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832 II SÉRIE - NÚMERO 29-RC

O Sr. Presidente (Rui Machete) - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas.

Srs. Deputados, recordo-vos que havia uma pergunta que o Sr. Deputado José Magalhães queria fazer ao Sr. Deputado António Vitorino. Tinha sido feita uma pergunta pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, a qual ainda não tinha sido respondida porque se aguardava que fosse também colocada essa outra questão pelo Sr. Deputado José Magalhães. É, portanto, nesse momento que retomamos os trabalhos.

Tem á palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, suscitam-me algumas interrogações as considerações que teceu sobre as posições do PS em relação àquilo que devem ser as bases para uma reformulação do sistema económico português. O Sr. Deputado entende que devem ser tidos em conta certos factores, o primeiro dos quais - e creio que o mais determinante, no seu modo de ver as coisas- é a própria integração económica europeia e a adesão de Portugal às Comunidades. Por outro lado, faz uma determinada análise do sector empresarial do Estado Português, não tanto das suas origens e da sua evolução, mas do seu papel futuro e da sua lógica de reestruturação. Toma posição sobre aquilo que devem ser idealmente os limites desse sector empresarial do Estado, faz observações, e opõe limites também, à "fúria privatizadora" (que da parte do PS não será fúria, embora seja privatizadora), distingue entre isso e' a recomposição dos monopólios, rejeita a possibilidade de paz por via canibal (credo!), opondo-lhe a necessidade de um "arquétipo consensual negociado entre o PS e o PSD para a integração europeia" (estabelecendo-se entre os dois partidos uma solidariedade, não na "cruzada privatizadora", mas na concretização de soluções que "preparem Portugal para o mercado único").

Gostaria de sublinhar que não há confusão - da nossa parte não a estabelecemos - entre a posição do PS e a do PSD quanto a determinados temas. O PSD apresenta as reprivatizações com uma terapêutica infalível para aquilo a que chama os "prejuízos acumulados pelo sector empresarial do Estado", para a "falta de vocação do Estado para a gestão com sucesso de unidades económicas", etc. O PS não.

O Governo mistifica, de uma forma radicar e completa, que o sector empresarial do Estado não é uma coisa homogénea, da qual se possa falar como se cada uma das peças ou unidades fosse exactamente igual à outra, quanto à estrutura económico-financeira das empresas e quanto às suas finalidades próprias (quando sucede que algumas delas têm finalidades eminentemente sociais e, portanto, não podem nem devem ser administrativas). O PS não faz essa confusão, ao menos no fundamental.

O PSD escamoteia completamente a gestão, com sucesso empresarial, de algumas das maiores empresas públicas, como se constata, aliás, pela lista de "empresas atractivas" que o Governo, a dada altura, ventilou que deveriam ser reprivatizadas. O PS não.

O PSD omite as suas próprias responsabilidades - gravíssimas - na gestão do sistema e é até capaz de falar arrasadoramente (como o Sr. Deputado Rui Machete no debate de ontem) dos gestores, como se fossem eles os mais eminentemente responsáveis por uma situação de asfixia da capacidade de gestão autónoma das empresas, quando sabemos que aquilo que tem primado é a tutela asfixiante ou, mais do que asfixiante, até ingerente e substitutiva e que não tem havido, precisamente, um estatuto que permita uma gestão com uma margem de autoperspectivação que evite o uso do sector empresarial do Estado (SEE), para finalidades de cobertura de políticas governamentais, as mais conjunturais e as mais eleitoralistas que é possível imaginar. O PS não faz isso.

O PSD insiste na partidarização, no favoritismo e no nepotismo. O PS, pelos vistos, defende alguns gestores, cujos nomes constam ou foram omitidos de listas que o PSD pretendeu negociar em determinada altura, com resultados que ignoramos. Em todo o caso, o PS tem justas queixas em relação a uma política de perseguição de gestores ou de elementos responsáveis no sector empresarial do Estado por razões de cor política, pura e simplesmente.

Tudo isto nós sabemos! Só que a questão não está aqui, Sr. Deputado An tónio Vitorino. A questão está em que o PS se propõe abrir o dique e, quando nós obtemperamos que, abrir o dique, pode originar a enxurrada, o PS refugia-se num discurso abstractizante sobre o seu modelo e diz: "Não, não é nada disso. Abertura, sim, mas a nossa lógica aponta para a reestruturação e para a reformulação em bases saudáveis. A própria lei quadro deveria assegurar a não reconstituição de grupos económicos, o que até seria contrário às normas comunitárias. Há o Tribunal de Justiça e há novos meios. Não é o caminho da reconstituição dessas dinâmicas que o PS pretende."

Chega-se, então, a esta encruzilhada, perante a qual gostaria que o Sr. Deputado se posicionasse frontalmente: a lógica boa não é para aplicar e a lógica para aplicar não é boa. A lógica do PS, admitindo que é boa, não é para aplicar porque quem está no Governo é o PSD, que domina posições fulcrais do sistema político numa determinada conjuntura - e pretende usá-lo, de resto, para destruir o SEE e, em geral, escavacar a Constituição. Por sua vez, a lógica do PSD, que é a lógica para aplicar, não é boa. Assim, o PS, ao dispor-se para a "abertura", responsabiliza-se, não pelo seu modelo abstracto, mas pelas consequências concretas e fácticas dessa "concreta" abertura, cuja prognose nós podemos fazer já aqui.

É por isso, Sr. Deputado, que lhe pergunto: abertura nessas condições, para que solução? O Sr. Deputado António Vitorino diz-me: "Não dramatizemos. A situação em que o PCP está é que é a da mais difícil saída." Mas pergunto: como é possível dizer que é para o PCP que existe um conjunto de condições de difícil saída?! Que visão, tão particularizada, no sentido mais estritamente competitivo, é que está subjacente a uma tal afirmação?!

Qual será o rumo do sistema económico português se se aceitar "trocar" o artigo 83.°, tal qual se encontra configurado, por um artigo com o desenho que o Sr. Deputado Rui Machete ontem nos trouxe? Isto é: Constituição esvaziada e eventualmente inchada de coisa nenhuma; lei quadro por maioria ordinária e a eventual fiscalização preventiva desse diploma alargada a um grupo de deputados eventualmente nutrido. Não sei quem quererá ser juiz do Tribunal Constitucional