4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
peridade, não me parece que nós tenhamos o direito de negar o transito de pessoas e mercadorias entre os portos da costa oriental e as regiões internas, que carecem de meios faceis de communicação.
Não admira que tomemos parte d'este encargo, porque tambem devemos contribuir para a resolução dos grandes problemas civilisadores em que se encontra empenhada a maior parte das nações da Europa.
Não devemos, pois, hesitar um momento em estabelecer communicação entre o porta de Fungue e a fronteira da Mashona, e tanto mais que para esses novos encargos ha largas compensações.
Outra restricção ao nosso direito de soberania, que não posso passar em silencio, é o da preempção nos casos de alienação territorial.
No presente tratado esta concessão, consignada no artigo 7.°, é. reciproca e restricta aos casas de alienação territorial de territorios situados ao sul do Zambeze. Não será superfluo recordar que no tratado de 20 de agosto vinha expressa a dependencia do consentimento da Inglaterra não sómente para estes territorios ao sul do Zambeze, mas ainda para a alienação da estação do Zumbo com uma zona de 10 milhas de raio, na margem norte do Zambeze, e para todo o hinterland da provincia de Angola, cujos limites eram definidos pela citada nota de sir George Petre de 7 de outubro. Tudo isto se acha consignado nos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do tratado de 20 de agosto.
Referir-me hei ainda de passagem a outra clausula que já a proposito do tratado de 20 de agosto levantou tambem duvidas.
Refiro-me á clausula relativa ao estabelecimento da liberdade de cultos.
Eu direi, sr. presidente, com a sinceridade com que sempre uso discutir, que não dou a esta clausula a importancia que muitos querem attribuir-lhe.
A liberdade de cultos- e a facilidade com que os missionarios estrangeiros se estabelecem em toda a parte, apresentaria inconvenientes, se as nossas possessões não tivessem ainda delimitação nem fronteira no interior, porque então poder-se-ía ter o receio, infelizmente justificado, de que o estabelecimento das missões religiosas estrangeiras fosse o ponto de partida para a usurpação dos nossos territorios. Foi por esse processo que nós perdemos um vasto territorio no Nyassa, e ficámos arriscados a perder outros que a cobiça estrangeira veiu procurar nas nossas possessões.
Hoje, sr. presidente, que pelo tratado actual se fixam os nossos limites e ficam reconhecidos os nossos direitos, a liberdade de cultos, admittida e proclamada nas nossas possessões africanas, não me parece que traga grandes inconvenientes.
Parece-me, sr. presidente, ter feito a analyse verdadeira e imparcial das principaes bases do tratado que está sujeito ao exame da camara para que d'elle se possa formar um juizo seguro.
Longe do meu pensamento está, porem, querer convencer a camara de que o tratado é bom. Eu sei bem que não satisfaz, declaro o firme e sinceramente, todos os desejos e as aspirações da camara; mas o que posso tambem affirmar é que empreguei toda a diligencia para conseguir salvaguardar o mais possivel os interesses do paiz e os nossos direitos do soberania.
Para isto, eu posso asseverar á camara que empreguei toda a minha actividade, todo o meu zêlo e todos os limitados recursos da minha intelligencia. (Muitos apoiados.)
Não concluirei sem dirigir a um nosso collega e meu amigo, que sinto não ver presente, o sr. condo de Arriaga, um pedido instante e que tenho o maior empenho em ver satisfeito.
Refiro-me a uma moção que s. exa. mandou hontem para a mesa, moção que sobremaneira me lisonjeia, mas que eu desejo ver retirada, porque a considero immerecida e injusta.
Tenho-a por immerecida porque a sua approvação por esta camara seria um galardão superior, muito superior, aos serviços que prestei ao nosso paiz.
Considero-a injusta, porque não vejo n'ella contemplados os auxilios que me prestaram es meus collegas no ministerio e sobretudo a cooperação sincera, dedicada, efficaz e intelligentissima que encontrei constantemente no cavalheiro a quem estava confiada a pasta da marinha e ultramar, e que muito contribuiu para o bom exito dos meus esforços. Tambem não deveriam ficar esquecidos os valiosos serviços e diligencias, a prestante coadjuvação de todos os dias, de todas as horas, que me prestou o representante de Portugal em Londres.
Não posso deixar ainda de dizer á camara que da parto dos funccionarios do ministerio dos negocios estrangeiros, encontrei a mais devotada coadjuvação, os mais sinceros desejos, para que se chegasse a uma solução honrosa para o paiz.
Tenho dito.
(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Barjona de Freitas: - N'esta hora solemne em que estão prestes a votar-se as bases de um novo convenio anglo-portuguez, não seria justo tolher a liquidação de diversas responsabilidades ou impedir a quem quer que seja o direito de dizer a verdade, a verdade só, ao paiz, que nus contempla e nos escuta.
A historia das nossas relações com a Inglaterra ácerca da questão africana está cheia de ensinamentos. E resalta sobretudo como as vaidades e susceptibilidades exageradas prejudicam interesses reflectidos, e como a paixão arrasta por vezes as nações á beira do abysmo, compromettendo-lhes gravemente o futuro.
Não pretendo inventariar n'este momento as consequencias da rejeição do tratado de 20 de agosto.
Houve tempo em que se clamava aos quatro ventos do céu: succeda o que succeder, tudo menos o tratado. Era o grito do fatalismo inconsciente, o impeto de arrebatamentos, que no, sua desorientação arriscavam o presente e o futuro; era a cegueira da paixão a substituir-se á discussão serena dos interesses e á justa comprehensão dos nossos deveres.
E com effeito tivemos de tudo:
- A revolta militar, realisando o velho ditado: quem semeia ventos colhe tempestades.
- Um emprestimo oneroso, empenhando as receitas dos tabacos, e contribuindo largamente para o nosso descredito no estrangeiro;
- A crise bancaria com a sua moratoria e sem solução ainda;
- A desorganisação e a impotencia dos partidos politicos;
- A expedição á Africa, com as suas avultadas despezas, para testemunhar a invasão dos nossos territorios e a derrota dos nossos voluntarios;
- E alem de tudo um deficit moral, uma quebra de disciplina e de todo o principio da auctoridade, o que significa triste e funesto symptoma de decadencia.
E tivemos tudo isto... e mais o tratado que agora se discute, que na sua contextura e linhas geraes é copiado do de 20 de agosto, mas muito inferior a este em vantagens e garantias.
É que em politica ha expiações necessarias, e não se violenta a natureza das cousas, sem que esta se vingue, impendo-nos novos sacrificios.
Não remontarei, sr. presidente, á origem dos nossos conflictos. Seria longa a narração, e não me anima o desejo de censurar os actos alheios.
O meu fim é mais modesto. Limito-me a exercer como par do reine o meu direito de exame e de voto sobre a