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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 117

tiça». Se a vão pedir ao julgado, este não lh’a póde tambem fazer, porque está extincto pelo decreto do sr. ministro da justiça. De maneira que aquelles povos estão orphãos de justiça: e se porventura o julgado-lh’a fizer, não tem valor, é nulla, porque o julgado já não existe, e os tribunaes, ainda que sintam a situação em que se acha o sr. ministro da justiça, não podem deixar de cumprir a lei.

Estas duas circumstancias, é que desejo fazer notar. Estimo que o sr. ministro da justiça se salvasse, porque assim o podemos ter na nossa presença: mas sinto que succumbisse a sua dignidade.

Estimo que o julgado de S. Thiago do Cacem resuscitas-se: mas sinto tambem que com a pressa de sair do tumulo ficasse em orphandade de justiça, e que o sr. ministro das justiças, que n’este caso não foi de justiça, aceitasse a pressão de alguns cidadãos, para se collocar n’uma situação desagradavel.

É esta a historia funebre d’este projecto. Diz o sr. Ferrer que se elle passar não ha de ser executado, e se o for haverá grande perigo para a ordem publica pelas perturbações que ha de causar no paiz..

Eu não quero ser propheta, nem sou pessimista, nem sei o que ha de acontecer, e direi unicamente o seguinte:

Disse-se aqui que a lei de 1869 de que este projecto é uma reproducção, passou em silencio, e apenas o sr. Fernandes Thomás fez: uma pequena observação sobre um dos seus artigos. Isto é verdade, mas tambem é verdade que muitas vezes leis que passam em silencio, quando se vão executar não encontram lá fóra o mesmo silencio, acham pelo contrario uma forte resistencia que as fazem succumbir. A historia politica do nosso paiz dá-nos tambem exemplos d’estes casos.

Preside a esta camara um homem que foi obrigado por circumstancias extraordinarias a suspender a execução de leis que aqui passaram quasi em silencio. Foi uma d’essas leis, a da reforma administrativa, que não digo seria perfeita, mas que tinha muita cousa boa e aproveitavel (apoiados. Foi outra a do imposto do consumo, e outra a da reforma do ministerio dos negocios estrangeiros. Estas leis passaram aqui, mas não poderam passar lá fora, porque outra voz mais alta se levantou contra ellas, e fez com que fossem revogadas.

Sinto sempre que as leis, quando são promulgadas com as formalidades legaes se não executem. Entendo que as leis, se devem sempre executar, para que se veja na pratica o que ha n’ellas de bom e o que ha de mau, para se poderem emendar com bom resultado. Por isso lastimo sempre os acontecimentos que obrigam a revogações como aquellas a que me refiro, e que foram decretadas contra vontade da pessoa que tomou então conta da presidencia da administração, e que se viu obrigada pelas circumstancias graves do paiz a decretar essa revogação.

Portanto o argumento do silencio foi infeliz e não é proprio da intelligencia do sr. Moraes Carvalho.

Eu não sei se o governo usará d’esta auctorisação no todo ou em parte, em praso curto ou largo; o que entendo é que ella não se lhe deve conceder.

O sr. ministro da justiça, que ha oito annos anda com este projecto na imaginação, vem no fim de tanto tempo pedir esta auctorisação ao parlamento, quando podia, visto que ha tres annos está no poder, apresentar uma reforma completa. Se d’esta auctorisação hão de resultar ou não perigos, e se lhe ha de acontecer o mesmo que tem acontecido a outras leis, só Deus e o futuro o hão de dizer.

Não entro nos detalhes d’este projecto como fizeram o illustre orador que primeiro encetou este debate e o meu amigo o sr. Ferrer; mas não posso deixar de dizer que não tendo amor nem odio aos juizes ordinarios, entendo comtudo que elles devem melhorar-se. Não se póde manter uma instituição d’estas como se fora antigamente, e assim como acabou o desembargo do paço e acabaram muitas outras cousas antigas, devem tambem deixar de existir muitas anomalias que ainda hoje existem. Stat crux dum volvitur orlis (é uma inscripção que está em Grenoble). O stat crux é a idéa religiosa e o dum volvitur orbis a politica das paixões e dos interesses que andam sempre em revolução. Portanto não me admira que acabasse o desembargo do paca, quando é certo que tantos esforços se têem feito para que desappareça tudo quanto era antigo.

Ninguem quer os antigos julgados, para isto é que se deve olhar seriamente e tratar-se de fazer uma reforma conveniente. Eu quero que haja justiça grande e justiça pequena. Esta para os povos pequenos, e que lhe esteja ao pé da porta, para decidir as pequenas questões; justiça pequena, mas perfeita e barata, para estar ao alcance de todos, e que de aos povos os beneficos resultados que são para desejar. As justiças grandes são para ser ouvidas nos casos em que ha a decidir de grandes pleitos, e então póde ser feita em grandes circumscripções, porque isso não envolve grande trabalho nem grande despeza, porque n’essas questões não se envolve a massa geral do população e unicamente pessoas abastadas.

A maxima parte das questões populares versam sobre pequenas quantias e desavenças por motivos de pouca ponderação, e para esses pleitos é que são ou devem ser as justiças de limitada alçada; em geral os pleitos de maior vulto lá têem os juizes de direito, nas grandes circumscripções, que devem ser poucas e bem remuneradas.

Não quero justiça nas mãos dos leigos, e desejava que acabassem os substitutos dos juizes de direito. É um absurdo o substituto do juiz de direito ser um leigo, que não sabe cousa nenhuma de justiça. Eu quero justiça nas mãos dos homens que a saibam administrar, e que tenham liberdade bastante e responsabilidade para os seus actos. Isto é que eu quero. A formula que se devia seguir em detalhe para reduzir este pensamento a lei póde soffrer differentes modificações. Eu queria um juiz ordinario, um juiz de paz, um juiz eleito ao pé da porta dos cidadãos para as pequenas questões sobre propriedades, sobre bens moveis, com respeito aos ataques de pessoas, emfim para todas estas questões em que se envolvem os povos, e que tão frequentes são nas aldeias.

Sr. presidente, o digno par que abriu o debate referiu-se, com insistencia, á justiça orphanologica. Eu ouvi com a maior complacencia s. exa., como costumo sempre ouvir, porque respeito muito a sua intelligencia e experiencia que tem d’estes negocios. Sr. presidente, eu tenho visto como são tratados os orphãos. As suas pequenas fortunas quasi que são absorvidas pela justiça. (O sr. Ferrer: — Apoiado.) Na minha comarca (a gente refere-se sempre á sua localidade onde presenceia melhor as cousas) pertenceu uma vez a um official de diligencias trezentos e tantos mil reis! Sabe a camara o que acontece n’estas cousas? E o seguinte: faz-se uma citação para um conselho de familia, as pessoas que hão de intervir residem leguas distantes, e o official de diligencias que tem de fazer seis ou mais citações, no mesmo dia, para a mesma causa, e na mesma localidade, leva tantos caminhos como de citações. Peço ao sr. ministro da justiça que note isto, porque eu não estou aqui a fazer politica. Quando é costume attribuie-se á gente uma cousa ainda que se não queira fazer essa cousa, nunca deixa de attribuir-se-lhe sempre a mesma intenção. Pois creia o sr. ministro que eu estou aqui fallando sem nenhuma idéa de fazer politica, e o meu desejo é chamar a attenção de s. exa. para estes factos, a fim que se acuda aos males que opprimem os povos. O sr. ministro não tem culpa disto bem o sei, e por isso mesmo é que é preciso que s. exa. não deixe esbanjar a fortuna dos orphãos.

É preciso que haja uma justiça que cuide dos orphãos, sem o que todos os seus bens ficam nas mãos d’ella. Acho, pois, por todas estas considerações, que é de grande interesse humanitario crear ao pé da porta, nas aldeias, uma justiça pequena para tratar das questões pequenas, e sobretudo das que dizem respeito aos orphãos.