O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

APPENDICE Á SESSÃO N.º 19 DE 23 DE MAIO DE 1898 138-A

O sr. Arcebispo Bispo do Algarve: - Sr. presidente, pedi a palavra para desempenhar-me de um encargo de que fui incumbido, e que tenho por muito honroso para mim.

Na diocese do Algarve, que eu administro, como pastor que d'ella sou, posto que indigno, foi elaborada uma representação, cujos signatarios, em avultado numero, appellando para OB sentimentos patrioticos, elevado criterio e zelo nunca desmentido d'esta camara, por tudo o que pertence ao bem publico, respeitosamente solicitam o seu efficaz auxilio e cooperação para se conseguir que o nosso paiz seja em breve dotado com um melhoramento que elles, do mesmo modo que a grande maioria dos nossos concidadãos, consideram na conjunctura actual como utilissimo aos mais legitimos interesses do estado e da igreja. Pedem o restabelecimento das congregações religiosas, pelo menos nas nossas possessões ultramarinas.

Enviando para a mesa este importante documento, deveria talvez, sr. presidente, dar por finda a minha missão; permitta-me, entretanto, v. exa. e a camara, que eu exponha umas breves considerações, não em reforço dos argumentos que na representação se adduzem em favor da causa que n'ella se advoga, mas para mostrar que perfilho por completo o seu pensamento, que me é sympathico e merece o meu mais decidido apoio.

Se assim procedo, sr. presidente, não é senão por entender que o meu silencio, n'esta occasião, poderia ser mal interpretado ou attribuido a menos zêlo pela causa religiosa da minha patria; e eu não desejo que se me faça uma tal imputação; ser-me-ia, sobre todas, dolorosa e pungentissima,

Como cidadão portuguez, que me prezo de ser, consagro á terra que me foi berço o affecto e a dedicação propria de um filho humilde e obscuro, mas filho agradecido; como catholico, tenho pela religião em que fui educado, e que todos nós, felizmente, professámos, o mais entranhado amor, e a ella me sinto vinculado por convicção intima e inquebrantavel.

São estes dois sentimentos, o da religião e o da patria, ambos legitimos e nobres, que me impõem o dever de algumas palavras proferir.

Não é meu proposito, nem isso cabia em minhas acanhadas faculdades, alem de não se compadecer tambem com o estado da minha saude, fazer agora uma larga demonstração da grandissima utilidade das congregações religiosas; limitar-me-hei a pedir ao governo que tenha em consideração o movimento espontaneo que se está operando em todo o paiz em favor d'essas associações, e attenda aos testemunhos de sympathia com que o seu restabelecimento tem sido acolhido por grande parte da imprensa periodica, sem distincção de cor politica.

É que, sr. presidente, parece ter soado a hora de se prestar a homenagem devida, e por tanto tempo recusada, a uma imperiosa reclamação da justiça e da liberdade; affigura-se-me ser vindo o momento de todos reconhecerem que são infundados os receios e sustos, e mal cabidos os rancores votados a uma instituição cujos membros, geralmente, passam a vida inteira espargindo beneficios e vertendo consolações.

Folgo muito, sr. presidente, que assim aconteça, porque eu amo sinceramente a justiça e a liberdade, mas, entenda-se, a verdadeira liberdade, que, na sua accepção legitima e pura, é a pratica do bem, e que, proclamada do alto da cruz pelo divino fundador do christianismo, se exteriorisa e manifesta por actos inequivocos de submissão á lei, de respeito ás instituições, de obediencia ás, auctoridades, quaesquer que sejam os depositarios do poder, e que sabe inspirar-se de tudo quanto contribue para a ordem, sem a qual não ha felicidade nem progresso possivel na familia nem na sociedade humana.

É assim que se apresenta ao meu espirito ia noção de liberdade.

Sublevar as consciencias contra a lei divina e humana, desencadear as iras e paixões populares contra o que ha de mais fundamental na sociedade; escarnecer e insultar o que na familia ha de mais nobre e mais digno, a isso, sr. presidente, não chamo nunca, nunca eu chamarei liberdade, ou, se assim quizerem denominal-a, considerem-n'a, então, como uma liberdade terrivel e medonha, que ha de forçosamente produzir a ruina e o abysmo de todas as liberdades. (Apoiados.}

É o que me ensina a sã philosophia, quando proclama a verdade, como a alvo a que devem mirar todas as energias da nossa intelligencia, e o fim nobilissimo, em cuja objectivação devem collaborar os governos que presidem aos destinos das nações.

Que o homem seja livre para tudo quanto quizer, até mesmo para com a sua palavra, com os seus escriptos, com o seu exemplo, e, em summa, por todos os meios de propaganda ao seu alcance, accender o facho da discordia no seio dos povos e arrastal-os á transgressão de seus deveres, com prejuizo imminente da paz domestica e ordem publica, e não seja livre para, sem deixar de obedecer ás leis e aos poderes constituidos, e, sómente guiado pelos dictames da sua consciencia, professar em religião approvada pela Igreja, por ver nisso o meio mais adequado para entrar nos caminhos da perfeição christã, é um facto, sr. presidente, que não se comprehende, não se explica nem justifica, e contra o qual se insurge o sentimento intimo de cada um de nós.

Que o homem possa entregar-se livremente ao estudo e ao cultivo de qualquer sciencia, ao exercicio da arte ou da industria, que mais conforme seja com a sua especial vocação, ou melhor se harmonise com as tendencias da sua natureza, mas que não gose de liberdade igual, se, para obedecer ao sentimento mais nobre, mais elevado, mais energico e mais irreprimivel do seu coração, como é o sentimento religioso, quizer desprender-se de todos os affectos mundanos e abandonar os interesses e negocios terrenos, para no retiro e no recolhimento procurar uma vida mais perfeita, e mais seriamente tratar da sua salvação, isso, sr. presidente, permitta v. exa. que eu o declare francamente, embora com grande tristeza, é a maior das violencias feitas aos direitos da consciencia humana.

Se em these, em principio, me parece apoiado nas mais rigorosas prescripções da justiça a liberdade da associação religiosa, na pratica, ninguem, creio eu, poderá contestar com bons fundamentos a grandissima vantagem que para o nosso poiz, e, particularmente, para as nossas possessões ultramarinas ha de provir do restabelecimento d'essas associações, porque é preciso relembrar, sr. presidente, uma verdade, que anda muito esquecida, que foi o amor da patria, sustentado e fortalecido pela fé religiosa, quem escreveu as paginas mais brilhantes da historia do nosso povo, que outr'ora espantava o mundo com a fama das suas emprezas e conquistas. E o patriotistismo, esse grandioso sentimento, que nos prende em affectuosos vinculos á terra em que nascemos, e cujos destinos compartilhamos, sendo tão nossas as suas glorias como as suas máguas e tristezas e que, sob a salutar influencia da religião, se converte em fogo sagrado, que é a vida e o nervo das naçoes, não se apagou, existe ainda, felizmente intenso e vivo, nós peitos em que pulsa um coração verdadeiramente portuguez.

É por isso que, sempre que o estrangeiro ameaça recalcar o abençoado solo da patria, ou por qualquer modo offender os nossos brios e a nossa independencia, o paiz inteiro, desde os centros mais populosos até ás aldeias mais humildes e sertanejas, solta um brado unisono de justa indignação, levanta-se altivo e digno, em defeza do seu poder, da sua autonomia e da integridade do seu territorio. É em nome d'esse sentimento que eu peço a restauração das congregações religiosas em nossas colonias, com especialidade na Africa, onde existem enormes e

20*