ministro da fazenda merece todos os nossos louvores, por se ter apressado em vir a esta camara apresentar uma medida d'estas; e que a commissão de fazenda procedeu igualmente bem, apressando se em dar o seu parecer.
Mas se digo isto não posso, por outro lado, deixar de fazer mais algumas considerações sobre o assumpto, a fim de que, por fórma alguma; só julgue que eu me conformo com tudo o que contém a outra proposta de lei n.° 45-B,
que foi aqui hontem apresentada o lida pelo sr. ministro a fazenda.
Esta questão dos direitos dos cereaes tem sido muito debatida na imprensa, tem sido discutida em todo o paiz, e eu desejo aproveitar esta occasião para expor com toda a clareza a minha opinião, por fórma que todos a conheçam, a para que se comprehenda que se eu tenho sido teimoso n'esta questão, tenho o sido por entender que com isso presto um bom serviço ao meu paiz, no que sempre insistirei.
Sr. presidente, a questão é muito simples; a questão versa apenas sobre um ponto.
Quando se discutiu n'esta camara, em 1887, a reforma das pautas, já então eu levantei aqui a questão e affirmei que deveria haver uma certa e determinada correspondencia, entre o direito dos cereaes e o das farinhas, de maneira que um e outro dessem o resultado que era para desejar. me pude alargar então com grande numero de considerações sobre esse ponto, porque, pela fórma por que' correu a discussão, eu fui levado a insistir principalmente na existencia da crise agricola, e a fazer ver o alcance que uma votação sobre a reforma das pautas tinha para essa crise.
Em todo o caso apresentei a idéa de que a um dado direito sobre o trigo deveria corresponder um dado direito sobre a farinha, e, d'esta occasião disse que, se fosse votado o direito de 20 réis para o trigo, devia corresponder-lhe o direito de 20 réis sobre a farinha.
Vamos a ver o que succedeu.
O que succedeu foi o seguinte:
A commissão, que sustentava a todo o transe o projecto da nova pauta, fez votar pela camara o direito de 15 réis para o trigo e o de 22 réis para a farinha.
Tomando a differença entre 15 réis e 22 réis, ternos 7 réis, e este é o direito differencial que actualmente actua sobre a farinha.
O que eu tinha indicado era o direito de 20 réis para o trigo e o de 25 réis para a farinha, sendo o direito differencial de 5 réis.
O direito pedido em abril de 1888 pelo primeiro congresso. agricola foi o de 25 réis para o trigo e o de 30 réis para a farinha, o que dava tambem o direito differencial de 5 réis.
O direito, segundo o projecto em discussão, é de 20 réis para o trigo e de 30 réis para a farinha, sendo o direito differencial de 10 réis.
O direito differencial que actualmente vigora é de 7 réis; o direito differencial que o congresso agricola pediu é de 5 réis; e o direito differencial do projecto em discussão é de 10 réis.
A conclusão é que sendo o direito differencial, actualmente em vigor, de 7 reis, e pedindo o congresso agricola que o direito differencial seja diminuido a 5 réis, não só se não attendeu a este pedido do congresso agricola, mas ainda o projecto do governo vem elevar o direito differencial a 10 réis!
Isto é claro, me parece.
Agora, pergunta-se e pergunta-se bem: Para que serve o direito differencial?
Eu vou explicar.
Desde o momento em que nós em Portugal tivessemos um governo forte, e dizendo governo, não me refiro determinadamente ao actual governo, esse governo forte resolveria facilmente a questão da seguinte fórma: elevaria os direitos para o trigo e estabeleceria a estiva para o pão.
Havia outra variante, e essa consistiria em as camaras municipaes fazerem o mesmo que fazem em França.
Em França, quando foi elevado o imposto sobre o trigo estrangeiro, na entrada n'esse paiz, algumas camaras municipaes, recciando a elevação do preço do pão, deram o exemplo, e sem demora marcaram o preço e o peso para a venda do pão.
Sendo costume citarem-se e seguirem-se constantemente em Portugal os exemplos de França, é para admirar que não se queira, n'este ponto, seguir o seu exemplo!
Em um outro paiz, que d'antes era constantemente citado no parlamento portuguez, refiro-me á Belgica, existe, a estiva para a carne e para o pão.
Não se adoptando a estiva, o que convem fazer-se?
E o que eu vou procurar expor com toda a clareza.
Peço desde já aos srs. deputados presentes, que, se não entenderem a minha argumentação, m'o digam, para eu procurar apresental-a ainda com mais clareza, depois do sabor qual a parte que não foi comprehendida.
É certo, que, existindo um dado imposto aduaneiro de entrada na alfandega sobre o trigo estrangeiro, esse trigo chega á fabrica de moagem com um certo e determinado custo, valor, e é tambem certo que a farinha obtida na fabrica com esse trigo estrangeiro tem de apparecer no mercado com um certo preço de venda.

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Desde o momento em que o productor de farinha e o vendedor de pão não encontram obstaculos que se opponham á sua vontade, um e outro vendem a farinha e o pão pelo preço que lhes agrada, pelo maior preço que podem obter, no mercado em Lisboa e, com o desenvolvimento que tem tido a viação accelerada no paiz, póde dizer-se que o que se dá em Lisboa se dá em todo o paiz.
Segue-se d'ahi que o preço do pão está completamente á merco, á vontade e ao arbitrio d'esses individuos moleiro e padeiro.
Para acabar com o arbitrio, com o despotismo, na venda de farinhas o de pão, para impedir abusos, pedi eu em 1887, pede o congresso agricola, que o direito sobre a farinha estrangeira seja tal que, quando o preço do pito, por vontade ou não vontade dos srs. moageiros, suba a certo preço, haja logo decidida vantagem para o importador de farinhas em introduzir em Portugal farinhas estrangeiras, que serão compradas e reduzidas a pão, porque o preço elevado d'este dará margem, ou logar, a que esse preço seja remunerador para todas as despezas feitas com a sua fabricação com as farinhas estrangeiras importadas.
O direito sobre as farinhas estrangeiras, estabelecido em certas proporções, é uma como que barreira para evitar a subida do preço do pão, porque, logo que o preço do pão, fabricado com farinhas de trigos moidos em Portugal, tenda a subir, haverá vantagem era importar farinhas estrangeiras e em fabricar pão com ellas.
Desde o momento em que esse direito differencial não seja o que deve ser, e seja o que está marcado na proposta e no projecto de lei, é evidente para mim que esse direito differencial não satisfará, porque não preencherá a missão
que lhe está naturalmente destinada.
Poderão responder, "Mas devem estar contentes; sustentaram a necessidade da existencia de um direito differencial, lá o têem no projecto; a divergencia está sómente em que, em logar de se conceder 25 réis para o trigo, este ficará com o direito de 20 réis".
Este argumento volta-se contra quem o emprega e a rasão é muito simples.
Desde o momento em que reconhecem que não ha perigo de encarecimento de pão, como a elevação do direito das farinhas até á quantia de 30 réis, o maior argumento que até hoje os moageiros têem apresentado contra a elevação do imposto do trigo, desapparece, não tem base, e se assim é, por que motivo não hão de conceder ao trigo nacional a protecção que para elle e pedida o devida?
Para mim é isto claro e evidente, e não tem resposta.
Mas vejamos a questão por outro lado. Diz-se: à Haverá no projecto alguma cousa que possa obstar ás demasias dos lucros excessivos dos moageiros e dos padeiros?"
A resposta naturalmente é a seguinte: "Esse correctivo existe na outra parte da proposta, que ainda não está em discussão, e que se refere ao estabelecimento de padarias militares, uma na região do sul do paiz, e outra na região do norte, ao estabelecimento de padarias municipaes em Lisboa, Porto e outras povoações importantes, e alem d'isso a um certo numero de franquias e isenções, que são concedidas ás fabricas de moagem, ás azenhas e aos moinhos de vento, que só moam cereaes portuguezes".
N'este caso pondero que nada d'isso existe por emquanto, e que por isso o natural é que os moageiros, que até hoje estavam senhores do terreno, mais senhores ficarão d'elle com a approvação do projecto.
Mas ha mais. A parte altamente melindrosa da proposta de lei, n.° 45-B, é aquella que se refere a ficar o governo armado com a auctorisação para modificar ou alterar os direitos, conforme se diz no § 2.° do artigo 1.ª da mesma proposta de lei n.° 45-B.
Eu julgava, sr. presidente, que todas as discussões havidas no parlamento portuguez, desde longos annos, tinham sido tendentes a acabar com o arbitrio por parte do poder executivo; julgava eu que as leis votadas o tinham sido
por fórma a evitar na sua execução a intervenção da vontade não constrangida ou não regulada, dos governos, e comtudo o arbitrio ficava existindo com a approvação do indicado § 2.°
Entendo que o mais conveniente para todos é tirar ao governo, seja elle qual for, todo o arbitrio, em materia de legislação.
Se o governo, no caso de ter de exercer o seu livre arbitrio, se encontrasse sempre rodeado de corpos collectivos que tomassem a responsabilidade dos seus conselhos perante o paiz, se este soubera os nomes dos membros d'esses corpos, das deliberações dos quaes viessem a publico as actas parei poderem ser bem apreciadas, encontrar-se-ia em tudo isso, n'esse conjuncto de circumstancias, uma especie de correctivo ou de freio ás demasias que qualquer governo quizesse ou podesse praticar em relação á execução da lei que fôra votada; mas a verdade é que não se dá isso.
Esses corpos collectivos não vivem nas condições a que acabo de me referir.
A maior parte dos corpos collectivos a que me refiro, se não todos, são, permitta-se-me a expressão sociedades anonymas de responsabilidade illimitada, porque é responsabilidade que não tem limites, que gosa de auctorisação illimitada.
Digo isto, sem animo de melindrar ou de offender qualquer dos individuos que fazem parte d'esses corpos consultivos, com alguns membros dos quaes até tenho relações de amisade; mas a verdade é que o paiz, em grande parte, ignora a existencia d'esses corpos, desconhece até os nomes dos individuos que os compõe, e por outro lado esses individuos dão o seu parecer sobre uma dada questão, e em seguida o governo apresenta-se á camara, declarando que tal medida, tal proposta, tal deliberação do poder executivo, está escudada pelo parecer de um dado corpo consultivo!
Sendo isto assim, pergunto eu : "N'esses casos quem toma perante o paiz a responsabilidade d'esse parecer, e das suas consequencias?"
O ministro, qualquer que elle seja, diz que não tem responsabilidade, porque procedeu de accordo com um parecer, que é do corpo competente, e nós, legisladores, fiscaes do poder executivo, não podemos tornar effectiva a responsabilidade d'esses corpos, porque não temos nas leis base para isso.
Sr. presidente, repugna ao meu espirito que se vote uma lei a respeito da qual se diz que, para destruir abusos que se possam dar, nós, o paiz, poderemos e teremos de contar só com a boa vontade e com o criterio do governo.
Direi mais, no momento actual posso eu ter confiança no sr. ministro da fazenda, posso eu ter relações de amisade mais ou menos intimas com s. exa. póde o meu espirito ser levado a partilhar, senão todas, pelo menos a maior parte das idéas que elle tem introduzido no seu systema de administração publica, mas todas essas circumstancias, pelo menos muitas d'ellas, podem mudar e, para ser justo, que o desejo ser, devo notar por isso que as rasões que se dão a meu respeito com o actual sr. ministro da fazenda, podem não se dar com relação a outros cavalheiros, e isto mais uma rasão para eu desejar que todas as leis Sejam redigidas de fórma que se tire todo o arbitrio ao governo, seja elle qual for. Mas ha mais.
Sr. presidente, agora me recordo que já fui censurado nos jornaes politicos, e por mais do uma vez, de empregar o estribilho. Mas ha mais.
D'essa accusação resultou o eu averiguar que o estribilho é classico, empregado pelos melhores mestres da nossa lingua; depois d'isso tenho notado que ainda ultimamente me tenho encontrado n'esta camara em muito boa companhia no emprego do mesmo estribilho, (Riso.) mas como

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nada d'isso talvez sirva para me pôr ao abrigo de nova censura; peço perdão a s. exa. de ter empregado o estribilho e procurarei não cair mais n'essa falta.
Ha uma questão grave em tudo isto, e essa questão é a que eu procurei levantar aqui o anno passado por occasião da discussão das pautas, quando estava presente o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, o para a qual eu chamei a attenção de s. exa.
Eu tive occasião de dizer então a s. exa. que tambem agora me está ouvindo, que eu entendia que era uma pessima orientação com relação á marcha economica dos, negocios publicos, o querer-se mais directa, ou menos directamente, acabar ou restringiria cultura dos cereaes e desenvolver extraordinariamente a cultura da vinha.
Eu fiz algumas considerações a este respeito e, se por um lado tenho, a consolação de que não me enganei nas minhas apreciações tenho, por outro lado, a desconsolação grande, enorme, de ver que os factos deram rasão ás minhas prophecias.
S. exa. sabe que a industria dos vinhos se tem generalisado no nosso paiz de uma maneira espantosa na parte relativa á agricultura, e s. exa. não ignora que a excessiva producção de vinhos dá logar a uma crise assustadora, e, tanto mais assustadora, quanto é certo que essa crise se dá na região onde a massa da população é mais numerosa e mais densa, onde está mais condensada.
E agora pergunto eu, e pergunto bem: "A que é que tem obedecido esta orientação do excessivo desenvolvimento da cultura da vinha?!"
Sr. presidente, hontem á noite houve uma reunião no ministerio das obras publicas, para que foram convidados alguns viticultores, e n'esta reunião, composta de cavalheiros entendidos e interessados no assumpto, foi discutida á situação em que, se encontram os nossos vinhos pela falta de saída, e tambem foi apontada a situação desgraçada em que se encontram já muitos dos nossos viticultores, reduzidos a tão precarias circumstancias que têem de deixar sem cultura as suas vinhas!
Por falta de saída para os vinhos até já se deixam terrenos sem cultura!
Tudo isto precisa uma explicação e a explicação é simples.
Bem ou mal, com boa ou má rasão, entendeu-se que se devia desenvolver, excessivamente a cultura da vinha; e pergunta-se: porque?
Por uma falsa apreciação economica das nossas circumstancias.
Está presente um cavalheiro, que n'um jornal que redige e de que é proprietario, apresenta constantemente dados estatisticos com relação á exportação e á importação em Portugal, e que sustenta quasi em absoluto, a idéa de que á nossa importação crescente devemos, fazer face quasi exclusivamente com a exportação, dos vinhos.
(Interrupção, que não se ouviu.)
Essa idéa é, a meu ver, devida a uma falsissima apreciação do que se dá nos outros paizes., e a uma falsissima apreciação da nossa situação economica, e a essa idéa é devido, em grande parto, o excessivo desenvolvimento da cultura da vinha entre nós.
Procura-se restringir a cultura dos cereaes, que podiam ser absorvidos pelos mercados internos, e desenvolve-se a cultura da vinha, produzindo-se vinhos em tal quantidade que só os mercados estrangeiros lhes podem dar consumo!
Eu, sr. presidente, apresento estas considerações, não para levantar agora uma discussão, mas por entender que é um bom serviço levar ao animo da commissão de fazenda, que tem de discutir este assumpto, todas as circumstancias que, se podem apresentar a este respeito; peço o tambem porque tem havido, a meu ver no parlamento a norma mal seguida de que um grande numero de questões economicas e de diversas naturezas têem sido unica e exclusivamente estudadas pela commissão de fazenda!
Na minha orientação, de idéas, tinha feito tenção de tocar, apenas de passagem, n'um ponto a que se referiu o sr. ministro da fazenda, o das experiencias que vão ser feitas em Lisboa, com trigos nacionaes e estrangeiros, pois não me julgava auctorisado a trazer essa questão desde já para a camara. Pelo facto de o sr. ministro, da fazenda ter communicado á camara, a correspondencia trocada, até hoje, entre s. exa. e a real associação central de agricultura portugueza, não me julgo eu obrigado a mudar de norma e de conducta, e por isso limito me á declarar que, como deputado, acceito de boa vontade as experiencias, porque acceito tudo o que possa esclarecer a questão e bem encaminhar os poderes publicos. (Apoiados.)
Fique bem entendido que eu não faço a menor censura ao que disse e fez o sr. ministro da fazenda.
Tendo s. exa. apresentado a nota do primeiro orneio, que mandou expedir á real associação central de agricultura portugueza e a resposta dada por esta a esse orneio, tambem s. exa. apresentou em seguida a nota ou minuta do segundo officio, que lhe vae fazer expedir, e eu pondero que não sou aqui representante da real associação central de agricultura portugueza, não sou aqui o presidente da assembléa geral, não sou aqui o presidente do congresso agricola, mas sou deputado.
Coherente com a minha norma de conducta, não posso; não quero entrar na apreciação dos motivos que levaram a real associação central da agricultura portugueza a responder ao sr. ministro da fazenda, pela fórma por que respondeu ao convite que lhe foi dirigido; mas posso e devo assegurar a s. exa. sem receio de ser desmentido, e sem que se aponte um unico facto contra, que na real associação central de agricultura portugueza não deixam de existir os mesmos sentimentos de patriotismo, de boa vontade e desejo do bem estar e da prosperidade do paiz, (Apoiados.) que devem animar o sr. ministro.
Direi a s. exa. que, se s. exa. deseja fazer experiencias, se deseja resolver a questão economica do paiz, se deve lembrar que tambem temos muito que prescrutar noa nossos archivos antigos.
Ha muita cousa digna de consideração nas leis do marquez de Pombal, que estão sendo hoje exportadas, permitta-se-me a phrase, para a Allemanha, com é fim de adaptar a esse imperio as normas economicas d'esse homem que não póde, de certo, ser alcunhado de falta de patriotismo e de não ter querido elevar, n'aquella epocha, a nação portugueza ao mais alto grau de influencia politica e de prosperidade. (Apoiados.)
Sr. presidente, é verdade que eu, aqui, no anno passado, sustentei, contra a vontade do illustre relator da reforma das pautas, que vejo presente a necessidade a conveniencia, da acabar com os direitos da entrada da palha em Lisboa.
Tambem sustentei á vantagem de alterar os direitos da fava, etc. etc.
A um e outro ponto se refere a proposta de lei n.º 45-B, e por isso eu poderia ser levado á congratular-me pelo facto de ver que as minhas idéas, passados mezes, ficam vencedoras, mas ponho isso tudo de parte, porque devo e quero cingir-me ao projecto que está em discussão.
Ha um ponto, para que eu quero chamar a attenção do sr. ministro.
S. exa. diz, creio que no relatorio que precede a proposta de lei, n.° 45-B, que a real associação da agricultura portugueza em epochas passadas, em 1870, fez causa commum com os moageiros.
É verdade. A real associação da agricultura portugueza em epocha que já vae longe, fez causa commum com os moageiros, mas eu direi os motivos d'isso.
N'essa epocha havia uma crise agricola. Os moageiros. de então tambem se queixavam e foram ter com a real associação central da agricultura portugueza: houve con-
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versa de parte a parte; vieram a accordo e sustentaram as mesmas idéas.
N'estas condições não era para admirar que a real associação central da agricultura portugueza advogasse a causa dos moageiros.

as é necessario que se attenda ao seguinte: é que, n'essa epocha, a real associação central da agricultura portugueza, á testa da qual estavam homens mais competentes do que eu, como eram o sr. Grerardo José Braamcamp e outros cavalheiros de distincta nomeada, como o sr. visconde de Carnide, etc., estava animada pelos mesmos sentimentos patrioticos, que a dominam actualmente.
Os sentimentos de patriotismo eram os mesmos que a dominam hoje, mas nós, na real associação central da agricultura portugueza, temos sido levados a reconhecer que oa factos que se têem dado depois d'essa epocha com relação á industria dos moageiros, nem sempre podem ser traduzidos como a expressão de verdadeiro patriotismo.
Sobre este ponto não digo mais nada, porque tenho por norma não offender seja quem for, nem directa nem indirectamente.
Mas ha mais, e eu gosto sempre de ser franco.
Com relação á questão dos cereaes e em consequencia do seu aggravamento, a commissão executiva do congresso agricola deliberou entregar nas mãos de Sua Magestade El-Rei unia representação, analoga á que foi trazida a esta camara e á camara dos pares; e Sua Magestade, a quem me refiro n'este momento, porque n'aquella occasião dada representava o chefe do poder executivo, deu a seguinte resposta breve e concisa: far-se-ha justiça.
Para este ponto é que eu chamo a attenção do governo.
O governo está obrigado por esta phrase, que foi dita na presença do sr. presidente do conselho; a phrase, repito, é que se fará justiça.
Desde que o Rei de Portugal tem a sua palavra empenhada, eu entendo que o governo tem a responsabilidade do cumprimento ou não cumprimento d'esta palavra.
(Interrupção.)
Eu torno a repetir; eu disse que a palavra do Rei è a mais honrada do paiz, mas acrescentei logo que isso não queria dizer que no paiz não haja palavras igualmente honradas. Quando empreguei a palavra mais foi para fazer sobresair, que para nós as palavras de Sua Magestade merecem a maior consideração e respeito. (Apoiados.)
Eu estava com vontade de provocar uma resposta cabal por parte do governo, para eu ficar sabendo se o governo está na decisão firme e positiva de não deixar encerrar a sessão, sem ser votada e approvada a sua primeira proposta, apresentada hontem.
Fui prevenido em parte pelo sr. Augusto Maria Fuschini, mas a resposta do sr. ministro da fazenda a s. exa. não a considero cabal.
Eu desejo sair d'esta casa com a certeza de que o parlamento não se fechará sem que a proposta, reduzida a projecto, seja discutida e votada, por fórma que os direitos provisorios não fiquem permanentes, e, em harmonia com este desejo, mando para a mesa uma proposta, que lerei antes de recolher ao meu logar.
Eu desejo a resposta categorica, ou antes o compromisso formal do governo, porque não é possivel viver no estado de hesitações em que se está vivendo; todos comprehendem qual o assumpto a que me quero referir, sem precisar alongar-me em mais considerações.
Peço a v. exa. e á camara desculpa de lhes ter tomado alguns instantes com estas considerações.
A proposta que mando para a mesa é a seguinte:

Proposta

Proponho que a commissão de fazenda d'esta camara apresente, até terça feira da semana seguinte, o parecer sobre a proposta de lei aqui trazida e lida hontem pelo ex.mo conselheiro Marianno Cyrillo de Carvalho, e que esse
parecer seja logo impresso e distribuido, para ser discutido e votado em successivas sessões nocturnas, por fórma que o parlamento não se encerre sem ficar o assumpto discutido e votado.
Advirto, porém, que não sei se ella está conforme com as praxes do regimento; se o está ou não, v. exa. sr. presidente, o dirá.
A proposta foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho) : - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Franco Castello Branco:- Não tomarei muito tempo á camara.
V. exa. comprehende perfeitamente a rasão por que não entre na apreciação dos assumptos que foram tratados pelo illustre deputado o sr. D, José de Saldanha, a que respondeu o sr. ministro da fazenda.
Eu restrinjo-me simplesmente á materia do projecto que está em discussão.
V. exa. vê que esta medida e provisoria, que tende unicamente a acautelar os interesses da fazenda e fazer evitar que se façam grandes transações de cereaes, visto que o commercio tem grandes capitães para fazer essas transacções em larga escala.
Com relação a este projecto tenho a dizer a v. exa. em meu nome, e em nome da opposição regeneradora, que o approvâmos; mas desejavamos que n'elle se consignasse a idéa da proposta que vou ler e mandar para a mesa.
(Leu.)
Quer por parte do meu amigo o sr. Fuschini, quer por parte do sr. D. José de Saldanha, foi já perguntado ao governo quaes eram as suas idéas ácerca do projecto principal sobre a materia que está em discussão, e o sr. ministro da fazenda respondeu que havia de envidar todos os seus esforços para que o projecto fosse convertido em lei na presente sessão, salvo motivo de força maior.
V. exa. comprehende perfeitamente que, áparte da garantia que sempre nos merece a palavra de qualquer ministro, especialmente do sr. ministro da fazenda, por parte dos srs. ministros nunca se póde dar outra resposta ás perguntas que se lhes fazem. S. exas. perguntados sobre se os projectos que apresentam serão discutidos, dizem: o governo empregará todos os esforços para fazer discutir esse projecto. Ha dias o sr. ministro das obras publicas repetiu, não digo a cantata porque a phrase não é parlamentar, mas a mesma rhetorica ácerca de caminhos de ferro.
Portanto, precisâmos acautelar uma cousa, e é se, por culpa da opposição, do governo ou da maioria, a proposta do governo deixar de se votar n'esta sessão. Já se vê que quem falla d'esta fórma, mostra que é imparcial.
Nós devemos evitar que, n'um espaço tão largo, como é o que vae de hoje a janeiro ou fevereiro do anno que vem, fique em vigor uma lei que tem um caracter provisorio, contra o que ninguem póde recorrer, e a respeito do qual em parte já um illustre deputado, e que é o presidente da assembléa geral do congresso agricola portuguez, se pronunciou desde já em sentido contrario.
A apresentação da minha proposta é em meu nome e em nome da opposição regeneradora d'esta casa e n'esse sentido a mando para a mesa.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho) : - Da proposta do illustre deputado tanto se póde tratar agora, como na discussão do orçamento, que fatalmente ha de vir á camara, e então se podia prorogar o praso, se fosse conveniente prorogal-o.
Por conseguinte, incluir no projecto a proposta do illustre deputado, ou deixal-a para depois é isso indifferente, mas eu não tenho duvida em a acceitar.
O Orador: - Pois então se v. exa. entende que é indifferente, não se faz mal em a admittir já. Eu sou pelo

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principio, de que "não guardes para ámanhã o que podes fazer hoje",
E como o sr. ministro não combate a proposta, e visto que eu a apresento sem caracter algum politico, estou persuadido de que ella será acceita pela commissão de fazenda e por toda a camara.
Quante ao projecto em discussão, o artigo 1.° refere-se aos cereaes que no dia 4 de maio de 1888 estiverem nos portos portuguezes, ou em viagem directa dos paizes productores para os mesmos portos; é o modo de dizer em medidas da ordem d'esta que estamos a discutir, mas tem dado na pratica occasião a reclamações por parte de differentes commerciantes ou negociantes, perante os ministros da fazenda para que se comprehendam, não só os cereaes em viagem, mas tambem os que já estivessem encommendados.
O sr. - ministro da fazenda sabe que este facto se tem dado com outros ministros; e para evitar que estes inconvenientes se repitam, e para evitar que o sr. ministro seja poupado a quaesquer perguntas, seria bom que s. exa. declarasse que os generos encommendados se não comprehendem no artigo 1.°, porque tal declaração dispensava os commerciantes de incommodarem o sr. ministro da fazenda.
Quanto ao § 2.º parece-me que talvez elle se poderia redigir de uma fórma mais conveniente.
O artigo 1.° manda applicar as novas taxas do dia 4 em diante. Talvez que se podesse redigir de uma fórma mais clara, para evitar que haja qualquer pretensão.
Como v. exa. vê, isto é simplesmente uma questão de redacção, que eu lembro á commissão de fazenda, que a póde acceitar, querendo.
Termino mandando para a mesa a mesma proposta, a qual, como v. exa. ouviu, foi já acceita pelo sr. ministro da fazenda, e repetindo, em nome do partido regenerador, que tambem entendemos ser urgente, inadiavel e necessario resolver immediatamente este assumpto, discutindo-se depois a proposta apresentada á camara pelo sr. ministro da fazenda, não exprimindo por agora opinião sobre o nosso modo de sentir a respeito d'esta proposta, reservando-nos para o fazer opportunamente quando se discutir o respectivo projecto.
Tendo o sr. D. José de Saldanha mandado para a mesa uma proposta, sobre a qual nem o sr. ministro da fazenda nem o sr. relator se pronunciaram, no caso de não haver inconveniente, desejaria que um ou outro dissesse se acceita, ou não, essa proposta nos termos em que foi mandada para a mesa.
Tenho dito.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no projecto de lei n.° 46 se consigne o principio de que as suas disposições caducarão inteiramente se na presente sessão legislativa não se tomar uma resolução definitiva sobre este assumpto. = Franco Castello Branco.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho : - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
O sr. Fuschini:-Serei breve e conto resgatar, pela rapidez das considerações que vou fazer, o tempo que de mais vou tomar á camara.
O sr. D. José de Saldanha é que me obriga a esta discussão.
S. exa. acaba de dizer á camara, qual é a sua opinião ácerca das bases essenciaes para a resolução da questão agricola no nosso paiz; s. exa. manifesta a sua opinião, como deputado, e diz que essa é também a do congresso de agri-cultura.
Ora devo fazer notar a e, exa., que as idéas, por s. exa.
agora apresentadas, não são novas no parlamento, nem particulares do congresso agricola, nem inventadas por elle. Em 1887 n'uma sessão nocturna, um deputado da nação disse estas phrases, que vou ler a v. exa. e á camara.
"Ora o meio está indicado. Consiste em fixar o direito aduaneiro por fórma, que a menor subida no preço da farinha nacional permitia a entrada do competidor estrangeiro. "
"Exactamente o contrario do que fez a commissão que eleva os direitos da farinha ao mesmo tempo que os do trigo."
(Interrupção que não se ouviu.)
Peço perdão, tambem eu não discuto primasias, mas o que não acho conveniente, é que se elimine o meu nome.
Quando se tratou do congresso agricola, houve alguem, que se lembrou de ir lá defender as suas opiniões, pois foi-lhe aconselhado que não fosse, porque podia soffrer algum desgosto.
E sabe porque esse alguem não póde lá ir?
Foi porque tenazmente sustentou que a simples elevação do direito sobre a importação do trigo, em nada influiria nas condições da nossa agricultura.
Ora como tenho passado até hoje por inimigo figadal das classes agricolas, como se tem propalado a fama de que ataco as classes agricolas systematicamente, permitta-me v. exa. que declare expressamente que em 1887 defendi medidas e opiniões, que mais tarde o congresso agricola adoptou, e o sr. D. José de Saldanha veiu sustentar hoje no parlamento.
Direi a, v. exa. mais alguma cousa.
Sustentei d'aquella tribuna, que para se resolver a questão agricola senão no todo, pelo menos, em grande parte, um, dos meios mais proficuos era o estabelecimento das padarias municipaes; quando apresentei esta questão bradou-se contra mira, chamaram me socialista! Pois o sr. ministro vem agora apresentar uma proposta adoptando esta mesma opinião!
(Interrupção do sr. D. José de Saldanha que não se ouviu.)
S. exa. diz tambem, que é preciso elevar os direitos sobre os trigos, mas de maneira tal que não se permitta a elevação do preço do pão. Ora eu não vou ler nada á camara, mas chamo a sua attenção para este assumpto; parece-me ter desenvolvido e defendido esta these no meu discurso de 1887.
Respondendo ao sr. ministro direi, que acho convenientissimas as experiencias, que o sr. ministro da fazenda acaba de nos descrever, porque os direitos das farinhas têem de ser necessariamente fixados, em vista da percentagem das farinhas produzidas pelos trigos.
Desejo ainda dizer alguma cousa á camara ácerca de padarias municipaes, porque quero que mais tarde, se ellas se estabelecerem, se veja que de vez em quando, apresentei opiniões favoraveis á agricultura portugueza.
Certamente que as padarias municipaes devem trazer grande beneficio aos agricultores e são um grande auxiliar para a resolução do problema da agricultura, salvo um estudo mais detalhado da questão, posso quasi obrigar-me a consumir nas padarias municipaes 20 milhões de litros de trigo, que é hoje a decima parte da producção do paiz; mas, sr. presidente, note v. exa. e a camara, o mais importante n'esta tentativa, é que as padarias municipaes podem, não estabelecer a estiva, mas ser indirectamente um regulador do preço; de fórma que, por certos artificios, que agora escuso de desenvolver perante a camara, poderemos fixar o preço do trigo em 600 réis por alqueire; é este o ideal dos agricultores; e esta fixação ha de influir sobre todos os mercados de cereaes portuguezes.
Ora eu já preparo a camara e o paiz, para depois ouvir dizer que nós vamos proteger certos e determinados productores; mas eu responderei a quem disser isto, como disse hontem a um illustre estadista d'este paiz, o sr. Antonio

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de Serpa: não ha administração publica possivel cuja base seja a desconfiança; escolham cuidadosamente os administradores, mas deixem-lhe depois uma certa liberdade de acção, sem a qual a iniciativa se esteriliza e são irresoluveis os problemas sociaes.
Estou muito habituado a luctar, para me importar com a calumnia; não ha de ser isto, que me ha de impedir, na minha esphera de actividade, de regular, na parte que me compete, as padarias municipaes.
Chamo portanto a attenção do sr. ministro da fazenda para a delicadeza d'esta experiencias sobre os trigos e para a tentativa do estabelecimento das padarias municipaes.
É preciso que nas experiencias que se vão fazer se proceda com maior cautela, e desejo que sejam completas.
Posto isto declaro que intimo o governo a que dentro d'esta sessão legislativa procure resolver este problema agricola. Deixo-lhe toda a liberdade de acção, mas se chegar a fechar a camara sem o ter resolvido, tomar-lhe-hei severas contas.
N'esta parte estou de accordo com o sr. D. José do Saldanha; emquanto ao mais, veremos se s. exa. protege mais a agricultura portugueza do que eu, que por tanto tempo tenho sido apontado como immortal inimigo d'ella; mas que em 1887, em uma noite muito calmosa de verão, sustentarei idéas, que mais tarde foram admittidas como indispensaveis pelo congresso agricola.
Tenho dito.
O sr. Presidente:-Peço aos srs. deputados que restrinjam as suas observações ao projecto em discussão.
O sr. D. José de Saldanha:-Acabo de ouvir as observações de v. exa., o peço á camara que me deixe dizer alguma cousa a esse respeito.
Vozes:-Falle, falle.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda, na resposta que se dignou dar-me, referiu-se á questão do direito diferencial, e ou ouvi tambem fazer aqui, junto de mim, e em aparte, uma ligeira observação sobre a propriedade das palavras direito diferencial.
Ácerca d'este ponto, direi muito brevemente o seguinte:
Eu vivi gravide parte da minha vida passada, no meio de um sem numero de experiencias em laboratorios chimicos. Consagrei a isso parte da minha existencia, e. sr. presidente, se ha cousa melindrosa n'este mundo, e em que um individuo tenha do se rodear de mil cautelas, para tomar toda a responsabilidade do que faz, é o apresentar ao publico o resultado de uma analyse chimica.
Sabendo eu, pois, as dificuldades que havia em trabalhos d'essa ordem, acautelava-me sempre.
N'esse sentido procurei sempre fazer o que sempre fizeram os antigos chimicos, alchimicos. que não teriam uma sciencia á altura da sciencia actual, mas que foram sempre excessivamente meticulosos nas descripções dos processos, que empregavam, dascripcões essas que de certo concorreram para o grande desenvolvimento que a chimica tem tido nos tempos modernos.
Ora, pela minha parte, applico agora o caso á questão pendente. Desde o momento em que, na exposição que já aqui fiz hoje, eu tive toda a cautela, empreguei todos os meus cuidados em exprimir, o mais claramente que me foi possivel, o meu pensamento a respeito dos direitos sobre os trigos, e sobre as farinhas; desde o momento em que n'essa exposição ou empreguei as palavras direito diferencial, eu appello para a benevolencia e boa fé do sr. ministro da fazenda, e para a benevolencia e boa fé da pessoa, que me dirigiu o aparte, para que, exposta a minha idéa em phrases singelas e claras, s. exa. lhe dêem a designação quizerem, mas não a interpretação que quizerem.
Eu vou mais longe. Não faço questão de palavras, mas faço-a da idéa, e por isso n'esta parte faço um appello a todos os collegas n'esta camara que são interessados nas discussões jornalisticas ou que militam na imprensa, para
que não vão para a imprensa fazer uma questão das palavras direito differencial, na certeza de que, se levantaram a questão, hão de ouvir a resposta tambem na imprensa.
Todos devemos ser cordatos, e principalmente o deve-mos ser, tratando-se da crise agricola.
Sr. presidente, eu estudei allemão durante um tempo bastantemente longo, porque me custou muito a aprender o sufficiente para traduzir, e por vezes me succedeu ter de apresentar ao mestre que eu tinha, um texto de um livro allemão, e declarar-lhe, que não entendia.
O mestre levava o livro para casa, e ao fim de dois ou tres dias, dizia-me que tambem não comprehendia bem o sentido, mas que isso não era para admirar, porque na Allemanha cada escriptor e cada auctor tem a sua idéa, exprime-a pela maneira por que entende que deve ou póde apresental-a, e deixa aos outros o trabalho de conseguir comprehendel-a. (Riso.)
Vem-me á memoria um outro caso, de que não sei se tambem já dei conhecimento á camara em outra occasião.
El-Rei o senhor D. Fernando era muito lido em todos os jornaes politicos, não só nacionaes como estrangeiros.
Em uma dada occasião, recebeu um jornal da Allemanha, que lhe despertou muito a curiosidade, pela materia a que o artigo principal se dedicava, mas de que nada percebeu.
Mandou chamar um mestre de allemão, residente em Lisboa, cavalheiro muito distincto e muito conhecido, e contou-lhe as difficuldades em que se encontrava.
Disse-lhe o senhor D. Fernando que se via seriamente embaraçado, porque não percebia o artigo.
O homem sentou-se, pegou no jornal, esteve uma hora examinando o texto, mas depois levantou-se e disse: "tambem não percebo".
Em seguida saiu.
A traducção e interpretação do artigo levou tres semanas, e no fim d'ellas aquelle professor apresentou-se com o resultado do seu trabalho, declarando todavia não tomar a responsabilidade de que a sua interpretação ou traducção estivesse em completo accordo com o sentido do auctor. (Riso.)
Felizmente o caso agora não é d'esta natureza. Eu expuz o expliquei claramente a minha idéa, e creio que todos a emprehenderam.
E o que se conclue tambem das proprias palavras do sr. ministro da fazenda.
Tambem se appellou para mim, com o fim de eu retirar a minha proposta.
Ora, sr. presidente, desde o momento em que houve a declaração formal, por parte do governo, de que não se encerrará a actual sessão legislativa sem o projecto de lei n.° 45-B ser discutido o votado, eu não tenho duvida em retirar a proposta que apresentei.
De mais a mais a minha proposta tinha duas partes, e a segunda parte fica, a meu ver, attendida tambem na outra proposta, que foi aqui apresentada hoje pelo deputado o sr. João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco.
O sr. deputado Augusto Maria Fusehini tambem já se referiu hoje á questão das experiencias, e deu a entender que ha experiencias e experiencias.
Eu concordo com s. exa. n'esta parte, e sirva tambem isto para fazer sentir que, se alguma vez houve experiencias industriaes ou technicas em que todos os individuos implicados n'ellas, ou seus directores, tenham assumido grandes responsabilidades, nunca estas foram talvez tão grandes como o são nas experiencias a que se vae proceder.
Emquanto ao que se passou no congresso agricola e em relação ás idéas que o sr. Augusto Maria Fusehini tem sustentado a respeito da agricultura, eu já dei, quando s. exa. me permittiu que o interrompesse, as explicações que podia e devia dar.
Agora como s. exa. insistiu mais uma vez em que o

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apresentavam sempre como um inimigo fidagal, como s. exa. diz, da agricultura portugueza, devo declarar que, pela minha parte, não me consta tal; pelo contrario, nunca tenho considerado s. exa. como inimigo dos agricultores portuguezes.
Eu ainda não li artigo algum, em que se possa ver um ataque contra s. exa., como inimigo figadal da agricultura portugueza.
É certo que n'esta sala eu tenho, por mais de uma vez, levantado, pelo meu lado, a minha voz em opposição á de s. exa., tenho combatido as suas opiniões e as suas idéas; mas tem tido em outra ordem de questões, tem sido em questões sociaes da maior parte das quaes eu supponho, seja isto dito de passagem, que no fundo estamos de accordo, e tanto que, embora haja differenças na fórma, eu espero que, com os annos e com a experiencia, o illustre deputado ha de vir para o meu campo. (Riso.)
O sr. Moraes Carvalho (sobre a ordem,): - Sr. presidente, direi muito poucas palavras, e não posso deixar de ser muito succinto desde o momento em que estou completamente de accordo com o pensamento fundamental do projecto.
Devo, comtudo, observar que no anno passado o sr. ministro da fazenda apresentou uma proposta similhante quando fez a apresentação da proposta sobre reforma da pauta, e que, apesar de s. exa. suppor que com aquella proposta evitava antecipações de direitos, todavia é certo que a commissão de fazenda fez taes alterações na letra primitivamente lixada pelo governo no diploma que apresentou, que, por fim, durante, o praso que mediou entre a apresentação do parecer e a sua conversão em lei se deram antecipações que o sr. Marianno de Carvalho calculou em centenas de contos de réis no seu relatorio d'este anno.

or consequencia, eu proponho que á proposta do governo se acrescente o seguinte artigo.
(Leu.)
Eu vejo a commissão discutir o projecto primitivo do governo, mas já pelas apreciações que nos jornaes têem apparecido, já pelo que no parlamento se tem dito, vejo que a principal classe que o sr. ministro da fazenda desejava contentar com a apresentação do seu projecto de lei, não fica satisfeita, e como é possivel que as rasões que se apresentara levem a commissão, de accordo com o governo, a modificar ainda as taxas, da proposta que apresentou ao parlamento, nassas condições mando para a mesa a minha proposta nos termos a que me referi. (Apoiados.)
Leu se na mesa. É a seguinte:

Proposta

Proponho que á proposta se acrescente o seguinte artigo:
"Se a commissão de fazenda, de accordo com o governo, alterar as taxas fixadas no artigo l.°, essas novas taxas serão applicadas desde a data da apresentação do projecto de lei, nos termos expressos no artigo 1.° e sou paragrapho unico. = Moraes Carvalho."

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Sinto não poder acceitar-a proposta do illustre deputado; se podesse, acceitava-a de boa vontade, mas parece-me inconveniente deixar o commercio sujeito a incertezas e duvidas.
Pedia ao illustre deputado que não insistisse na sua proposta, e quando vier o projecto não provisorio, se tomará uma resolução com mais completo conhecimento de causa.
O sr. Consiglieri Pedroso: - O projecto que se discutia não era politico e com o seu pensamento todos estavam de accordo; mas queria lembrar ao sr. ministro da fazenda a conveniencia, de uma vez por todas se acabar com leis de occasião e de fazer uma lei geral.
Era preciso que se pozesse de parte o systema de estar constantemente a fazer alterações nos direitos, devendo estabelecer-se uma lei geral que regulasse todos os assumptos analogos.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Carrilho: - Começarei pela proposta do sr. Moraes Carvalho. Permitia s. exa. dizer-lhe que me parece inopportuna a proposta, porque deixa ficar effectivamente o commercio na contingencia e na incerteza, não sabendo quaes sito os direitos que tem a pagar.
Ninguem sabe hoje qual será o pensamento da commissão, nem o resultado dos debates no seio da mesma commissão. Podemos chegar praticamente ao fim que s. exa. quer obter. Se a commissão de fazenda, de accordo com o governo, entender que deve modificar os direitos apresentados pelo governo n'aquella proposta, de maneira que se remedeiem os males que se querem evitar, trazemos aqui uma proposta para esse fim.
O que queremos é evitar estes males.
Quanto á proposta do sr. D. José de Saldanha, nós não podemos obrigar a commissão de fazenda a dar parecer sobre uma proposta d'aquellas no praso de vinte e quatro horas, porque seria quasi obrigal-a a assignar de cruz, sem saber o que ella continha. (Apoiados.)
Emquanto ás propostas apresentadas pelo sr. Franco Castello Branco, o governo declarou que as acceitava, e ou tambem, por parte da commissão, acceito o convite que é feito na proposta, e proponho que o § 2.° d'este projecto seja assim redigido.
(Leu.)
Leu-se na mesa a emenda. E a seguinte:

Emenda
§ 2.° No caso de que as côrtes, na actual sessão legislativa, não tomem resolução definitiva sobre a proposta de lei n.° 45-C d'esta mesma sessão, as disposições d'esta lei caducam para todos os effeitos, fazendo-se a restituição integral dos depositos realisados.
§ 2.º passa a 3.°, substituindo a palavra "vigorar" por "executar-se".A. Carrilho.
Foi admittido.

O sr. Presidente: - Vae votar-se.
O sr. Franco Castello Branco: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se me permitte retirar a minha proposta.
Foi retirada.
O sr. Moraes Carvalho:-Requeiro para retirar a minha proposta, em vista da declaração do sr. relator, e peço para que ella fique consignada na acta.
Foi retirada.
O sr. D.- José de Saldanha: - Tambem requeiro para retirar a minha proposta.
Foi retirada.
O artigo 1.º e paragrapho foi, approvado.
A emenda proposta pelo sr. relator foi approvada.

ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação dos srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Julio do Vilhena.
O sr. Julio de Vilhena:-(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando que pelos actos illegaes praticados pelo sr. ministro das obras publicas no concurso e

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1436 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

adjudicação das obras do porto de Lisboa, são solidariamente responsaveis todos os seus collegas no gabinete, passa á ordem do dia. = Julio de Vilhena.
Foi admittida.
Leu-se e, foi approvada a ultima redacção do projecto n.° 46, que foi expedido para a outra camara.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro,

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