O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 34 DE 30 DE NOVEMBRO DE 1906 447

Tal é a lei vigente.

Pergunto ao Sr. Presidente do Conselho: esta lei está sendo cumprida?

Estes abusos estão sendo punidos?

Desconhece-os o Sr. Presidente do Conselho?

De certo que não.

Não ha ninguem no paiz que não tenha d'elles conhecimento; não ha ninguem no paiz que não estranhe que, para o que não é já uma liberdade, não é já um direito, mas um abuso e um crime, não haja correctivo e repressão; porque em paiz nenhum do mundo, qualquer que seja o seu regimen (Apoiados), ou a sua forma de Governo, se permitte a qualquer orgão da imprensa, seja elle qual for, - e eu não distingo nem individualizo não denuncio nem critico, apenas pugno pelo cumprimento da lei -, em paiz nenhum do mundo se consente que qualquer orgão da imprensa diga do Chefe do Estado ou da sua Familia o que hoje, lamentavelmente, em Portugal se está dizendo. (Apoiados).

São abusos que a lei manda punir

Quem é que deve promover essa punição?

A lei é expressa e diz ao artigo 21.°:

"O procedimento judicial pelos cri mês de liberdade de imprensa, fora dos casos em que o Codigo Penal torna a accusação dependente de requerimento de parte, e pelas contravenções ás disposições d'esta lei, será sempre promovido pelo Ministerio Publico, sem dependencia de instruções superiores".

Evidentemente.

Mais do que attribuição, é dever do Ministerio Publico proceder nestes casos mesmo sem dependencia de instrucções superiores.

Não o contesto.

O Sr. Presidente do Conselho vê que eu estou argumentando com absoluta e inteira verdade.

É inegavel que o Ministerio Publico não está cumprindo o seu dever.

Pergunto:

O Ministerio Publico, na sua orbita de acção, está sujeito só aos tribunaes e ao seu julgamento?

Não.

Os delegados do procurador regio estão sujeitos aos procuradores regios como os procuradores regios estão sujeitos ao procurador geral da Corôa, que é o chefe do Ministerio Publico e que é empregado de confiança do Governo.

Pergunto:

Se o procurador geral da Coroa não cumpre o seu dever, se o não faz cumprir pelos seus delegados, é ou não attribuição do Governo fazer que esse dever seja cumprido?

Por isso mesmo que, torno a dizer, o procurador geral da Coroa é empregado de confiança do, Governo, tem este, em presença da lei, a faculdade e o direito, não só isso, o dever e a obrigação, quando o Ministerio Publico não cumprir o seu dever, de lhe recommendar a observancia da lei.

É este o dever do Governo.

Quando um particular é offendido, tem o seu direito proprio e pode usar d'elle independente da promoção do Ministerio Publico; mas quando se trata da pessoa do Rei ou da Familia Real, a promoção do delicto está entregue ao Ministerio Publico; mas se por qualquer motivo o Ministerio Publico se abstem de cumprir o seu dever, o Governo tem não só o direito, mas o dever, de o compelir á observancia do preceitos que na lei estão exarados.

Duas razões apresentou S. Exa., e ambas absolutamente lamentaveis.

A primeira é que, tendo o Governo apresentado ao Parlamento uma proposta de lei sobre liberdade de imprensa, e desejando que ella tenha uma rapida discussão, embora não saiba ainda se o Parlamento concordará ou não com essa proposta, não promove a execução da lei que está em vigor.

Então o Governo tem a faculdade de usar ou deixar de usar de uma lei só porque não está de accordo com algumas das suas disposições?

O Governo tem o direito de propor a substituição ou modificação de uma lei, mas emquanto a lei for lei, tem a obrigação de a cumprir.

Como quer então, á boa paz, o Sr. Presidente do Conselho, que não cumpre a lei com que não concorda, que nenhum outro Governo ouse deixar de a cumprir quando a encontre estabelecida, mas não concordar com as suas disposições?

Adoptado esse principio, a que ponto nos levam as palavras proferidas aqui pelo Sr. Presidente do Conselho?!

Estabelecido esse principio um Governo pode fazer o que entender: se não concordar com uma lei, está dispensado de a fazer cumprir, como S. Exa. não cumpre a lei de imprensa por não concordar com as suas disposições.

Pois, é possivel deixar-se de cumprir uma lei, só porque se discorda das suas disposições?

Permitta-me S. Exa. que lhe diga que é deploravel toda a sua argumentação.

Se o Governo intervier, diz S. Exa., mostra querer perseguir politicamente. Mas quem é que diz ao Sr. Presidente do Conselho que proceda contra este ou aquelle jornal?

S. Exa., chamando o Ministerio Publico ao cumprimento dos seus deveres, faz uma recommendação que está dentro dos limites da lei e das suas attribuições como Governo.

Nada tem que recear, porque quem recommenda que a lei seja cumprida não ordena uma perseguição.

Mas se o principio adoptado por S. Exa. é em geral absurdo e contradictorio, veja o Sr. Presidente do Conselho quanto é grave a affirmação que fez.

S. Exa. julga que para tudo se deve cumprir a lei, excepto pelo que toca á liberdade de imprensa quando é atacada a Corôa, que não tem por si meios de acção propria e que só exerce a sua acção politica por intervenção dos seus Ministros e sob a responsabilidade d'elles.

O Governo, quando se trata da Coroa, que é offendida, atraiçoada, atacada, todos os dias, pela forma mais affrontosa, pela forma mais inconcebivel, o Governo queda-se e nem tem coragem para recommendar aos agentes do Ministerio Publico que cumpram a lei, preferindo, para não passar por perseguidor, deixar a Corôa sem defeza e sem correcção os ataques ao Chefe do Estado.

Esta é a conclusão a que me levam as palavras do Sr. Presidente do Conselho.

Comprehendo que S. Exa. tenha muito amor á proposta de lei que formulou, comprehendo que S. Exa. entenda que ella seja tudo o que ha de melhor em liberdade de imprensa, mas uma cousa não comprehendo - é que S. Exa. deixe n'este momento de cumprir a lei em relação á Corôa, da qual recebeu a investidura da sua suprema confiança.

Outra cousa não comprehendo tambem - é que no Parlamento, onde todos os membros são pessoalmente responsaveis pelas suas opiniões, a liberdade tenha restricções e essas restricções se revistam da forma à mais dura; e que fora do Parlamento onde ninguem pode ter mais liberdade do que no Parlamento, sejam affrontadas as instituições todos os dias, impune e repetidamente.

Ainda hontem o Sr. Ministro das Obras Publicas condemnava o facto de se deixar desprestigiar tudo e todos, abalando um regimen que todos nós temos obrigação de defender e sustentar.

O que o Sr. Presidente do Conselho faz não o comprehendo eu, e digo-o muito singelamente, por descargo de consciencia e por entender que n'este momento faltaria a um dever sagrado se não pronunciasse estas palavras.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: