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N.° 6

SESSÃO DE 13 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Approvada a acta, leram-se na mesa dois officios, um do ministerio do reino e outro do ministerio dos negocios estrangeiros. - Communicação do sr. presidente sobre o modo por que as deputações da camara cumpriram a sua missão e foram recebidas por El-Rei. - Prestam juramento dois srs. deputados. - O sr. presidente do conselho apresenta uma proposta de lei (bill de indemnidade) o renova a iniciativa de duas outras da mesma natureza. - O sr. Fratel participa a constituição da commissão de resposta ao discurso da corôa e o sr. Luciano Monteiro apresenta o respectivo parecer. - O sr presidente propõe e justifica um voto do sentimento pela morte de João de Deus. - O sr. presidente do conselho associa-se, o enaltece os serviços e qualidades do fallecido. Termina, mandando para a mesa uma proposta de lei para serem pagas pelo thesouro as despezas do funeral e concedendo uma pensão á familia. - O sr. Ferreira de Almeida propõe, e a camara approva, que a proposta de lei e a moção do sr. Osorio sejam votadas por acclamação. - O sr. Francisco Patricio propõe, e a camara approva, a nomeação de uma commissão que represente a camara nos funeraes de João de Deus. Fica para ser nomeada na sessão seguinte. - São approvadas por acclamacão a moção do sr. Luiz Osorio e a proposta de lei apresentada pelo sr. presidente do conselho. - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. Teixeira de Vasconcellos.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 52 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho
Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Albino de Abranchos Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio de Almeida Coelho do Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Dias Dantas da Grama, Bernardino
Camillo Cincinato da Costa, Carlos de Almeida Braga, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Conde de Villar Secco, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco José
Patricio, Francisco Xavier Cabral do Oliveira Moncada, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João Alves Bebiano, João Lopes Carneiro de Moura
Joaquim José de Figueiredo Leal, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José Mendes Lima, José dos Santos Pereira Jardim, Licinio Pinto Leite, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz do Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratol, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Quirino Avelino de Jesus Romano Santa Clara Gomes, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde do Ervedal da Beira a Visconde da Idanha.

Entraram durante a sessão os srs.: - Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Adriano da Costa, Antonio José Boavida, Fidelio de Freitas Branco, Jacinto José Maria do Couto, João Maria Correia Ayres de Campos, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Bento Ferreira de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, Julio Cesar Cau da Costa, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Theodoro Ferreira Pinto Basto e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio de
Castro Pereira Côrte Real, Antonio José Lopes Navarro, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Victor dos Santos, Conde de Anadia, Conde de Jacome Correia, Diogo Joéó Cabral, Diogo de Macedo, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jayme de Magalhães Lima, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Pereira Charula, João Marcellino Arroyo, João da Mota Gomes, João Rodrigues Ribeiro, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barros, José Dias Ferreira, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José Teixeira Gomes, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel José de Oliveira Guimarães, Manuel Pedro Guedes, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Visconde de Leite Pery, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Um do ministerio do reino, remettendo uma certidão por onde se mostra que o sr. deputado pelo circulo de Aveiro, o bacharel Augusto Victor dos Santos, foi collectado nos ultimos dois annos em contribuição industrial pelo exercicio de advogado n'esta cidade.

Para a secretaria.

Um do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 150 exemplares das contas da despeza d'este ministerio nas gerencias dos annos economicos de 1891-1892, 1892-1893 e l892-1894.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - A deputação encarregada de participar a El-Rei a constituição d'esta camara e de lhe

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

apresentar a lista quintupla, para a escolha dos seus presidente e vice-presidente, foi recebida por Sua Magestade com a costumada cortezia e amabilidade.

Cumpriu tambem a sua missão a deputação encarregada de felicitar Suas Magestades, o Senhor D. Carlos e Senhora D. Amelia, bem como Sua Magestade a Senhora D. Maria Pia pelos brilhantes e gloriosos feitos de armas dos nossos soldados nos nossos dominios de alem-mar sendo recebida com a mesma deferencia, e dignando-a Suas Magestades agradecer as felicitações que lhes foram dirigidas.

Sou informado de que estão nos corredores os srs. deputados eleitos José Bento Ferreira de Almeida e Amadeu Augusto Pinto da Silva; convido, pois, os srs. deputado Adolpho Pimentel e Barbosa de Mendonça a introduzil-os na sala para prestarem juramento.

Foram introduzidos na sala, prestaram juramento e tomaram assento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa uma proposta de lei pedindo que seja relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, pela promulgação de medidas do caracter legislativo ordinarias e constitucionaes durante o interregno parlamentar, e por ter deferido a reunião das côrtes até ao dia 2 de janeiro corrente.

Mando tambem para a mesa mais duas propostas de lei de igual caracter. Pela primeira é renovada a iniciativa da proposta de lei n.° 110-A, de 18 de janeiro de 1893 ácerca das medidas de caracter legislativo, decretadas até 31 de dezembro de 1892, que excederam as auctorisações da carta de lei de 26 de fevereiro do mesmo anno.

A segunda renova a iniciativa da proposta de lei n.° 116-B, de 20 de outubro de 1894, ácerca das providencias de caracter legislativo, decretadas pelo governo desde 28 de agosto de 1893 até 27 de setembro de 1894, inclusivamente.

As propostas vão publicadas no fim da sessão a pag. 32. O sr. Manuel Joaquim Fratel (por parte da commisão de resposta ao discurso da corôa): - Participo á camara que a commissão de resposta ao discurso da corôa escolheu para seu relator o sr. Luciano Monteiro e para secretario a mim participante.

O sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa o projecto de resposta ao discurso da corôa.

A imprimir.

O sr. Presidente: - Creio que interpreto os sentimentos da camara, propondo que se consigne na acta das nossas sessões um voto de profundo sentimento pela morte do João de Deus, e que só dê conhecimento d'esta resolução á familia do illustre finado. (Apoiados.)

A noticia da morte de João de Deus espalhada ante-hontem rapidamente, emocinou todos os corações, porque João de Deus era uma gloria nacional e um benemerito da patria, podendo considerar-se a sua morte uma perda nacional. (Apoiados geraes.)

João de Deus foi um verdadeiro genio; occupava entre os poetas contemporaneos o logar mais proeminente, e na opinião de muitos, foi o primeiro poeta depois de Camões.

Pela simplicidade, pela naturalidade e pela belleza dos seus versos foi considerado como o poeta mais popular e querido do paiz. Illustrou as letras patrias com as producções do seu grande genio, e, apesar d'isto, a sua modestia era tamanha que parecia desconhecer, elle mesmo, a grandeza do seu merecimento e a excellencia das suas producções, muitas das quaes, se não fossem os seus amigos, não teriam visto a luz da publicidade, e teriam sido perdidas para o paiz. (Muitos apoiados.)

Alem d'isto, João de Deus prestou valiosos serviços a instrucção nacional com a sua Cartilha maternal, novo methodo do ensino, que libertou as creanças das torturas dos antigos methodos. (Apoiados.)

Os serviços prestados por João de Deus á instrucção nacional foram taes e de tal modo apreciados que, o que é rarissimo, ainda em vida, em março do anno passado, teve elle uma gloriosa e imponentissima apotheose. E agora, que deixou de existir, que o seu grande coração deixou de palpitar, creio bem que a camara quererá tambem prestar o seu sentido preito e homenagem á memoria do homem que foi um benemerito da humanidade, e deu lustre e gloria á pátria que lhe foi berço.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Luiz Osorio: - A moção que vou mandar para a mesa é a seguinte:

"A camara dos deputados da nação portugueza, pranteando, profundamente commovida, a morte do grande, do poeta unico, do modestissimo cidadão, do sublime e desinteressado amigo das creanças, que foi João de Deus, alma e suprema encarnação litteraria da patria no scculo XIX; lança, por acclamação, na acta do dia de hoje, um voto de profundo sentimento e de inolvidavel saudade, por si, e porque sabe que interpreta assim o coração e o sentir de todo o povo portuguez."

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.

O Orador: - Sr. presidente, duas palavras apenas. Muito sinceras, muito sentidas, muito pouco meditadas. Sinto-me incommodado, mas o dever tem de cumprir-se.

Não é hoje um dia de apotheoses; tambem a critica, que tem de vir, depois da sua morte, não póde fazer-se ainda.

O infortunio chegou, a desgraça feriu-nos, a camara e o paiz lamentam-se e choram.

É bem certo o que, ainda ha dias, aqui disse o nobre ministro do reino e meu amigo o sr. João Franco.

As felicidades e os infortunios, as alegrias e as tristezas; as grandes aspirações do gloria e as decepções tremendas, tecem-se e entretecem-se diariamente na vida.

Abrimos esta sessão annual, com um enthusiasmo doudo pelas nossas victorias e pelos nossos triumphos.
Volvidos apenas um ou dois dias, a camara vestia-se de luto e, em sentidos diversos, lamentou tambem a perda de alguns homens importantes do paiz.

Agora, acabâmos de perder um grande, um bondosissimo amigo; mais modesto (embora os outros o tivessem sido) do que aquelles de quem já se fallou aqui, tão grande, porventura maior, do que todos elles.

Um livro vale às vezes tantos livros!

Parece que perdemos n'elle um amigo de todos os dias.

Ninguém o via.

Se atravessava, furtivamente, essas ruas, naturalmente acompanhava-o alguns dos simples como elles, cujo espirito elle tivesse aberto á luz.

Ninguem o via; e todos eramos amigos d'elle. (Apoiados.)

Ninguem o via; e todos tinhamos, por elle, um respeito profundo. (Apoiados.)

Ninguem o via; e todavia a falta que nos faz, o vacuo subito que nos abriu a sua morte é extraordinario! (Apoiados.)

Os camaradas descobrem-se, mudos e respeitados, ante o cadaver quente do mestre; as creanças lamentam a perda do seu grande e bondosissimo pae espiritual; as mães arrazam-se-lhes os olhos de lagrimas e choram a morte do maior, do mais bondoso amigo de seus filhos. (Vozes: - Muito bem.)

Sr. presidente, ninguem póde, a meu ver, assignalar bem nitidamente os atavismos litterarios de João de Deus. Muitos filiam-no em Camões e em Bernardim Ribeiro, e é certo que muito, de um e de outro, a obra d'elle possue. Mas este quid imponderavel que, na sua obra, o mantinha, por igual, e apenas por uma aresta, afastado do povo; que tantas vezes se lamenta sem arte, e dos anjos, que cantam no céu, com uma arte insondavel, divina: este quid é que

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eu não encontro em nenhum poeta portuguez. Um passo menos e seria popular até á incorrecção; um passo mais e teria de ser divino, porque attingia o sobrenatural.

Esta linha media, que lhe assignalou o genio, na religião intangivel do amor, na simplicidade surprehendente e no sonho, incoercivel e vago, fundiu-lhes a obra no que é hoje a mais completa, a mais viva photographia da alma nacional.

Li ha dois ou tres annos n'um artigo, em que um critico francez aconselhava alguns poetas recentes, que se agrupam em seitas, a seguinte advertencia:
"lembrem-se de que os carneiros andam juntos e os leões andam sósinhos".

Pois, sr. presidente, João de Deus foi leão da mais nobre e altiva raça, que ainda houve, nas litteraturas do mundo.

Mas, o que é original é que a juba dulcissima d'aquelle leão toda ella se tecia em dourados fios de amor que enleavam e prendiam a si as oreancinhas. (Vozes: -Muito bem.)

Bastava vel-o para se comprehender o amor immenso, a alma grande com que elle devia apostolar o seu methodo e ensinar os innocentes.

A quem, d'aquella cabeça grave, lhe fixasse o olhar meigo de pomba, não seria difficil surprehender-lhe o coração ingenuo e infantil de uma creança.

Sr. presidente, ou vou terminar.

Tenho um irmão que é casado e tem filhos. Da ultima vez que o visitei veiu esperar-me á porta um meu sobrinho e pediu-me instantemente que o apresentasse a João de Deus. "Pois muito bem, disse-lhe eu, apresentar-te-hei a João de Deus".

Infelizmente o destino não o consentiu.

Mas hei de um dia leval-o ao seu tumulo o dizer-lhe: "Aqui o tens; ajoelha e reza. Elle foi o grande, o extraordinario amigo das creancinhas. Aqui o tens; olha... parece que continúa, na morte, o eterno sonho ineffavel que já de cá levava. No decurso da tua vida volta, de quando em quando, a cabeça e lembra-te um pouco desta pedra; debaixo d'ella está o coração valente e generoso, de onde partiu o primeiro raio de luz divina para o teu espirito; e tu e teus irmãos e toda a geração dos pequeninos, a que pertences, não o esqueçam nunca, visitem-lhe o tumulo, decorem-lhe os versos, santifiquem-lhe a memoria".

E nós, sr. presidente, não será de mais que interrompâmos, por hoje, todo o enthusiasmo das nossos glorias e nos curvemos, descobertos, diante do genio unico, modesto e bondosissimo que se chamou João de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, muito sinceramente me associo, por parte do governo, á homenagem prestada por esta camara á memoria de João de Deus.

Ha nomes que encerram uma apotheose.

Para nós, João de Deus não foi só uma gloria, foi um sentimento.

Não nos enlevaram só as irradiações do seu genio; por igual nos prenderam as modulações frementes do seu coração. (Vozes: - Muito bem.)

Ninguem como elle definiu e retratou nas suas cambiantes o intimo sentir de todos nós. Por isso o dobre funebre do seu passamento echôa triste no paiz inteiro, (Votas: - Muito bem.)

Vi-o morto. Na ineffavel doçura do seu rosto, na expressão do inegualavel bondado que no semblante se divisava, perecia ainda espelhar-se o ultimo lampejo da formosa alma que se evolára aos céus. (Vozes; - Muito bem.)

Era tão natural o descansar das palpebras n'aquelles olhos que se cerraram á luz do sol, que a morte, para tantos pegada, n'elle figurava apenas de um leve somno.

Morto era ainda, como era em vida, meigo e bom, genial e grande.

Ao fital-o, como que se ouvia, partindo do alto, desferido nos sons de uma harpa sidérea o murmurar plangente d'aquelles doces versos:

Vae-me a alma no vago delereo
De innocente que o somne elevou
E assim como a essencia de um tryio
Voa ao céu, a minha alma voou.

(Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Foi assim que elle morreu!

Mas nem só poeta foi João de Deus; nem só versos nos deixou; deixou-nos na Cartilha maternal um monumento de amor pela infancia; traçou-lhe, com carinhoso desvelo, os primeiros passos na educação do espirito, na aprendizagem da lingua de Camões e Garrett.

Esse inestimavel serviço que prestou ao paiz, grangeou-lhe, para sempre, o justo titulo de bemfeitor da humanidade. (Muitos apoiados.)

Levou a vida inteira a dar, do seu genio, o que tinha do melhor: canticos de amor, que eram balsamo do espirito, taes que, ao lel-os, sentiamos nas agruras da vida um suave conforto; exemplos de abnegação e de caridoso affecto, que jamais se esquecem; incitamentos á honra e ao bem, de que elle foi, em todos os momentos, fervoroso e intransigente apostolo. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Morreu pobre! Como podia João de Deus morrer, se, desprendido de si proprio, alheio foi sempre às especulacções do mundo?!

Riqueza, tinha-a na familia; na familia, ensinava a amar.

Sr. presidente, pelo, viuva e pelos filhos é dever do paiz olhar. Deve a patria á memoria de João de Deus um testemunho de reconhecimento. (Apoiados.) Foi o chefe do estado o primeiro a recommendal-o ao seu governo; o chefe do estado que tinha por elle superior estima e consideração, e a quem João de Deus era por igual affecto.

Esse testemunho de reconhecimento venho propol-o hoje á camara, em nome do governo; poderia bem dizer que em nome do nós todos. (Muitos apoiados.) Trago-o assignado por mim e pelos meus collegas; tendo-me pedido o sr. ministro do reino que significasse perante a camara, o sentimento vivo que elle tinha, de não poder acompanhar, com a sua palavra, á commemoração de um homem a quem elle era sinceramente devotado.

A proposta é para que, em reconhecimento dos relevantes serviços prestados às letras patrias e á instrucção popular pelo grande poeta João de Deus Ramos, o benemerito auctor da Cartilha maternal, sejam pagas pelo thesouro publico as despezas do seu funeral e se conceda á sua viuva e filhos uma pensão de 1:000$000 réis. (Applausos.)

Sr. presidente, para esta proposta de lei peço a urgencia que o assumpto reclama.

João de Deus! De Deus elle era, e para, Deus voltou! Ficaram os Ramos; ramos das flores que elle espargiu em vida. Guardemol-as n'um sacrario. São do poeta o legado precioso, mimo do seu coração, resplendor da sua alma, sempre aborta ao infortunio e ao amor. Podemos orvalhal-as com as nossas lagrimas; ficarão mais viçosas no nosso sentimento. Só não chora quem não sente, só não sente quem não vive. Chorar os mortos, honra os vivos. (Vozes: - Muito bem.)

A João de Deus, o preito eterno da nossa admiração, a expressão derradeira da nossa saudade! (Muitos e repetidos apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. - As clamorosas demonstrações de jubilo nacional pelo triumpho das nossas armas foram subitamente

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interrompidas pela dolorosa noticia da morte de João de Deus.

Ainda não decorrera um anno, depois que, desde o mais humilde cidadão até ao augusto chefe do estado, a nação toda se associou na memoravel e solemne glorificação do insigne poeta e indefesso apostolo do ensino do povo. Do que fôra hontem acclamada pelas multidões e celebrado pelos homens mais eminentes na sciencia, na litteratura e na arte, resta apenas hoje a memoria de um nome estremecido e ao mesmo tempo uma gloria nacional.

Se não foi mister que batesse a hora sagrada da morte, e que este homem illustre entrasse no repouso silencioso do tumulo para ter a justa consagração do seu raro merecimento e virtudes, se em vida logrou essa singular ventura, como se a posteridade se antecipasse em glorifical-o, a nação não deve, por isso, considerar-se desobrigada de prestar ainda novas homenagens áquelle que, homem de genio e de coração, tanto honrou a litteratura patria e tamanhos esforços empregou para promover o progresso intellectual e moral do seu paiz.

Como todos os espiritos superiores, João de Deus considerava o talento um dever, e por isso fôra por muito tempo dominado pela aspiração suprema de derramar na alma do povo os clarões do ensino elementar, dedicando-se a esta humilde cruzada civilisadora com um trabalho assiduo, incessante e desinteressado.

É, pois, justificado, que o dia do seu passamento seja um dia de luto geral, e que a nação preste á memoria saudosa do grande poeta e infatigavel apostolo da instrucção popular, as merecidas homenagens da sua dor e do seu reconhecimento.

Senhores, se a historia das nações se illustra com o esplendor do nome dos seus grandes homens, os povos nobilitam-se tambem quando lhes assignalam o valor com demonstrações de excepcional apreço.

N'esta conformidade, pois, o governo, interprete fiel dos sentimentos da nação, tem a honra de apresentar á approvação das cortes a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Em reconhecimento dos relevantes serviços prestados às letras patrias e á instrucção popular pelo grande poeta João de Deus Ramos, o benemerito auctor da Cartilha maternal, serão pagas pelo thesouro publico as despezas do seu funeral e é concedida á sua viuva D. Guilhermina Bataglia Ramos e a seus filhos e filhas, D. Maria Izabel Ramos, José do Espirito Santo Bataglia Ramos, João de Deus Ramos e D. Clotilde Bataglia Ramos a pensão annual de 1:000$000 réis.

§ unico. Esta pensão é isenta do pagamento de quaes-quer impostos, será abonada desde o dia 12 de janeiro de 1896 e continuará a ser paga às pessoas agraciadas seja qual for o numero, emquanto vivas forem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Presidencia do conselho de ministros, 13 de janeiro de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Jacinto Candido da Silva = Luiz Maria Pinto do Soveral = Arthur Alberto de Campos Henrigues.

O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre se dispensa o regimento, para que esta proposta entre desde já em discussão.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, por fatalidade a doença prostrou-me e não poude continuar a acompanhar os trabalhos parlamentares.

Voltando hoje aqui era intenção minha juntar o meu voto singular às manifestações com que esta camara acclamou os heroicos feitos de alem-mar.

Esse voto singular, porém, na conjunctura presente, deve ficar para outra opportunidade.

Uso, portanto, da palavra como patricio de João de Deus, que foi nosso collega no parlamento, e dados os seus merecimentos, julgo interpretar o pensamento da camara e o seu sentimento, propondo que seja votada por acclamação a moção do sr. Luiz Osorio, que tão brilhantemente, com a sua inspiração de poeta e fino talento, soube fallar ao coração de nós todos a respeito de um homem de tão elevados merecimentos como João de Deus, cujas virtudes e trabalhos o nosso presidente do conselho tão bem soube exaltar com a elevada inspiração da sua palavra, pelo que julgo que não só a moção do sr. Luiz Osorio, mas a proposta do governo, dispensada de todas as formalidades do regimento, sejam votadas pela forma que indiquei, como testemunho frisante, elevado e grandioso por parte d'esta camara para com o illustre extincto, encerrando-se seguidamente os trabalhos d'esta sessão. (Muitos apoiados.)

Leram-se na mesa as propostas.

O sr. Presidente: - Reputam-se approvadas por acclamação.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Patricio: - Proponho que seja nomeada uma deputação para representar a camara nos funeraes de João de Deus. (Apoiados.)

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara vou levantar a sessão. Amanhã será nomeada a grande deputação, por isso que sou informado que os fu-neraes só se realisam na quarta feira.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e trinta e cinco minutos da tarde.

PROPOSTAS DE LEI APRESENTADAS N'ESTA SESSÃO PELO SR. PRESIDENTE DO CONSELHO

Proposta de lei n.° 1-A

Senhores. - Encerradas em 28 de novembro de 1894 as camaras legislativas pelos imperiosos motivos desenvolvidamente ponderados no relatorio, que precedeu o decreto da mesma data, e sendo já então indispensavel, como n'elle se declarou, a promulgação de diversas providencias exigidas por capitães e inadiaveis interesses do estado, forçoso foi que o governo assumisse o exercicio de func-ções legislativas.

A longa expedição de todas as providencias comprehendidas no plano politico e administrativo, pelo governo adoptado como indispensavel às circumstancias, interesses e necessidades do paiz, obrigou a dilatar a convocação do parlamento; acrescendo ainda, que a reforma da legislação eleitoral, ultimamente decretada, tornou necessaria a organisação de novos recenseamentos.

Nos relatorios dos decretos publicados se acham expressos e desenvolvidos os fundamentos que impreterivelmente determinaram a sua promulgação.

Restabelecida a normalidade constitucional, o assistindo ao governo a mais fundada convicção de haver apenas cumprido as graves e instantes obrigações, que uma situação politica, tambem anormal lhe creára, tem hoje a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercicio de funcções legislativas, ordinarias e constitucionaes, e differindo a reunião das côrtes geraes da nação até ao dia 2 de janeiro do corrente anno.

§ unico. Continuarão em vigor, emquanto não forem por lei alteradas ou revogadas, as providencias de caracter le-

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gislativo, promulgadas pelo governo, desde 5 de dezembro de 1894 até 30 de dezembro de 1895 inclusivamente.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Presidencia do conselho de ministros, em 13 de janeiro de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Jacinto Candido da Silva = Luiz Maria Pinto do Soveral = Arthur Alberto de Campos Henriques.

A publicar no Diario do governo, sendo depois remettida á commissão do bill, quando eleita.

Proposta do lei n.º 1-B

Senhores. - O governo de Sua Magestade tem a honra de renovar a iniciativa da proposta de lei n.° 110-A, de 18 de janeiro do 1893, ácerca das medidas do caracter legislativo, decretadas até 31 de dezembro do 1892, que excedessem as auctorisações da carta do lei de 26 de feveiro do mesmo anno.

Presidencia do conselho de ministros, em 13 do janeiro de 1896. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Jacinto Candido da Silva = Luiz Maria Pinto do Soveral = Arthur Alberto de Campos Henriques.

A publicar no Diario do governo, sendo depois remettida á commissão do bill, quando eleita.

Proposta de lei n.° 1-C

Senhores. - O governo de Sua Magestade tem a honra de renovar a iniciativa da proposta de lei n.° 116-B, de 20 de outubro do 1894, ácerca das providencias do caracter legistalivo decretadas pelo governo desde 28 de agosto 1893 até 27 do setembro de 1894 inclusivamente.

Presidencia do conselho de ministros, em 13 de janeiro de 1896. - Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro - João Ferreira Franco Pinto Castello Branco - Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = Jacinto Candido da Silva = Luiz Maria Pinto do Soveral = Arthur Alberto de Campos Henriques.

A publicar no Diario do governo, sendo depois remettida á commissão do bill, quando eleita.

Requerimento de interesse particular mandado para a mesa n'esta sessão

De Ernesto Carlos Rosa, capitão de fragata da armada e lento da l.ª cadeira da escola naval, pedindo que nos decretos de 1 do fevereiro (n.º 2), e 25 do setembro de 1895 (organisação da escola naval) seja inserido um artigo transitorio que: - "aos então lentes da escola naval são mantidos os direitos que a legislação vigente lhes conferia."

Apresentado pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos, e enviado á commissão do bill, quando eleita.

O redactor = Lopes Vieira.

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