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0003 | II Série B - Número 001 | 23 de Setembro de 2000

 

apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 197/2000, de 24 de Agosto.

Assembleia da República, 20 de Setembro de 2000. Os Deputados: António Reis (PS) - Eduardo Pereira (PS) - José Penedos (PS) - Guilherme Silva (PSD) - Carlos Encarnação (PSD) - Francisco Louçã (BE) - João Amaral (PCP) - Isabel Castro (Os Verdes) - Octávio Teixeira (PCP) - Honório Novo (PCP).

PETIÇÃO N.º 16/VII (1.ª)
(APRESENTADA POR LÚCIA MARIA GARCIA MENDES FERREIRA, SOLICITANDO A INTERVENÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PARA QUE ALTERE O REGIME JURÍDICO DO ARRENDAMENTO URBANO PREVISTO NO DECRETO-LEI N.º 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO (RAU)):

Relatório, parecer e deliberação da Comissão de Equipamento Social

Relatório

I

A presente petição foi distribuída à Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente a 31 de Janeiro de 1996.
Na presente Legislatura a mesma foi remetida à VI Comissão, tendo sido nomeada relatora a Deputada Helena Ribeiro.

II
Introdução

1 - A presente petição é apresentada por Lúcia Maria Garcia Mendes Ferreira, residente na Travessa de Santo António, n.º 9 - 2.º Dt.º, Tercena, 2745 Barcarena, na qualidade de proprietária/senhoria de um prédio urbano, sito na Rua Dr. João Soares, n.os 8 a 8B, Campo Grande, Lisboa.
2 - O prédio supra referido encontra-se arrendado a diversos inquilinos desde 1951 e o rendimento obtido a título de rendas foi em Dezembro de 1995 de Esc. 49.419$.
3 - A peticionante pretende, brevitatis causa, que a Assembleia da República altere o Regime Jurídico de Arrendamento Urbano, previsto no Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU), que considera "sofismado e expropriante da propriedade arrendada, com a especificidade maquiavélica de manter o senhorio amarrado ao pelourinho da propriedade arrendada para assegurar à parasitagem e ao poder institucionalmente instalado a manutenção dos prédios e o pagamento de impostos e taxas e proporcionar a uns e outros um objecto potencial de exercitação do seu poder suserano sobre os proprietários".
4 - Como medidas necessárias à edificação de um regime jurídico de arrendamento urbano sério, justo e coerente, propõe que:
- Sejam revogados as normas do Regime de Arrendamento Urbano (RAU - Decreto-Lei n.º 321 - B/ 90, de 15 de Outubro, designadamente as dos artigos 68.º a 73.º e substituídas por normas que permitam a denúncia pelo senhorio, com a antecedência suficiente que permita a normal mudança do inquilino, garantindo o direito ao alojamento dos inquilinos que objectivamente, não possam comprar nem arrendar casa num determinado perímetro.
- Sejam revogadas as normas que instituem a transmissão do arrendamento por morte do inquilino, salvaguardando a efectiva habitação ao cônjuge e/ou dependentes, sendo o alojamento da responsabilidade de um instituto do Estado ou da segurança social.
- Seja diferido por um ano o prazo para desocupação e entrega das lojas comerciais, no caso de denúncia do senhorio dos respectivos contratos de arrendamento.
- Se consagre a caducidade do arrendamento quando sejam inquilinas sociedades por quotas e tenha ocorrido cessão de quotas.

III
Análise

A nossa Constituição estabelece no seu artigo 65.º, n.º 1, que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar".
O n.º 2 do mesmo preceito enuncia os deveres que incumbem ao Estado para assegurar a efectividade deste direito fundamental: programar e executar uma política de habitação; incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes à resolução dos seus problemas habitacionais; estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral; e o acesso à habitação própria.
No n.º 3 preceitua-se que "o Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria".
O n.º 4, por fim, prevê o controlo do parque imobiliário pelo Estado e autarquias locais, expropriando solos urbanos necessários e definindo o respectivo direito de utilização.
Resulta da norma citada que o direito de todos os cidadãos a uma habitação condigna é entre nós uma exigência de natureza constitucional, figurando o direito à habitação entre os direitos fundamentais que a nossa Constituição consagra no seu elenco dispositivo. A satisfação da necessidade habitacional constitui condição imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e a uma digna inserção na vida social de cada homem.
Múltiplos institutos, tanto no direito público como no direito privado, podem destinar-se a satisfazer a necessidade primária de habitação.
No que respeita à locação privada, com ela, podem entrar em conflito três direitos constitucionalmente protegidos: o direito de habitação, o direito de propriedade e a autonomia privada. A experiência e a natureza dos interesses em presença diz-nos que o exercício do direito à habitação pelo inquilino pode colidir com o exercício do direito de propriedade de que é titular o senhorio, sendo tarefa do legislador encontrar formas articuladas de coordenação dos valores representados pelos três direitos em confronto.
Aceita-se geralmente que o direito à habitação é hierarquicamente mais forte do que os direitos de propriedade e da autonomia privada. A este respeito vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, 1993, onde aqueles autores interpretam o n.º 3 do artigo 65.º como impondo "que a construção não esteja submetida a uma lógica de rentabilidade capitalística ... Este direito inclui o direito à segurança na habitação, com salvaguarda das garantias legais adquiridas, sendo, por exemplo, inconstitucional a submissão do arrendamento, das rendas e dos despejos à liberdade contratual: o direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e disposição da propriedade privada".
No Código Civil de Seabra, de 1867, o regime jurídico do contrato de arrendamento urbano estava fortemente marcado por uma concepção liberal do direito à habitação. O arrendamento era concebido como um contrato a que se aplicava amplamente, tal como aos demais contratos, o princípio da autonomia da vontade das partes, sendo estas