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7 | II Série A - Número: 057 | 31 de Março de 2010

PROJECTO DE LEI N.º 186/XI (1.ª) CRIA O ESTATUTO DO ESTUDANTE A TEMPO PARCIAL

Exposição de motivos

A introdução da chamada reforma de Bolonha tem conduzido a transformações estruturais da organização das componentes lectivas e dos modelos de avaliação nas instituições de ensino superior portuguesas.
É hoje consensual que a estrutura imposta por Bolonha implicou um enorme acréscimo do número de horas de trabalho exigidas aos estudantes do ensino superior. Na actualidade, a frequência do ensino superior implica a dedicação de cerca de 40 horas semanais ao desempenho das diferentes actividades e exigências curriculares — isto é, frequências de actividades lectivas, realização de trabalhos e exercícios práticos e preparação para os momentos de avaliação. Corresponde, na prática, à dedicação exigida por uma ocupação profissional. A pesada carga horária imposta pela reforma de Bolonha tem conduzido ao aumento de casos de insucesso nos segmentos estudantis que não correspondem ao perfil do estudante jovem saído do secundário — isto é, todos aqueles cujas circunstâncias pessoais não permitem a dedicação exclusiva à actividade escolar e que são, precisamente, os «novos públicos» tão enfatizados na retórica das reformas educativas dos últimos anos.
O «espírito» de Bolonha anunciou-se como uma aposta europeia na formação ao longo da vida. São conhecidas as contradições deste processo e dos seus enunciados quando confrontados com as políticas realmente existentes para o ensino superior em Portugal, entendidas de uma forma articulada. Contudo, se existe o objectivo declarado de alargar os públicos e promover a formação ao longo da vida, é necessária a criação de condições que permitam e incentivem os diferentes tipos de pessoas a aceder à formação superior.
Uma parte deste problema está relacionada com a questão do financiamento e com as questões da igualdade no acesso. Deve ter-se em conta, em especial, o combate às fortes desigualdades económicas e sociais que persistem no País — e neste caso, com a garantia da possibilidade dos estudantes, querendo, poderem sê-lo «a tempo inteiro» e com os necessários apoios. A outra parte do problema prende-se com a forma como são pensados e garantidos os direitos dos trabalhadores-estudantes, fragilizados pelas falhas, fraquezas e escolhas políticas trazidas pelo Código de Trabalho.
Por último, é também necessário que a organização interna das universidades tenha em conta a crescente diversidade de públicos, de modo a que estas possam acolher as necessidades específicas destes estudantes. Na verdade, a frequência da universidade é hoje marcada por uma heterogeneidade que deve ser levada em conta. Como sabemos, a lógica de «profissionalização» dos estudantes do ensino superior tende também a fechar estas instituições a outros segmentos sociais — reformados, desempregados em busca de emprego, pessoas que não trabalham — que querem e que devem poder continuar a estudar, mas cuja vida não lhes permite a dedicação exclusiva a essa frequência.
A criação do conceito do estudante em regime de tempo parcial previsto no n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, e a criação desse regime pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de Junho, no seu artigo 46.º-C, abriu algumas possibilidades nesse sentido. Contudo, este regime tem aplicações muito desiguais e regras diferentes de instituição para instituição, que criam injustiças e que não permitem que o potencial democrático deste conceito possa ser aproveitado. Um dos exemplos é a imposição aos estudantes a tempo parcial, na maior parte dos estabelecimentos de ensino, do pagamento da propina mínima por inteiro ou de um mínimo de 75% da propina. Ou seja, em lugar de pagarem em função do número de unidades curriculares que frequentam ou dos créditos respectivos, há uma taxa de frequência que é no mínimo de cerca de 600 euros. Este valor afasta efectivamente muitos dos potenciais públicos de poderem fazer a sua formação a um ritmo de poucas unidades por ano e com um custo proporcional a essa sua escolha e possibilidade.
Uma política pública que aposte na formação e na fruição do acesso ao conhecimento deve ser ambiciosa e assentar em medidas que permitam atrair e cativar novos segmentos da população para a frequência de educação superior. A frequência escolar do ensino superior qualifica os cidadãos e enriquece culturalmente o País. Por outro lado, deve assentar em critérios de justiça na definição das condições de frequência e de comparticipação dos estudantes, que são hoje chamados a contribuir com custos muitas vezes proibitivos para a sua formação.