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2954 I SÉRIE - NÚMERO 74

a reconstrução dinâmica de relações especiais com as comunidades portuguesas e com os países de expressão oficial portuguesa.
Tratava-se, assim, de um projecto cujo sentido liberalizante e democrático se mostrava realisticamente ajustado ao tempo e à sociedade portuguesa.
Não o soube entender a crispação imobilista e arcaica dos responsáveis políticos do momento. Por desígnio, por inércia, o regime de então foi incapaz de aceitar e de prever outra solução que não fosse a da sua própria continuidade.
Recusou outro tempo de mudança que não fosse o seu próprio, e este, perto do fim, media-se já - todos o sentiam - apenas por dias.
O 25 de Abril surge assim como um momento de ruptura política tornado inevitável pelas tentativas frustradas de liberalização do regime anterior.
Essa ruptura é personalizada num punhado de militares que tinham compreendido, também por experiência pessoal de uma guerra já sem sentido, a natureza definitiva dos impasses do mesmo regime. E ganha rosto, igualmente, nos milhares de portugueses que acorrem a confraternizar com os militares nas ruas de Lisboa, nas ruas do País.
Representando, embora, o termo e o abandono definitivos de uma experiência insucedida, esta não deixou de contribuir formativamente para a consciencialização de uma geração que melhor ficou a conhecer a natureza e as expressões do poder autoritário.
A esse insucesso caberá, também, uma parte da responsabilidade pela dinâmica revolucionária que se instalou a partir de 1974.
Contudo, não se perdeu com o 25 de Abril, a orientação essencial do projecto, apesar das inevitáveis perturbações resultantes da explosão compreensível das expectativas sociais, da ressurgência das ideias revolucionárias, da perda de autoridade e capacidade do Estado e da instrumentalização da instituição militar.
E foi na força da adesão do povo português aos propósitos desse projecto que, em boa verdade, se inviabilizaram as hesitações autoritárias e se neutralizaram as ofensivas totalitárias que se sucederam à intervenção militar.
É ainda na sua clara assunção popular que se justificam os resultados da eleição de Abril de 1975, demonstrando que esse projecto correspondia ao consenso dos Portugueses.
Os condicionalismos do nosso acesso ao regime democrático estabelecem que a democracia não é somente uma regra de legitimação das instituições representativas, mas ainda um modelo em que se institucionalizam equilíbrios e conflitos entre forças e interesses distintos e autónomos.
A transição do autoritarismo para um regime de democracia pluralista ficou, em suma, a dever-se ao empenho de uma geração que para o seu projecto encontrou indiscutível apoio popular.
Tratando-se de um projecto-propósito teve mesmo assim capacidade para iniciar e gerir um difícil e complexo processo de descolonização.
É certo que não dispôs de força suficiente para que a política de descolonização se realizasse com a normalidade indispensável à satisfação razoável e equilibrada dos interesses nacionais.
Nem por outro lado, conseguiu assegurar a consecução de um quadro de unidade nacional e de desenvolvimento continuado que propiciasse a estabilidade económica e política nos novos estados.
Não se pode, contudo, esquecer que a descolonização, tardiamente realizada, teve lugar num contexto internacional negativo, manifestado, aliás, na escalada e internacionalização dos conflitos da descolonização com uma intensidade imprevista, o que mais paralisou a capacidade de acção de Portugal, limitando o pleno exercício da sua função na transmissão das novas soberanias.
Apesar de todos os erros e anomalias foi também possível minimizar sequelas e impedir que atitudes de impaciência, de resignação ou comportamentos irresponsáveis alterassem a vitalidade dos dados permanentes que motivam e justificam a persistência de uma posição de abertura de Portugal perante os Estados africanos de expressão oficial portuguesa.
E foi até possível alicerçar nesses mesmos dados a vontade de restituir às relações bilaterais um quadro de solidariedade e de desenvolvimento que exprime, no respeito pela respectivas soberanias, o sentimento de responsabilidade que nos ficou de uma História comum.
É certo que a dimensão principal da posição internacional de Portugal se modificou. Outro tanto se passou, naturalmente, com os novos Estados africanos.
A inserção internacional de um e outros é cada vez mais determinada pelas dinâmicas dos espaços geo-estratégicos em que se integram.
A compreensão das novas realidades não é, no entanto, uma razão para diminuir a prioridade atribuída à relações bilaterais. Pelo contrário, esses condicionamentos representam um estímulo adicional para o seu desenvolvimento, em que os interesses nacionais respectivos se articulam com a especificidade própria que resulta das afinidades de língua e de cultura.
Neste sentido, os presupostos do projecto nacional, a procura de um modelo estável para as relações de Portugal com os novos estados africanos, aliados à alteração da dimensão da política internacional portuguesa, expressa na sua orientação europeia, permitem recuperar a nossa vocação universalista e afirmar o nosso estatuto próprio entre as nações.
A política de adesão às comunidades europeias, que marcou sem interrupção o nosso percurso democrático desde 1976, tem igualmente as suas raízes profundas na visão da geração que tinha como objectivos a modernização da sociedade portuguesa, privilegiadamente através da descolonização e do desenvolvimento compensador das relações com os países industriais, constituindo, assim, uma alternativa para a posição externa de Portugal.
É, pois, uma posição e uma atitude programática a que preside à representação do pedido de adesão comunitária de Portugal, a partir do momento em que o seu estatuto como democracia se impôs perante o conjunto dos países membros.
Não se trata, pois, nem de uma inevitabilidade histórica, nem de uma indispensabilidade de carácter económico.
A própria consolidação da democracia não irá escorar-se nas comunidades europeias, mas sim, com evidentes provas dadas, na vontade e no trabalho dos Portugueses.