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SESSÃO DE 17 DE JANEIRO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Manuel Affonso Espregueira

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Officio do sr. Navarro, renunciando ao logar de deputado. - Prestam juramento os srs. Francisco de Campos, Pinto dos Santos, Martinho Tenreiro e Guimarães Podroza.
Na ordem do dia procede-se á eleição dos srs. deputados que devem entrar na lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara. - Declara o sr. presidente qual a deputação que devo apresentar a lista a Sua Magestade. - É approvada uma proposta apresentada pelo sr. Julio de Vilhena e apoiada pelo sr. Beirão, por parte da maioria e pelo sr. ministro da marinha em nome do governo, para se lançar na acta um voto de sentimento pela morte do sr. deputado Guilherme Pacheco. - Apresenta o sr. Almeida e Brito uma proposta para que continue a funccionar a commissão de inquerito aos negocios do caminho do ferro de Salamanca. Declarada urgente é logo approvada. - Largas considerações do sr. Fuschini em referencia ao ultimatum do governo inglez e á constituição do novo ministerio. - Resposta do sr. ministro da marinha. - Nomeação da commissão de inquerito sobre os negociou relativos ao caminho de ferro de Salamanca. - Observações do sr. Francisco Machado, relativamente ao programma do governo. - O sr. Barbosa de Magalhães, obtendo a palavra antes de se encerrar a sessão, pede informações ao governo sobre os recentes conflictos occorridos em Ovar. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Usam segunda vez da palavra os dois oradores sobre o mesmo assumpto, levantando-se em seguida a sessão.

Abertura da sessão - Ás tres horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Guerra Junqueira, Adolpho Ferreira Loureiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo César Brandão, Alfredo Pereira, Antonio José Pereira Borges, Antonio Lucio Tavares Crespo, Augusto Fuschini, Augusto Victor dos Santos, Bernardo Homem Machado, Caetano Xavier de Almeida da Camara Manuel, Carlos Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Firmino João Lopes, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Fernandes Vaz, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Antonio Pires Villar, João Catanho de Menezes, João Gualberto de Barros e Cunha, João Henriques Tierno, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Monteiro Vieira do Castro, João'da Mota Gomes Junior, João de Sousa Machado, Joaquim Heliodoro da Veiga, José Alvos Pimenta de Avellar Machado, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Emygdio Pinheiro Borges, José da Fonseca Abreu Castollo Branco, José Gregorio de Figueiredo Mascarcnhas, José Gregorio da Rosa Araujo, José Julio Rodrigues, José do Lemos e Napoles, José de Macedo Souto Maior, José Maria de Andrade, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mathias Nunes, Julio Carlos do Abreu e Sousa, Julio Marques de Vilhena, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Emilio Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Victoriano Estrella Braga, Virgilio Francisco Ramos Inglez.

Entraram durante a sessão os srs. - Antonio Augusto de Sousa o Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Gomes Netto, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello Ganhado, Arthur Hintze Ribeiro, Conde de Villa Real, Ernesto Madeira Pinto, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Francisco de Barros Coelho e Campos, Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz de Bettcncourt, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José do Sousa Santos Moreira, Manuel Pinheiro Chagas, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Pedro Antonio Monteiro, Pedro Victor da Costa Sequeira, Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Mendes da Silva, Álvaro Augusto FroesPossolo de Sousa, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Centeno, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maria Pereira Carrilho, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Conde de Castello de Paiva, Eliseu Xavier de Sousa e Serpa, Fernando Mattozo Santos, Francisco Barbosa do Couto Cunha Souto Maior, Frederico de Gusmão Correia Arouca, Gabriel José Ramires, Ignacio José Franco, Jacinto Cândido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jeronymo da Cunha Pimentel, Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos, João Candido Furtado de Antas, João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Antonio Gonçalves, Joaquim Simões Ferreira, D. Jorge Augusto de Mello, José de Azevedo Castello Branco, José da Cunha d'Eça Azevedo, José Maria dos Santos, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Cesar de Faria Graça, Julio José Pires, Lopo Vaz de Sampaio e Mello, Manuel d'Assumpcão, Marianno Cyrillo de Carvalho, Pedro Augusto do Carvalho, D. Pedro de Lencastre, Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do sr. Emygdio Navarro participando que, para os effeitos do artigo 17.° § 3.° do decreto com força de lei de 30 de setembro de 1852, e mais legislação applicavel, renuncia ao seu logar de deputado, por ter acceitado a nomeação de vogal do tribunal de contas, de que hoje tomou posse, e para o qual fora nomeado por decreto de 11 do corrente.
Á commissão de verificação de poderes.

O sr. Presidente: - Estão nos corredores da camara alguns srs. deputados eleitos que ainda não prestaram juramento. Convido os srs. Bandeira Coelho e Santiago Gouveia a introduzil-os na sala.
Foram introduzidos e prestaram juramento os srs. Coelho de Campos, João Pinto dos Santos, Martinho Tenreiro e Guimarães Pedroza.

ORDEM DO DIA

Eleição para a escolha doa supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição para a lista quintupla que tem de ser apresentada a Sua Ma-
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gestade, para a escolha dos supplentes á presidencia e vice presidencia da camara. Convido os srs. deputados a formular as suas listas.
Feita a chamada e corrido o escrutinio, sendo escrutinadores os srs. Almeida e Brito e Luiz Bandeira Coelho, verificou-se terem entrado na urna 59 listas, saindo eleitos os srs.:

Estevão Antonio de Oliveira Junior, com.... 59 votos
José Maria de Andrade....59 votos

O sr. Presidente: - Vae proceder-se a novo escrutinio para só completar a lista quintupla. Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 58 listas, saindo eleitos os srs.:

Antonio Alves Pereira da Fonseca, com.... 58 votos
Joaquim Simões Ferreira.... 58 votos
Francisco Barbosa do Couto Cunha Souto Maior.... 58 votos

Foram escrutinadores os senhores Visconde da Torre e Mota Gomes.
O sr. Presidente: - Está completa a lista quintupla que será apresentada a Sua Magestade El-Rei pela mesma deputação que hontem foi nomeada para participar ao mesmo augusto Senhor a constituição da camara e apresentar-lhe os seus sentimentos pelo fallecimento de El-Rei o Senhor D. Luiz, do Senhor Infante D. Augusto e de Sua Magestade a Imperatriz do Brazil.
Os srs. deputados serão opportunamente avisados do dia e hora em que Sua Magestade se dignará recebel-os.
O sr. Julio de Vilhena: - Mando para a mesa a seguinte:
«Proponho que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do illustre deputado José Guilherme Pacheco. = Julio de Vilhena.»
Sr. presidente, não é necessario fazer um largo discurso para justificar esta proposta. Estou convencido de que a camara ha de approval-a, porque ella demonstra o profundo sentimento de nós todos pelo fallecimento d'aquelle, que, alem de ter sido sempre um nobre e honrado homem, foi nosso collega n'esta casa durante um largo periodo.
Mandando a proposta para a mesa, peço ao mesmo tempo a v. exa. que no caso de ser approvada, se digne participar á familia do illustre finado a resolução da camara.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Francisco Beirão: Pedi a palavra para me associar, em nome da maioria da camara, á proposta que acaba de ser mandada para a mesa. (Muitos apoiados.)
Felizmente que as nossas contendas politicas, em que cada um pugna pelos seus pricipios e idéas, nunca produzem animadas versões que nos inhibam de prestar as nossas homenagens aos adversarios fallecidos, que merecem o culto da saudade. Por isso, repito, em nome dos meus amigos politicos, associo-me da melhor vontade á proposta apresentada pelo sr. Julio de Vilhena, para que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de tão illustre collega.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Marinha (João Arroyo): - Pedi a palavra para me associar, em nome do governo, á proposta apresentada pelo sr. Julio de Vilhena e que acaba de ser apoiada pelo sr. Francisco Beirão, como não podia deixar de ser, attentas as relações sempre cordiaes que existiam entre o illustre extincto e quasi todos, senão todos, os membros da actual maioria progressista.
Amigo intimo de José Guilherme Pacheco, devendo-lhe os mais assignalados favores e os maiores serviços, não é sem o mais intimo pezar que me levanto para pronunciar estas poucas palavras.
Repito, em nome do governo, associo me á proposta do sr. Julio de Vilhena e creio que a camara, votando-a por acclamação, prestará justa homenagem áquelle que, alem de ter sido ornamento, do um partido, foi um cidadão verdadeiramente illustre. (Muitos apoiados.)
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com o dos seus empregos ou commissões, dependentes d'este ministerio, os srs. deputados:

Adolpho Ferreira Loureiro.
Augusto Ribeiro.
Elvino José de Sousa e Brito.
José Bento Ferreira do Almeida.
José Maria Barbosa de Magalhães.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 17 de janeiro de 1890. = João Marcellino Arroyo.

Nota. - A deliberação na parte respeitante ao sr. Ferreira de Almeida só póde ser executada quando este sr. deputado prestar juramento.
Foi approvada.

O sr. Almeida e Brito: - Mando para a mesa e peço que seja considerada urgente a seguinte:

Proposta

Tendo terminado as suas funcções a commissão parlamentar nomeada na sessão passada para inquirir os negocios do caminho de ferro de Salamanca, proponho que aquella commissão continue a funccionar com os mesmos poderes que lhe foram conferidos, ficando composta dos deputados que d'ella faziam parte e a mesa encarregada de nomear os srs. deputados que faltarem para a completar. = Almeida e Brito.
Foi declarada urgente e logo approvada.

O sr. Fuschini: - Sr. presidente, nas crises angustiosas da patria, é dever do todos os partidos c de todos os homens politicos, qualquer que seja a importancia da sua esphera do acção, apresentar ao paiz sinceramente as suas opiniões e, sobretudo, desenvolver os alvitres, segundo os quaes, a estes partidos e a estes homens, parece que podem evitar se futuras difficuldades e perigos.
A camara comprehende, perfeitamente, que um dever de delicadeza, se outro não existisse, me obrigou a não tomar a palavra antes que, na camara dos dignos pares, fallasse o sr. Barjona de Freitas.
Sobre este illustre estadista quizeram fazer pesar grave accusação; era, pois, justo, que a sua voz eloquente a repellisse, provando a falsidade das asserções.
A camara ouviu a explicação do sr. Barjona do Freitas; não me cumpre n'este momento, pois, senão desenvolver as minhas opiniões e seguir na esteira das idéas apresentadas por s. exa., que são não só as suas pessoaes, mas as do partido a que preside. Vou recapitular em breves palavras as opiniões de s. exa.
A declaração de s. exa. foi expressa.
Só fosse consultado em qualquer corporação ácerca do ultimatum do governo inglez teria respondido condicionalmente, teria aconselhado a cedencia condicional. Cederia perante a força; mas com a condição expressa de que os nossos direitos seriam apreciados por alguns dos meios definidos no direito internacional, não excluindo a arbitragem,

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e no caso da Inglaterra proceder por outra fórma, reoccuparia, se fosse governo, os pontos, que tivesse sido obrigado a abandonar perante o ultimatum. A resposta foi clara e terminante.
Sr. presidente, observo á camara dos illustres deputados e ao paiz, que o conselho d'estado foi consultado sobre um facto, de que não tinha a menor responsabilidade.
É possivel, é mesmo provavel, que se outro governo, com outros processos de administração colonial, com outro plano de politica internacional, tivesse presidido aos destinos do paiz, é provavel, repito, que se não tivesse dado o caso do ultimatum.
Observo, pois, á camara que a consulta se verificou sobre as consequencias de actos e factos, de que o illustre estadista nao tinha a menor responsabilidade, factos e actos que, porventura, se não teriam realiaado se outra tivesse sido a politica internacional do governo portuguez.
Depois d'isto o sr. Barjona de Freitas dirigiu uma pergunta ao governo, e acrescentou que lhe dava a liberdade de julgar da conveniencia de responder ou não, porque unicamente desejava, pela sua parte, como eu desejo igualmente, que ficasse bem expresso nos annaes parlamentares, que essa pergunta se fizera, quer o governo respondesse, quer não.
A pergunta foi a seguinte: no caso do governo inglez não acceitar um processo qualquer regular para definir e apreciar os direitos portuguezes, no caso de deixar subsistir apenas a força, o governo está resolvido a reoccupar os pontos, que abandona agora?
Esta pergunta era perfeitamente logica. As opiniões manifestadas polo sr. Barjona de Freitas foram claras. Se as suas idéas predominassem no governo actual, não havia que duvidar. Ou a questão se discute por processos quaesquer regulares, que permittam a sustentação pacifica dos nossos direitos, ou se resolve pela força e, n'esse caso, á força responderemos nós com aquella que tivermos.
O governo entendeu nada dever responder. Não posso fazer outra pergunta, e não espero ser mais feliz do que o sr. Barjona de Freitas. Contento-me com o silencio do governo, salvo o direito que me assiste de, mais tarde, apreciar o plano do governo e a realisação d'elle, em relação ao assumpto que se ventila.
Isto posto, resta-me, apenas, no meu dever de deputado da nação portugueza, apreciar o comportamento do governo transacto, e sobretudo dizer como nós (n'este caso, mais rigorosamente, diria eu) entendemos que a questão devia ter sido prevista e as suas consequencias, porventura, evitadas.
É habito meu constante, e sel o-ha toda a minha vida politica, longa ou curta que deva ser, não criticar actos alheios sem definir, claramente, qual teria sido a minha linha de comportamento, se me houvesse cabido a realisação dos problemas.
Por outra fórma, comprehende a camara, a obra é de pura critica; ora a critica, nas graves questões de administração publica, deve preceder de perto a affirmação de principios e systemas.
É indispensavel que os partidos sejam ou não numerosos, em nome dos seus principios, e não do numero dos seus adeptos, saibam sempre, em todas as condições fáceis ou difficeis da vida do paiz, affirmar qual seria a regra do seu proceder, se tivessem a responsabilidade do poder.
Sr. presidente, recebido pelo governo portuguez o ultimatum do governo inglez, o que lhe cumpria fazer? Não acceitar a imposição do praso e exigir vinte e quatro horas para responder, declarando ao governo inglez que carecia de consultar o parlamento.
Sr. presidente, sendo Portugal um paiz parlamentar e estando reunido o parlamento, não devia o governo acceitar o praso de quatro horas, mas exigir aquelle, o menor que fosse, em que podesse reunir e consultar as camaras legislativas.
Sr. presidente, quando subo a esta tribuna, ponho de parte qualquer pensamento politico, para me entregar unicamente ao exame justo e scientitico das questões, para proceder com o criterio mais seguro e elevado, de que posso dispor.
Sinceramente affirmo, pois, que não me parece que uma nação parlamentar por excellcncia, que tom dado tantos exemplos de bom parlamentarismo, podesse replicar negativamente a outra nação que pretende, tão legitimamente e em assumpto da tamanha gravidade, consultar os corpos legislativos, que aliás estão reunidos.
Não se tratava de illudir o ultimatum; apenas, note a camara, de prorogar por algumas horas o praso de resposta, que a propria Inglaterra havia admittido.
Esta exigencia pela nossa parte não só era justissima, mas chamaria sobre nós, no caso de recusa, maior sympathia universal, dando por outro lado força ao governo perante a opinião do paiz.
Não era, pois, provavel, repito, que tão pequena, como justa, condição fosse repellida por uma nação parlamentar; mas se o fosse, eu, como governo, seria intransigente.
Depois o governo tinha, a meu ver, um processo seguro para alcançar a prorogação do praso; para isto bastava-lhe a simples declaração de que, no caso de insistencia, se demittiria immediatamente. Então a Inglaterra ficaria diante de um paiz sem governo constituido.
Eis o que, a meu ver, faria um governo sinceramente respeitador das garantias e liberdades parlamentares. Reunidas immediatamente as camaras, passando por sobre a formalidade da eleição presidencial e diante dos legitimos representantes do paiz, em sessão publica, o governo poria a questão com a maior serenidade de animo e aguardaria o veredictum nacional.
Sr. presidente, o governo o que fez?
Acceitou o praso de quatro horas e consultou o conselho d'estado.
O que podia fazer esta corporação n'estas condições e apertada pelo praso de quatro horas? O que podia fazer um punhado de homens, por maior que seja a sua importância e a sua competencia? Assumir as graves responsabilidades das consequencias, que a rejeição do statu quo ante podia trazer ao paiz?
Sim ! Tomaria alguem a responsabilidade dos factos, que deviam seguir-se á rejeição das condições do ultimatum?
Sr. presidente, não me considero nem dos homens mais energicos, nem dos mais fracos do meu paiz, mas diante das difficuldades da vida tenho sempre sentido em mim essa força de reacção, que dá elevado caracter á individualidade humana.
Do intimo da minha consciencia digo e affirmo que, desde o momento em que o conselho d'estado foi consultado n'estas condições, não podia ter resolvido por maneira differente.
Resta saber se o voto d'elle foi a cedencia condicional, como acabo de indicar; só assim, foi procedeu regularissimamente e foi tão bom patriota, quanto o podia ser.
Mas por que não procedeu o governo por esta fórma? Seria fraqueza, seria timidez, seria erro involuntario?
Não sei; para apreciar os factos são necessarios elementos que ainda são desconhecidos; talvez para os apreciar bem seja indispensavel occupar uma d'aquellas cadeiras, pois só em tal caso se podem conhecer todos os pormenores, desde os documentos escriptos até ás palavras trocadas entre os agentes diplomaticos estrangeiros e o nosso governo; mas, por timidez, fraqueza, ou erro, não devia nunca o governo ter praticado siinilhante acto.
E porque é que o praticou? Porque é que, infelizmente, qualquer governo que ali se sentasse, ou pelo monos a maior parte d'elles, praticaria acto igual?
Porque não ha confiança nas instituições democraticas do paiz; porque o respeito pelo systema parlamentar tem

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sido posto de parte por todos os governos, que se teem sentado n'aquellas cadeiras.
A um e um, e successivamente, teem elles demonstrado que consideram o parlamentarismo em Portugal como verdadeira ficção.
Querem um exemplo frisante, actual, manifesto?
São passados apenas alguns dias sobre esta questão, talvez a mais grave na nossa historia parlamentar; discutiu-se apenas o assumpto na camara dos dignos pares; ventilou-se ligeiramente na camara dos deputados. Tres dias são decorridos, o paiz está em sobresalto, agita se com violencia a opinião... pois estão vasios os bancos dos ministros!
O ministro mais novo, não o menos talentoso, assiste, apenas, a esta sessão; os outros ministros, os mais experientes, o dos negocios estrangeiros, o mais importante n'este momento angustioso, quando pesa grave crise sobre o paiz, estão ausentes, occupados (quem sabe?) a esta hora em resolver a difficil questão de nomear governadores civis para os differentes districtos do paiz.
Eis o que havemos feito do parlamentarismo! Eis como educâmos e dirigimos a opinião publica!
Ah! sr. Julio de Vilhena! Quando a voz eloquente de v. exa. se levantou ha dias, n'esta casa, e, com amargura, essencialmente pratiotica, v. exa. lembrou de que outrora havia appellado para o paiz, para estabelecermos na nossa Africa as estações civilisadoras e a sua voz, quasi prophetica, não tinha encontrado echo, v. exa. foi o verdadeiro patriota, porque o patriotismo não se manifesta por simples phrases.
Não é patriota quem não falia, em qualquer circumstancia, a verdade ao paiz; não é estadista quem sobre os negocios não possuo um plano grave e meditado, quem não segue pertinazmente esse plano, na idéa do prever futuras difficuldades nacionaes ou internacionaes, e que, dia a dia, momento a momento, não emprega esforços para evitar complicações que, uma vez realisadas, são difficilimas de superar. (Apoiados.)
Não sei se estou de accordo com o illustre deputado na sua politica colonial, mas é certo que as suas estações civilisadoras, como s. exa. as pensou, se se realisassem, nós tinhamos n'ellas argumento mais valioso, embora valiosos sejam ainda os que temos, para affirmar a nossa soberania na parte da Africa, aonde a Inglaterra nol-a contesta!
O paiz não respondeu ao seu appello! Porque? Porque foi imprevidente. O previdente era o illustre deputado; o patriota foi s. exa., dizendo-lhe hoje a sua falta, para que outras e outras se evitem.
Não condemno por fórma alguma as manifestações de um sentimento sincero e digno. Qualquer que seja a manifestação de uma idéa, de um sentimento, quando é justa a idéa, quando é verdadeiro o sentimento, para mim é sempre respeitavel.
Aos homens publicos, aos estadistas, áquelles que, como nós, têem a responsabilidade da governação do paiz, exijo, porém, mais do que a simples manifestação, mais ou menos patriotica, mais ou menos rhetorica, de um sentimento digno e de uma paixão nobre; a esses peço idéas e planos, pertinacia e tenacidade na realisação do que elles entendem que devemos descutir no parlamento e diffundir na opinião publica.
É, pois, no respeito pelas instituições parlamentares, na consulta da opinião publica, no estudo das questões e na energia da sustentação dos planos e opiniões, que vejo nos homens publicos o verdadeiro e util patriotismo. Eis o que infelizmente pouco se pratica.
O norte dos governos, em Portugal, é o Poder Moderador. O governo transacto, progressista, como todos os de outras procedencias politicas, sempre com os olhos n'esse norte, apenas pensou em o cobrir, na sua responsabilidade moral, com o voto do conselho d'estado. Pois cobria-o melhor, bem melhor, se viesse ao parlamento, e perante os representantes do paiz, perante o proprio paiz, em sessão publica, dissesse francamente o que havia e concluisse: - tomem os representantes legitimos da nação a responsabilidade da resolução, porque são os unicos que a podem tomar e nós, ministros, estamos promptos a realisar serena, energica e imperturbavelmente aquillo que o paiz, representado pelo parlamento, resolver.
Sr. presidente, se um dia se fizer a historia do parlamentarismo em Portugal, de cincoenta annos de vida parlamentar, ha de definir-se entre outras esta causa importante da imperfeição d'este regimen entre nós.
Em Portugal quasi ninguem põe os olhos em baixo, no povo, todos olham para cima, para o rei; parece entro nós ainda vivo o sabeismo; em regra adorâmos o sol que nasço e tudo que luz!
Venha um governo, que saiba bem retemperar-se na opinião do paiz; que saiba concital-a, se estiver adormecida ou indifferente; que se sinta sem vontade do lisonjear; que não sacrifique os seus principios a simples interesses momentaneos; que julgue, e não tenha pejo em o confessar, que a unica força do paiz, a unica soberania da nação é a soberania popular; venha esse governo, que ha de subir necessariamente o nivel parlamentar, e não havemos de ter o desgosto e a responsabilidade de uni acto d'aquella ordem, sem que nós, representantes do paiz, podessemos dizer uma só palavra, expressar uma simples opinião!
Sr. presidente, não basta estudar em si o facto, vamos a ver se investigâmos as origens d'onde derivou esta ultima attitude bellica da Inglaterra.
Assim apreciaremos a responsibilidade dos erros do governo transacto e dos que o precederam, se erros ha e se responsabilidades existem.
Sr. presidente, durante largos annos a politica colonial portugueza, se realmente a frouxa administração colonial, que nós temos sustentado n'um largo periodo assim se póde chamar, foi influenciada pela Inglaterra. Digo influenciada, para não dizer, que sobro nós pesou durante largo periodo o jugo inglez, quer na politica nacional, quer na propria politica nacional e internacional.
Não discutirei, n'este momento, se esta politica iniciada ha largos annos, ha seculos, se esta politica ingleza teve rasão de ser n'algum periodo historico; o que me proponho demonstrar á camara, é que previsões mui fundadas e factos clarissimos nos indicavam, que tal politica se havia tornado inutil, ou, para melhor dizer nociva, para o paiz.
O ultimo ministerio, reconhecendo esta verdade, tentou sacudir este jugo inglez e approximou-se, quanto lhe foi possivel, da Allemanha, quer na politica colonial quer na politica financeira.
Adversario, como o fui sempre, da politica ingleza, este afastamento da Inglaterra pareceu-me um primeiro passo sensato; devo, porém, dizer francamente a camara, que julguei por outro lado errada a approximação da nossa politica da politica allema.
Foi sempre minha opinião, e continuo a tel-a, que qualquer ligação com a Allemanha, seria ephemera e perigosa.
Suppuz sempre, e as minhas previsões não falharam, que, mais cedo ou mais tarde, a Allemanha, se entenderia com a Inglaterra e que essa tal ou qual protecção, amisade se quizerem, que nas questões africanas nos dispensava, seria letra morta.
Não foi necessario muito tempo, para que o facto mais claro, mais evidente, viesse affirmar a todos nós a verdade d'este receio. Lembra-se a camara e o paiz de que ha mezes, em Spithead, se juntava uma enorme esquadra ingleza, á qual passou solemne revista o neto da Rainha Victoria, o Imperador da Allemanha.
Quem tivesse vista para ver e prudencia para julgar d'aquelle facto, deveria immediatamente presumir, que um accordo secreto havia ligado as duas corôas para um effeito qualquer de politica europêa, talvez, mas a que podia

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não ser estranho o predominio colonial na Africa d'aquelles dois imperios.
Não e desconhecida a ambição d'aquellas duas potencias em relação á acquisição de novas colonias, e como as suas vistas estão de ha muito fixadas no sul da Africa.
De resto, comprehende a camara, esta interpretação, que dou á entrevista da velha Imperatriz e do joven Imperador, podia ser por outros argumentos, perfeita e claramente defendida; não a via, senão quem a não quizesse ver.
Ora sr. presidente, as imprevidencias pagam-se.
O governo portuguez tinha tal tendencia para a grande potencia allemã que, francamente, permittiu, o que a meu ver governo algum devia jamais permittir (estou em occasião de dizer verdades e continuarei a dizel-as, custe o que custar) permittiu, digo, que o capacete de coronel de um corpo allemão podesse substituir por momentos a corôa real portugueza, não se lembrando que o capacete do uhlano, tão inconvenientemente acceitado por Affonso XII, não tinha salvo a Hespanha da questão gravissima das Carolinas.
Era facil de prever o resultado do accordo secreto, que em Spithead se manifestou pela maior demonstração espetaculosa de força naval, que a Inglaterra jamais deu aos olhos de qualquer soberano. Não era difficil suppor, qual seria a conclusão. O leopardo inglez, que encolhera as garras, emquanto a aguia negra da Prussia o vigiava, sentiu-se forte o caiu sobre a presa com a fome de longo jejum.
Era de esperar. E, incuria, sempre incuria do governo! para lhe aguçar o appetite tinha ainda o mercantilissimo inglez. O governo incauto, ou confiando muito na sympathia allemã, não viu que, impellindo as tendencias dominadoras e absorventes, caracteres da raça ingleza, e arrastando o proprio governo inglez, o egoismo monstruoso, hoje como sempre, a respeito de Portugal, como da Irlanda, das classes ricas inglezas havia tomado conta do negocio.
O milhão inglez foi mais adiante e não teve pudor, elle e a dynastia, de associar um membro da familia reinante a um acto de expoliação!
Factos insignificantes pareciam ser estes, mas um previdente, um estadista que ali se sentar (indicando as cadeiras do poder) deve immediatamente desconfiar de pequenos factos, quando se pozer em jogo o egoismo das classes ricas inglezas.
De resto, sr. presidente, era tambem para considerar o caso de estar no poder um ministerio conservador, presidido por um homem mediocre que se chama Salisbury. Por toda a parte os conservadores são os mesmos e se os ha peiores, são os inglezes.
Affirmo, quasi sem receio de errar, se o velho liberal Gladstone estivesse no poder, o governo inglez não teria praticado um acto de fraqueza, e a imperatriz das indias não haveria ligado o seu nome ao bando de burguezes capitaneados pelo duque de Fife. (Uma voz: - Apoiado.)
Todavia, as indicações eram claras; o nosso paiz, que não póde luctar com os colossos de mar e terra, precisa proceder com habilidade.
Ha alguem regularmente intelligente, conhecendo a historia moderna e contemporânea, a organisação politica da Europa, o chamado equilibrio europeu actual, que não saiba que os paizes pequenos correm grave risco, perigam no seu dominio colonial, se a têem, e até na sua autonomia? Ninguem.
O que devia, pois, ter preparado o governo?
Em primeiro logar o desenvolvimento das nossas forças terrestres e maritimas, quanto o comportassem os nossos recursos financeiros; mas, certamente, isto não bastava.
Ha muito tempo, a meu ver, nós deviamos ter cuidado na organisação do exercito e da marinha; mas desilludam-se: é impossivel attingirmos, isolados, força, que possa resistir a 60 collossos de ferro e a 100:000 marinheiros excellentes, que a Inglaterra possue para tripular uma esquadra monstruosa.
Deviamos ter preparado, quanto possivel, allianças solidas, para não ficarmos isolados n'esta Europa armada em guerra ate aos dentes.
O que fez o governo transacto e os que o precederam? Dormiram sobre os louros de faceis glorias alcançados na Africa, não se lembrando que, cessando a acção da Allemanha, havia de vir a revindicta por parte da Inglaterra; e quando viesse nos achava inermes.
(Interrupção.)
Comprehendo, perfeitamente, que a certos espiritos perspicazes estas idéas pareçam ou ridiculamente comesinhas ou extraordinarias; não sou, porém, obrigado senão a dizer o que sei e como sei. Responsavel pela minha consciencia sou-o; pela minha intelligencia não o posso ser.
Quando os meus constituintes me entregaram o mandato de deputado disseram-me: - responsabilisâmos-te absolutamente pelos teus actos, que elles sejam dignos e honrados, e pelas tuas opiniões, que deverão ser sinceras e apresentadas no parlamento com decoro.
O que elles me não disseram foi: que me obrigavam a ser um Tayllerand, um homem de genio; porque a isso não me podia comprometter, principalmente n'um paiz, em que quasi se nasce financeiro e estadista. (Apoiados.)
Affirmo, pois, no anno da graça de 1890, perante o paiz: que supponho perigoso o isolamento, em que nos encontrámos na Europa; affirmo perante o paiz que n'este isolamento me parece haver perigo para o nosso dominio colonial e ate, no caso de conflagração europêa, para a propria autonomia nacional.
Houve tempo em que o direito e a justiça alguma cousa valiam. O direito internacional, essa mesma opinião publica universal, que continha os estados fortes nos limites da justiça, que era a grande força dos fracos, desappareceram desde que Bismark pronunciou o terrivel lemma la force prime le droit.
O direito internacional tem hoje a sua primeira pagina escripta pela força das armas, pelos exercitos e pelas esquadras.
Bismark, embora eu o considere um dos maiores vultos d'este seculo, faz-me, pelas suas idéas e pelos seus processos, a impressão terrivel de um grande barão feudal, nascido por engano no principio do seculo XIX; na sua phrase o grande estadista traduziu livremente o grito de Brennus voe victis; ai, dos vencidos! ai, dos pequenos!
De resto as allianças não se fazem por sympathias de testas coroadas, ou por simples interesses dynasticos, mas por afinidades de raça, de interesses economicos e politicos.
A Italia commetteu esta falta, que rudemente está pagando. Fujamos-lhe nós com a experiencia dos outros e com a historia.
Se a Inglaterra é a nossa infiel alliada, a nossa inimiga na Africa, é preciso encontrar na Europa os inimigos naturaes dos inglezes; ora estes inimigos de raça, de historia e de interesses politicos e economicos são a França e a Hespanha.
A França, emula secular da Inglaterra, ameaçada no Egypto; a Hespanha com a chaga sempre viva de Gibraltar.
Se os politicos do meu paiz tivessem sido previdentes (houve um que o foi, o sr. conde de Casal Ribeiro) ha muito que se teria preparado, ao menos para a defeza, uma alliança com a França e a Hespanha.
Desilluda-se, não direi a camara, que e muito illustrada, e tem em si tão grandes talentos, que nunca se illudem, desilluda-se o paiz, as allianças solidamente estabelecidas, longe de diminuirem a autonomia dos povos, contribuem poderosamente para a fortalecer e garantir.
São as allianças nas relações internacionaes dos povos o
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mesmo, que as associações nas relações sociaes dos individuos.
A associação engrandece a esphera da acção individual, não diminue a autonomia dos cidadãos.
As allianças bem feitas são, por outro lado, o mais energico impedimento contra a absorção das pequenas nacionalidades; patriotas foram aquelles que em 1865 previram, quasi propheticamente o estado actual do equilibrio europeu e aconselharam ao paiz, com sinceridade, as allianças dos povos irmãos; não patriotas foram aquelles que contrariaram estas allianças, como representando a união iberica e, com o hymno de 1640, expozeram o paiz a passar hoje por uma affronta.
Circumstancia singular! por condições particulares das tres nações citadas, quem póde ser o forte para a celebração d'esta alliança? Exactamente o fraco Portugal.
O sr. Barros e Cunha: - Apoiado.
O Orador: - V. exa. deu-me um apoiado isolado, de grande valor. Agradeço-o.
Não estou fazendo um discurso nem mesmo um programma, afasto de mim qualquer responsabilidade futum. Que a camara me releve, pois, certas reservas n'esta parte; um simples golpe de vista sobre o estado da Europa central, o conhecimento, que todos nós temos, da tendencia da Hespanha para a alliança conmosco são suficientes para esclarecer a minha affirmação.
E facil, e difficil de resolver este problema? Não sei. Não sou ministro, não sou diplomata, não ando nas chancellarias. Facil ou difficil, tal devia ter sido, tal deve ser o empenho dos nossos governos e o trabalho dos nossos diplomatas.
Sei que estas tres potencias têem interesses communs de raça, e até de unidade nacional; porque a França, ameaçada ainda, sangra na Alsacia e Lorena e a Hespanha sangra em Gibraltar.
Emquanto a Gibraltar ingleza existir, a Hespanha ha de ser inimiga figadal da Inglaterra e nós, convenientemente armados e fortificados, dariamos uma força enorme á Hespanha para ella poder, em occasião opportuna, arrancar aquella joia da mão dos inglezes.
Estas opiniões, que exponho á camara, não são novas. Se alguem n'este paiz tem paciencia de folhear os annaes parlamentares, onde jamais deixo de publicar as idéas que apresento n'esta tribuna, verá que, tratando-se de algumas questões financeiras, eu disse que nós haviamos de approximar-nos successivamente da Hespanha, até fazermos com ella uma alliança intima, que principalmente, dizia eu n'esse momento, seria economica e pautal.
Perguntará a camara porque não desenvolvi n'esse momento as minhas opiniões? Por uma rasão simples.
Em primeiro logar, porque não tinha chegado o momento em que a consciencia publica, legitimamente irritada, manifestasse o desejo, ou melhor affirmasse o direito, do conhecer a opinião de cada um de nós; em segundo logar, porque estou habituado a luctar; mas se a lucta com individuos e facil, e difficil luctar com a corrente da opinião, que sustenta, ha cincoenta annos a esta parte, que a alliança com a Hespanha e para nós a absorpção.
Foi preciso que um momento de angustiosa crise levantasse a população de Lisboa e de todo o paiz, que se fizessem manifestações por todas as fórmas legitimas, para que Portugal revelasse o seu bom senso e por toda a parte se ouça dizer: é preciso não ficarmos isolados.
É, pois, indispensavel aproveitar esta opportunidade e entrar n'um caminho seguro, pondo de parte repugnancias historicas de ligações com a Hespanha, pelo receio, infundado, da fusão iberica, e com a França, porque esse paiz se rege por instituições differentes das nossas.
Que nos importam as instituições dos outros povos?
Respeite a Franca as nossas intituições, e nós respeitaremos as que regem a França. Acima das instituições está o povo e os seus legitimos interesses.
Que a França seja republicana, como Portugal e monarchico. As instituições correspondem aos interesses dos povos e segundo esses interesses mudam o se transformam.
Sr. presidente, termino a minha exposição, affirmando que é a sincera expressão da minha convicção pensada e tenaz. Affirmo que o nosso paiz, por mais desenvolvida que tivesse a sua força, armado que estivesse do primeiro ao ultimo cidadão valido o com a marinha mais potente, não podia resistir á colligação das potencias do norte e á pressão de Inglaterra, se as nações da raça latina não se ligarem contra a politica absorvente e dominadora das nações germanicas. (Apoiados.)
O assumpto, que se discute, e tão grave que não vou, certamente, n'este momento descer á minuscula questão de apreciar a constituição do ministerio, que se senta n'aquellas cadeiras; mas como, no caso sujeito, sobre as idéas, que acabo de desenvolver, a acção d'este ministerio e dominante, permitta-me a camara que, em simples palavras, dê a minha opinião acêrca do ministerio actual.
Tive a honra de trabalhar ao lado de dois homens, que se sentam nas cadeiras do governo, o sr. Lopo Vaz e o sr. Hintze Ribeiro. É escusado dizer que os conheço de perto, sei o valor que elles têem. Tive a honra de apoiar, sendo deputado da maioria, o sr. Serpa Pimentel. Escusado e tambem dizer á camara que reconheço o valor de s. exa. Durante quatro ou cinco annos vi luctar, ao meu lado na opposição, os tres ministros os srs. Arroyo, Franco Castello Branco e Arouca. Escusado é tambem dizer á camara que reconheço em s. exas. o maior talento. Mas talento, competência e todas as qualidades, que podem possuir os srs. ministros, não me dão a menor confiança politica em s. exas. Vou dizer á camara as minhas rasões. Dos actuaes membros do gabinete o unico espirito essencialmente liberal e (parece incrivel!) o sr. Serpa Pimentel. O resto do ministerio, a meu ver, é constituido, repito, por homens de elevadas qualidades, mas essencialmente conservadores, alguns já encarnados, crystalisados n'estes principios, outros com tendencias pronunciadas para elles.
Não é necessario ter acompanhado por largo tempo os discursos dos srs. Arouca, Castello Branco e Arroyo, para ver nas suas doutrinas, mais ou menos desenvolvido o germen, o embryão do bons e robustos conservadores.
Ora para mim os principios dos partidos conservadores são nocivos á causa publica. Por toda a parte, os seus erros e os ataques aos direitos e ás liberdades democraticas, os caracterisam como inimigos acirrados da evolução liberal das sociedades modernas.
O exemplo bem vivo e bem duro d'esta asserção acabam de nol-o dar os conservadores inglezes. Não posso, pois, ter confiança alguma nos conservadores d'este ministerio. Repito á camara, o liberal, o whig d'esta situação e o sr. presidente do conselho; conhecemol-o de longa data. O projecto mais arrojado, mais democrata, mais socialista, sobre impostos foi da iniciativa do sr. presidente do conselho.
Não cuido, porem, que s. exa. tenha força para fazer vingar as suas idéas no meio politico e ministerial, em que por circumstancias especiaes se acha immerso.
As questões de allianças, as questões internacionaes, como as entendo beneficas para o paiz, não as póde resolver senão um ministerio essencialmente liberal e avançado.
O ministerio actual ha de continuar precisamente as tradições conservadoras do ministerio precedente; essa politica de vacillações e de exclusiva sympathia pelas potencias regidas pela fórma monarehica tradicional.
Deus sabe se lhe acontecerá o mesmo que ao ministerio progressista! Se, confiado na sympathia das potencias da Europa central, julgará vencer com esta sympathia e com as notas diplomaticas as esquadras da Inglaterra!
Estimarei immenso enganar-me; em todo o caso repito a phrase do sr. Barjona de Freitas: «nas questões internacionaes estou ao lado do governo».

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Tenho sido sempre cauteloso sobre este ponto.
Ha dez annos, quasi successivamente, tenho assento n'esta camara. Jamais fiz perguntas intempestivas sobre questões internacionaes. Pelo contrario, mais de uma vez disse que os assumptos internacionaes não podem ser tratados ligeiramente. Não se podem entregar ao arbitrio de qualquer joven e fogoso deputado, que se lembre de pedir a palavra, as questões mais arduas e difficeis da politica internacional de uma nação pequena.
Desejo, pois, que o governo siga o caminho, que lhe tracei, porque me parece o unico que poderá evitar ao paiz futuras difficuldades; quem sabe se mais graves do que a que atravessâmos!
Estou, portanto, ao lado do governo, sem paixão, sem animosidade para lhe dar a força unica de que posso dispor: a minha palavra, se alguma cousa vale.
Entendo ser este o verdadeiro patriotismo. Fui e vou na esteira do sr. Julio de Vilhena.
Quando s. exa. se levantou aqui, antes de hontem, e magoado se queixou de que o seu previdente plano das estações civilisadoras fora recebido com indifferença pelo paiz, foi-lhe, em resposta, vibrada uma phrase de effeito. Todavia, a prudencia e a justiça estavam d'ali, e d'aqui havia apenas rhetorica.
O parlamento não é uma sala de conferencias, em que as discussões e resoluções têem pequena influencia nos destinos da nação.
O patriotismo no parlamento deve revestir as formas mais positivas e serenas, embora deva attingir a mais elevada essencia.
Felizmente, sr. presidente, os sentimentos elevados da alma humana, entre os quaes avulta o amor patrio, não são peculiares a uma classe, a um partido, a um grupo de cidadãos.
O coração humano é igual. Em qualquer parte onde pulse um coração portuguez, é justa a indignação pela affronta recebida, mais ainda, é ligitimo o proposito de vingança.
Acho generosas todas as manifestações ordeiras da grande alma popular, justa reacção contra o inaudito acto da força de uma potencia, que se dizia aluada e amiga.
Apraz-me sinceramente ver a mocidade portugueza elevar bem alto o enthusiasmo publico, embora n'um ou n'outro rasgo patriotico a paixão toque as raias da phantasia.
São nobres todas as paixões que têem por origem um sentimento verdadeiro; são legitimos os que derivam dos direitos offendidos e da justiça menoscabada.
O parlamento, porém, a reunião dos legisladores deve ser gravo e sereno; as paixões violentas não cabem, certamente, aonde devem apenas imperar o grave raciocinio e a fria resolução dos negocios publicos.
Quando a nação olha para nos e nos pede a nossa opinião decisiva, o nosso dever é pensar maduramente, discutir serenamente e, grupando-nos em volta do governo nacional, dar ao mundo uma prova de energia moral e da prudencia das nossas decisões.
A paixão, se por um lado é má conselheira, por outro esgota rapidamente a força de vontade, que é a origem de todas as resistencias serias.
Sr. presidente, esta serenidade não exclue o proposito do desforra. Como os individuos, os povos devem vingar-se dos actos injustos, de que foram victimas. A vingança, porém, deve ser serena e pertinazmente preparada.
Sr. presidente, se um esculptor de genio quizesse dar fórma á vingança, represental-a-ia com physionomia energica, serena, quasi sorridente...
É necessario que as forças vivas das paixões justas se concentrem bem no fundo da alma portugueza, para que um dia, mais cedo ou mais tarde, possamos castigar a violencia do governo inglez.
Com juizo, com prudencia, alliando-nos solidamente com os melhores elementos da nossa raça, conservaremos a nossa autonomia e a integridade nacional.
Sr. presidente, o paiz que attenda a isto e, com a enorme força da sua opinião sensata e bem dirigida, que impilla os governos timidos para medidas energicas e producentes.
A Inglaterra precisa de severa lição.
E ha de tel-a. Creia o paiz, no dia em que possamos contribuir para lhe arrancar Gibraltar, a Inglaterra terá perdido uma parte da sua grandeza.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (João Arrojo): - Tomando a palavra n'este momento, faço-o mais por consideração pessoal para com o illustre deputado que acaba de fallar, do que propriamente por obrigação do responder a s. exa.
O sr. Fuschini no seu discurso, apaixonado e erudito, como são sempre as orações de s. exa. apenas fez, quasi na sua totalidade, considerações que tivemos o maior prazer em ouvir, mas que não exigem uma resposta.
Fez o illustre deputado referencia a uma pergunta realisada hontem na camara dos dignos pares pelo sr. Barjona Freitas. Se essa pergunta não pôde, por motivos obvios, ter ali resposta por parte do meu collega dos estrangeiros, o sr. Fuschini podia prever desde logo que succederia aqui o mesmo, se porventura ella fosse repetida n'esta casa.
S. exa. tambem se alargou em varias considerações sobre um plano de allianças, que julga conveniente para o paiz de que todos nos honrâmos de ser filhos (Muitos apoiados.), e a esse proposito explanou qual a sua opinião sobre o caminho a seguir pelo governo, bordando, sobretudo, a critica completa e acabada, como todas as que s. exa. faz, do conflicto que deu origem á demissão do governo progressista.
Comprehende-se que não me pertence n'este momento analysar, nem a origem, nem a causa, nem a conclusão d'esse conflicto. Vão a quem toca, as considerações de s. exa. e por certo, nas sessões posteriores, esses que tomaram a si proprios a responsabilidade, virão á barra responder pelo seu procedimento.
Ao partido regenerador, que está no poder, competem as responsabilidades só desde o instante em que os respectivos ministros tomaram conta das suas pastas; e póde o illustre deputado ter a certeza e póde tel-a toda a camara, de que esses ministros hão de timbra em conservar sempre bem alto o nome portuguez, (Apoiados) e que nunca hão de preferir, nem por um instante, sequer, a sua conservação n'estas cadeiras, a ver, por um erro qualquer, maculada a nossa bandeira. (Apoiados.)
S. exa. conhece bem de perto os homens da regeneração; conhece não só aquelles que foram chamados aos conselhos da corôa, mas todos os que apoiam o partido representado hoje por uma minoria parlamentar, mas que porventura póde ser amanhã uma maioria.
S. exa. sabe que aquelles, a cujo lado combateu, nunca pozeram nem os seus habitos de escola, nem os seus interesses pessoaes, nem mesmo os interesses partidarios ao serviço de uma causa que, ainda no mais pequeno ponto, podesse offender os interesses vitaes do paiz. (Apoiados.)
Dito isto, sr. presidente, vou referir-me ao unico ponto que me levou a pedir a palavra; isto é, ás observações do sr. Fuschini, em referencia aos bons e compostos conservadores.
S. exa. referindo-se, aliás com muito elogio, aos ministros, disse que não podia deixar de qualifical-os do bons e compostos conservadores, accentuando que é sobretudo na pleiade dos novos no ministerio que reside essa qualidade, sendo esses portanto os que hão de timbrar em ser conservadores.
Disse s. exa. uma profundissima verdade! Conservadores, de certo, como membros, e soldados fieis do partido regenerador, mas tendo essa politica conservadora que fez tudo

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quanto ha de verdadeiramente liberal em Portugal (Apoiados) desde as reformas constitucionaes até ao alargamento do suffragio; desde a extincção de privilegios economicos ate á realisaoão do uma politica colonial que, representada nos nomes de Andrade Corvo, Pinheiro Chagas e Julio de Vilhena, manifesta um espirito largo, aberto a todas as innovações do progresso, e nunca preso a quaesquer antigualhas. (Muitos apoiados.) Sim, somos soldados d'essa conservação e regeneração ao lado da qual o illustre deputado combateu ainda ha dias, o a que se deve até a liberal reforma do municipio de Lisboa. (Apoiados.)
São assim os conservadores; são os regeneradores que vem de 1852, e que, ao menos, têem um merecimento: não são esquecidos dos actos que praticaram hontem, nem do respeito devido áquelles que nos fizeram, a nós, herdeiros do nome do nosso partido.
Não são esquecidos relativamente á attitude que hontem assumiram; e hoje, sempre regeneradores como hontem, hoje em 1890, regeneradores como eram em 1852, estarão n'este logar emquanto tiverem todas as condições de governo, não permittindo a mais pequena macula, a mais ligeira nodoa em tudo quanto respeite á honra e ao timbre do nome portuguez, o pretendendo ser os interpretes leaes, fidedignos, serenos, mas firmes e valorosos dos sentimentos do paiz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A commissão de inquerito aos negocios do caminho de ferro do Salamanca fica composta dos seguintes membros:

Antonio Eduardo Villaça.
Augusto Fuschini.
Firmino João Lopes.
Francisco de Almeida e Brito.
Francisco Felisberto Dias Costa.
Francisco José Machado.
João Candido Furtado Dantas.
José Dias Ferreira.
José Julio Rodrigues.
Luiz Emilio Vieira Lisboa.
Luiz de Mello Bandeira Coelho.

O sr. Francisco Machado: - Discursa largamente, commentando o programma, do governo, e dirigindo-lhe algumas perguntas. Fica com a palavra reservada.
(S. exa. não restituiu o discurso a tempo de ser pullicado n'este logar.)
O sr. Barbosa de Magalhães: - A gravidade e a urgencia do assumpto que desejo tratar, obrigam-me a roubar alguns minutos á camara; mas serão poucos.
Vejo com estranheza o governo, representado n'esta camara, extraordinariamente, por um membro só, e de certo o menos competente para responder ás perguntas que lhe vou dirigir e que já hontem annunciei, sobre objecto alheio á sua pasta.
Refiro-me aos gravissimos conflictos e desordens de Ovar, que deviam ter merecido ao governo, pelo menos, a considoracão de os vir communicar ao parlamento, tanto mais que sobre elles já foi aqui interrogado por mim na sessão anterior.
Eu desejo sabor que noticias tem o governo d'esses acontecimentos, quaes as providencias que tomou para os impedir e castigar, e se está sinceramente, efficazmente, disposto a manter a segurança individual e a paz publica n'aquelle importante concelho.
Aguardo a resposta do sr. ministro, e peço desde já a v. exa. que me reserve a palavra para fazer depois as considerações que essa resposta me suggerir.
O sr. Ministro da Marinha (João Arroyo): - Não me occorreu, quando respondi ao sr. Fuschini, referir-me á parte do discurso de s. exa. em que estranhou a ausencia dos meus collegas d'esta capa, o que tambem agora acaba de fazer o sr. Barbosa de Magalhães.
A arguição parece-me injusta. Não esqueçam s. exas. que o gabinete tomou conta das pastas, ha quarenta e oito loras apenas, e que o seu caminho não é de rosas e de facilidades; alem do que, todos sabem que, nos primeiros dias, os ministros o ministerios vêem-se obrigados a attender a certas necessidades do serviço publico, que se impõem pela urgencia.
Relativamente aos factos a que o sr. Barbosa de Magalhães se referiu pouco posso dizer.
O governo teve participação resumida d'esses factos: e o meu collega da respectiva pasta providenciará, firmemente decidido a manter a ordem n'aquella localidade e a fazer entrar tudo dentro do respeito á legalidade.
A villa de Ovar, que o iliustre deputado conhece perfeitamente, está em um estado anormal, o que eu deveras lamento; mas ao governo regenerador, como a outro qualquer, incumbe a obrigação de ser verdadeiramente energico e firme para tirar aquelle desgraçado concelho d'essa deploravel situação, fazendo com que a lei seja ali comprehendida e a segurança dos cidadãos garantida. (Apoiados.)
N'estes termos podo o illustre deputado ter a certeza de que encontrará no governo um firme esteio e um seguro penhor á realisação dos desejos que acabou do manifestar.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Barbosa de Magalhães: - Uso novamente da palavra para agradecer ao sr. ministro da marinha, não a sua resposta por que a não tive, mas a boa vontade que mostrou de dar-m'a. É pois que o faço, não posso tambem deixar de dizer-lhe que fui sobretudo menos justo quando affirmou que o estado da villa de Ovar é, ha muito tempo, anormal.
Creio que s. exa. se quiz referir aos acontecimentos que ali se deram ha tres ou quatro annos; mas devia lembrar-se, o acrescentar que de então para cá nunca mais a paz publica foi alterada senão agora.
O illustre ministro da marinha sendo assim preoccupadamento injusto com aquella teria laboriosa e honrada, dá-nos também a nós o direito do suppor que o governo não será tão imparcial e recto, como lhe cumpre, na acção que promotte exercer para manter ali a ordem.
Pareceu me ver nas entrelinhas do seu discurso um sentimento do vingança de factos antigos e julgados. Deus livre o governo de, que assim seja. E Deus nos a livro nós imaginar que os actuaes ministros da corôa hajam subido ao poder para serem instrumento cego de vinganças partidarias e de rancores pessoaes.
N'estas graves circumstancias em que se encontra o paiz, eu não quero levantar difficuldades ao governo e muito menos em questões de ordem publica; limito me por isso a pedir-lhe que de fórma alguma inspire os seus actos em sentimentos de revindicta ou de vingança, e que muitos menos ainda tente justificar assim os graves altentados que ali se estão praticando contra a liberdade e a vida dos cidadãos.
Devo sinceramente declaral-o: se poço energia e severidade na manutenção da ordem publica em Ovar, é mais no interesse dos amigos do governo, do que no dos meus proprios amigos.
A estas horas alguns dos meus amigos politicos, e entre elles um dos cavalheiros mais respeitaveis e bemquistos da terra, estão ali nas vascas da agonia; victimas de um infamissimo attentado, que nos annaes da atrocidade cobarde não tem igual; mas tenho tambem a infeliz certeza de que a esta hora muitos dos meus adversarios politicos estão em risco de soffrer represalias crueis, e é mais em defeza d'elles, da sua propria segurança individual, que eu faço este pedido, porque os progressistas de Ovar têem por si a força do numero e portanto o direito da força que, n'um momento de justificada desesperação, podem

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querer exercer. Peço, por consequencia, ao governo que no seu proprio interesse mantenha a ordem publica n'aquella villa.
De lá me dizem em cartas e telegrammas, que não leio agora para não cansar a camara, que se o governo não mantiver a ordem, elles a manterão pela sua propria força e auctoridade particular, que a têem bastante; ora é isso o que eu não desejo; é isso que eu pretendo evitar. Peço ao governo que, animado do verdadeiro espirito de imparcialidade e rectidão, que deve sempre presidir aos actos dos que se sentam nos conselhos da corôa, por fórma alguma tente favorecer os seus amigos politicos, n'isso que o sr. ministro da marinha pareceu dizer que era apenas uma questão de vingança.
Seria vingança, mas é injusta e má, e não a auxilie o governo; colloque a paz e a segurança publica acima de todas as considerações partidarias; faça justiça direita; exerça severidade igual; esqueça os aggravos politicos que soffreu, para se lembrar sómente de que não tem nas suas mãos o bastão da auctoridade para o converter em instrumento de revindictas pessoaes, nem lhe foram confiadas as rédeas do poder para com ellas fustigar as garantias individuaes e as liberdades publicas.
O sr. Ministro da Marinha (João Arrojo): - Desejo simplesmente acrescentar algumas palavras ás considerações que ha pouco fiz em resposta ao illustre deputado.
Não houve no que eu disse, entrelinhas, duvidas ou hesitações, e muito menos qualquer pensamento de vingança ou revindicta. (Apoiados.) A minha declaração foi franca e formal.
Fiz apenas uma referencia a acontecimentos que eram conhecidos de todos, a actos de barbaridade, cuja analyse n'este momento não quero nem preciso fazer, praticados ha dois ou tres annos, seguindo-se um estado de illegalidade e de anormalidade lamentavel, como por varias vezes foi revelado n'esta casa por differentes srs. deputados. (Apoiados.)
O sr. Barbosa de Magalhães, menos justo nas suas apreciações, parece receiar que o governo, nos actos que tenha de praticar relativamente ao estado de Ovar, se deixe guiar por qualquer espirito de parcialidade em favor dos seus correligionarios politicos.
Peço licença para observar que o illustre deputado, depois de ter dito ao governo que não quizesse desculpar os abusos e desordens agora occorridas em Ovar, como actos de vinganças, a pouco trecho desmentia por completo as suas palavras, quando dizia que do lado dos seus amigos é que estava a força e o direito de usar d'ella. Evidentemente, se a força está do lado dos seus amigos, s. exa. deve ter a certeza de que não é do nosso que póde partir a provocação. (Apoiados.)
Dito isto, termino assegumndo de novo a s. exa. que o governo procederá no uso mais imparcial, mais digno e mais firme dos meios de que póde dispor para restabelecer a ordem publica em Ovar. N'este intuito praticará unica e simplesmente o que for conforme as regras da legalidade e de justiça. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a eleição de commissões, começando-se pela de resposta ao discurso da corôa.

Está fechada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

O redactor = S. Rego.

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