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SESSÃO N.° 17 DE 29 DE DEZEMBRO DE 1911 3

Sala da comissão de finanças, 29 de Dezembro de 1911. = José Maria Pereira, presidente = Alfredo Botelho de Sousa = Peres Rodrigues = Tomás Cabreira.

Artigo 1.° Os secretários de finanças deverão receber as participações dos descendentes e autores de heranças fora do prazo legal e sem imposição de multa durante o período transitório de dez meses a contar da publicação do decreto com fôrça de lei de 24 de Maio de 1911.

§ único. Todos os autos levantados pela falta das referidas participações, durante o período mencionado neste artigo ficarão sem efeito.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da comissão de redacção do Senado, em 29 de Dezembro de 1911. = Domingos Tasso de Figueiredo = António Joaquim de Sousa Júnior.

O Sr. Tasso de Figueiredo: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o projecto que foi lido na mesa, e que se destina a ordenar aos secretários de finanças que aceitem as participações dos que tem de receber heranças fora do prazo legal e sem imposição de multa durante o período transitório de dez meses a contar da publicação do decreto de 24 de Maio do corrente ano.

Torna-se urgente a aprovação dêste projecto para evitar mais vexames, de que tem sido vítimas aqueles que ignoram as disposições da lei, e a instauração de novos processos pelo mesmo motivo. Esta proposta já tem o parecer da comissão de finanças e por isso nenhum inconveniente há em que o Senado a discuta imediatamente.

Tendo a Câmara assentido ao pedido do Sr. Senador, foi lido na mesa o projecto e em seguida aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade.

Leu-se na mesa o:

Parecer da comissão de petições favorável ao pedido de Joaquim José de Amoinha Lopes, para ser repatriado.

Aprovado para ter o devido seguimento.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se nos trabalhos antes da ordem do dia.

O Sr. Abel Botelho: - Sr. Presidente, e Srs. Senadores: Passa hoje o primeiro aniversário da morte do Dr. Sousa Viterbo.

Recordá-lo é trazer a evocação saudosa dum dos filhos dilectos da nossa terra, duma autêntica glória nacional.

Verdadeiro espírito de eleição, a um tempo poeta e erudito, a sua vida foi um exemplo nobilíssimo de trabalho incessante e indefectível.

A sua obra é um monumento imorredouro e de saber, por que foi tão solidamente documentada, como profundamente sentida; porque as aladas fugas da sua fantasia partiam sempre, conscientes, seguras, do conhecimento próximo dos homens e da investigação paciente das coisas.

Sr. Presidente: um dos aspectos mais nobres e patrióticos da grande missão que a República se impôs é, certamente, nobilitar a memória dos seus grandes homens, arrancá-los ao iníquo, ao brutal esquecimento a que o sibaritismo egoísta do regime extinto os condenava, para os exaltar, para os oferecer, para os impor, em toda a sua iluminada evidência, ao exemplo, à comovida consideração do povo, e para lhes dar o merecido lugar na história.

O Dr. Sousa Viterbo está seguramente neste caso.

Êle não é um nome retumbante, não, porque foi sempre um solitário, um retraído, um sonhador; porque a sua modesta isenção igualou em grandeza o seu talento subtil, porque êle tinha o suave, o cândido orgulho das almas simples.

Não foi um nome retumbante; mas foi um dos nossos grandes cabouqueiros na laboriosa escavação do passado; foi um dos mais claros, demovidos e profundos anotadores das glórias pátrias.

O seu monumental Dicionário Documental e Histórico dos Arquitectos Portugueses bastava para lhe assegurar uma reputação perdurável; mas os poemas da sua mocidade são obras primas, e, depois, é colossal a abundância das suas investigações arqueológicas e artísticas, prodigamente dispersas por toda a sorte de publicações, amorosamente entusiásticas, com uma perseverança incansável, sempre com uma ardência de evangelizador e uma paciência de beneditino.

Para em tudo ser interessante esta nossa grande figura [iteraria, nem escapou à história trágica do génio.

Cego e paralítico, prematuramente inutilizado quási para a vida material, não o feriu assim o Destino apenas por efeito desta ironia paradoxal com que êle de ordinário castiga os seus eleitos; j o Destino quis mais! quis assegurar a êsse isolado, uma paz, um isolamento maior ainda; quis libertá-lo das contingências dispersivas do exterior, Dará que, dentro da sua alma, essa como que eliminação do mundo objectivo se transmutasse em mais ampla e mais ímpida claridade; quis que, assim pela inacção e pela tréva, colocado fora das paixões e dos apetites, êsse novo asceta espiritual, melhor pudesse visionar o mundo, tranquilamente, de alto, como uma grande planície, como um vasto mar, sem perfídias e sem sombras.

Dentro da sua habitação modestíssima, que quadro soberbo, emocionante!

Inolvidável ficou para quantos alguma vez lograram vê la, a ténui, a emaciada figurita dêsse valetudinário precoce, - inalterávelmente rodeado por um dos mais admiráveis exemplos de piedade filial - e que nos acolhia a todos carinhosamente, dando-nos, generosa e pronta, a sua lição das cousas, em frases saltantes como toques do pincel, com a vida toda no cérebro, numa voz clara e convicta, enquanto movia animadamente a cabeça, e com as fundas órbitas cheias tambêm de ligeiras sombras movediças, que eram como que um reflexo vago do Infinito...

Meus senhores: a República tem que reconhecer oficialmente os serviços do Dr. Sousa Viterbo, por uma forma tangível e perdurável, que não apenas pela demonstração platónica de meia dúzia de frases banais.

A República deve-lhe uma demonstração, modesta embora, como a sua vida, mas que seja bem significativa na sua mesma singeleza.

E o que eu pretendo traduzir pelo presente projecto de lei, o qual tem, aliás, a valorizá-lo o nome do ilustre Senador Dr. Bernardino Machado, que tambêm quis subscrevê-lo.

Quere-me parecer que, perfilhando êste projecto, o Senado não honrará somente o nome de Sousa Viterbo, honrar-se-há a si próprio e honrará a República.

Tenho dito.

É lido na mesa e fica para segunda leitura o projecto do Sr. Abel Botelho que a Câmara admitiu e é o seguinte:

Artigo 1.° É o Govêrno autorizado a conceder o bronze necessário, e mandar proceder á fundição no mesmo metal, dum busto do escritor Sousa Viterbo, que será colocado na sala das sessões da Associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses.

Art. 2.° Os moldes para esta publicação serão feitos sôbre um busto do aludido escritor, obtido pela mesma Associação dos Arquitectos e Arqueólogos, e precedendo consulta do Conselho de Arte e Arqueologia da 1.ª Circunscrição. = Bernardino Machado = Abel Botelho.