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2604 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

Não se trata, porém, apenas de jornalistas, mas de todos os que criam e divulgam a cultura; não se trata só de jornais, mas de toda e qualquer forma em que se materialize o pensamento, da palavra oral à escrita, do gesto significativo à expressão artística.
Estas noções são tanto mais necessárias quanto é certo que o espírito tecnocrático tende a invadir o campo da imprensa periódica, começando a olhar-se para o jornalista como um técnico da informação. Naturalmente que a especialização expõe o jornalista à manipulação das empresas e das influências políticas. A tecnologia da informação é um perigo a acrescentar a outros que impendem sobre a profissão e de que ela se defende pelo sentido humanista que a impregna e, por outro lado, pelo apego do público à liberdade, criando uma atmosfera favorável ao intercâmbio das ideias e ao florescimento da independência intelectual.
Daqui deriva que a liberdade de imprensa só tem alcance e valor se está inserida «numa estrutura sócio-política respeitadora das liberdades públicas, de que a liberdade de exprimir o pensamento escrito é sómente uma das faces.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - A liberdade é um conceito e uma prática indivisível, que se não pode separar em pautes ou fragmentos.
A informação tem dois aspectos principais, derivados das características da sociedade moderna, das transformações da vida política e, finalmente, do progresso técnico.
O primeiro aspecto é a tão falada objectividade. O conceito é ambíguo, como o prova ser utilizado pelos Estados autoritários e, simultaneamente, pelos seus opositores. A objectividade pura, descarnada, não existe, mesmo mas ciências exactas. O que se deve esperar e exigir é a exactidão, garantiria pela honestidade e competência do informador.
O segundo aspecto é o carácter universal da, informação. Está dito, mas convém, repeti-lo, que as relações entre os homens tendem a estender-se ao Universo, de modo que as separações naturais ou históricas perdem a importância de outrora. Assim, as fronteiras erguidas contra as ideias são impotentes para evitar a sua difusão. «Ideia perseguida, ideia propagada: lei perpétua do munido moral, permanentemente esquecida pelo Poder.» Alexandre Herculano escreveu isto em 1871, precisamente há um século. Que diremos nós, na época das informações quase instantâneas? Que valor possuem os métodos de prevenção do contágio doutrinal? Apetece responder que não possuem nenhum, porque as ideias se infiltram, rompem as muralhas protectoras, penetram e conquistam os espíritos.
Não é tanto assim. Infelizmente, a cenoura é eficaz e, por isso, tem tantos partidários. Realmente é uma excelente arma defensiva de todos os monopólios ideológicos.
Nós, Portugueses, estamos bem colocados para ajuizar a eficácia da censura. Com alguns períodos intermediários de Uberdade, sofremos os seus rigores há perto de quatro séculos. Antigamente exercida em nome da pureza da fé e da conservação do sossego público, exerce-se modernamente em nome da unidade nacional e em razão da impreparação cívica do povo.
Sempre que lá fora se operavam mudanças culturais, cá dentro era motivo para fechar a entrada às novas formas de pensar e agir, apertando o sistema opressivo. O resultado traduziu-se nos atrasos culturais que se foram acumulando, impedindo a actualização das instituições e das mentalidades.
A censura evitou, decerto, as convulsões mais ou menos profundas por que outros povos passaram. Poupou-nos incómodos e conflitos, mas estas vantagens imediatas são desvantagens a distância, porque afectam as gerações vindouras, limitando-lhes o horizonte mental e isolando-as das grandes correntes da história.
Fizeram-nos, e fazem-nos, muita falta os confrontos com modos diferentes de viver e considerar o mundo; a discussão nascida da heterogeneidade das ideias; a livre oposição às ideologias oficiais; a variedade das opiniões, das crenças e dos gostos. O que hoje se denomina pluralismo combateu-se como se fosse um adversário corruptor dia paz pública, dos valores tradicionais, da unidade. Porém, a unidade verdadeira, sólida, incontestável, provém da diversidade de pensamento e de atitudes e não da monotonia das concordâncias. Mas, para alcançar este estado superior de unidade, era preciso que o principal veículo do pensamento, a imprensa, usufruísse a liberdade necessária para noticiar, comentar e criticar os actos e acontecimentos.
A notícia por si só não chega - o comentário é indispensável, porque aí o jornalista mostra a sua capacidade de análise, a sua visão dos sucessos, as suas concepções próprias.
O jornal de qualidade é principalmente isso: um juízo independente acerca do quotidiano.
Deixar sair a notícia e cortar o comentário é a prática mesquinha dos aparelhos de censura, sejam os oficiais, sejam os da redacção dos periódicos. E, valha a verdade, esta última é quase tão má como a primeira, porque é oculta, e contra ela o jornalista e o público estão desarmados, porque é a força do poder económico privado sobre a frágil Uberdade intelectual.
Acabamos de tocar num ponto que merecia atenção, pois fala-se pouco dele: as consequências da censura para o pensamento criador. Não se trata já do resultado imediato do exame prévio das produções escritas ou orais, mas do efeito que o estorvo à manifestação das ideias exerce no processo psicológico de formulação, relacionação e expressão, ou seja, no próprio pensamento.
Lia-se há dias nos jornais que não se é incomodado pelas ideias que se possuem. Eis uma falsa ideia clara. Sem dúvida nenhuma o Estado, ou qualquer autoridade, não deve violar a intimidade das pessoas. Mas como preservar o espírito, se se lhe impedem as manifestações? Be que vale, e o que representa, o pensamento, quando se lhe cortam as possibilidades de expressão?
A vida psíquica resulta da interacção dos processos internos com o mundo, é um tecido de relações e não produto isolado te autónomo do cérebro humano. A reflexão é uma forma de comportamento social interiorizado; portanto, o sentir, o pensar, o querer, são processas psicológicos indissociáveis dos processos sociais.
Suprimindo os actos expressivos (linguagem verbal, gestual ou a conduta social), atinge-se infalivelmente a própria consciência, o foro íntimo de cada um.
E é justamente neste ponto que se localiza a gravidade maior da censura e os estragos que produz. A acção repressiva visa o pensamento, porque o pensamento é o seu verdadeiro inimigo.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Como diz Georges Curdeau: «Cette action ne se limite pas à obtenir que la masse travaille, vote ou chante le louange du regime, elle atteint l'esprit.» O Po-