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24 DE MARÇO DE 1988

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1.3 — Certo é que, mesmo na versão originaria, a Constituição se limitara, no tocante à reforma agraria, a algumas fórmulas vagas, de sentido predominantemente programático. E daí que na revisão de 1982 escassas alterações textuais tenham sido necessárias, para além da decisivamente relevante que modificou, no artigo 96.°, as concepções que antes lhe estavam subjacentes (a construção da sociedade socialista).

Desde logo, não há uma definição constitucional de reforma agrária.

E que será um latifúndio? A resposta terá de ser dada pelo legislador ordinário ou lançando mão de aportações doutrinais. Assim, para Joaquim da Silva Lourenço (cf. «Reforma agrária», em Estudos sobre a Constituição, i, 1977, p. 220), tal designação corresponderá «necessariamente a um conceito não só quantitativo, como qualitativo — propriedade rústica de grande extensão, nela se verificando subaproveitamento da terra e ou do homem —, porque, de contrário, se o conceito fosse meramente quantitativo — correspondente à propriedade concentrada —, a referência a grandes explorações capitalistas seria inteiramente redundante». Já para Gonçalo Ribeiro Teles a característica dominante do latifúndio é a monocultura, a cultura em extensão, a constante degradação do capital terra em benefício do capital exploração máquina ou adubação (no citado n.° 4 dos Cadernos de O Jornal, p. 60).

2 — Foi neste amplo contexto de anomalias sedimentadas numa realidade em convulsão que surgiu a Lei n.° 77/77, de 29 de Setembro, que pela primeira vez compendiou as bases gerais da reforma agrária.

Publicada no I Governo Constitucional, ficou-se ela a dever, precipuamente, ao Ministro António Barreto, que, num texto publicado em 1986 («A elaboração da lei de bases da reforma agrária», em A Feitura das Leis, i, pp. 139 e segs.), dá conta das circunstâncias e escolhos que teve de enfrentar.

Representou a Lei n.° 77/77, inquestionavelmente, «a ruptura pacífica e democrática com a revolução». Só que se vivia então «com uma Constituição ainda predominantemente revolucionária».

E «o Alentejo estava bipolarizado e dividido, o Alentejo organizado, que falava e que se ouvia, eram os proprietários, por um lado, os sindicatos e as UCPs, por outro lado. A base social da pequena e média agricultura camponesa e da média empresa capitalista não se fazia ouvir. Não havia sequer a aparência dessa base social».

Não será, pois, difícil de configurar que, mais de dez anos decorridos sobre a sua publicação, careça a Lei n.° 77/77 de ser substituída.

II

3 — Em justificação das conclusões que preliminarmente consignaram, os Srs. Deputados recorrentes fazem uma listagem de situações e preceitos da proposta de lei (PL).

Será agora o caso de os analisar um por um.

4.1 — No n.° 1 do artigo 12.° da PL diz-se não serem expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios rústicos propriedade de:

a) Agricultores autónomos;

b) Cooperativas agrícolas;

c) Instituições particulares de interesse público.

Todas estas entidades estão compreendidas no n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 77/77.

Dir-se-á que à expressão «instituições particulares de interesse público» não corresponde um sentido muito preciso, sendo eventualmente preferível a de «pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública».

Só que, ao invés do que se poderá supor, a expressão usada na PL é mais restritiva do que aquela outra, já que, na clássica tipologia das pessoas colectivas, as de direito privado e utilidade pública são todas as que não visem um interesse lucrativo de um determinado número de pessoas privadas (por exemplo, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1, 1964, pp. 77 e segs., e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.a ed., 1983, p. 287).

Apenas será de definir, em sede de especialidade, a quem compete o reconhecimento do interesse público. Parece que deverá ser ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, à semelhança do que acontece no sistema da Lei n.° 77/77 [alínea f) do n.° 3 do artigo 23.°].

4.2 — No que se reporta aos prédios cuja área, porque não significativa, os torne não expropriáveis (30 ha no regime da lei e 60 ha no da PL), é evidente que se trata de uma opção que ao legislador ordinário cabe fazer, firmado em razões de experiência e tendo em vista uma racionalização fundiária mais conforme aos objectivos globais da política agrícola.

Não estarão, obviamente, em causa nem «latifúndios», nem «grandes explorações capitalistas».

E ao mesmo plano se situa o preceito do n.° 3 do artigo 12.° da PL, imposto por uma captável razão de coerência sistemática.

4.3 — Os limites previstos no artigo 40.°da PL têm como detectável escopo a ideia de que da entrega de prédios expropriados ou nacionalizados nos termos do artigo 39.° não resulte risco para a concretização de uma política agrícola normalizada.

Impensável seria, por exemplo, que da eliminação, por actos expropriaiivos, de «latifúndios» resultassem depois novos e possivelmente maiores ... «latifúndios».

5 — Argumentam os Srs. Deputados recorrentes que o alargamento do direito de reserva e a manipulação dos critérios de pontuação suprimirão, na prática, os limites à propriedade latifundiária.

Não terão, no entanto, razão.

Já aquando da publicação da Lei n.° 77/77 se suscitou a falta de cobertura constitucional do direito de reserva, completamente inaceitável «com a extensão e nas condições previstas (naquela) Lei de Bases» (Dimas de Lacerda, «Reforma agrária», em Fronteira, n.° 1, 1978, pp. 18 e segs.). Acontecia, entretanto, que ele já era previsto no Decreto-Lei n.° 406-A/75, de 29 de Julho, embora em mais restritos moldes.

Não resta dúvida de que o critério legal terá de recolher as experiências de mais de uma dezena de anos e a realidade constitucional de hoje, diversa da que prevalecia antes da revisão de 1982.

6 — Ao invés do que se afirma no recurso, é o artigo 31.° determinado por uma óbvia preocupação de justiça, que nem sequer é nova (assim, por exemplo, o n.° 2.3.3 do acordo de Janeiro de 1976 entre os partidos políticos). O escopo será assegurar o princípio da paridade de situações, da igualdade jurídica: tratamento igual do que é essencialmente igual.

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