O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0119 | II Série A - Número 005 | 10 de Maio de 2002

 

Migratórias, pensa-se que as redes de tráfico de seres humanos podem obter, por ano, 15 mil milhões de dólares, constituindo assim um dos negócios mais lucrativos da actualidade. É uma das actividades criminosas mais rentáveis, implica baixos riscos e constitui uma actividade de traficância em clara proliferação na Europa, com o aumento da imigração clandestina.
As pessoas emigram por várias razões. Muitas procuram segurança, fugindo à guerra, à violência, à perseguição. Muitas outras procuram melhores condições de vida, fugindo a situações de calamidade provocadas por catástrofes naturais ou a situações de pobreza e miséria extrema - que são faces visíveis de uma ordem económica mundial dominada pela globalização neoliberal. Ao mesmo tempo, muitos Estados, muitos deles Estados da União Europeia, têm imposto políticas restritivas de controlo de fronteiras externas e de entrada de imigrantes. Em muitas partes do mundo e, especificamente, em Portugal, as possibilidades de imigração legal têm diminuído.
Face a este modelo restritivo de imigração, os imigrantes acabam por procurar canais clandestinos para entrar em países que têm falta de mão-de-obra (países de destino), situação esta que é aproveitada por redes de imigração clandestina, que têm adoptado modos de operar cada vez mais sofisticados e explorado novas rotas em função das variações deste tipo de «mercado». O número de países envolvidos tem aumentado, as rotas são cada vez mais diversificadas e o envolvimento da criminalidade individual e organizada é crescente. Há inclusive indicadores de que as redes de crime organizado tradicional (tráfico de drogas, tráfico de armas) começam a transferir a sua actividade para este tipo de tráfico.
Tratam-se de organizações extremamente complexas com capacidade de operar quer nos países de origem dos principais fluxos migratórios quer nos países de trânsito e de destino. Nos países de trânsito e de destino, o tráfico de seres humanos mantém a sua natureza de logro e de exploração económica, mas ganha um carácter particularmente violento. Existem intermediários ou grupos de extorsão que lucram ou obtêm outros tipos de proveitos através do uso do engano, da ameaça, da força, da coacção e de violência, explorando o/a imigrante das mais variadas formas, mantendo-o/a engajado/a utilizando os mais variados métodos como a apreensão de passaportes, ameaças físicas e morais e o sequestro, ou através de cobrança de dívidas que são constantemente contraídas - uma espécie «servidão por dívidas» -, submentendo-os/as a situações de escravatura, e em condições que representam uma clara violação de direitos humanos fundamentais, salvaguardados em diversos instrumentos internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948; Convenção Internacional Para a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e Seus Familiares, 1990; Convenção Suplementar Sobre a Abolição da Escravatura, o Tráfico de Escravos e as Práticas Análogas à Escravatura, 1956) e na Constituição da República Portuguesa.
O «engajamento» do/a imigrante pode envolver não só imigrantes que foram recrutados/as nos países de origem, sob a promessa de trabalho bem pago, mas também imigrantes que viajaram à margem das redes de tráfico, mas que são recrutados/as nos países de destino, com base em falsas promessas ou através da ameaça e da coacção. As redes procuram assim tirar proveito de situações de vulnerabilidade de imigrantes que se encontram isolados/as num território que não lhes é familiar, pois mal conhecem a linguagem, a cultura local e o sistema legal do país, e que, acima de tudo, precisam de trabalho para sobreviver. Os/as imigrantes ficam, assim, facilmente dependentes de engajadores.

A protecção à vítima e o combate ao tráfico de pessoas
A brutalidade subjacente a este tipo de crime, desrespeitadora dos mais elementares direitos humanos, impõe a necessidade da adopção de medidas que garantam a protecção da vítima o que, simultaneamente, poderá contribuir para a melhor identificação e repressão das redes organizadas de tráfico de seres humanos.
Segundo os dados das «Estatísticas da Justiça de 1998» foram condenadas, em 1998, três pessoas por crimes de tráfico de pessoas e lenocínio, num total de nove processos, não sendo certo que algum desses corresponda a condenação por tráfico de pessoas. Embora haja poucos dados sobre a dimensão do fenómeno, estes indicadores são pouco encorajadores quanto à eficácia do combate ao tráfico de pessoas.
O modelo repressivo de controlo de fronteiras acaba por influenciar a política de combate ao tráfico de seres humanos (assim como a concretização desta política) que está muito mais centrada no combate ao auxílio à imigração ilegal do que na criminalização da exploração associada a este tipo de tráfico e na protecção da vítima. O relatório de Segurança Interna de 2000 ilustra bem este facto ao referir 103 inquéritos/processos crime e 56 detenções relacionados com os crimes de auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos, mas é omisso quanto à investigação do crime de tráfico de pessoas, crime que se sabe em proliferação no nosso país.
Por outro lado, muitas vítimas, mesmo as de tráfico de pessoas com vista a exploração sexual, são legalmente perseguidas com base no seu estatuto de ilegalidade. Em vez de serem encaradas como vítimas, são encaradas como infractores/as, que violaram as leis de estrangeiros e que devem ser expulsos, sem a mínima protecção. Existe um vazio legal no que diz respeito à protecção da vítima, mesmo no que diz respeito à vítima de tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual.
É fundamental identificar e declarar ilegal os elementos de violência, coacção e engano que o tráfico de pessoas encerra, sendo essencial que, ao fazê-lo, não se coloquem novos obstáculos aos/às imigrantes, que, esses sim, só contribuirão para colocar o/a imigrante nas mãos das redes de imigração clandestina. Deste ponto de vista, quanto menos direitos e menos alternativas tiver a vítima, mais vulnerável fica às redes de tráfico de pessoas. E isto tem de ser tido em conta na actuação das autoridades, o que não acontece. Muitas vítimas deste tipo de tráfico que se encontram em situação de clandestinidade, acabam por ser detidas e expulsas dos países em que se encontram, sem sequer terem direito a apoio social, médico ou jurídico.
Mesmo que estejam convencidas de que o criminoso será condenado, a única certeza que têm é de que serão expulsas, que o investimento inicial terá sido em vão e que voltarão para a mesma situação que motivou a emigração. A sua situação de vulnerabilidade e o seu estatuto irregular impede-as de denunciar a exploração de que são vítimas, testemunhar em processo judicial e exigir algum tipo de reparação relativamente ao crime de que são vítimas.
Tem sido anunciado pelo Governo português que a actual lei de estrangeiros - o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro -, inclui uma norma que representaria uma medida de protecção às vítimas deste tipo de crime e de

Páginas Relacionadas
Página 0122:
0122 | II Série A - Número 005 | 10 de Maio de 2002   Artigo 12.º (Acesso
Pág.Página 122