O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1992 I SÉRIE - NÚMERO 51

Durante os 40 anos em que exerci a advocacia, vi mulheres que me procuravam, angustiadas com a situação dos seus maridos, nas cadeias da ditadura. Nas minhas passagens por terras de exílio, encontrei-as ao lado dos maridos pobres e abandonados e algumas vezes sem esperança. Além disso, tive ainda a honra de ter estado na cadeia com algumas mulheres portuguesas. Isto merece ser recordado para algumas das pessoas que se encontram nesta Sala e que certamente nunca ouviram falar neste assunto.
A vida da mulher em Portugal continua a ser extremamente difícil, embora os lares sejam hoje totalmente diferentes dos do meu tempo de menino. Mas não é possível viver-se hoje com alguma dignidade, neste país, sem que a completação da mulher seja absolutamente indispensável.
E vejo-as no sacrifício dos seus empregos e, depois deles, nas horas em que mereceriam o descanso no regresso ao seu lar, no trabalho árduo do dia-a-dia, com as crianças que necessitam de cuidados e os maridos doentes ou necessitados de carinho.
Vejo uma galeria de mulheres necessitadas, que bateram à minha porta em momentos de angústia, com os maridos presos a pedir uma coisa que lhes não podia dar. Não podia dar a liberdade; apenas todo o meu carinho e interesse pela situação dos maridos.
É uma galeria que merecia ser registada numa Assembleia como esta, que nasceu da Revolução de Abril, exactamente para que a mulher pudesse ter na sociedade portuguesa o lugar que, infelizmene, ainda não tem. Evoco-as com muito sentimento e faço votos para que esta Câmara saiba ultrapassar o formalismo das leis, convertendo-as na realidade merecida pelas mulheres deste país.
Na minha vida de advogado de província, cheguei um dia a uma terra em que se começava a verificar o êxodo da população. Estou ainda a ver com os meus olhos mulheres com os filhos às costas a atravessar a fronteira a salto, por estarem a morrer de fome na sua terra. As que aqui ficavam, essas viam partir com pungente saudade, desconhecendo por quanto tempo, os seus maridos e filhos. Temos todos o dever de recordar esta galeria magnífica e brilhante que acabo de referir.
Minhas senhoras, mulheres de Portugal, muito obrigado!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos num país com cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais mais de metade são mulheres. Olhando esta Assembleia, composta por 250 deputados, encontramos apenas doze mulheres e podemos perguntar: o que é que se passa com as outras 113 mulheres que aqui não estão?
A maior parte nem sequer tentou, porque não sente a sua participação como útil, porque pensam que o seu saber não é um saber, porque foram convencidas de que este não é o seu lugar. Outras há que foram convencidas da sua incapacidade; outras queriam e não puderam, porque a actividade profissional mais a glorificada função de esposa, mais a glorificada função materna, as deixa esgotadas para qualquer outra espécie de ambição ou expectativa. Finalmente, outras quiseram e puderam, mas nas listas foram colocadas em lugares não elegíveis.
Mas um país, uma sociedade, não se constrói só numa Assembleia; faz-se sobretudo no quotidiano e aí, como hoje nas galerias, estão as mulheres, inventando novas relações, uma nova maneira de estar, construindo uma nova ordem social.
Mas, como seria se elas aqui estivessem? Que trariam ao debate dos problemas nacionais?
Em primeiro lugar, trariam um maior pragmatismo, porque as mulheres estão habituadas a atingir objectivos concretos em tempo útil; trariam outros valores mais ligados ao quotidiano, à vida, as pessoas enquanto tal e não uma dignidade ou humanidade abstractas. Trariam uma justiça mais imediata, mais próxima, uma mais correcta apreciação das particularidades, da diferença, das próprias minorias.
Trariam, de certeza, uma nova filosofia a esta Assembleia, dariam a partir daqui uma nova imagem de justiça (porque os homens que carregam, há muito tempo, com a pesada tarefa de tudo conceptualizar, tudo gerir, tudo administrar, partilhariam essas tarefas com as suas companheiras e morreriam muito menos de esgotamentos e enfartes).
Dar a palavra às mulheres é dar a palavra à utopia, e isso era dar curso à invenção da vida no quotidiano.
Mas, por que é que se tem medo deste emergir da utopia? O que se teme perder? O jantar a horas? A camisa impecável? Uma ouvinte atenta e acrítica?
Em nome da igualdade é-lhes pedido o exercício de uma profissão (para além da de dona de casa?!), mas é-lhes-recusado o salário igual. Em nome da diferença é-lhes atribuído o papel de tratar dos filhos, de gerir a economia doméstica, mas é-lhes recusado o acesso à gestão igualitária da sua vida familiar. Em nome da diferença, vai-lhes sendo explorado o corpo (a mulher objecto que na publicidade tudo vende para alimentar o consumismo) enquanto lhes é recusado o tratamento igualitário face à nossa própria interioridade, que nos define, de facto, como pessoa.
Propõem-nos hoje o serviço militar obrigatório: mais outro falso direito que nos é «legado» em nome da igualdade, sem que nós próprias, as mulheres, fôssemos chamadas a pronunciarmo-nos sobre o serviço militar obrigatório para as mulheres.
Em nome de uma pretensa igualdade, utilizam-nos como alvo de violências, quer físicas, quer psíquicas.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nós queremos, de facto, o direito à igualdade e à diferença, queremos que eles possam ser exercidos como factor de desenvolvimento individual e comunitário, a que qualquer ser humano deve ter direito.
Assim, dizemos não às falsas igualdades e às falsas diferenças, que têm sido o suporte das normas sociais vigentes.
A Assembleia da República será sempre o espelho da sociedade e, no futuro, será certamente um espelho diferente.
Em primeiro lugar, porque as mulheres não serão excepção, o que significará, para esta Assembleia, uma nova dinâmica, uma outra maneira de estar na vida.
Em segundo lugar, será a origem de uma nova ordem social, em que os direitos à igualdade e à diferença estejam de facto garantidos.