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96 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que era isto e nada mais; e, como nos torneios, como nos duellos em que não ha odios nos corações, começava por saudar os adversarios.

Não era um inimigo do episcopado e do clero portuguez; á sombra da Igreja fizera a sua primeira educação. Era christão; o christianismo fôra a grande alvorada de uma democracia de fraternidade e solidariedade humana; o sermão da montanha fôra sermão para todos os povos e para todos os tempos; a vitalidade das suas doutrinas, a sua fecundidade não estava ainda extincta.

A Igreja fôra a primeira força que se levantara contra o despotismo dos imperadores romanos; fôra a primeira grande divisão de poderes; fôra ella que amansára os barbaros; fôra o berço da civilização moderna; saudava por isso os venerandos prelados portuguezes, e dizia-lhes: Sejam bem vindos; permittissem porém que lhes dissesse ao mesmo tempo que para uma discussão sobre os direitos do Estado e da Igreja fôra mal escolhido o momento e peor o assumpto. (Apoiados).

Mal escolhido o momento, agora que n'outras nações se lucta entre o Estado e a Igreja, procurando o Estado a separação, que decerto não é agradavel á Igreja; peor o assumpto, porque o assumpto se baseia em actos injustificaveis - a condemnação em globo de uma multidão de seminaristas, uns porque delinquiram, outros porque não denunciaram - e porque é inadmissivel que as aulas dos seminarios se fechem arbitrariamente; que se appliquem penas de exclusão temporaria ou perpetua aos seminaristas sem que os condemnados sejam ouvidos; e que, do mesmo modo que arbitrariamente foram condemnados, arbitrariamente sejam perdoados, (Apoiados).

Perguntava o venerando Arcebispo de Evora se os prelados das dioceses eram ou não os competentes para admittir ou não os seminaristas; se eram ou não os competentes para não readmittir os que se mostravam remissos nos estudos, ou sem vocação para o estado ecclesiastico, para os excluir mesmo em qualquer tempo que isso fosse conveniente. Mas quem negava essas attribuições aos venerandos prelados? A questão não era esta.

Dissera o venerando Arcebispo-Bispo do Algarve que a Igreja é uma sociedade independente; que no exercicio das suas funcções não póde admittir a intervenção de outro qualquer poder; mas, a proclamar-se uma independencia tão absoluta, chega-se á separação.

Se a Igreja é representante da religião do Estado, o (Governo d'este é re-presentante do direito e da justiça, e não pode por tal motivo declinar de si o dever de fiscalizar actos de todas as sociedades que no Estado existam,
incluindo a Igreja. Esta é que é a doutrina. (Apoiados).

Na historia, a Igreja e o Estado apresentam-se nos seguintes systemas de relações:

Confusão da Igreja e do Estado. É apenas util temporariamente nos primordios da civilização para costumar povos rudes á obediencia, á livre coexistencia social.

Supremacia da Igreja sobre o Estado. Não pode admittir-se, porque nega a autonomia e soberania do Estado, ficando todavia d'elle uma idéa salutar, a necessidade de um tribunal superior que decida as contendas entre as nações.

Influencia intima da Igreja sobre o Estado. A actividade da nação era desviada de uma direcção temporal e economica para outra quasi toda espiritual, e por isso demasiada.

A Igreja attributo do Estado, uma das suas instituições; é o systema protestante, que tem por aphorismo - cujus regiof ejus religio. É dos peores, porque tornado o Rei o chefe da Igreja, as duas supremacias reforçam-se, deixando a consciencia sem asylo e sem refugio.

Harmonia entre a Igreja e o Estado por meio de leis autonomas ou por meio de concordatas, de modo que o Estado tem e protege uma ou algumas religiões, embora tolere outras. Este systema de harmonia por meio de leis autonomas do Estado, que a Igreja mais ou menos acceita, ou por meio de concordatas, é de quasi todos os paizes catholicos, sendo a tendencia actual substituir o segundo systema pelo primeiro, determinando o Estado as relações em que quer viver com a Igreja.

Separação da Igreja e do Estado É para a philosophia de Comte um regimen de transição, resultante da phase de divergencia de doutrinas que se está atravessando; historicamente apresenta-se como propria dos paizes que são habitados por diversas raças, de cultos diversos, principalmente emigrantes.

É claro que d'estes systemas, uns passaram á historia, outro, o da Igreja attributo do Estado, é proprio do protestantismo, da Igreja russa e grega; é um maximo de regalismo inadmissivel, sendo só admissiveis os dois ultimos systemas, o da harmonia e o da separação.

Pois nem mesmo depois da separação o Estado deixaria, ou, por outra, o Governo perderia o direito de intervir nos actos da Igreja, para garantir os direitos dos cidadãos, os seus proprios direitos; e para vigiar pela ordem publica, e a questão que aqui se trata é uma questão de direitos individuaes e, é preciso dizel-o, tambem uma questão de ordem publica. (Apoiados).

Nunca, nos tempos modernos, houve da parte dos Governos na gestão dos seminarios interferencia que não fosse razoavel.

As relações do Estado para com a Igreja teem sido determinadas, ainda nas circumstancias mais criticas, por sentimentos de deferencia, de respeito e de devoção; recorda-se que um padre italiano, muito illustrado, que foi professor durante alguns annos no Seminario de Coimbra, o Dr. Sinibaldi, lhe dizia muitas vezes que era invejavel a situação da Igreja em Portugal; que na sua patria e n'outros paizes não a cercavam de tanto respeito. Se não receasse offender os venerandos prelados, diria que esta sua indignação vem do demasiado mimo com que teem sido tratados (Apoiados), e não dos justos reparos que a portaria suscite, do desprestigio que produza, dos vexames que traga.

Passa a apreciar a portaria.

Diz-se: a portaria não é lei. Que grande admiração! Quem diz que é lei?

Mas o Governo é quem tem de fazer executar as leis; para ellas se executarem, ou quando se não executam, publica decretos ou portarias. É essa uma das funcções do Governo; é um dos seus direitos; é um dos seus deveres; usou de um; cumpriu o outro. A portaria deriva da lei em que se funda e que cita; o Governo não exorbitou; e a portaria não é vexatoria, porque o não é a lei.

Quem foi o auctor da lei de 28 de abril de 1845?

Foi algum feroz inimigo da Igreja?

Foi algum truculento revolucionario?

Não. Foi um dos Ministros mais conservadores que teve Portugal; um dos mais strenuos defensores do throno e do altar que tem tido este paiz, Costa Cabral, mais tarde Marquez de Thomar, nosso embaixador junto do Vaticano, e que ali era respeitado e querido.

Foi o Ministro durante a gerencia do qual se restabeleceram as nossas relações com a Côrte de Roma, interrompidas desde o triumpho da causa liberal até então; esse restabelecimento de relações tão grato foi á Côrte de Roma que, por causa d'elle, o Papa mandou á Senhora D. Maria II a rosa de ouro.

A lei, a julgar pelo que dizem os venerandos prelados, parece que é oppressiva, que tem effeitos dissolventes.

Todavia, vê-se, analysando-a, que é uma lei de concordancia entre a Igreja e o Estado.

Vae ler alguns artigos para S. Exas.

Artigo 1.° Em cada uma das dioceses do reino e ilhas adjacentes haverá um seminario.