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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 367

mente, se, no caso deste documento ser verdadeiro, o sr. nuncio estava no direito de o publicar, porque respondeu com uma generalidade, que não vem para a questão; isto é, disse apenas que entendia que não era legitimo senão o cumprimento da lei.

Sr. presidente, a questão da desamortização da passaes, que é sobre que versa principalmente este ponto, é uma questão que não póde ser tratada senão em vista do direito canonico, ecclesiastico, civil e politico. É, porem, uma questão terminada por uma lei que seguiu todos os tramites legaes em ambas as casas do parlamento; não me parece opportuno nem necessario entrar nos fundamentos juridicos, quer canonicos quer civis, de uma tal disposição.

Podia demonstrar que é este o direito estabelecido consuetudinaria e positivamente desde as mais remotas, eras da nossa monarchia.

Em 1211 já Affonso II publicou uma lei que prohibia ás casas religiosas a compra de bens de raiz, isto é, regulava a forma e modo de ser da propriedade ecclesiastica, como nós hoje fazemos; D. Diniz, D. Fernando, todos fizeram leis regulando a mesma materia; D. Jorge nas de 4 de julho de 1768, de 12 de maio de 1769 e 9 de setembro do mesmo anno; e finalmente todos os decretos e leis de 1834 até hoje, que, por muito conhecidas, é escusado citar, teem sido executadas com assentimento, ou positivo ou tacito, da igreja.

Nós, porem, não temos aqui de averiguar se esta lei é ou não conforme ao direito canonico. Isso póde ter logar quando se tratar de a emendar. Basta-nos saber se existe ou não, e existindo tem o governo de a cumprir, e fazer respeitar os seus effeitos. Tudo quanto se oppõe, directa ou indirectamente á execução desta lei, é contrario á mesma lei, é prejudicial ao estado e á propria igreja, pois póde alterar as condições do mercado para a venda dos mesmos bens.

Mas quero mesmo que não influam no mercado taes factos; dispensará isso o governo de se acautelar para que se não levantem da futuro embaraços fortes que tragam transtornos á execução da lei e outros inconvenientes mais prejudiciaes, taes como um scisma que, latente, já escripto, tratam de o tornar mais extenso e accentuado.

É claro que desde que o nuncio de Sua Santidade é obrigado a respeitar as leis do reino, não póde nem deve, por documentos authenticos passados com chancella da nunciatura, e auctorisada a sua publicação, dirigir-se aos parochos contrariando as disposições das leis que pela sua carta pastoral se obrigou a respeitar.

No momento em que elle entender que de forma nenhuma póde consentir em auctorisar com a sua presença a execução das leis, já porque a sua consciencia lho não consinta, já porque o direito canonico a isso se opponha, o que deve praticar primeiramente, é dirigir-se ao governo de Sua Magestade participando-lhe o que lhe occorrer a fim do mesmo governo resolver o que for legal e justo, e se vê que o governo não póde providenciar de nenhum modo, deve então dirigir-se á santa sé, expondo-lhe os factos para que ella determine da sua pessoa o que julgar conveniente. O que não se póde permittir é que o nuncio de sua santidade esteja a lançar apprehensões nos espiritos pela forma que referi, em proveito dos interesses da reacção, cuja audácia augmenta de dia em dia, e que em breve teremos de ver entrar num caminho mais funesto para o paiz se não se tratar por todos os modos de se tolherem os passos.

Eu farei ver quanto é já damnosa a sua acção, e os resultados funestos que tem dado. Se o sr. ministro da justiça não tinha a certeza de que o documento que adduzi fosse apocrypho, como julgo ser outro que se diz ter saído da nunciatura, ao qual tambem me hei de referir logo., o dever de s. exa. era dirigir-se ao nuncio e perguntar-lhe se era verdadeiro um tal documento, se adquirisse a certeza de que o era, proceder conforme a lei, guardando as attenções devidas e que é costume ter com o representante da santa sé, mas obrando com o vigor e desassombro de um governo livre e independente, taes são as nossas tradições historicas, e taes são as exigencias do nosso brio nacional. Sei o que devia ter feito o sr. ministro da justiça: s. exa. devia até, se reconhecesse que o nuncio era criminoso, leva-lo aos tribunaes, tinha nas leis, nos usos e costumes antigos deste reino fundamento para o fazer, catre outros factos poderia lembrar o processo instaurado no tempo de um dos Filippes contra o collector da nunciatura, que tinha ousado publicar uma excommunhão contra os denunciantes dos bens de capella e coroa, facto muito similhante a este, pois foi mettido em processo e julgado, e para obter o perdão declarou nullo p que tinha praticado; se porem o sr. ministro reconhecia que por deferencia para com a santa sé, ou por conveniencia do estado não devia ir tão longe, reclamasse a saída daquelle cavalheiro, digo do nuncio da sua santidade. Este qualificativo de cavalheiro com que uma vez me referi ao nuncio da santa sé já me rendeu graves aggressões dos jornaes reaccionarios, nem que não fossem cavalheiros todos os homens que se prezam, quer pertençam á jerarchia civil, quer á ecclesiastica. Em todo o caso quando digo cavalheiro, referindo-me ao representante da santa Sé não é porque tenha pouca deferencia para com s. exa., a quem não tenho a honra de reconhecer.

O sr. Barros e Sá: - Apoiado.

O Orador: - Mas dizia eu que, se p sr. ministro da justiça tivesse adquirido a certeza de que p nuncio de sua santidade havia praticado uai acto contrario ás leis do paiz, se não quizesse, por um motivo de deferencia para com a santa sé ou para com p mesmo cavalheiro, ou por conveniencia publica, proceder de um modo energico, podia, por via do ministerio dos negocios estrangeiros reclamar a saída do nuncio.

Não praticando assim, dada a hypothese de que fallo, o governo ficará numa posição falsa, e dará aso a mais audaciosos e prejudiciaes commettimentos da parte dos reaccionarios.

Se é verdade o que está escripto, elles ousam já levantar-se contra as disposições expressas das leis do reino, contra a sua execução impõem anathemas, alteram os textos das consultas das congregações romanas, e, mais que tudo, teem uma acção directa sobre os parochos sem dependencia da jurisdicção episcopal, o que deploro que o governo consinta, e a que os sra. bispos não opponham uma resistencia tenaz, pois que lhes está o nuncio da sua santidade entrando pelas suas attribuições; e note-se que tudo isto é contra as condições com que foi admittido o nuncio de sua santidade, pois que para a execução do seu breve de faculdades, se lhe exigiu, como é costume, uma carta reversa!, na qual expressamente declara que se sujeita as leis e costumes destes reinos, e ás disposições da lei fundamental. O cumprimento desta promessa é estar levantando uma luta, hão só latente, mas clara, explicita, pelos factos occorridos, e contra os quaes o sr. ministro não tem procedido como devia.

Quem não corta o mal na raiz, quem, como s. exa., despreza o mal no seu principio não póde depois ir cortar-lhe os effeitos.

Depois desta consulta muitos parochos teem protestado contra a venda dos passaes. Muitos dos que primeiro se não oppõem a fazer a descripção do inventario dos seus bens, têem, depois desta consulta e de uma outra mais capciosa e perfida, mais prejudicial e contraria ás leis do reino e ás boas relações entre a igreja e o estado, vindo a publico com protestos assignados por elles proprios como parochos.

Disto resulta que ha manifesta opposição aos actos do governo pelos homens que, posto que empregados da igreja,