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siderados para effeito algum, pelo principio de direito, do que os factos não se presumem; devendo assim suppor-se e recenseamento feito em harmonia com as disposições da lei.

Nas outras assembléas a eleição correu com regularidade, e por isso a commissão é de parecer que deve ser approvada. E porque o deputado eleito apresentou o seu diploma, que se mostra conforme com a acta do apuramento final e mais papeis que formam o processo eleitoral, entende a commissão que o sr. Augusto Peixoto deve ser proclamado deputado da nação portugueza.

Sala da commissão, 14 de janeiro de 1861. = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Antonio Rodrigues Sampaio = Justino Antonio de Freitas = Antonio Augusto Correia de Lacerda.

O sr. Affonseca: — começa por declarar ao sr. presidente e á camara que na questão da eleição de Angola não tem em vista nem o processo que ali teve logar, nem tão pouco as pessoas, os deputados eleitos, alguns dos quaes já tomaram e vão tomar assento n'esta casa. Antepõe sempre os principios ás pessoas. A questão para elle, orador, é uma questão puramente de principios. No que vae dizer não irroga censura alguma aos cavalheiros que representam as possessões ultramarinas, eleva a mais alto a sua missão. Entende que as possessões ultramarinas, mesmo para conveniencia dellas proprias, não deviam ter representação n'esta casa.

A Inglaterra, a primeira nação colonial do mundo, não dá representação ás suas possessões. A marcha que ella segue, quando as suas possessões têem chegado a um certo grau de illustração, é dar-lhes uma assembléa, um conselho de districto, um pouco mais largo. Discutem-se ali os interesses das mesmas colonias, ha mesmo um simulacro de governo da metropole, como ha por exemplo no Canadá, mas as suas deliberações são sempre sujeitas á decisão da metropole.

Que diriam Benevides, Innocencio e Saldanha da Gama, se acaso elles vissem que os subditos da rainha Ginger haviam de ter acção ainda que indirecta na governação do paiz? Entregar uma lista eleitoral a um preto que tem talvez ainda as mãos tintas de sangue de algum festim de carne humana para vir eleger um representante da nação, a fallar a verdade isto revolta o espirito mais impassivel. Quer que a intelligencia e a propriedade sejam os verdadeiros representantes de um paiz. Vae mais longe, entende que na metropole mesmo deve haver uma selecção mais séria, entende que ninguem deve ter direito de votar senão aquelle que souber ler.

Que quer dizer apresentar-se um individuo influente em qualquer aldeia e trazer acorrentados duzentos carneiros com duzentos papeis que não sabem o que contém? É isto porventura uma representação séria? A base do systema representativo é a eleição; do momento, em que essa base se tornou falsa, do momento em que o verdadeiro eleitor foi substituido por um falso eleitor, desappareceu a verdade do systema representativo.

Suppondo isto com relação á metropole, não póde deixar de o suppor com relação ás colonias. A cidade de Loanda, que se entende ser o centro onde deve residir a intelligencia e a propriedade, tem 800 votantes, e Zenza de Golungo, Cazongo, Massangano, etc. têem 5:600; basta isto para se conhecer que taes eleições assentam sobre uma base falsa, e não representam a opinião do paiz.

Repete que não tem a menor intenção de offender os cavalheiros que n'esta casa representam as colonias; ama-as muito, tem por ellas todo o interesse para desauctorisar os homens que as representam; mas trata de uma questão de principios e não de uma questão pessoal.

O sr. Arrobas: — pede ao sr. presidente que chame á ordem o sr. deputado, por estar discutindo a carta constitucional.

O Orador (continuando): — declara que vê com muito sentimento o caminho que vae levando esta discussão, quando tem dito que não pretende offender quem quer que seja, porque a sua questão é de principios e não de pessoas; que tem direito a que lhe respeitem as suas convicções, como elle respeita as de todos (apoiados); tem estes principios, tem obrigação de os emittir, entretanto vendo que os srs. deputados se mostram resentidos com o que tem dito, cede da palavra e não diz mais cousa alguma, para assim lhes mostrar a mansidão das suas intenções. Com relação á hypothese de que se trata, a eleição do 1.º circulo de Angola, visto terem já sido approvadas algumas, não vê rasão para que se não approve o parecer de que se trata, o approva-o elle, orador, para convencer os nobres deputados que deseja a paz e união dentro d'este recinto, e entre todos os membros d'esta casa.

O sr. Arrobas (sobre a ordem): — pedira ao sr. presidente que houvesse por bem chamar á ordem o sr. deputado, quando tratava de discutir a carta constitucional, sem se referir em cousa alguma á materia em discussão; a carta constitucional e quem dá o direito aos deputados das provincias ultramarinas para estarem aqui...

O sr. Presidente: — observa ao sr. deputado, que tendo pedido a palavra sobre a ordem, deve começar por apresentar a sua moção.

O Orador: — cede da palavra, promettendo responder ao sr. deputado quando lhe couber a palavra sobre a materia.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Não tem que dizer, porque a eleição não foi combatida, e como não se trata da reforma da carta constitucional, nada tom que responder ao sr. deputado que primeiro fallou sobre o parecer em discussão.

O sr. Presidente: — fica interrompida esta discussão, e a camara vae constituir-se em sessão secreta, por assim o exigir o bem do estado; depois continuará este debate.

Ás duas horas e quarenta minutos continua a sessão publica e a discussão do parecer sobre a eleição do primeiro circulo de Angola.

O sr. Rodrigues Sampaio: — requer que a materia se julgue discutida, visto não ser impugnada a eleição.

O sr. B. F. de Abranches: — insiste porque se lhe conceda a palavra para responder ao sr. Affonseca.

O sr. Presidente: — não póde deixar de pôr á votação o requerimento do sr. Sampaio.

A camara resolve que a materia está discutida.

Posto á votação o parecer é approvado, e em seguida proclamado deputado da nação portugueza o sr. Augusto Peixoto, que sendo introduzido na sala com as formalidades do estylo presta juramento.

O sr. Arrobas: — pede que se consulte a camara se lhe concede a palavra para explicações.

É-lhe concedida.

O sr. Arrobas: — começa por agradecer á camara a deferencia com que o tratou, dispensando o regimento para lhe permittir que fallasse depois de votada a materia em discussão:

Será por isso breve para não abusar da bondade da camara.

Entende que o sr. deputado Affonseca, não fallando sobre a eleição de Angola, que era o objecto em discussão; declarando mesmo que não a impugnava, esteve sempre fóra da ordem e occupando-se unicamente em ataques injustos aos habitantes das provincias ultramarinas, e aos salutares principios do codigo fundamental do estado!

Não quer que se diga lá fóra que aqui se levantou um sr. deputado por uma provincia portugueza para declarar sem provocação alguma, que outras provincias tão portuguezas como aquella que o elegeu, não deviam ser representadas no parlamento, sem que immediatamente encontrasse a merecida resposta.

Entrava no parlamento quando o sr. Affonseca invocava os manes dos Albuquerques, dos Castros e não sei de que outros heroes da antiguidade a quem devemos as nossas provincias ultramarinas, perguntando o que diriam elles se agora vissem os subditos da rainha de Sabá e os pretos com as listas nas mãos a elegerem deputados ás côrtes!...

Pediu logo a palavra, e agora que lhe chega pela benevolencia da camara, vae responder ao illustre deputado, que se esses heroes resuscitassem só teriam a dizer no caso apontado pelo illustre deputado, que ainda havia portuguezes dignos d'esse nome por não terem degenerado!

Esses heroes não foram ao ultramar para saquear o oiro nem para roubar a independencia e a propriedade do trabalho a esses povos, que nenhum mal nos faziam: elles foram pelo contrario no serviço da verdadeira civilisação; foram espalhar a sagrada luz do Evangelho, asteando a cruz do Redemptor!

E a religião de Christo ensina a olhar todos os homens como irmãos: a distingui-los pelas virtudes e não pela côr da pelle!

O que diriam os heroes do illustre deputado, se o ouvissem no fim de tantos seculos comparar a carneiros aquelles a quem esses heroes doaram com o bálsamo da religião a consideração de cidadãos portuguezes!

O illustre deputado não quer que as provincias ultramarinas tenham representantes no parlamento porque os seus habitantes não sabem ler na sua grande maioria.

Se a instrucção primaria é escassa no ultramar, a culpa e dos governos que lhe não proporcionam os meios de a adquirir; e nas provincias da metropole tambem ella não abunda, e senão veja-se que no exercito são raros os soldados que sabem ler.

Se se acha que o censo é baixo para eleitor, eleve-se; mas não se diga que, em vez de se emendarem os erros da nossa administração colonial, em vez de corrigir a lei eleitoral, se acabem as eleições.

A carta constitucional considera as provincias ultramarinas como uma parte integrante da nação portugueza, e declara cidadãos portuguezes indistinctamente aos que nascerem em qualquer parte do territorio portuguez; e o illustre deputado entende que se devem condemnar á privação dos direitos politicos, sem crime nem processo, os portuguezes que residirem nas provincias ultramarinas! Quanto aos da metropole e das ilhas adjacentes esses então quer que soffram essas penas, quando violarem os respectivos artigos do codigo penal!

Mas não admira, porque o illustre deputado que assim falla já declarou na camara que desejava que a ilha da Madeira fosse tratada como as possessões ultramarinas, e agora pedindo a perda dos direitos politicos para os ultramarinos, entende-se que desejava fulminar com igual pena aos seus constituintes.

Nem ao menos se lembra que se as suas idéas todas prevalecessem não estaria aqui s. ex.ª, e ficava o paiz privado de ouvir os seus brilhantíssimos discursos, e de aproveitar a sua sabedoria!

Para mostrar quanto o illustre deputado apreciou mal os eleitores do ultramar, basta lembrar-se a camara que elle, orador, em duas eleições, seguidas foi eleito por grande maioria contra a decidida vontade da auctoridade superior da provincia de Cabo Verde: ao sr. deputado Abranches tinha acontecido o mesmo; o mesmo acontecera ao sr. Sequeira Pinto por Macau; e o mesmo ainda a muitos dos srs. deputados pela India.

Isto prova que os habitantes do ultramar presam os seus direitos politicos, o tem opinião que sabem fazer valer: mas o que acontece na metropole? Todos os governos ganham as eleições quando as não abandonam; os povos na maior parte estão privados de instrucção primaria, e os influentes os levam á uma! Não traz á discussão muitas eleições de eterna memoria que têem havido na metropole, porque não quer offender ninguem, mas a redacção da lei eleitoral mostra o que ellas têem sido no reino!

Em Cabo Verde ha grandes morgados e ricos proprietarios que têem a pelle preta, mas que nem por isso deixam de ser muito dignos, e pagam muitos centos de mil réis de impostos, esses são intelligentes, mas apesar d'isso o illustre deputado na sua alta sabedoria entende que nem devem ser eleitores. Terá o illustre deputado receio que perigue a causa publica porque alguns filhos do ultramar venham ao parlamento? Os que até hoje têem vindo honram não só as provincias ultramarinas, porém mesmo a metropole! Ainda hoje todos respeitam a memoria do sr. Caná fallecido deputado natural da India: ahi tomou assento em logar d'elle um outro cavalheiro não menos illustrado, que ha de ser um ornamento da camara o honrar o nome portuguez, e é filho de uma provincia ultramarina. Ahi está o sr. Abranches, natural de Moçambique, formado em leis; ahi está o seu digno collega o sr. João de Sousa Machado, formado em mathematica, que é natural do ultramar e ao mesmo tempo um ornamento da camara!

O illustre deputado aponta como argumento o procedimento de Inglaterra e França que têem as suas possessões muito mais desenvolvidas do que as nossas, e não lhes admittem representação nos parlamentos; mas o illustre deputado não disse nada para provar que a prosperidade d'aquellas vinha de não terem direitos politicos iguaes aos da metropole. Era essa curiosidade que queria ver provar! As possessões estrangeiras estavam mais desenvolvidas do que as nossas, porque as respectivas metrópoles gastavam com ellas rios de dinheiro que nós não queremos gastar, porque tratavam de as administrar com todo o esmero, em quanto nós temos abandonado as nossas. Gastemos tambem, administremos tambem, e colheremos os mesmos resultados quanto ao desenvolvimento material.

Quanto porém ao systema politico nós estamos muito adiante das outras nações que têem colonias, não só em relação ao direito e á moralidade, porém mesmo á conveniencia.

Em quanto a Inglaterra e as outras nações gastam rios de dinheiro e de sangue para conservarem a posse das suas possessões amaldiçoada pelos seus habitantes, Portugal dorme descançado no amor dos habitantes do ultramar com os braços cruzados, socegado na posse apesar da falta de força.

Não queira o illustre deputado tirar-nos a unica gloria que possuimos em relação ás provincias ultramarinas, qual a de dar aos portuguezes ultramarinos uma perfeita igualdade com os da metropole perante a lei. Não queira acarretar sobre Portugal as consequencias de uma politica, como a ingleza, em relação ás provincias ultramarinas.

Lembra ao illustre deputado que muitas vezes a culpa de ser viciada a vontade dos povos não é dos carneiros mas dos pastores que os illudem, e é assim que tem havido quem tenha ganho eleições promettendo impossiveis aos eleitores, como, por exemplo, a isenção de recrutamento.

Ouviu com summo prazer o anno passado o illustre deputado quando trouxe á camara os jacareos de Angola em um brilhante discurso, mas sente ve-lo agora condemnar os homens do ultramar a uma condição inferior aos taes jacareos.

Conclue declarando o orgulho que tinha em ver que Portugal na parte politica, relativa ás suas provincias ultramarinas, seguia o systema mais util e mais honroso que podia seguir: nós não opprimimos, não escravisâmos, nós abolimos a escravidão, nós não monopolisâmos o commercio d'essas provincias, mas antes pelo contrario lhes damos plena liberdade de commercio com todas as bandeiras: nós damos-lhes a perfeita igualdade perante a lei, e a mesma consideração politica, e por isso nós somos por ellas estimados, apesar do abandono em que as temos quanto ao desenvolvimento da prosperidade material, e fundamos a nossa posse no amor d'aquelles povos, e na justiça com que os tratámos.

(Vozes: — muito bem, muito bem.)

O sr. Abranches: — tambem pede que se consulte a camara se lhe concede a palavra para explicações. É-lhe concedida.

O sr. Abranches: — começando por agradecer á camara, pela benevolencia com que lhe concedeu a palavra; cumpre-lhe tambem declarar, que tratará de ser breve nas explicações que vae dar, mesmo porque entende, que pouco poderá dizer, depois que, pelo seu illustre amigo o sr. Arrobas, foi tão brilhantemente contestada a opinião que n'esta casa foi emittida por s. ex.ª o sr. Affonseca, relativa á inconveniencia que s. ex.ª acha na representação das provincias ultramarinas.

Sendo elle, orador, natural de uma das nossas possessões, e, deputado pelo ultramar, não podia deixar de protestar contra uma idéa, que sendo contra a letra e espirito da carta constitucional, é tambem contra todos os principios da boa rasão, e do proprio systema representativo.

S. ex.ª o sr. Affonseca entende, que as provincias ultramarinas não devem ter representantes, porque suppõe que ahi, não existe a civilisação precisa para haver uma eleição perfeita, que é a base da representação nacional, e do systema representativo. S. ex.ª fallou-nos em eleitores do ultramar que não sabem ler, o que tambem acontece no reino; e fallou-nos de eleitores que são influenciados para votarem n'um ou n'outro sentido o que tambem acontece no reino.

Se este argumento procedesse, então a consequencia logica devia ser o acabar-se tambem com a representação do continente, porque aqui existem muitos eleitores que não sabem ler, e outros que são influenciados por individuos de quem dependem, ou mesmo têem sido influenciados pelas auctoridades, o que é peior; n'estes casos, como a eleição não é a expressão da vontade dos eleitores, seguir-se-ía pela doutrina de s. ex.ª, que tambem se devia acabar com a representação do continente e ilhas.

Pelos abusos, que são a excepção e não a regra, não con-