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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

9.ª SESSÃO

EM 15 DE JANEIRO DE 1907

SUMMARIO.- Aberta a sessão pede o Sr. Pereira de Lima que se faça a contagem dos Srs. Deputados presentes.- Lida e approvada a acta communica o Sr. Presidente (Thomás Pizarro) que foi já recebida a grande deputação da Camara encarregada de felicitar Sua Majestade por não ter consequencias o desastre sucedido a Sua Alteza o Principe Real. - Dá-se, conta do expediente.- O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto) envia para a mesa duas propostas de lei.- Responde ao aviso previo do Sr. Affonso Costa o Sr. Presidente do Conselho (João Franco). - O Sr. Affonso Costa apresenta uma nota pedindo urgência, que a Camara não reconhece.

Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.° 33, relativo á liberdade de imprensa), - usa da palavra o Sr. Cabral Moncada, a quem responde o Sr. Antonio de Mello. - É a sessão prorogada, a requerimento do Sr. Pedro Gaivão, até se votar o projecto.- Fala o Sr. Moreira de Almeida, seguindo-se no uso da palavra o Sr. Teixeira de Abreu. - Apresenta e largamente justifica uma moção o Sr. AfFonso Costa. - Responde-lhe o Sr. Martins de Carvalho.- Usam da palavra os Srs. D Thomaz de Vilhena e Antonio Cabral.- O Sr. Oliveira Martins envia para a mesa as propostas de emendas.- E considerada a materia como sufficientemente discutida, a requerimento do Sr. Pedro Gaivão.- O Sr. Conde de Paçô-Vieira requer que sejam lidos na mesa os nomes dos Srs. Deputados que ainda se achavam inscritos. - O Sr. Affonso Costa requer votação nominal sobre a sua moção, que é rejeitada.- Requer o Sr. Moreira de Almeida votação nominal sobre o capitulo em discussão, sendo em seguida este requerimento rejeitado e aprovado o capitulo V. Na proxima sessão a ordem do dia é: crise duriense.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidência do Exmo. Sr, Thomaz Pizarro de Mello Sampaio

Secretarios os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Julio Cesar Cau da Costa

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 3 horas.

Presentes: - 62 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Adriano Accacio de Madureira Beça, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Affonso Augusto da Costa, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alfredo Ferreira de Mattos, Alfredo Pereira, Alvaro da Silva Pinheiro Chagas, Annibal de Andrade Soares, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Netto, Antonio José Teixeira de Abreu, Antonio Luis Teixeira Machado, Antonio Maria de Avellar, Antonio Maria de Oliveira Bello, Antonio Mendos de Almeida, Antonio Tavares Festas, Aristides Moreira da Motta, Arthur Eduardo de Almeida BrandãO Augusto Patricio dos Prazeres, Augusto Pereira do Valle, Aurélio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Adolpho Marques Leitão, Carlos Alberto Lopes de Almeida, Carlos Augusto Pereira, Carlos Augusto Pinto Garcia, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando Augusto de Carvalho, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Carvalho Moraes de Almeida, Francisco Alberto Mendonça de Sommer, Francisco Augusto de Oliveira Feijão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Gaspar de Abreu de Lima, Guilherme de Sousa Machado, Jayme Daniel Leotte do Rego, João Baptista Ferreira, João Baptista Pinto Saraiva, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Ignacio de Araujo Lima, João da Silva Carvalho Osorio, Joaquim Heliodoro da Veiga, José de Abreu do Couto de Amorim Novaes, José de Abreu Macedo Ortigão, José Cabral Correia do Amaral, José da Cunha Rolla Pereira, José Domingues de Oliveira, José Joaquim de Castro, José Lages Perestrello de Vasconcellos, José de Oliveira Soares, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis O'Neill, Luis Pizarro da Cunha de Portocarrero (D.), Manoel Duarte, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Ruy de Andrade, Salvador Manoel Brum do Canto, Thomaz de Mello Breyner (D.), Thomaz Pizarro de Mello Sampaio.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Agostinho Celso de Azevedo Campos, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José de Almeida, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Mello Vaz de Sampaio, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde de Agueda, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Francisco Miranda da Costa Lobo, Guilherme Ivens Ferraz, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, Jayme Julio de Sousa, João Carlos de Mello Barreto, João Franco Pereira de Mattos, João Joaquim Isidro dos Reis, João Lucio Pousão Pereira, Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos, Joaquim Hilario Pereira Alves, Joaquim Ornellas de Mattos, José Augusto Moreira de Almeida, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria Pereira de Lima, José Sebastião Cardoso de Menezes Pinheiro de Azevedo Bourbon, José Simões de Oliveira Martins, José Teixeira Gomes, Julio de Carvalho Vasques, Luis Cypriano Coelho de Magalhães, Luis José Dias, Manoel Antonio Moreira Junior, Manoel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Pinto Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Paulo de Barros Osorio, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.), Vicente Rodrigues Monteiro.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adolpho da Fonseca Magalhães da Costa e Silva, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alexandre Braga, Alfredo Silva, Anselmo de Assis Andrade, Antonino Vaz de Macedo, Antonio José da Silva Cabral, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Soares Franco Junior, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Barão de S. Miguel, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Fuzeta, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde da Arrochella, Diogo Domingues Peres, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Driesel Schrõter, Francisco Cabral Metello, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique Maria Cisneiros Ferreira, João Augusto Pereira, João Augusto Vieira de Araujo, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Bento da Rocha e Mello, José de Figueiredo Zuzarte Mascarenhas, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Francisco da Silva, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Andrade, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis da Gama, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Mario Pinheiro Chagas, Matheus Teixeira de Azevedo, Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 9 DE 15 DE JANEIRO DE 1907 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

O Sr. Pereira de Lima: - V. Exa. dá-me a sua palavra de honra de que estão presentes 62 Srs. Deputados?

O Sr. Presidente: - Repito: estão presentes 62 Srs. Deputados, e o Sr. Secretario vae fazer outra vez a chamada, para que novamente se reconheça que estão presentes 62 membros da Camara.

O Sr. Pereira de Lima: - Muitos Srs. Deputados estavam "jogando de porta" e não chegaram a dar o seu nome á chamada.

Requeiro a chamada.

O Sr. Presidente: - V. Exa. não tem o direito de duvidar da minha palavra! (Apoiados repetidos).

O Sr. Pereira de Lima: - V. Exa. escusa de empregar esse termo.

Fui o primeiro a duvidar de que V. Exa. desse a sua palavra de honra sobre, o facto de se acharem presentes 62 Srs. Deputados.

(O Sr. Secretario fez nova chamada).

O Sr. Presidente: - Como a Camara vê, estão presentes mais de 62 Srs. Deputados, porque, depois da ultima chamada, entraram mais alguns.

Foi lida e approvada a acta.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me informar a Camara de que já se desempenhou da sua missão a grande deputação, hontem nomeada, para ir apresentar as felicitações da Camara dos Senhores Deputados a Sua Majestade El-Rei e a toda a Farnilia Real, pelo facto de não ter consequencias o desastre succedido a Sua Alteza o Principe Real.

Suas Majestades receberam a deputação com a amabilidade e a affabilidade com que sempre se dignam receber as deputações d'esta Camara.

EXPEDIENTE

Officios

Do presidente da direcção da Associação dos Jornalistas, pedindo que .á respectiva commissão parlamentar se faça constar que a referida direcção se manifestou unanimemente pelo descanso semanal e não pelo descanso dominical.

Para a secretaria.

Do juizo de direito da Figueira da Foz, solicitando a remessa áquelle juizo dos cadernos do recenseamento eleitoral que serviram para a ultima eleição de Deputados por áquelle circulo.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Participo á Camara que está na mesa uma representação que a Associação dos Jornalistas dirigiu á Camara, á respeito do descanso semanal; e que tambem aqui se encontra uma carta do Sr. Magalhães Lima, Presidente da Direcção da Associação dos Jornalistas, relativa ao mesmo assunto.

Vou dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para antes da ordem do dia.

O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto): - Mando para a mesa as seguintes propostas de lei:

1.ª Fixando a força do exercito no anno economico de 1907-1908 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

Foi enviada á commissão de guerra.

2.ª Fixando o contigente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal no anno de 1907 em 16:900 recrutas.

Foi enviada á commissão de guerra, marinha e administração publica.

Vão por extracto no fim da sessão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: releve-me V. Exa. e a Camara que eu ainda hoje venha occupar a sua attenção com o assunto do aviso previo do. Sr. Affonso Costa. Não tenho, é certo, de o fazer por necessidade de esclarecer o assunto e assim poder a responsabilidade do Governo nesses factos ser devidamente apreciada pela Camara e pelo país. Esse juizo da opinião está feito. (Apoiados).
Leva-me a usar ainda da palavra a natural deferencia para com quem se me dirigiu por forma a mostrar desejos de obter ainda uma resposta.

O Sr. Deputado Affonso Costa não se contentou com o meu ultimo discurso e procurou rebater as razões que eu aqui trouxe e oppôs considerações áquellas que eu tinha feito acêrca dos acontecimentos do Porto: claramente, directamente, insistentemente mostrou desejos e insistiu por que o Governo procedesse a um inquerito acêrca dos acontecimentos de 1 de dezembro no Porto.

Cumpre-me corresponder a esta insistencia, porque a falta de resposta da parte do Presidente do Conselho poderia parecer um desprimor para com um membro d'esta Camara. Essa é a razão principal por que eu agora vou cansar a Camara.

Se ha assunto, repito, que esteja completa e cabalmente esclarecido e sobre o qual todo o país a esta hora já formou o seu juizo e opinião, é de certo a questão dos acontecimentos de 1 de dezembro. (Apoiados).

Mês e meio vai já decorrido depois d'essa triste noite e todos nos temos tido occasião e tempo para poder avaliar de que lado é que a opinião se pronunciou, a quem é que ella dá claramente o seu apoio, onde é que ella foi procurar justiça e razão. (Apoiados).

Pode o illustre Deputado e os seus amigos insistirem por todas as formas e feitios em querer, já não digo comparar, mas ligar, quer sob o ponto de vista moral, quer sob o ponto de vista politico, os acontecimentos que se deram em Lisboa na noite de 4 de maio com os que se deram no Porto na noite de 1 de dezembro. Contra factos não ha argumentos, e as manifestações que se seguiram aos acontecimento de 4 de maio, a verdadeira inquietação que ficou nos espiritos, não teem comparação, antes são diametralmente oppostas á calma que se seguiu aos acontecimentos de 1 de dezembro, depois do seu conhecimento, analyse e critica por todas as pessoas imparciaes, por todos aquelles que não podem ser suspeitos na razão e maneira como se decidem, (apoiados).

Factos e acontecimentos se teem dado de então para

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cá, e todos teem tido occasião de ver que as manifestações de opinião publica, indicadas por maneira inilludivel, teem mostrado qual é o seu juizo acêrca do acto do Governo e acêrca do auto daquelles que provocaram e produziram a manifestação de 1 de dezembro na cidade do Porto. E,. Sr. Presidente, o que importa não é o que cada um de nós, interessados e envolvidos directamente nas responsabilidades dos factos, queremos que se pense acêrca d'elles; o que importa é o que pensam os outros, - a grande massa do país, porque essa é que determina as correntes de opinião e dá a razão a quem ella assiste. Essa é que é a unica força publica e politica que eu conheço, respeito e temo. (Apoiados).

Sr. Presidente: posto isto, eu não vou embrenhar-me de novo na minucia dos acontecimentos e dos successos que occorreram desde a chegada dos Srs. Deputados republicanos ao Porto até a dispersão dos manifestantes; sobre isso, por uma e por outra parte, cada um produziu já não só as razões, mas a narração dos factos como a tinha e julgava merecedora e digna de credito.

Tudo que sejam insistencias a esse respeito, de parte a parte, não é senão repisar o assunto e vir cansar a camara com considerações ou affirmações que, repito, já ou viu contraditoriamente e sobre as quaes, se não pode ainda formar juizo, nada mais tem a adeantar com novas repetições d'esse mesmo assunto.

Assim, eu nem me encarrego, nem me incommodo mesmo a demonstrar sequer como é que a força publica, antes de empregar os meios violentos para manter a ordem - e sobretudo para fazer respeitar as determinações da autoridade,- como é que antes de executar o serviço em harmonia, com as ordenanças militares, fez não só as advertencias verbaes pela boca do commandante, - ouvidos, como elle disse, pelos que estavam mais proximos, - mas pelo toque de clarim, que se empregou por tres vezes, de modo que todos pudessem ter conhecimento do que se ia passar e de que se deviam afastar do local em que a força publica tinha de operar.

É claro que, desde então até ao final dos acontecimentos, a acção da municipal foi continua.

Começaram a formar-se esses grupos em volta da estação e em cada uma das ruas para onde se dirigiam as carruagens e ahi se faziam as manifestações, não só em contrario das deliberações do Governo, mas com gritos subversivos, como até agora não vi prova judicial em contrario.

Entrando na Rua de Santa Catarina, a força era recebida com uma chuva de pedradas. E foi nestas circunstancias que o commandante da força mandou a seis soldados fazer tiros de revolver-com pontarias altas, - circunstancia essa que se pode bem comparar com o que se passou ha tempo em França no desastre de Courrières.

Aqui, como lá, a força militar foi forçada a retirar e hove ferimentos nos agentes da força publica. Se os officiaes não foram, aqui, como lá, feridos e mortos, deve-se isso ao acaso ou á Providencia, como queiram; mas deve-se incontestavelmente á pura eventualidade. Mas os factos deram-se nas mesmas circunstancias.

E o proprio facto de Courrières demonstra que, tanto as pedradas como as balas decidem os officiaes e os soldados, quando são victimas, exactamente como os populares, quando estes são acommettidos, a disparar e a fazer fogo.

Não obstante essas serem as circunstancias em que se deram os acontecimentos do Porto, houve toda a serenidade não só da parte do commandante da força e da parte dos soldados, pois os tiros foram dados com pontarias altas.

Não preciso de depoimentos de ninguem. Tenho os factos claros e precisos, e os factos foram estes, porque não podiam ser outros. (Apoiados).

O Sr. Dr. Affonso Costa, vendo que, manifestamente, contra factos não ha argumentos, disse que não se comprehende como vinte tiros não tenham produzido senão um ferimento e, esse mesmo, em condições que ninguem pode dizer que fosse produzido pela guarda municipal, porque não ha testemunhas directas do facto, e as condições em a bala se encontrou não permittem provar que fosse disparada pela guarda municipal, visto que os revólvers bulido g são as armas habitualmente usadas pelos populares, sendo aquelles que, não costumando ser adquiridos por quem possa dispor de quantia para comprar marca mais portatil, se encontram mais vulgarmente em uso. Vendo isto, o Sr. Dr. Affonso Costa disse que tinha havido quatro ferimentos em resultado dos tiros.

V. Exa. comprehende perfeitamente que, seguindo sempre a minha ordem de ideias, - que consiste em não produzir nesta Camara factos, senão trazendo para constatação e justificação d'elles as suas fontes e elementos proprios, - eu fiquei muito surprehendido com esta novidade produzida pelo Sr. Deputado a quem estou respondendo.

Perguntei para o Porto, com o fim de tudo apurar, se havia indicio de quaesquer outros ferimentos que não fossem os que tinham sido produzidos no infeliz Oliveira Barros.

Era esta a unica maneira de apurar se havia ou não outros ferimentos...

O Sr. Affonso Costa: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Perdão, agora falo eu; depois falará V. Exa. (Apoiados).

Quando V. Exa. falou eu limitei-me a ouvi-lo. V. Exa. não pode falar e eu reclamo o meu direito!

Torno a dizer: perguntei se no processo pendente do tribunal judicial no Porto havia alguem queixoso ou ferido de que não houvesse ainda noticia.

E a informação que eu tive foi de que nenhum queixoso se apresentou e nenhum ferimento foi constatado, alem do infeliz operario fallecido.

Só dois dias depois se soube que um individuo tinha ido ao Hospital de Santo Antonio para ser pensado, queixando-se de uma arranhadura numa perna - ferimento que tanto podia ser de bala como de qualquer outro instrumento.

É notavel que tendo os Srs. Deputados republicanos tanto interesse em mostrarem os ferimentos allegados, não insistissem para que os feridos se queixassem, para serem examinados, - unica maneira de provar aquelles ferimentos. (Apoiados).

Não se fez isto. Não houve ninguém que se queixasse; ninguem pediu que se lhe fizesse exame directo aos ferimentos - como aliás fizeram os soldados da municipal e como fizeram os policias!

Esses sim: apresentaram-se no tribunal, queixaram-se de ferimentos e pediram para lhes ser feito exame directo.

Que se fizesse isso, comprehendia-se. Mas não o fazer e vir argumentar com ferimentos que judicialmente se não podem provar, não se comprehende. (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, eu não estava no Porto, nem precisava estar para poder falar sobre este assunto; bastam-me as informações das autoridades e os factos constatados no tribunal judicial para dar conta ao país e este fazer o seu juizo da maneira como os factos são narrados.

Pela minha parte, outra cousa não tinha a fazer. (Apoiados).

O que me incumbe não é castigar: isso pertence ao tribunal judicial; o que me incumbia era averiguar como o caso se passou - para tomar d'elle inteira responsabilidade, caso a devesse tomar.

Em assuntos desta natureza é leviandade tomar res-

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ponsabilidades quando effectivamente ellas não nos assentam. (Apoiados).

Eis o que importa fixar: ao tribunal judicial do Porto não se apresentou ninguem a requerer exame directo a ferimentos recebidos na noite de 1 de dezembro.

Em Lisboa não foi assim que se procedeu.

Aqui, depois dos acontecimentos da noite de 4 de maio, foram os feridos apresentar-se no tribunal da Boa Hora, queixando-se e pedindo exame dos ferimentos.

No Porto houve apenas constatado o ferimento de Oliveira Barros, attingido por uma bala - mas em condições taes que é legitimo ter duvidas sobre o ponto de onde ella partiu. (Apoiados).

Depois da affirmação tão concreta e positiva do Sr. Affonso Costa, eu tinha obrigação de averiguar o que tinha havido, para a contestar, ou para castigar quem porventura merecesse castigo.

A minha dignidade e o respeito que devo á Camara, impunham-me esta obrigação. A informação que tive do respectivo tribunal, foi a que acabei de dar.

Fica assim confirmado, para todos aquelles que serenamente virem o assunto, o que já tinha dito á Camara.

E sem querer continuar na discussão dos acontecimentos de 1 de dezembro, que, como já disse, julgo estarem bem esclarecidos (Muitos apoiados), eu vou referir-me ao que foi o motivo principal para que pedi a palavra, isto é: a insistencia do Sr. Deputado Affonso Costa pedindo uma investigação acêrca d'aquelles acontecimentos.

A este respeito, devo dizer que não demorei em investigar, não só para meu conhecimento, como tambem para me habilitar a esclarecer a Camara, onde este assunto não deixaria de ser tratado.

Immediatamente á noite de 1 dezembro pedi ao Sr. governador civil do Porto um relatorio dos acontecimentos, relatorio que aliás elle já tinha enviado pelo correio na occasião em que recebeu o meu telegramma, e que foi presente á Camara.

Em seguida, como algumas informações d'esse relatorio soffressem contestação de parte da imprensa, immediatamente ordenei ao commandante das guardas municipaes, o Sr. Malaquias de Lemos, que não tivera intervenção directa nos acontecimentos, que estava, até nessa occasião ausente do reino, e que é um official distinctissimo, muito estimado naquella cidade pelas qualidades do seu caracter (Apoiados), - e que não só pelos seus predicados militares é honra e brasão do exercito português (Apoiados), mas, pelas suas qualidades, como homem, é digno do respeito e estima de toda a gente (Apoiados) - insisti com S. Exa., como ia dizendo, para que rapidamente mandasse levantar auto do que tivesse occorrido e desse a sua informação acêrca dos acontecimentos e o juizo que fazia acêrca dos officiaes.

Esses autos vieram, não se demoraram; e eu, sempre no meu proposito e desejo de dar conhecimento ao Parlamento de todas as informações officiaes, tão completa e inteiramente para as Camaras, como para mim proprio, li-os na Camara dos Dignos Pares.

O commandante geral das guardas municipaes foi ao Porto, ouviu os officiaes, colhendo alem disso os elementos de informação que julgou opportunos e dirigiu-me o officio que passo a ler á Camara.

Eu não quis dar. o mais leve motivo de queixa da parte d'aquelles que reclamavam de mim providencias.

E, assim, não fiquei inerte perante a carta do Sr. Dr. Affonso Costa, Deputado da Nação.

Por outro lado, não quis dar aso a que se dissesse que o chefe de um Governo constitucional não empregava todos os meios para dar satisfação, a quem quer que fosse. (Apoiados).

Mandei ao Porto o commandante geral das guardas municipaes, que, repito, nem sequer estava em Portugal.

E S. Exa. mandou este officio ao director geral do Ministerio do Reino:

Officio

Illmo. e Exmo. Sr. - Em cumprimento das ordens de S. Exa. o Ministro do Reino fui ao Porto para ouvir os officiaes que informaram e depuseram sobre os acontecimentos que naquella cidade tiveram logar na noite de 1 de dezembro, á chegada dos Deputados Alexandre Braga e Affonso Costa, a que se referem as cartas deste ultimo e dos Srs. Adriano Pimenta e Germano Martins, publicadas nos jornaes de sabbado.

Ouvi em primeiro logar o tenente Themudo, commandante da força encarregada de manter a ordem. Confirma este official o seu depoimento reduzido a auto pelo tenente-coronel Ivens, dizendo que ordenou o emprego da força só quando inteiramente lhe foi impossivel conter os desmandos do povo, e que os tiros foram disparados para o ar e unicamente na intenção de intimidar os manifestantes, que a esse tempo entrincheirados nas obras do saneamento da cidade, com os candieiros da illuminação publica apagados, apedrejavam violentamente a força do seu cominando. Mais confirma que notando que o povo seguia na direcção da casa em que se achava hospedado o Sr. Deputado Affonso Costa e vendo-o á janela, a elle se dirigiu, pedindo que aconselhasse a multidão a dispersar e se retirasse da janela, no que não foi attendido, obtendo como resposta cumpra as ordens.

Assim, não podia deixar de concluir que o Sr. Deputado Affonso Costa, desprezando os seus pedidos, e conservando-se na janela agradecendo ao povo, incitava ou animava os manifestantes na continuação das demonstrações desordeiras que elle, official, estava incumbido de evitar.

Relativamente ao seu depoimento na parte que se refere aos factos que não presenceou, mas na occasião lhe foram narrados pelo alferes Macedo, diz que o Sr. Deputado Affonso Costa correspondia aos gritos da multidão agradecendo de pé na carruagem por meio de cumprimentos com o chapeu.

Igualmente confirma o seu depoimento o alferes Macedo. Diz esse official ter procurado evitar as manifestações subversivas em volta da carruagem do Sr. Deputado Affonso Costa, indicando ao mesmo tempo ao cocheiro que aumentasse o andamento, o que se obteve, em parte, ao fundo da Rua Sá da Bandeira, e por completo no alto d'essa rua, onde por entender a sua presença dispensavel deixou de acompanhar a carruagem.

Ignora sé o Sr. Deputado Affonso Costa procedeu da mesma forma, ordenando ao cocheiro tomar maior velocidade.

Podia muito bem esse facto ter-se dado e passar-lhe despercebido no meio da vozearia da multidão. Diz no seu depoimento que o Sr. Affonso Costa provocava as manifestações, e isso confirma, pois que nenhuma outra conclusão se pode tirar do facto por elle presenceado, de todas as vezes que o Sr. Deputado Affonso Costa de pé na carruagem e cabeça descoberta agradecia ao povo, este recrudescia em taes manifestações. Por vezes notou que o Sr. Deputado Affonso Costa dirigindo-se á força do seu commando parecia por meio de gestos pedir acalmação, sendo porem certo que a forca nenhuma violencia estava praticando nem havia praticado.

Tão natural e singelamente, sem exagero nem acrimonia, me fizeram estes officiaes o relato dos acontecimentos, que não me seria licito duvidar d'elles, ainda quando não tivesse, como tinha, conhecimento da forma irreprehensivel por que sempre se teem havido no desempenho das suas obrigações.

Ouvindo tambem o segundo commandante, coronel Sarmento, este me confirmou o que havia dito na sua communicação de 8 do corrente. Não presenceou as occorrencias, mas pelos depoimentos dos officiaes, de cuja lealdade

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de caracter tem sobejas provas, e ainda por outras informações particulares, está inteiramente convencido de que os acontecimentos succederam conforme são relatados. Concluindo, direi a V. Exa. que com estas informações, inteiramente me conformo, pois que de todos os officiaes do meu commando eu faço o melhor conceito.

Deus guarde a V. Exa. Quartel do Commando Geral no Carmo, Lisboa, 18 de dezembro de 1906.

Illmo. e Exmo. - Sr. Conselheiro Director Geral do Ministerio do Reino. = O Commandante Geral, F. Malaquias de Lemos.

Como S. Exa. vê, neste officio não se faz injuria a ninguem; os factos eloquentes são expostos, como diz o Sr. commandante da guarda municipal, de um modo simples e singelo, sem se acusar alguem. (Apoiados).

Que quer mais o illustre Deputado que eu faça? Que vá fazer investigações de caracter judicial? Não o posso fazer, porque não me pertence isso a mim.

Disse mais o Sr. Deputado que eu censurei na Camara dos Pares o Sr. Hintze Ribeiro, porque S. Exa. não mandou proceder a investigações do commandaute da policia.

Sr. Presidente: eu não gosto de forma nenhuma de me referir ao que se passa na outra Camara; V. Exa. comprehende que é sempre mau systema de proceder o facto de fazer essas referencias. Mas o illustre Deputado quis fazê-lo, e eu vejo-mo obrigado a acompanhá-lo para lhe responder ainda neste ponto, deixando a S. Exa. a responsabilidade da infracção.

Eu, sem de forma alguma querer, por essa maneira, estar a resuscitar uma discussão que já acabou, e sem de forma alguma me referir directamente á discussão da outra casa do Parlamento, direi, entretanto, que no dia 4 de maio foi o Sr. Presidente do Conselho quem directa mente deu instrucções, sobre a forma como se havia de proceder naquella occasião, ao Sr. commandante da policia. Eu não dei instrucções nenhumas nem ao commandante da guarda municipal do Porto, nem ao commandante geral das guardas municipaes. Portanto, como V. Exa. vê, as pessoas á quem eu encarreguei de inquirir nenhuma intervenção directa, nem indirecta, tiveram nos acontecimentos. Em segundo logar, e isto é o que importa, o Sr. Hintze Ribeiro ainda hoje crê que as suas ordens não foram executadas nos termos em que por elle foram dadas. Eu torno a dizer: o que se passou no Porto, foi perfeitamente em harmonia com as instrucções que o Governo deu (Apoiados), e, portanto, não preciso de mais investigações, nem de inqueritos que vão muito longe. Eu recommendei para o Porto, como para todos os districtos, quando o Governo assim entendeu conveniente fazê-lo, que as manifestações nas das não seriam mais permitti-das, e nessas condições recommendei que se empregassem os meios de evitar ajuntamentos de povo, porque, uma vez estes formados, a sua dispersão rápida não pode realizar-se sem violencia; e que, quando essas ordens não fossem acatadas, se usasse, primeiro do que tudo, das prisões por desobediencia, e só se empregasse a força publica quando os seus agentes por sua vez fossem atacados e, portanto, na sua propria defesa tivessem de fazer uso do armamento. Foi assim ou não que as cousas no Porto se passaram ? (Apoiados).

As autoridades preveniram directamente as pessoas mais interessadas naquella manifestação, e, por meio dos jornaes, preveniram a população do Porto e todos aquelles que naquella cidade se preparavam para provocar uma manifestação politica aos Deputados republicanos.

Em seguida procuraram evitar os ajuntamentos, mas, formados estes, começaram as manifestações e a serem arremessadas pedras contra a força publica, quando ella os pretendia dispersar. Foi então que a força interveio, tendo previamente feito os toques da ordenança e procedendo por forma que, tendo durante mais de meia hora dado repetidas cargas de cavallaria, não houve ferimentos. As ordens que se deram foram para atirar para o ar, e tanto estas ordens foram cumpridas que, até hoje, não se averiguou de nenhum ferimento, senão aquelle que deu a morte a um desgraçado operario. E esse mesmo apresenta-se até agora em condições de não poder ninguem, com consciencia segura, dizer que fosse ferido por uma bala de revólver da municipal ou pela de um outro qualquer revolver. (Apoiados).

O resto não pertence ao Governo, nem a mim. Pertence ao poder judicial, a quem o assunto está entregue, e que d'elle evidentemente se ha de desempenhar tão cabalmente como é seu habito e costume. (Apoiados).

Responsabilidades, disse S. Exa., são faceis de tomar, e que eu as tomava em condições de não poderem ser concretas e pessoalmente exigidas. Não sei o que S. Exa. quer dizer com isto. Eu tomo as responsabilidade dos actos dos meus delegados e dos differentes officiaes e agentes policiaes, sob o ponto de vista em que se podem tomar aqui, que é sob o ponto de vista politico, perante a Camara, para que a Camara, approvando-os, me conserve neste logar, ou, desapprovando os, eu tenha de me retirar. Responsabilidades moraes, tomo-as tambem perante o país.

Quer então o illustre Deputado que tenha responsabilidades judiciaes? Persiga-me S. Exa. perante os tribunaes do Porto, e eu sujeito-me ás resoluções d'elles. Quer tomar-me responsabilidades pessoaes, quer ter commigo um confronto pessoal e violento? Não sei que mais do que isso possa querer.

Acho exagerado da sua parte, mas, emfim, se é esse o seu animo e a sua vontade,- estou ás suas ordens. Creio, porem, que não precisamos para nada estar a exagerar a questão, como não precisamos de dar-lhe uma significação e um tom que, evidentemente, não é cabido. (Apoiados).

Em toda a parte do mundo a responsabilidade que cabe ao Governo pelos actos dos seus subordinados ou delegados, ou agentes da força publica, não tem senão um caracter politico, ou quando muito um caracter moral, pelas acções que tendam a poder collocá-lo desvantajosamente.

Todas essas eu tomei. Mas se o illustre Deputado quer outra responsabilidade, se ma quer impor, eu não fugirei. Não só aqui, mas em toda a parte estou á sua disposição.

E agora, muito rapidamente, eu passo a responder ao illustre Deputado, quando elle me accusa de ter procedido illegalmente.

Eu já li nesta Camara o artigo 251.° do Codigo Administrativo, por virtude do qual as autoridades procederam legalmente, tendo direito para o fazer.

Não conheço, porem, lei absolutamente alguma no meu país, regulando e garantindo o direito de manifestação nas ruas, a que se referiu o illustre Deputado. Ha, effectivamente, no Codigo Penal a disposição opposta a essa.

Mas, evidentemente, a autoridade administrativa e policial tem obrigação de prevenir essas manifestações; e é na prevenção de quaesquer crimes que ellas teem não só o direito, mas a obrigação de usarem dos meios necessarios para o fazerem.

O Sr. Affonso Costa: - Então supprima toda a imprensa e impeça todos os comicios!

O Orador: - Não poderia eu impedir os comicios, porque ha a lei que regula o direito de reunião.

Portanto, se as autoridades, no cumprimento dos seus deveres e no uso dos seus direitos, exorbitarem por forma que se não contenha na lei, os tribunaes teem de castigar.

A disposição latitudinaria do artigo 251.° só tem duas limitações: uma, a que está escrita na lei; a outra, quan-

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do as providencias que as autoridades tomarem no uso das suas attribuições não se contenham nas necessidades de momento, ou quando ellas exagerem nos meios a empregar.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que d'aqui a 5 minutos se passa á ordem do dia.

O Orador: - Disse o illustre Deputado que este artigo - e isso é curioso - não dava estas attribuiçoes ao governador civil.

Ora, para nada faltar, até da forma como vem escrito no Codigo, que foi feito por mim, se deprehende o contrario. O artigo 251.° diz que ao governador civil compete "tomar providencias e prohibir espectaculos publicos em que haja offensas ás instituições do Estado e ao systema monarchico representativo".

São estas, pela letra da lei - n.° 3.° do citado artigo - as attribuições que impendem ao governador civil.

Quer dizer, d'aqui se vê quaes as attribuições que, segundo o artigo 251.°, são conferidas ao governador civil, como autoridade, com caracter- policial.

E o illustre Deputado disse, analysando este artigo, o que S. Exa. não ha de dizer decerto na sua cathedra da Universidade.

Acaso o illustre Deputado entende que, para factos de repressão contra a moral e a decencia publica é que é legal o uso da força publica, mas para acautelar e para proteger os individuos, isso não pode estar no espirito do codigo?

Eu tomo apenas de toda esta discussão, um simples desforço: é deixar ao illustre lente da faculdade de direito a interpretação que elle dá a este artigo!

A primeira obrigação de toda a autoridade administrativa e policial é prevenir e evitar qualquer abuso que porventura se possa dar.

Esta é a primeira de todas as obrigações e consignada no Codigo Administrativo no seu artigo 251.°

Está pois provado que as autoridades se mantiveram dentro da letra da lei (Apoiados); e vou mais longe ainda: - dentro dos factos que aconselharam a sua intervenção.

Mas isto foi objecto do primeiro discurso que eu tive occasião de pronunciar sobre este assunto, e não vou portanto referir-me a elle detalhadamente.

Quero apenas pôr em relevo um facto.

O illustre Deputado, combatendo as instrucções do Governo, disse que, seguindo-se a interpretação do Governo, este logicamente devia prohibir, pelo artigo 251.° do Codigo Administrativo, as procissões, as manifestações patrioticas, as recepções a Chefes de Estado estrangeiros, etc.

S. Exa. comprehende que esta sua concepção é tão fantastica que, já depois dos acontecimentos de Alcantara - que tanto incommodaram os illustres Deputados republicanos, e que estiveram para me incommodar - já depois d'esses factos se fez a manifestação a Heliodoro Salgado, pela occasião do enterro d'este democrata, sem que ninguem impedisse o préstito, nem se lembrasse um só momento de tal fazer.

Não é preciso estar a confundirem-se cousas tão simples e claras com outras que absolutamente nenhuma relação teem. (Apoiados).

Antes de terminar, Sr. Presidente, preciso accentuar o seguinte:

Em primeiro logar, que os factos, como o Governo teve d'elles conhecimento e como teve a honra de os apresentar em uma e outra casa do Parlamento, se coadunam completamente com o que acêrca dos acontecimentos tem pensado a maioria do país, pelas informações apresentadas por quem não teve intervenção no caso; em segundo logar, que não cobri ás cegas os actos dos meus subordinados, tratando, pelo contrario, de averiguar, de investigar, e tomando a responsabilidade dos actos praticados só depois d'essas investigações e averiguações, a que dei publicidade: em terceiro logar, não como provocação - que iria mal cabida neste logar - não como fanfarronada, que é ridicula quando se dispõe dos elementos de força publica de que eu disponho - mas como prevenção, como desejo de que taes factos se não repitam, de que não naja perdas de qualquer natureza, que as autoridades não provocam e pelas quaes eu estou aqui pronto e responder - não quero concluir sem mais uma vez dizer que os acontecimentos que se deram em Lisboa, na occasião em que os meus amigos procuravam realizar manifestações, na occasião em que eu procurava ir a centros democraticos, expender as minhas ideias liberaes; os factos que se deram quando o chefe do partido regenerador-liberal chegou a Lisboa - tudo isso se passou por forma e maneira que claramente demonstrou a necessidade de não continuar a permittir manifestações publicas.

O Governo está disposto a fazer cumprir esta determinação, e uma grave responsabilidade moral ficará cabendo a quem queira provocar taes manifestações. (Apoiados).

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu).

O Sr. Affonso Costa: - Peço a palavra para um negocio urgente.

Mando para a mesa a seguinte

Nota

O assunto urgente para que desejo usar da palavra é o seguinte:

Apresentar, com pedido de urgencia e dispensa do regimento, um projecto de lei para se conceder a pensão de 10$000 réis mensaes á mãe do operario Oliveira Barros, velha septuagenaria e invalida, que se encontra sem recursos desde o ferimento e morte de seu filho. = Affonso Costa.

Lida na mesa e consultada a Camara, não é considerada urgente.

O Sr. Affonso Costa: - Registo.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa tenham a bondade de o fazer.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 33, relativo à liberdade de imprensa

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o capitulo 5.°

Leu-se na mesa o capitulo 5.°

O Sr. Cabral Moncada: - Continue-se a malhar neste ferro frio da lei de imprensa; ferro e frio, até pesado como instrumento que parece destinado pelo Governo, não para garantir a liberdade de imprensa - e basta ler todos os artigos do projecto, para se ver isso - mas para esmagá-la; mas desde já declara que não é sua intenção, ser por demasia demorado nas suas considerações sobre o projecto em discussão, porquanto sabe já que todo o trabalho que do lado da opposição parlamentar se acceite, como encargo de combater um projecto de lei que, como o que se discute, represente uma ruindade nacional, pode antecipadamente considerar-se como perdido.

A seu ver o projecto pode considerar-se desde já approvado, porquanto conhece o orador o meio em que se encontra e qual costuma ser a orientação da actual maio-

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

na parlamentar,, pela qual o Governo mostra grande afinco.

Se porventura não tivesse a esclarecer-lhe o espirito o facto ha poucos dias narrado nesta Camara, de que um Deputado dizia - approvo - ou - rejeito - perguntando depois de que assunto se tratava, tinha agora este que se pode considerar reciproco: quando alguem perguntar a algum membro do Governo qual a sua attitude perante uma proposta ou emenda apresentada, elle responde logo que a perfilha e adopta porque vem da maioria.

Ora desde o momento em que as cousas assinasse passam, não pode evidentemente o orador ter a velleidade de conseguir fazer alluir este mau systema, fazendo-o substituir por outra cousa que, no Parlamento, fosse a expressão de se querer discutir com lealdade as questões por forma que, liquidadas ellas, constituissem para o país uma solida garantia da sua felicidade, da sua prosperidade, do seu nome, da sua gloria e da sua moral administrativa no futuro.

Infelizmente, porem, assim não é.

Quem tem consumido mais tempo, na exbibição de improficuos discursos, do que o Sr. Presidente do Conselho, a cujas qualidades de homem o orador rende toda a justiça, mas a cujas qualidades de chefe do Governo não pode rendê-la, bem contra o seu sentir?

Por outro lado, tem-se igualmente consumido tempo, em pura perda.

Assim, por exemplo, reforma de contabilidade, para quê?

Par dar um cheque perfeitamente iniquo num tribunal, por todos os titulos respeitavel, transferindo todos os serviços para um só individuo responsavel, como se fosse possivel transferir para um só individuo, cuja força não pode materialmente com tantos encargos, um serviço que estava distribuido por tantos.

Para que veio tambem a responsabilidade ministerial, se o Governo ao apresentar essa proposta foi o primeiro a mostrar que nem elle nem a maioria teem confiança na efficacia de semelhante diploma, porque não confiam plenamente na integridade, isenção, imparcialidade, rectidão e justiça dos tribunaes, que hão de decidir d'essas questões?

Veio depois o decreto - modesto, porque só tinha dois artigos - das associações. Mas o que succedeu? Foi que, depois d'esses dois artigos, modestos e insignificantes mais na apparencia do que na realidade, todas essas associações ficaram numa situação perfeitamente equivalente á das antigas associações secretas, resultando d'ahi que a situação em vez de melhorar peorou.

Entrando propriamente na analyse do projecto em discussão, refere-se o orador em primeiro logar á situação excepcional que nelle se cria ao Ministerio Publico, situação que elle, orador, considera deprimente; porque, apesar de não estar já hoje nas circunstancias de se ver obrigado a respeitar as disposições da lei que vae ser decretada, em todo o caso, em nome do seu passado, não pode deixar de corar com a lembrança de que teria de esempenhar reles funcções de beleguim.

Outro ponto a que deseja referir-se, porque o acha realmente interessante, pela maneira ardilosa, para não dizer traiçoeira como elle está tratado no projecto é o que diz respeito ao jury.

Antes, porem, analysando o artigo 7.° no seu § 4.°, seja-lhe permittido reputá-lo como verdadeiramente extraordinario e subversivo de todo o direito e, ainda mais do que do direito, do proprio senso commum.

Como este, muitos outros casos curiosos se encontram nos differentes artigos do projecto, o que demonstra que elle está leviana e ligeiramente redigido.

Pela forma por que está elaborada a lei que se discute, nada pode produzir que seja util. E, por sua parte, elle, orador, está convencido de que a propria imprensa, com a dignidade de que tem dado provas, não acceitará esta lei, porque não quer a impunidade, quer antes a responsabilidade.

A seu ver, a irresponsabilidade é uma d'estas garantias que toda a gente que se preza enjeita, e, pelo que lhe diz respeito, o orador nem a quer por interdição, nem á sombra da propria Carta Constitucional.

Por consequencia, é absolutamente necessario que, ao mesmo tempo que se respeite o principio da liberdade de pensamento, consignado na Carta Constitucional, se respeite tambem, por uma maneira segura e efficaz, os direitos originarios derivados, que são falar e pensar.

Por isso, apesar de não ter uma decidida vocação pelo jury, em todo o caso, como, dê por onde der, a obra humana ha do ser sempre imperfeita, o orador antes quer instituições que lhe garantam uma certa equidade e um certo conceito, compativeis com os seus deveres e posição, do que uma instituição que tenha do direito uma comprehensão muito restricta.

Nestas condições, declara que acceita, em principio, o jury, mas não á moda do Governo, que, nos seus lampejos de liberdade e respeito pelas garantias, consignou na lei um artigo, a que o Sr. Pereira de Lima já se referiu, mas que nenhum membro da maioria defendeu, com o fim de mostrar que elle não era um ardil, para não dizer uma illegalidade, mas sim a forma que mais se conformava com os principios liberaes que o Governo tanto blasona possuir.

Apreciando o artigo 13.° do projecto, numero esse bem fatidico, pergunta o orador: onde está nelle a liberalidade é garantia que se procura no jury, na hypothese do jornal cair sob a acção dos tribunaes? Em parte alguma.

Sejam, portanto, francos os membros da maioria, já que o são pelo appellido do seu chefe, e não queiram armar á popularidade, pretendendo deslumbrar as massas com taes principios de liberdade.

É inacreditavel que se incluisse no projecto tal disposição como a do artigo 13.°, e bastava ella para que toda a lei merecesse a mais aspera condemnação.

Não repugna, ao orador, a ideia do jury, por estar convencido de que elle offerece garantias; mas modifique-se essa instituição, indo buscar-se os seus membros á classe dos professores, dos jornalistas, dos escriptores, de todos aquelles, emfim, em quem a sociedade, pela supremacia da sua intelligencia, e pelas qualidades derivadas da sua situação, mais garantias encontra dê poderem julgar com justiça, mas nunca faltando aos preceitos rudimentares d'esta.

Quando isso se faça, ter-se-ha garantido, para a imprensa, uma segurança, que ella absolutamente merece, e, para a sociedade, a segurança de que ha de haver a equitativa exigencia da responsabilidade cumulativa.

Admitta-se, portanto, o jury, mas com uma modificação: tendo, a seu lado, um juiz de direito que não tenha voto deliberativo, mas que, ás difficuldades em que o jury se encontre na apreciação dos factos, acuda com o seu conselho esclarecido e illustrado. Ha nisso toda a vantagem para a imprensa, pela garantia dos seus direitos, e para a sociedade.

Quanto ao Ministerio Publico, vê o orador absoluta impossibilidade de poder cumprir o que no projecto se dispõe, relativamente ás novas funcções que vão ser attribuidas aos respectivos delegados.

De resto, ha absoluta impossibilidade de se cumprir o que só dispõe no projecto a respeito d'esses funccionarios. Como é que os delegados do Ministerio Publico, com policias correccionaes consecutivas, com audiencias geraes frequentes, podem ainda assistir ás conferencias, ler os jornaes, desde o seu titulo até ao ultimo annuncio, em procura de uma injuria que, ás vezes, até mesmo dissimulada, pode incluir-se num artigo? Nunca, e nem o Governo pode exigir tal cousa.

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Apreciando ainda o projecto, sob este ponto de vista, o orador declara que as suas ultimas palavras, que profere, são de reprovação para a lei que se discute, a qual não merece outro destino, que não seja o que o Sr. Presidente do Conselho marcou, um dia, a uma carta de alta proveniencia, que se lhe deparou no caminho: uma confortavel e aromatica sargeta.

Uma lei, para ser boa, deve ser de razões fortalecidas e de deveres tornados obrigações. Ora a lei que se discute não fortalece as razões, trata-as aos empurrões e pontapes; e não assegura deveres, que imprimam o caracter de obrigações.

O que ella unicamente faz é violencias.

Portanto, fora a lei e, se não fosse uma expressão incorrecta, o orador diria - e o Governo com ella.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O Sr. Antonio de Mello: - Ao ter de usar da palavra, confessa com a maxima franqueza que se sente embaraçado. Quasi não sabe como ligar as suas considerações, tão profunda foi a surpresa que lhe causou o discurso do illustre Deputado Sr. Cabral Moncada.

Fez S. Exa. considerações de ordem geral e não apresentou uma unica que não possa ser aproveitada em defesa do projecto, contra o qual se tem procurado fazer a mais intensa campanha politica por parte da opposição parlamentar.

Depois de 26 discursos sobre um projecto de lei, é realmente muito difficil, quer do lado da maioria, quer da opposição, trazer ao debate alguma cousa nova.

E isso explica o facto de o illustre Deputado em vez de um estudo aprofundado do projecto se ter limitado a fazer considerações que, salvo erro, já tiveram resposta por parte da maioria.

Referiu-se S. Exa. em especial ao jury e á acção que para o Ministerio Publico este projecto criava.

Quanto ao jury já nesta Camara foi dito pelo Sr. Martins de Carvalho que elle representa uma instituição condemnada hoje em larga escala em quasi todo o mundo. E, se por parte do Sr. Teixeira de Abreu ainda nada foi dito que representasse uma condemnação para o jury, entretanto disse S. Exa. o sufficiente para se poder constatar como era difficil applicá-lo neste país, a não ser que se quisesse sujeitar a imprensa, em Lisboa e Porto, a um regime muito differente do das outras terras da provincia.

Pelo que respeita ao Ministerio Publico, disse S. Exa. que não se lhe deve dar attribuições policiaes. Ora as attribuições que ficam pertencendo ao Ministerio Publico, pelo actual projecto de lei, são precisamente no sentido que elle vele, mas por uma maneira efficaz, pelo cumprimento da lei.

E as condições em que o Ministerio Publico tem exercido as suas funcções, a esse respeito, são tão conhecidas que não será por certo uma afirmação arrojada dizer-se que era indispensavel que no projecto em discussão alguma cousa se incluisse que visasse ao fim que se pretende, isto é, assegurar a situação ao Ministerio Publico.

Referindo-se ao artigo 13.° do projecto, que diz respeito ao jury, disse S. Exa. ser elle um numero fatidico para o projecto e para o Governo. Não vê o orador qual a razão d'isso. A seu ver, se algum numero 13 pode ser fatidico é o da data de um jornal republicano, no qual o seu director Sr. Brito Camacho affirmava que o partido republicano não tinha organização, a não ser a de Lisboa e Porto, realizada ha vinte annos por Elias Garcia.

O Sr. Affonso Costa: - Que relação tem isso som o assunto?

O Orador: - Tem relação com os desmandos que o partido republicano tem praticado, e que são uma conse quencia da falta d'essa organização.

De resto, essa falta de organização tem-se revelado por uma forma inilludivel; e, se o Sr. Brito Camacho affirmava, em junho do anno passado, que o seu partido não a possuia, e um outro republicano affirmava tambem em janeiro d'este anno que tal organização não existia, pergunta o orador: como é que um partido de opposição, revolucionario, que não tem organização, entende que, pela sua acção e propaganda pelos seus oradores, pode e deve representar, dentro da vida social de um país, um elemento de organização?

A verdade é que, quando o actual Governo subiu ao poder, pode dizer-se que o país estava sujeito a uma anarchia de Governo, saltando-se arbitrariamente por cima de todas as leis. Pois a essa acção dos partidos que se revezavam no poder, nunca o partido republicano oppôs uma linguagem tão violenta e apaixonada como a que apresentou quando o Sr. João Franco foi encarregado de organizar Ministerio.

Porquê? Porque na opinião d'elle, orador, não comprehendeu o momento historico que se atravessava e ainda se atravessa, não sabendo por isso aquilatar as circunstancias de occasião.

Referindo-se em seguida á chamada pena do silencio por parte da imprensa, que considera uma manifestação tardia, o orador entende tambem não ser fácil affirmar-se que não é liberal o projecto que se discute.

Poderá ser fácil affirmá-lo desde que para a sua apreciação todos aquelles que queiram discutir escolham um criterio pessoal.

Mas desde que a lei seja apreciada com um criterio juridico; desde que para a sua apreciação se faça o cotejo do seu contexto com o contexto das leis que teem vigorado no país e com as leis estrangeiras, a affirmação de que o projecto não é liberal não se pode sustentar.

Como já nesta Camara tem sido largamente affirmado, a lei que se discute é sem duvida a mais liberal que em materia de imprensa tem vigorado no nosso país. E nada mais natural que assim succeda partindo a sua iniciativa de um Governo que, na opinião de um illustre republicano, é o que nos ultimos tempos tem feito politica mais liberal no país.

Nestas condições, se ao Sr. João Franco e a todo o Governo deve ser agradavel a dedicação e lealdade nunca desmentidas com que a maioria da concentração liberal o tem acompanhado, certamente que para S. Exa. não pode existir tambem testemunho de maior ufania do que a affirmação feita porem adversario tão intelligente como é o Sr. Brito Camacho, que elle, orador, já expôs á Camara, e que a seu ver, tão clara e inilludivel, não pode merecer duvidas.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Pedro Gaivão: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja consultada a Camara sobre se deve ser prorogada a sessão até se votar o projecto em discussão. = Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão.

Lido na mesa, é approvado.

O Sr. Affonso Costa: - Isso não pode ser!

O Sr. Pereira de Lima: - Isto não pode ser, é uma violencia!

(Outros ápartes).

Foi approvado o requerimento.

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O Sr. Moreira de Almeida: - Se não fosse por dever de officio da situação politica que occupa nesta Camara, não tomaria a palavra numa sessão prorogada, como violentamente prorogadas teem sido todas as outras sessões passadas.

A verdade é que factos como este, de requerimentos successivamente apresentados para se atropelar o debate, nunca concorrerão para aumentar o prestigio parlamentar, que o chefe do Governo dizia querer restaurar.

A verdade é que um projecto da importancia do que se discute, que regula o exercicio de uma das mais nobres instituições, queria uma discussão ampla até que não houvesse mais oradores que quisessem atacá-lo; mas requerimentos successivos de prorogação de sessão, que fazem decerto desanimar as opposições, podem fazer bem ao Governo mas abatem o prestigio parlamentar.

É possivel que a prorogação da sessão possa fazer calar avoz de protesto da opposiçao; mas de todo esse descalabro algum prejuizo haverá para as instituições parlamentares, cujo prestigio já não se restaura, porque, uma vez perdida a confiança publica, difficilmente ella se recupera.

Quando falou da primeira vez sobre este projecto, respondeu-lhe o Sr. Presidente do Conselho, com aquella energia e vibrante fraseologia que sempre caracterizam os discursos de S. Exa.; mas de todo esse discurso, em que S. Exa. fez a defesa do projecto, houve uma parte que o orador melhor reteve na sua memoria: - a declaração de que o Governo não se opporia a todas as emendas que modificassem o projecto, guardando-se apenas como fundamentaes dois unicos principies: o de que não mais se fariam apprehensões de jornaes e o da celeridade nos processos.

Ora será uma discussão liberta e livre aquella a que se está assistindo, estando-se já no fim provavel d'ella, quando se devia concluir das palavras de S. Exa., d'esse convite á valsa da apresentação das emendas que o Governo esperava, a collaboração da propria maioria para o aperfeiçoamento do projecto?

O projecto tem atravessado incolume todo este longo debate, entrando nelle oradores dos mais distinctos, excepto os da maioria progressista, que se conservaram durante toda a discussão num silencio aliás bastante significativo ; podendo-se tirar d'ahi as naturaes conclusões acêrca da sua convicção intima sobre o projecto, e da sua posição politica nesta questão.

Foram com effeito apresentadas algumas emendas, esperando elle, orador, que ellas alterassem fundamentalmente o projecto, num sentido amplamente liberal, e sendo natural que elle voltasse á commissão, ou para ali dormir o somno dos justos, ou para de lá voltar completamente refundido.

Nada d'isso, porem, se deu, e as emendas apresentadas manteem na sua essencia o caracter anti-liberal do projecto.

Quaes são os erros fundamentaes d'este projecto?

A negação do jury para os crimes propriamente politicos; a instituição d'essa conferencia de delegados, a que o publico chama gabinete negro; e a forma do processo, que priva os accusados da latitude de defesa que cabe aos criminosos communs. Tudo isso está absolutamente mantido no projecto, apesar das emendas apresentadas por dois membros da maioria, de acordo certamente com o Governo.

Ouviu já, o orador, produzir um libello enorme contra o jury; mas pergunta, sem o defender:

De quem será a culpa? Do jury ou dos que a elle não concorrem?

O jury é imperfeito, por culpa d'aquelles que lá não vão; mas não se condemne essa instituição para os crimes do imprensa, porque o jury é ainda o que melhor pode representar a opinião.

Ora se o jury representa a opinião, e o Sr. Presidente do Conselho tem dito que com S. Exa. está a opinião; como o jury é constituido dentro de todas essas classes que, ao que parece, estão com o Governo, que perigo ha em entregar ao jury, que ha de sair d'essas classes, o julgamento dos jornalistas?

Afigura-se-lhe absolutamente logico este principio, partindo, é claro, da hypothese de que todas essas classes, poderosas e numerosas, estão ao lado do Governo.

Por sua parte elle, orador, parte tambem do principio de que, quanto mais illustrado for é jury, mais inflexivel elle será, condemnando, portanto, todos os desmandos e abusos que houver por parte da imprensa.

Quer o orador o jury de classe, o jury constituido por aquelles proprios que labutam na profissão do jornalismo, tendo, portanto, responsabilidade se isentarem de penalidade aquelle que delinquir.

Neste ponto encontra- a seu favor, no Diario das Sessões de 10 de junho de 1890, a opinião autorizada do Sr. Visconde de Carnaxide, que sustentava tambem o jury de classes, dividindo para esse effeito o país em duas grandes areas judiciaes, com dois tribunaes, em Lisboa e no Porto, presididos pelos procuradores regios, e dom o jury eleito pelos jornalistas e escritores.

Porque não se havia de fazer isto?

Se ha jury especial para o commercio, se em determinadas circunstancias sociaes ha foros especiaes, porque tanto os Deputados como os militares teem um foro especial; por que razão os intellectuaes, os jornalistas, não hão de ser considerados em circunstancias de ter um jury de classe em que os intellectuaes sejam pelos intellectuaes julgados?

Dito isto, não estranha, realmente, o orador, que o jury, que é uma instituição moderna, liberal, para a qual não se encontrou ainda substituição, apesar dos seus defeitos, fosse quanto possivel afastado dos crimes politicos, num projecto que parece ter ido rebuscar tudo quanto existia de anti-liberal, a fim de ser trasladado para a lei que se discute.

Pelo que se refere ao chamado gabinete negro, observa o orador que o illustre Deputado Sr. Alvaro Chagas deixou-o subsistir na sua proposta, que mandou ha dias para a mesa, apenas com a modificação de que não ha de ser a vontade do procurador regio que impere nas decisões. Entretanto a instituição fica.

No que respeita ao Ministerio Publico, e attendendo á situação em que elle, passando o projecto que se discute, vae ficar, é lastimavel que os respectivos delegados não tenham vindo já representar cumulativamente, a fim de não lhes serem commettidas funcções que são positivamente policiaes.

Não se comprehende que um homem, que representa o Ministerio Publico e a sociedade, seja incumbido de andar semanalmente a espionar os crimes de imprensa, e a metter. na cadeia os jornalistas. É isso perfeitamente incompativel com as elevadas funcções dos delegados do Ministerio Publico.

No § 2.° do artigo 19.°, a que elle, orador, já se referiu no seu primeiro discurso, vê uma coacção absolutamente inacceitavel para a imprensa; e, pelo que respeita ao § 4.° do artigo 24.°, considera-o como uma restricção perigosissima.

Então um jornalista, tendo de ser julgado em Lisboa, querendo para sua defesa ir buscar testemunhas, por exemplo em Lourenço Marques, não pode fazê-lo porque a lei prohibe a expedição de cartas precatorias para fora do continente? É isto justo?

Continuando na analyse de outros artigos do projecto, refere-se o orador aos artigos 36.° e 37.°, não se julgando inhibido de fazer sobre elles a sua critica, pelo facto de constarem as suas disposições de leis já existentes.

Quanto ao primeiro d'estes artigos, considera a restric-

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ção nelle contida attentatoria da liberdade individual. Comprehendia-se a prohibição de qualquer apreciação contendo injuria nos pedidos que os jornaes fizessem para as subscrições de que o artigo fala: prohibir, porem, essas subscrições é provocar a que ellas possam fazer-se clandestinamente, cujo effeito é muito peor na propaganda que para ellas tem de fazer-se.

Pelo que respeita ao artigo 37.°, não pode o orador deixar de acompanhar as considerações hontem apresentadas pelo Sr. Antonio José de Almeida. Comprehende que o Governo tenha em casos de salvação publica de recorrer a meios extremos para vedar a entrada na circulação de um qualquer escrito subversivo; mas para isso não precisava d'esta lei.

Como conclusão das suas apreciações, para corroborar mais uma vez o seu voto diametralmente opposto ao projecto em discussão, o orador dirá que é uma absoluta illusão suppor-se que é com um projecto d'esta natureza que se avança no caminho das liberdades. Projectos como o que se discute só precipitam os acontecimentos em vez de os deter; e a reacção que elles provocam alienam as sympathias de instituições que devem viver numa atmosphora de liberdade e de tolerancia, absolutamente incompativel com medidas d'esta natureza.

A lei em discussão tem, decerto, uma vida longa, após a queda, que ainda pode ser distanciada, do actual Governo; mas como symptoma social, como caracteristica da concepção liberal do nosso tempo, o projecto é o realmente.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - O projecto é a caracteristica da feição liberal do actual Governo.

O Orador: - Não felicita o Sr. Presidente do Conselho por isso. Fique S. Exa. com. as glorias do projecto, ao passo que elle, orador, fica com as glorias das suas opiniões. E se a S. Exa. fosse possivel recomeçar a sua propaganda pelos seus centros politicos, se fosse possivel um plebiscito dos seus correligionarios, certamente que S. Exa. não encontraria uma adhesão completa de votos em favor d'este projecto, que é, na opinião do orador, completamente antagonico com as promessas de liberdade que S. Exa. tanto apregoou.

A lei actual, como está, representa uma grandissima inconveniencia politica. E claro que a Camara vae votá-la com a soberania do seu voto, que elle, orador, não discute, mas o futuro a todos ha de julgar, e elle dirá que a obra do Governo constitue neste ponto uma nodoa enorme que jamais se desfará.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas}.

O Sr. Teixeira de Abreu:-Em breves palavras responderá ao illustre Deputado, Sr. Moreira de Almeida, fazendo-o assim rapidamente pela mesma consideração que S. Exa. invocou para não alargar a critica ao projecto em discussão: a de estar-se numa sessão prorogada, e S. Exa. não querer, como tambem elle, orador, não quer sobrecarregar a attenção da Camara com a discussão de um projecto sobre o qual, com certeza, todos teem já formado o seu juizo.

Ao concluir o seu discurso, S. Exa. declarou que o futuro a todos ha de julgar. Ainda bem; e nesse julgamento ha de ser presente um facto que é fundamental: é que tendo o chefe do Governo declarado ao Parlamento que deixava ampla e completa liberdade de discussão, não fazendo questão politica senão de dois pontos da lei, não houve todavia nesta Camara por parte da opposição, que inflammadamente se levantou contra o projecto, quem quisesse realmente collaborar com o Governo e a commissão, apresentando as emendas que julgasse necessarias para transformar o projecto numa lei liberal, como todos desejam.

Se o futuro é que ha de proferir a sentença, esta ha de ser a favor da maioria, porque da parte desta fica bem patente o esforço que fez para melhorar a propria obra do Governo; ao passo que por parte da opposição não fica registado que ella offerecesse uma cooperação effectiva a bem do projecto.

Discutindo o projecto, ainda bem que S. Exa. apenas encontrou nelle tres erros fundamentaes, merecendo, portanto, tudo o mais, aparte pequenas modalidades, a approvação de S. Exa. Porque a lealdade e sinceridade de todos os ataques dirigidos contra a lei mostram-se, precisamente, no seguinte facto: é que no capitulo I, em que se estabelecem principios de máxima liberdade para a imprensa, não houve Deputado da opposição, que o votasse; não houve ninguem, que quisesse juntar o seu nome á affirmação de que não deve haver censura, nem apprehensão para o jornal. E entretanto, nas criticas que fizeram, nenhum d'elles se insurgiu contra isto, porque, effectivamente, essa disposição representa tudo quanto de mais liberal se pode estabelecer num projecto de lei sobre liberdade de imprensa.

Examinando o projecto, contesta porventura alguem que, em face d'elle como bem se diz no relatorio da proposta ministerial, cada qual pode escrever o que quiser, e como quiser? Ninguem contesta.

Contesta, porventura alguem, que o escritor possa fazer circular os seus impressos? Ninguem contesta.

Conseguintemente, pode alguem conceber maior liberdade do que esta? Diz o relatorio da proposta governamental que não; affirma o orador que não, e o silencio dos illustres Deputados da opposição igualmente o confirma.
Chegado a este ponto, em que cada um faz circular livremente o que escreve, uma cousa que verdadeiramente assombra é o dizer-se, na representação dos jornalistas, que não ha abusos de liberdade de imprensa.

Em contrario d'isso, porem, tem o orador ouvido já outras affirmações; e se quisesse contrariar o que tem ouvido, não pela força dos argumentos apresentados, mas pela autoridade das pessoas que fazem essa afirmação, teria de perguntar a S. Exa.:

Porventura S. Exa. tem as opiniões que emitte na Camara, ou as que firma, com o seu nome, na representação da imprensa?

Pois S. Exa. acaba de declarar que não pode uma lei de imprensa deixar de consignar certos factos, como sendo attentatorios da ordem estabelecida, e subscreve, com o seu nome, a declaração de que isso é uma monstruosidade, que não pode, nem deve admittir-se nos modernos tempos e nos povos civilizados?

Nestas condições, tem alguem o direito de levantar, na imprensa, e de subscrever a affirmação de que é monstruoso este projecto de lei, que, se não consigna as suas ideias proprias, consigna muitas, que elles não podem de maneira alguma combater, e que sinceramente teem de reconhecer, como expressando um principio inteiro de liberdade?

Cada um pode escrever o que quiser, e fazer livremente circular os seus impressos. Não é esta uma affirmação perfeitamente liberal? Pois da parte da opposição parlamentar ainda ninguem se levantou para reconhecer que isto estava bem, e que assim devia ficar na lei.

Nestas condições, estabelecida a liberdade, a mais ampla, absoluta e completa que é possivel dar-se a qualquer homem para manifestar a sua opinião por escrito, só resta saber se aquelles que transgredirem esse preceito devem ou não ser punidos com as mesmas penas do Codigo Penal, com mais severas, ou com mais leves. Ainda ninguem sustentou que a crimes commettidos, por meio da im-

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

prensa, cuja maior gravidade resulte da sua maior publicidade, deva applicar-se uma pena inferior áquella que está estabelecida no Codigo Penal para crimes identicos.

Se portanto não se propõe penas maiores não é neste ponto que o projecto adquire foros de insubsistente.

Referiu-se o illustre Deputado o Sr. Moreira de Almeida á questão do jury, assunto esse complexo e difficil. E o que pede S. Exa.? Um jury de classe. S. Exa. porem não disse ainda quaes são as pessoas que constituem a classe a que pertence. Quaes são as pessoas que se podem chamar para constituir o jury de classe dos jornalistas? Como quer S. Exa. discriminar os jornalistas dos que o não são?

Quer S. Exa. um jury especial de jornalistas de Lisboa e Porto, porque esse jury representa precisamente a opinião publica do meio onde o crime, foi commettido.

E que opinião publica é essa que S. Exa. entende ser representada pelo jury?

Sabe S. Exa. que a opinião publica é uma cousa difficilima de definir.

Tentativas diversas se teem feito para determinar ao menos o conceito do que seja essa. opinião; mas o que S. Exa. encontra nas grandes massas que constituem uma população é que as opiniões se dividem completamente, de maneira que muitas vezes o acaso da sorte pode levar para o jury pessoas que representavam a minoria das opiniões, e então o reu seria nesse caso absolvido.

Era-o em nome da opinião? Não, porque a maioria das pessoas que deviam ser chamadas ao jury tinham uma opinião completamente diversa.

Outro erro fundamental do projecto disse S. Exa. ser o chamado gabinete negro, acrescentando que o delegado não pode ser um espião; não é das suas attribuições de magistrado estar a verificar pelos jornaes se os crimes lá existem ou não para os accusar.

Mas é assim, precisamente, que elles teem de cumprir o seu dever, não havendo portanto neste ponto offensa para o poder judicial.

Para concluir, referir-se-ha a uma frase do Sr. Antonio José de Almeida, em que S. Exa. disse que termina a sua vida politica no dia em que os seus ideaes triunfarem.

Terminará antes, porque S. Exa. ha de morrer primeiro, mas terminavam mesmo porque S. Exa. não poderia manter áquella sinceridade do seu passado e a pureza das suas convicções, quando visse que os homens não mudam por uma simples mudança de instituições.

A esse respeito quer o orador levar á alma de S. Exa. uma consolação: é de que é, ainda hoje, tão profundamente liberal como foi nos tempos de Coimbra, como S. Exa. o era e é.

E, se porventura no seu espirito houvesse a convicção de que o projecto que se discute representava um attentado á liberdade, elle, orador, seria o primeiro a penitenciar-se, deante do Governo e da Camara, de haver levantado a sua voz em defesa d'elle, porque ama sinceramente a liberdade; crê que á sombra d'ella podem todas as instituições progredir, não sendo privilegio nem das monarchicas nem das republicanas. E justiça se faça: se algumas vezes a monarchia tem necessidade do proteger violentamente a liberdade, é porque os adversarios d'ella não sabem viver á sombra d'essa liberdade.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Affonso Costa: - Não tem culpa de falar numa sessão prorogada, e em condições em que todos que o escutam desejarão que o seu discurso seja breve. Votou contra a proposta de prorogação, contra essa violencia exercida sobre a minoria, por não haver necessidade d'essa medida violenta, quer para a saude de todos, quer para o conforto, que uns e outros devem ter.

Alem d'isso, o projecto não é de natureza a poder ser discutido em poucas palavras, e a posição que elle, orador, occupa nesta Camara, como representante dum partido disciplinado, bem organizado e numeroso, como é o partido republicano, não consentiria em deixar passar este projecto, sem lavrar o seu protesto contra elle, apresentando as razões que tem de caracter juridico, para entender que o projecto em discussão representa um ataque directo e manifesto á liberdade de imprensa, não podendo por isso ser approvado senão por quem seja partidario do absolutismo e da reacção, em materia politica.

Neste sentido, manda para a mesa a sua moção sobre a qual pedirá depois que recaia votação nominal, porque ella exprime a sua opinião sobre o conteudo do projecto.

Acredita que essa moção merecerá a consagração de todas as pessoas que, tendo estudado este projecto, não quererão deixar o seu nome vinculado a uma obra, que é evidentemente nefasta.

A moção é a seguinte:

Moção de ordem

A Camara dos Deputados, considerando o projecto de lei em discussão como attentatorio do direito de liberdade de imprensa - essencial á vida moral da nação

Passa á ordem, do dia. = O Deputado, Affonso Costa.

Já em outra sessão se occupou d'este projecto, no dia em que terminou a pena que lhe foi imposta pela Camara, e em que a ella regressou, para cumprir o mandato que lhe foi conferido.

Nesse dia os seus reparos quanto ao projecto não foram tão largos, como era seu desejo, porque necessitava de levantar a questão politica, da qual resultara a sua saída d'esta Camara; e hoje poderia ainda tomar uma grande parte do seu discurso, demonstrando que este projecto tem ligação com a nova theoria do Sr. Presidente do Conselho, acêrca das manifestações nas das e praças publicas; tendo sido com pasmo que viu S. Exa. fundar-se no Codigo Administrativo para se autorizar, a si proprio, a prohibição de manifestações nas praças publicas.

O debate de hoje pode complicar-se com outro sobre a questão do Porto.

Elle, orador, porem, não quer voltar ao assunto, tanto mais que a opinião publica já fez justiça aos republicanos, e a condemnação do Governo em toda a cidade do Porto. Se agora se refere novamente ao assunto, é, apenas para rectificar dois pontos, a que se referiu o Sr. Presidente do Conselho:

1.° Relativamente a terem sido ou não feridos quatro individuos. S. Exa. fundou-se, para a negativa, na circunstancia de não existir, no processo crime, nenhuma queixa, senão relativamente aos ferimentos que causaram a morte de Barros. Essa razão não é bastante. Os outros tres feridos recusaram-se obstinadamente, e tinham razões para isso, a intervir em qualquer debate judicial; e podiam até nem ser republicanos. S. Exa. não podia ignorar a existencia d'esses individuos, porque os seus nomes foram publicados no Primeiro de Janeiro;

2.° Foi hoje que elle, orador, soube, pelas declarações do Sr. Presidente do Conselho, que S. Exa. tinha mandado proceder a averiguações; e a verdade é que o surprehendeu profundamente a attitude que S. Exa. entendeu dever guardar a esse respeito em assunto tão melindroso.

Entrando no assunto pergunta o orador preliminarmente se vale realmente a pena discutir o projecto de liberdade de imprensa; porque tendo o Sr. Presidente do Conselho declarado bem alto que não fazia d'este projecto questão politica, mas sim questão aberta, salvo em dois pontos - a apprehensão e a celeridade de processos - o orador viu que nem um esforço se fez ainda por parte de ninguem no sentido de melhorar o projecto; e, pelo contrario, pareceu haver a vontade um pouco infantil,

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SESSÃO N.° 9 DE 15 DE JANEIRO DE 1907 13

talvez doentia, sob o ponto de vista politico, de deixar bem accentuado que a maioria ou pelo menos a commissão e o Governo queriam fazer votar este projecto tal como estava. Reconheciam-lhe os defeitos, não encontravam argumentos para os defender, mas ficavam teimosamente com aquelle feitio especial, que o Sr. Presidente do Conselho já vae imprimindo aos seus amigos, de ficarem amarrados a um projecto.

Julga-se o orador constituido na obrigação de mostrar á Camara como as despesas feitas do projecto em discussão não teem subsistencia alguma.

Examinando em seguida o projecto, fazendo detalhadamente a historia da evolução por que o país tem passado em materia de liberdades publicas, encontra o orador no actual projecto preceitos inteiramente oppostos á lei de 1820, pelo que termina dizendo que o Governo com a lei que vae ser votada, contendo um projecto exageradamente politico, lavra a sua propria condemnação e vae juntar mais uma pedra ao edificio que o Sr. Presidente do Conselho está levantando, qual é o de divorciar as instituições monarchicas da vontade nacional.

O país continua a querer liberdade, a querer ser com ella governado; mas S. Exa. de cada vez lhe arranca mais liberdades.

Continue, pois, nesse caminho, porque o povo ha de dizer-lhe que elle quisera fazer a revolução; mas a monarchia teve quem a servisse de tal maneira que a revolução será feita pelos proprios monarchicos.

É lida na mesa e admittida, ficando conjuntamente em discussão, a moção do Sr. Affonso Costa.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção enviada para a mesa pelo Sr. Deputado Affonso Costa.

É lida na mesa e, consultada a Camara, é admittida á discussão.

O Sr. Presidente: - Ficarem discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Martins de Carvalho: - Começou o. illustre Deputado Sr. Affonso Costa por julgar absolutamente segura a approvação, pela maioria, do projecto que se discute, tal como foi apresentado, e estranhou o contraste d'essa approvação, que S. Exa. fez, com a liberdade que o Sr. Presidente do Conselho tinha dado á maioria na votação d'este projecto, considerando-o, em grande parte, uma questão aberta. Mas não fazer questão politica da approvação de certos pontos do projecto, não é o mesmo que fazer questão politica da realização do projecto.

Estabeleceu S. Exa. um parallelismo historico entre a liberdade de imprensa e todas as outras liberdades e, a proposito d'isso, analysou a evolução legislativa no assunto. Mas S. Exa. deve ver que, quaesquer que sejam as modalidades legislativas nesta materia, o regime tem sido sempre, ou quasi sempre o mesmo: o de absoluta impunidade, e, portanto, não se pode invocar, nesse ponto, uma evolução.

Quanto ao regime de 1866, seria elle muito liberal, mas tinha a apprehensão, nos termos da Nora Reforma Judiciaria, e, quanto á intervenção do jury, não havia mais essa intervenção no regime de 1866, do que pela lei actual.

Mostra em seguida o orador, desenvolvidamente, quão grande é a differença entre a lei de 1898, que tão citada tem sido nesta discussão, e o projecto actual, e termina notando que o Sr. Affonso Costa, sendo notavel jurisconsulto, não conseguiu, com o seu saber, produzir um unico argumento de valor contra a lei que se discute, que é essencialmente liberal, mais rasgadamente liberal do que quasi todas as leis que elle, orador, conhece, pondo de parte todo o regime preventivo e não estabelecendo penas mais graves do que as do Codigo Penal, nem penas especiaes.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. D. Thomaz de Vilhena: - Protestando contra o facto de não consentir o Governo em que se discuta largamente a forma de melhor baptizar o monstrozinho que se chama liberdade de imprensa, e que está em discussão, visto que todos estes dias tem havido quer prorogação de sessão, o que fatiga a Camara, quer requerimentos que abafem essa discussão, declara que este projecto não representa, ao contrario do que disse ha pouco o Sr. Presidente do Conselho, a feição liberal do Governo, mas sim a sua feição ingenua, já que pela muita consideração que tem por todos os Srs. Ministros, não pode empregar outro termo. Do contrario chamar-lhe-hia uma mystificação.

Entrando em seguida na analyse do projecto, recorda ter dito já, na sessão de hontem, que elle não satisfaz a liberaes nem a conservadores, e, referindo-se á questão da apprehensão de jornaes, desejaria ver qual a attitude do partido progressista neste ponto, porquanto na lei de 1898, do Sr. Beirão, está incluido esse principio de apprehensão.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Antonio Cabral: - Em nome da minoria progressista cumpre-lhe fazer uma declaração.

Entende o partido progressista que não se devem criar difficuldades ao actual Governo; tem-lhe dado o seu apoio sincero, porque o merece; porque tem procedido com rectidão, com energia, dando todas as liberdades, administrando como deve os dinheiros publicos e fazendo portanto um Governo honesto. Por isso, o partido progressista tem-lhe dado, e espera continuar a dar, o seu apoio leal, sincero e tambem desinteressado.

Julgou o Governo necessario á sua acção governativa fazer á lei de imprensa actual, da responsabilidade do partido progressista, as alterações que constam do projecto em discussão. Esse projecto, bem como a lei actual em vigor, da responsabilidade, repete, do partido progressista, fundamenta-se, nos mesmos principios da maxima liberdade, na expansão do pensamento, e tambem na maxima responsabilidade pelos excessos commettidos na expansão d'esse pensamento.

É certo, porem, que na forma por que o Governo entendeu realizar no sen projecto as suas ideias sobre liberdade de imprensa, na forma por que procurou realizar esses principios da maxima liberdade e maxima responsabilidade, divergiu em alguns pontos da lei actual.

É certo, tambem, que a lei actual nem sempre foi absolutamente observada e, nestes termos, o partido progressista, dando o seu apoio ao Governo, dá-lhe tambem os seus votos, como já lhe deu nos capitulos anteriormente votados, reservando a sua opinião sobre os pontos de divergencia entre a lei em discussão e a lei em vigor. E igualmente lhe dá o seu voto para que, a titulo de experiencia, se verifique o que o Governo quer pôr em execução.

Nestas condições, o orador declara em seu nome e no dos membros do partido progressista, que teem assento nesta Camara, que dá o seu voto ao projecto que se discute, reservando, porem, repete, a opinião do partido progressista sobre os pontos de divergencia que ha entre o projecto do Governo e a lei actualmente em vigor.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Oliveira Martins: - Mando para a mesa as seguintes

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Propostas de emendas

Proponho que ao artigo 16.° do projecto de lei n.° 33 em discussão seja acrescentado um paragrapho dispondo o seguinte:

Para os fins declarados neste artigo, a cada um dos delegados do procurador regio mencionados será enviado no proprio dia da publicação, pois quem fizer esta, um exemplar de cada periodico. = O Deputado, Oliveira Martins.

Proponho que, no artigo 18.° do projecto de lei n.° 33 em discussão, se consigne a obrigação de dar publicidade á declaração a que se refere o artigo.

Proponho mais que se supprima a segunda parte do § 3.° do mesmo artigo. = O Deputado, Oliveira Martins.

Lidas na mesa, foram enviadas á commissão de legislação civil.

O Sr. Pedro Gaivão: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja consultada a Camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia do projecto. = Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão.

Lê-se na mesa e é approvado.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de mandar ler os nomes dos Sr. Deputados que se acham ainda inscritos.

O Sr. Presidente: - Estavam inscritos ainda os Srs. Moreira de Almeida, Mello Barreto, Manoel Fratel, Schwalbach Lucci e Affonso Costa.

O Sr. Affonso Costa (sobre o modo de votar): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre a minha moção de ordem. = Affonso Costa.

Lido na mesa, é rejeitado, sendo em seguida igualmente rejeitada a moção.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para ser votado o capito 5.°

Leu-se na mesa.

O Sr. Moreira de Almeida: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre o capitulo em discussão. = J. A. Moreira de Almeida.

Lido na mesa, é rejeitado, sendo em seguida approvado o capitulo 5.°

O Sr. Presidente: - A proxima sessão effectuar-se-ha amanhã 16, á hora regimental, e a ordem do dia é a discussão do projecto n.° 2, sobre a crise duriense.

Está levantada a sessão.

Eram 9 horas e 10 minutos da noite.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Proposta de lei n.° 2-A

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1907-1908 em 30:000 praças de, pret de todas as armas.

§ 1.° Serão licenceadas, nos termos da legislação em vigor, 7:000 praças de pret.

§ 2.° O licenceamedto fixado no paragrapho anterior poderá ser diminuido quando as necessidades do serviço é da instrucção militar o exigirem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, 14 de janeiro de 1907. = Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto.

Foi enviada á commissão de guerra.

Proposta de lei n.° 2-B

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado, no anno de 1907, em 16:900 recrutas, sendo 15:150 destinados ao serviço activo do exercito, 850 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 900 recrutas destinados ao serviço das guardas municipaes e fiscal será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o prehenchimento do referido contingente, preterindo-se os que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, 14 de janeiro de 1907.= Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto.

Foi enviada ás commissões de guerra, marinha e administração publica.

Representação

De setenta e dois jornalistas de diversos jornaes de Lisboa, adduzindo varias razões tendentes a demonstrar os prejuizos que podem advir do descanso dominical para os jornaes: e manifestando-se a favor do descanso semanal, que aliás já existe em toda a imprensa periodica da capital.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, enviada á commissão de legislação civil.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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