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2600 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

pessoa. Mais homens se dão conta de que, neste mundo contingente, não há certezas absolutas. Sente-se mais vivamente que eliminar uma opinião, que pode até ser a verdadeira, pela autoridade, é esquecer que o nosso pensamento se corrige e completa, confrontando-o com o dos outros; que a confiança no julgamento próprio aumenta, se o submetermos ao juízo público.
Não é um mundo que acaba; é um mundo que começa. E, nesse mundo novo, uma censura prévia, como regra, não tem mais razão de ser.
O Estado social está a interpretar estes sinais dos tempos e a colaborar na edificação desse mundo novo. Nesta hora, pois, uma lei de imprensa impõe-se ao Estado social como uma exigência do seu próprio ser. Ela situa-se no centro da linha de rumo de um Estado moderno.
A proposta de lei que vamos discutir será, se for aprovada, a lei fundamental da liberdade de imprensa. Ela é a consequente do melhoramento nas mentes e nas instituições portuguesas. Ela reflecte o actual estado saudável da vida política portuguesa.
E porque assim é, deveremos, na apreciação e julgamento que vamos realizar, movimentar-nos fugindo das abstracções puras, que, embora merecendo o nosso respeito, constituem apenas os nossos ideais.
Nós, políticos que somos, temos de ser realistas, muito mais, que ideólogos ... ou fantasistas.
Vamos legislar agora e aqui. Legislar nesta hora, neste momento histórico.
Quão longe estamos da sociedade de indivíduos, da sociedade liberal, da burguesia que arrancou do século XVIII e que conquistou a liberdade de imprensa. O liberalismo, como é sabido, surgiu como reacção contra o absolutismo. Era uma ideologia que combatia outra, à qual pretendia substituir-se. Era uma sociedade que sucedia a outra sociedade. E agora? Hoje, a burguesia liberal finou-se.
Neste momento histórico há aquilo a que se chama as «sociedades de massas», onde o homem se caracteriza pela despersonalização e homogeneidade, perante as quais o Poder não pode ficar desarmado, abandonar meios de intervenção, indispensáveis à convivência social e até à defesa das liberdades de cada um. Hoje contesta-se tudo e também, como no liberalismo, combate-se uma ideologia, pretende-se acabar com uma sociedade, com a nossa sociedade, que até se poderá chamar de consumo, ou, talvez melhor, de um ângulo próximo, de produção. E que se preconiza em sua substituição? Nada. Não é uma sociedade que quer substituir-se a outra, o que se quer é o fim de uma sociedade. Pretende-se, se isso é possível, o nada, o puro niilismo.
Sr. Presidente: Já ouvi aqui tantas vezes falar em Estado de direito a propósito, da revisão constitucional, da liberdade religiosa e, agora, da Uberdade de imprensa que, a título de curiosidade apenas, ouso lembrar que os países socialistas se consideram a si próprios também Estados de direito, e aí a informação é propaganda, sempre feita com a finalidade ide fortalecer o regime socialista. Lá, a imprensa visa jantes a eficácia do que a verdade.
E isto dá também a ideia de quão tange estamos desses conceitos puros que, no actual estado da vida dos povos, não tem o conteúdo que lhes foi citado pelos seus teorizadores.
Deliram-se as fronteiras entre os três poderes do Estado com invasão mútua da esfera de competências, chegando mesmo a assistir-se, em todo o mundo, à politização do Judicial, perfeitamente parificado aos outros poderes, que é chamado cada vez mais a julgar a legalidade do Executivo e a constitucionalidade das leis.
Sociedade de massas, sociedade técnica e pluralista, a sociedade contemporânea conduz-nos ao Estado-providência.
Esta, a breve trecho, parcial ou esquemàticamente, a realidade em que está situado o mundo de hoje.
Um governo responsável, consciente e sábio, tem de ser capaz de descobrir o justo equilíbrio dos modos de actuação, que não são de certo os de um socialismo de opressão, de ideologia unitária, ou os de um liberalismo cândido e ultrapassado.
Mas, para além disso, para lá do facto de estarmos a fazer uma lei para os tempos presentes, estamos a legislar para a Nação portuguesa, onde há circunstancialismos de pessoas, de fenómenos, de situações, que nos impõem uma lei portuguesa.
Sr. Presidente: Nós, Portugueses, nunca fomos educados - e esta asserção recua ao século XIX - para uma liberdade de informação, agravada esta circunstância com o facto de vivermos há mais de 40 anos em regime de censura prévia à imprensa.
Mas o fenómeno, tão característico da hora que passa, de intensificação de relações internacionais ao nível individual tem levado a nossa gente a aprender e a contactar outros povos, outros horizontes, e a criar uma dimensão mais larga do seu valor. Consciencializado o nosso povo das novas perspectivas e da largueza de outras culturas, o Estado social que nos rege fez germinar a necessidade de dimensionar em novos moldes, de disciplinar por caminhos mais largos todo o seu rico património, de modo a esse povo dar a colaboração necessária a quem tenha de marcar e de definir os princípios norteadores de uma civilização e de uma política.
Esta necessidade constitui pressuposto imprescindível da participação dos Portugueses na obra que se projecta e que vem sendo definida pelos poderes públicos. Alicerçadas as traves mestras do pensamento político que nos define, há que dar oportunidade de tornar o mesmo planificado pela participação activa e vivida de quantos, e somos todos, têm que cooperar, vivendo e visando os caminhos que temos de percorrer.
E o Governo, atento às realidades do momento, entendeu que esta caminhada só poderá ser frutífera e eficaz se a todos for reconhecido o direito de dialogar, de criticar, apontar, corrigir, defender ou atacar posições, diplomas que se promulgam, factos que importam ao conhecimento de todos, para que todos se consciencializem, conheçam, experimentem e vivam as causas, motivações e princípios que lhes deram origem, os expliquem, os justifiquem.
O actual Governo tem vindo a ensinar-nos que dialogar é hoje palavra de ordem; que aceitar correcções é hoje norma de convivência; que aceitar críticas é hoje forma de construir; que permitir, pelo diálogo, a busca de soluções é hoje forma de governar; que somos todos responsáveis nos objectivos comuns. E, assim, a sociedade portuguesa viu-se, da noite para o dia, senhora de uma maior possibilidade de participação política.
E a lei de imprensa surgiu, em meu parecer e como atrás disse, como resultante deste novo modo de governar.
Pois, Sr. Presidente, apesar de tudo, o primeiro pensamento que me ocorreu da leitura da proposta do Governo foi o de que este praticou um acto de verdadeira coragem. Tenho ouvido que se trata de uma lei de transição. Pois eu repudio vivamente essa afirmação, e considero-a uma lei verdadeiramente progressiva, ou progressista, conforme se prefira.