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CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

11.* SESSÃO

EM 20 DE JANEIRO DE 1904

SUMMARIO. — Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, que consta de dois officios do Ministério do Reino, acompanhando documentos requeridos pelo Sr. António Cabral; e um outro da Junta do Credito Publico, remettondo o relatório e contas da gerência do anno económico de 1902-1903. — O Sr. Lima Duque refere-se ás condições hygienicas do Real Collegio Militar, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto). — O Sr. Egas Moniz trata das remissões do serviço militar, e pede esclarecimentos acerca da restituição do preço da remissão nos diversos casos que aponta. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra.— O Sr. Lourenço Cayolla chama a attençào do Governo para a noticia inserta no Heraldo, de Madrid, acerca de um delegado do Governo Brasileiro, que constava ir negociar um tratado de commercio com a Hcspanha. Responde-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa). •— O Sr. Francisco Jnsé Patrício aguarda a preeença do Sr. Ministro do Reino para tratar do estado em que se encontram os edifícios escolares do paiz, e o Sr. André de Freitas-pede que lhe seja reservada a palavra para quando estiver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas. — Enviam requerimentos para a mesa os Srs. D. Luiz de Castro e Francisco José Machado, que fundamenta a urgência dos documentos que pede. e faz largas considerações a que responde o Sr. Ministro da Fazenda.— O Sr. Sousa Tavares declara que lançou na caixa das petições um requerimento de Francisco de Paula Parreira.

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DIAEIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidência do Ex,mo Sr, Matas Teixeira de Azevedo

Secretários—os Ex.mos Srs.

Amandlo Eduardo da Motta Veiga José Coelho da Motta Progo

Primeira chamada — As 2 */i horas da tarde. Presentes — 7 Srs. Deputados. Segunda cJiamada — As 2 */a horas. Presentes — 53 Srs. Deputados.

São os seguintes: — Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira Branaão, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo César Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho. Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Álvaro de Sousa Rego, António Alberto Charula Pessanha, António de Almeida Dias, António Augusto de Mendonça David, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, António José Lopes Navarro, António Rodrigues Ribeiro, António Sérgio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Ce.sar Claro da Ricca, Augusto César da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Conde de Castro e Solla, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa e Ornellas, Francisco José Machado, Francisco José Patrício, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João de Sousa Tavares, Joaquim António de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, Júlio Augusto Petra Vianna, Júlio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Grama Lobo Cayolla, Luciano António Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Marianno José da Silva Prezado, Mário Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira e Visconde de Mangualde.

Entraram durante a sessão os Srs.: — Affonso Xavier Lopes Vieira, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alipio Albano Camello, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, António Belard da Fonseca, António Cente-Eduardo Villaça, António Ferreira Cabral

no, António

Paes do Amaral, António Maria de Carvalho de Almeida Serra, António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, António Rodrigues Nogueira, António de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto José da Cunha, Carlos Marianno de Carvalho, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Restello, Custodio Miguel de Borja, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araújo de Magalhães Barros, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Nicolau Raposo Botelho, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Áffonso de Espregueira, Manuel António Moreira Júnior, Manuel Homem de Mello da Gamara, Marquez de Reriz, Ovídio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

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SESSÃO N.° 11 DE 20 DE JANEIRO DE 1904

ABERTURA DA SESSÃO—As 3 horas da tarde

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do Ministério do Reino, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado António Ferreira Cabral Paes do Amaral, acompanhando copia da correspondência dirigida em maio ultimo á Direcção Geral de Instrucção Publica pelo Reverendíssimo Bispo de Angra do Heroísmo, sobre o arrendamento da casa em que esteve installado o Paço Episcopal.

Para a Secretaria.

2.° Do mesmo Ministério, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado António Ferreira Cabral Paes do Amaral, declarando não ter sido arrendada pelo Governo a casa na Calçada do Combro, n.° 127.

Para a secretaria.

o.° Da Junta do.Credito Publico, enviando o relatório e contas da gerência do anno económico de 1902-1903 e do exercício de 1901-1902 e juntamente 180 exemplares do mesmo relatório.

Mandaram-se distribuir.

O Sr. Lima Duque: — Sr. Presidente: visto estar presente o nobre Ministro da Guerra, vou dirigir a S. Ex.a algumas perguntas acerca de um assumpto que reputo da maior gravidade, e ás quaes espero que S. Ex.a responda com toda a clareza. Refiro-me ás condições hygienicas de um importantíssimo estabelecimento de instrucção — o Collegio Militar— que respeitam á saúde e á vida de centenares de creanças, futuros oínciaes do nosso exercito.

Todos sabem que antes das ferias do Natal se deram, n'aquelle estabelecimento, alguus casos de doença, que foram classificados de febre typhoide.

Terminadas as ferias, reabriu-se o collegio e internaram-se de novo os alumnos, sem que houvesse qualquer affirmativa official, qualquer documento authentico que restabelecesse a confiança na situação sanitária do estabelecimento a que me refiro e, portanto, levasse a tran-quillidade ao seio das famílias dos alumnos.

É, pois, indispensável que o nobre Ministro da Guerra, a quem estão confiados superiormente os interesses do exercito,- diga ao paiz o que ha a este respeito. E preciso* que se saiba como ó que S. Ex.a zelou os créditos d'aquelle estabelecimento de ensino, como é que S. Ex.a procurou salvaguardar ou effectivamente salvaguardou a saúde dos alumnos e, consequentemente, o bom nome do collegio. Por isso pergunto a S. Ex.a:

Foram analysadas as aguas que abastecem o Collegio Militar ?

Fez-se uma rigorosa inspecção á canalisação dos esgotos?

Estudaram-se todas as condic3.es sanitárias do meio interno e externo do Collegio Militar? Inquiriu-se das causas das febres? E, por ultimo, removeram-se essas causas de modo a preservar a saúde da população escolar?

Aguardo as respostas do Sr. Ministro da .Guerra, e de claro desde já a S; Ex." quê, se ellas não forem, como ó mister que sejam,, categóricas, verdadeiramente elucidativas, e sobretudo documentadas, eu voltarei ao assumpto, e tratal-o-hei então com toda a energia e largueza, que

reclama um caso de tal magnitude para o bom nome do Collegio Militar.
(~0 orador não reviu).
O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): — 3r. Presidente: o illustre Deputado a quem vou ter a lonra de responder, o Sr. Lima Duque, quiz ter a amabilidade de me prevenir de que versaria hoje na Camará ste assumpto.
Folgo com o facto de S. Ex.a me haver dirigido as suas perguntas. O assumpto não é político; e acerca d'elle eu tenho a mesma opinião que o illnstre Deputado, opinião em que de certo me acompanha a Camará toda, (Apoiados), pois é um assumpto que interessa á saúde e á vida de futuros officiaes do nosso exercito (Apoiados); e portanto folgo que o illustre Deputado formulasse as perguntas que fez, habilitando-me assim a responder de modo a tranquillisar não só a Camará (Apoiados), mas também as famílias dos alumnos do Collegio Militar, que, naturalmente, estão sobresaltadas pelos boatos propalados nos últimos tempos. (Apoiados}.
Prevenido pelo illustre Deputado, como já disse, de que S. Ex." desejava tratar d'este assumpto, trago commigo os documentos precisos para o poder esclarecer de modo a satisfazei-o.
No Collegio Militar terminaram as ferias no dia 4 de novembro; mas, para se poder proceder ás limpezas indispensáveis, a entrada geral só se realisou no dia 5.
N'esse dia apenas deixaram de entrar oito alumnos, os n.os 11, 20, 36, 45, 66, 137, 1ÕG e 236.
D'esses, cinco justificaram as suas faltas por doenças ligeiras, conforme os attestados passados por collegas do ilkistre Deputado.
Aos três restantes vou referir-me em especial. São elles os n.os 156, 137 e 36. Os dois primeiros tiveram realmente febres de mau caracter; sendo a do ultimo, o aluam» n.° 36, classificada de typhoide.
A verdade, porém, é que os alumnos n.08 156 e 137 gozaram as ferias, não as do Natal, mas as chamadas «fé-rins grandes», n'uma povoação próxima de Lisboa, onde havia febres de mau caracter.
Este facto leva a crer que esses alumnos adquiriram as febres não no collegio, mas nas poroaçSes onde passaram as ferias, e que entraram no collegio já com ellas.
O mearao succedeu com o alumno n.3 36, José de Beires, que foi tratado no collegio, roconhecendo-se que effectivamente tinha febre typhoide, e que gozou as ferias grandes em uma povoação próxima do Porto, onde é endémica aquella doença.
Parece, portanto, que as causas das doenças que tiveram os alumnos são estranhas ao collegio. (Apoiados}.
No entanto, como a imprensa periódica se referia ás febres de mau caracter que grassavam no Collegio Mi-lilar, mandei chamar o director d'aquelle estabelecimento, para que clle me informasse acerca dos boatos propalados.

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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Irnmediataniente mandei ao collegio um commissão composta dos Drs. Carlos Moniz Tavares, Camolino e Brito.

Tenho pena de'não poder ler todo o relatório d'esta commissSo. Se o lesse, cansaria de certo a attenção da Camará.

Entretanto ponho-o á disposição do Sr. Lima Duque e de todos os Srs. Deputados que o queiram consultar.

Vou ler, comtudo, alguns períodos que marquei, para elucidação da Gamara.

Depois de notar a maneira como foi recebida, diz esta commissão:

«Em tudo se observava a máxima limpeza, bom arranjo e satisfeitas, o melhor possível, as disposições hygienicas e commodidades convenientes.

«A casa de banhos permitte, pela sua bem estudada organização interior, o poder dar-se ao mesmo tempo um grande numero de banhos de aspersão e de immersão frios ou quentes.

«Os dormitórios são casas amplas, convenientemente il-luminadas, com meios de ventilação os melhor adoptados, e nos quacs as camas se encontram devidamente separadas tendo de permeio, mesas de cabeceira de construcção especial, etc.»

Diz depois o que eu já referi a respeito dos dois alum-nos que gozaram as ferias grandes n'uma povoação próxima de Lisboa e do alumno que as gozou n'uma povoação próxima do Porto, acrescentando:

«Não podemos, portanto, excluir a possibilidade de terem já sido transportados por estes alumnos, na sua entrada no collegio, os germens das doenças que posteriormente se lhes manifestaram. Tanto mais que ao passar por um dos dormitórios foram-nos mandados apresentar os doze alumnos que permaneceram no collegio durante todo o tempo das ferias, os quaes encontrámos de perfeita saúde e na melhor disposição a todos os respeitos».

Em seguida refere-se ás condições hygienicas de Car-nide, que não são boas; e por ultimo diz:

«É nossa convicção que a febre typhoide e outras affec-ções infecciosas que se manifestaram no Real Collegio Mi--litar foram originadas por causas estranhas ao estabelecimento, devendo fazer-se sobresair o enlevo que em nós produziu o excellente estado em que se encontra todo o collegio, onde se observa o mais rigoroso asseio e se acham estudadas as melhores condições hygienicas que ao edifício podiam ser applicadas, sob todos os pontos de vista, e a muita competência e solicitude em contínuos cuidados prodigalisados a todo o pessoal, para o mais completo bem-estar de todos os alumnos».

Já vê o illustre Deputado que a opiniSo dos médicos que foram examinar as condições hygienicas do collegio é, quanto possível, favorável áquellas condições e ás providencias que foram tomadas.

Devo dizer, quanto ao cano de esgoto que passa por debaixo de um dormitório, que, antes de me ter sido entregue o relatório, o Sr. Moraes Sarmento, director do collegio, me havia prevenido de que, na opinião dos médicos, convinha que fosse mudada a directriz d'aquelle cano; e, por minha parte, eu auctorisei verbalmente S. Ex.a a proceder com a maior brevidade a essa obra, a qual já se está fazendo, como medida preventiva para o caso possível de uma outra epidemia. (Muitos apoiados).

Auctorizei, portanto, o director geral a mandar fazer o estudo da canalisação, o qual me seria entregue com a possível brevidade. -

Também S. Ex.a se referiu á captação das aguas para se proceder a uma analyse.

Tenho presente o relatório do Instituto Bacteriológico Camará Pestana, onde se fez já a analyse.

No Collegio Militar ha dois depósitos: um com agua da companhia e outro com agua da cisterna.

A cisterna tem o seu deposito e encanamento especial para a casa de banhos, para a arrecadação, para estes serviços, eintim, exclusivamente de limpeza.
Do deposito de agua da companhia é que são abastecidos, por canalisação especial, a cozinha, os dormitórios, etc.
Ora o relatório diz que as aguas são puras e que comparadas com as que são fornecidas pelos reservatórios das Amoreiras e dos Barbadiahos são muito superiores áquellas e talvez um pouco inferiores á dos Barbadinhos, o que não admira, porque esta agua foi tomada na nascente, emquanto que a do collegio foi tomada nas próprias torneiras d'este edifício, já depois de ter seguido um certo percurso.
Creio, Sr. Presidente, ter assim respondido ao illustre Deputado, Sr. Lima Duque, de modo a satisfazer o seu desejo, que era de que não fossem verdadeiras as affir-mações que se faziam a respeito da salubridade do Collegio Militar; e creio que, com todos os documentos que acabo de apresentar, fica absolutamente demonstrado que aquelle collegio é um dos estabelecimentos de educação mais salubres que nós temos.
Creio também ter assim respondido a todas as perguntas do illustre Deputado. (Muitos e repetidos apoiados — Vozes:—Muito bem, muito bem).
(O orador não reviu).
O Sr. Lima Duque: — Agradeço a resposta do Sr. Ministro da Guerra.
O S. Egas Moniz:— Sr. Presidente : vou também chamar a attenção do Sr. Ministro da Guerra para um assumpto que julgo muito importante, porque representa, a meu ver, uma iniquidade que urge remediar.
Vou expor a questão rapidamente á Gamara e ao Sr. Ministro da Guerra, esperando que S. Ex.a dê as providencias que são de justiça a este respeito.
Pelo artigo n.° 153.° do regulamento de 24 de dezembro de 1901 [preceitua-se que as remissões do serviço militar podem effectuar-se antes ou depois do alistamento no activo; e pelo § 5.° do artigo 154.° dispõe-se que os remidos que tenham sido chamados como supplentes ao serviço activo, e que foram desobrigados cTeste serviço por ficar excedido com o seu numero o respectivo contingente, ou que foram indevidamente classificados refractários, poderão requerer, dentro do prazo de dois annos, contado da data em que se verificou o facto que os desobrigou d'aquelle serviço, ou da decisão que levantou a nota de refractário, que lhe seja restituído o preço da remissão, ou a diffe-rença de 150$000 réis ou 50$000 réis. Passado aquelle prazo não terão direito a restituição alguma.
Succede, porém, Sr. Presidente, que ha mancebos que, estando ausentes na occasião da inspecção, são remidos pelos pães ou aquelles que os representam; e succede que muitos d'esse8 mancebos, obtendo depois pelo sorteio um numero alto, ficam isentos do serviço activo, e mais tarde vêem requerer a restituição da quantia dada como caução do livramento do sorteio, mas nunca lhe é restituída.
Se eu não encontrasse n'este regulamento o que está disposto no § õ.° do artigo 154.° diria que n'elle havia o intuito de defraudar os indivíduos que se remiam; mas desde que eu vejo uma disposição como esta parecia-me de equidade e de justiça que fosse concedida a restituição.
Succede mais que mancebos fallecidos depois da remissão, mas antes de lhes pertencer o alistamento, os pães não obteem deferimento aos requerimentos em que pedem a restituição do preço da remissão.

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SESSÃO N.° U DE 20 DE JANEIKO DE 1904

tela e justo é que aquelles que se vêem lesados nos seus interesses venham reclamar ao Sr. Ministro da Guerra e que sejam attendidos como é de justiça. (Apoiados).

Succede, além d'isto, que esta iniquidade recae geralmente sobre um certo numero de indivíduos que representam, inquestionavelmente, a população pobre do paiz; são aquelles que trabalham, que vão a terras estranhas buscar os meios de subsistência para poderem viver e angariar bens de fortuna. (Apoiados).

Sr. Presidente, é o que eu tinha a dizer e espero que o Sr. Ministro da Guerra dê as providencias necessárias, porque se me afigura que esta é uma reclamação justíssima. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): — Sr. Presidente: o illustre Deputado o Sr. Egas Moniz veiu referir se a uma disposição da lei do recrutamento que diz respeito a remissões e á restituição do preço das mesmas, no caso dos mancebos não serem obrigados ao serviço activo.

Sr. Presidente: na legislação anterior — e a vigente é da responsabilidade da Camará actual, que a votou — estabelecia-se que o mancebo que tivesse completado, já, 14 annos de idade e que quizesse sair do paiz prestasse uma caução de 250^000 réis, caução que era restituída em determinadas circumstancias, uma das quaes ó aquella a que se refere o illustre Deputado.

Na legislação vigente, porém, estabelece-se a restituição apenas em 3 casos taxativamente indicados na lei: o 1.° quando se prove que o mancebo está indevidamente alistado no exercito; o 2.° quando, tendo sido chamado o sup-plente, se apresenta depois o refractário; o 3.° quando o refractário assim classificado prova que não lhe cabe tal classificação. N'este caso recebe a differença entre a remissão de refractário e a que lhe cabe.

Taes são os três casos em que a lei peraitte a restituição do preço da remissão.

O illustre Deputado referiu-se a dois casos especwes: o do mancebo que sahindo para paiz estrangeiro é remido e depois lhe nSo pertence o serviço activo do exercito, e o do- mancebo que morre depois da remissão e antes de lhe pertencer o alistamento.

Conhecia já ambas as hypotheses e resolvi-as sempre do modo contrario aos desejos do illustre Deputado, porque, se a lei anterior foi alterada n'essa parte, algumas razões houve que aconselharam essa modificação.

Em primeiro logar diminuiu-se consideravelmente o preço das remissões; em segundo logar estabeleceu-se não uma caução, mas uma antecipação de remissão, o que é differente.

D'antes estabelecia-se na lei que quem queria sahir do paiz estando sujeito ao serviço do exercito dava 250)5000 réis como caução para a sua saída; hoje a lei barateou essas remissões, mas tirou-lhe o caracter de caução: entrega 100^000 réis e não pensa mais em tal.

O mancebo que sae de Portugal não precisa pensar mais na questão do recrutamento, nem pôde ser classificado refractário, como d'antes acontecia.

Segundo a legislação anterior, o mancebo que saia de Portugal se não se apresentava a cumprir a lei do recrutamento, sujeitava-se ás penalidades da lei. Depois modificou-se a lei no sentido de favorecer os mancelbos e de os livrar dos trabalhos e processos difficeis a que eram obrigados.

Pela legislação anterior, um mancebo para sair de Portugal tinha de fazer um deposito na Caixa Geral de De positos e trinta mil diíficuldades!... Hoje não; é mais fácil: quem quer sair redime-se pagando antecipadamente o preço da remissão.

O Sr. Egas Moniz:—Isso não me parece justo!. ..
O Orador: — Pôde ser; mas está nas attribuições da Camará fazer a alteração: a questão é de equidade, e não questão de legalidade. (Apoiados). Se a Camará é d'essa opinião, o illustre Deputado pôde propor a respectiva modificação. (Apoiados).
O Sr. Egas Moniz: — Se V. Ex.a considera injusta essa disposição, pôde harmonisar a lei com a justiça.
O Orador:—Não posso; quem pôde é o Parlamento, não sou eu. (Muitos apoiados).
O Sr. Egas Moniz: — Muito bem. Eu apoio e toda a Gamara. É uma questão de justiça.
O Orador: — Se V. Ex." tem essa opinião, eu tenho a contraria e ó natural que V. Ex.a a apresente. (Apoiados).
Em relação áquelles mancebos que foram para paiz estrangeiro, que a família remiu ou se mandaram aqui remir e depois voltaram, esses remiram-se exactamente para não soffrerem a penalidade. (Muitos apoiados — Vozes: — Muito bem).
(O orador não reviu).
O Sr. F. J. Patrioio:—Desejava referir-me ao estado em que se encontram no paiz as escolas. Muitos d'estes estabelecimentos são, não só prejudiciaes ao ensino, como um mau exemplo.
Como não está presente o Sr. Ministro do Reino reservo-me para tratar d'este assumpto em outra occasião.
O Sr. Loiirenço Cayolla: — Li hontem em um jornal hespanhol uma noticia que me causou profunda impressão. Refiro-me ao Heraldo de Madrid, que diz achar-se em Madrid um delegado do Governo Brasileiro para negociar um tratado de commercio.
Já depois de ter chegado á Camará soube que alguns jornaes tratam do acontecimento.
O assumpto, como V. Ex.a vê, é do maior melindre e delicadeza; portanto não me atrevo a fazer perguntas ao Governo, e muito menos a censural-o de qualquer responsabilidade por não ter ainda Portugal celebrado um tratado de commercio com o Brasil.
Limitei-me a ler á Gamara essa noticia, pela gravidade que contém para os interesses do nosso paiz, como nação vinícola, a fim de que o Governo possa ter conhecimento do facto, e acautelar os nossos interesses, se ainda for tempo.
(O orador nào reviu).
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Pedi a palavra para dizer ao illustre Deputado Sr. Cayolla que communicarei ao meu collega dos Negócios Estrangeiros o que o illustre Deputado acaba de referir.
Ê certo que esse assumpto é muito grave, e, portanto, não pôde escapar á attenção do Sr. Ministro dos Estrangeiros, que tratará d'elle.
Embora eu pudesse dar á Camará qualquer esclarecimento, não desejava antecipar-me ás opiniões do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Por isso não tenho outra cousa mais a fazer do que communicar a S. Ex.a as considerações feitas pelo Sr. Deputado Cayolla.
(O orador não reviu).

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DIAKIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Francisco Machado; —Começa por mandar ' para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Fazenda e Junta do Credito Publico, me seja enviada com toda a urgência nota da quantidade de títulos, tanto internos como externos, que o Governo tem emittido desde 30 de julho de 1900 até 31 de dezembro de 1903, indicando por semestre qual a quantidade de titulos emittidos, assim como a quantidade de titulos que foi vendida e a que está a caucionar empréstimos. — F. J. Machado,

Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros, me seja enviada nota de todo o pessoal que compõe as duas embaixadas ultimamente criadas de Pekin e Tokio, assim como todo o vencimento, gratificações, ajudas de custo, auxilio para renda de _casas, expediente e quaesquer outros que estes funccionarios recebam e o cofre ou cofres por onde são pagos. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros, me seja enviada nota do numero de officiaes que estão ao serviço d'aquelle Ministério para a delimitação das nossas fronteiras com a nossa vizinha Hespanha, assim como a despesa que se faz com estes officiaes e a verba por onde sào pagas. Desejo também saber a época em que estes officiaes foram servir n'aquelle Ministério. =F. J. Machado.

Para poder apreciar com justeza quanto é arrancado ao pobre contribuinte,, requeiro que, pelo Ministério do Reino, me seja enviada nota da receita de todas as camarás mu-nicipaes do paiz e juntas de parochia, especificando a que resulta das contribuições lançadas e cobradas por essas corporações administrativas. = F. J. Machado,

Requeiro que, pelo Ministério do Reino, seja pedido á Camará Municipal e Administração do concelho de Óbidos, para me ser enviado com a maior urgência:

1.° Nota das execuções promovidas pela mesma camará para a cobrança coerciva da contribuição que ella chama municipal directa de viação. Imposto de prestação de trabalho, na linguagem do artigo 72.° do Código Administrativo.

2.° Nota dos nomes dos indivíduos executados, por fre-guezias.

3." Designação do serviço a, prestar e local onde esse serviço devia ser executado.

4.° Nota das quantias arbitradas para a remissão dos mesmos serviços.

õ.° Nota do anno a que dizem respeito.

6.° Nota das custas e sellos até á citação inclusive.

7.° Nota dos nomes dos que pagaram depois de visados com a designação das quantias pagas, distinguindo o importe das custas e sellos até á citação.

8.° Nota do numero dos contribuintes que embargaram a execução.

9.° Nota das quantias arbitradas para a caução de cada um dos embargos, indicando a quantia executada em cada processo de embargos.

10.° Nota do numero das penhoras effectuadas e nomes dos penhorados que pagaram depois da penhora, distinguindo o importe das custas e sellos de cada processo, tudo isto referido aos annos de 1900, 1901, 1902 e 1903.== A7. J. Machado.

Tem grande urgência na remessa d'estes documentos, principalmente do que se refere a Óbidos, porque deseja tratar largamente o assumpto.

Diz o Código Administrativo que o imposto de prestação do trabalho não pôde ser exigido senão no anno em

que foi lançado, e que não pôde ser cobrado a dinheiro, a não ser que o collectado se recuse a ir prestar esse trabalho no ponto que lhe destinaram e que nunca poderá ser a uma distancia superior a 6 kilometros.
Succede porém que, com offensa d'esta disposição, estão-se exigindo contribuições oito annos depois do seu lançamento e a dinheiro, mandando-se executar aquelles que se recusam ao seu pagamento.
Recorda que por um caso idêntico houve, ha annos, um levantamento na Lourinhã, tendo o Governo de mandar para ali muita tropa para o reprimir.
Elle, orador, tem em seu poder uma contra-fó em que um indivíduo é avisado de que lhe vão pôr uma propriedade em praça por falta do pagamento de 200 réis! Esse indivíduo foi á camará para pagar a contribuição; ali disseram-lhe que o conhecimento estava na junta de parochia; mas não era assim; quem o tem é um indivíduo que_ os cobra e processa conforme lhe parece.
É para tratar d'este assumpto com largueza que pretende os documentos que pediu.
Deseja agora referir-se a outro assumpto — o da nova área da circumvallaçào de Lisboa.
No entender d'elle, orador, o Sr. Ministro da Fazenda não pôde manter aquella medida, que ó uma verdadeira extorsão. Ê uma medida verdadeiramente arbitraria; e se não fôr este Governo que a derogue, o que lhe sncceder com certeza a não deixará subsistir, mesmo porque, além de revoltantemente injusta, é inexequível.
Alem d'isto, como já foi dito e ninguém o ignora, ella não dará proveito algum para o Thesouro ; mas ainda que desse, o actual Governo é que não tinha auctoridade moral para a decretar, porque quem malbarata os dinheiros públicos, como os Srs. Ministros estão fazendo, não tem direito a pedir sacriâcios ao contribuinte.
O partido progressista declarou que estava ao lado do Governo nas questões de ordem publica. Não contraria pela sua parte esta declaração; mas para que ella se mantenha entende que é indispensável que o Governo não provoque a desordem.
Em Valência os povos estão amotinados por causa do imposto do consumo; e elle, orador, aconselha os povos da área annexada a que, se dentro da ordem não conseguirem nada, procedam como os de Valência, na certeza de que assim hão de dar-lhes razão.
O orador lê o que se tem passado em Valência para que a Gamara veja como o povo ali se sabe impor.
Como quer o Governo comparar a nova área annexada com Lisboa, onde ha S. Carlos, eléctricos, illuminaçâo e enrfírn todas as commodidades? Ainda se pudesse allegar que d'ahi vinha beneficio para o Thesouro! Mas não; o que o Sr. Ministro da Fa/enda disse foi que tinha decretado essa medida por causa do decrescimento do imposto do consumo, o que não é exacto, porque no imposto do consumo não se encontra decrescimento, antes pelo contrario. Esse imposto em 1901 rendeu 2.140:000^000 réis, e em 1902, 2.399:000$000 réis, o que representa um aug-mento importante.
O rendimento do imposto na nova área está calculado em 118:000^1000 réis e a despesa, segundo uns, em réis 131:000^000 e, segundo outros, em 150:000(5000 réis, de maneira que na primeira hypothese ha um 'desfalque para o Thesouro de 13:000^000 réis, e na segunda de réis 53:000($000. Qual foi portanto o fim com que se decretou essa medida?
Unicamente para servir os amigos, que é no que este Governo pensa.

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SESSÃO N.° 11 DE 20 DE JANEIRO DE 1904

despesa com aquelle observatório apparece agora augmen-tada em mais de 2:000^000 réis!

Os contribuintes é que hão de pagar para isto? Não pode ser.

O regulamento, ha dias publicado, para o hospital das Caldas da Rainha é um outro escândalo, que só tem em mira servir os amigos do Sr. Presidente do Conselho. E como este, muitos outros que levaria longo tempo a enumerar l

É por isso que no orçamento se nota um augmento de 5.000:0003000 réis.

Elle, orador, foi ha dias percorrer a nova área anne-xada para bem apreciar a medida do Sr. Ministro da Fa zenda, e o que ali viu mostrou-lhe bem quanto a medida de S. Ex.a é desarrazoada e insubsistente.

A nova linha está completamente aberta ao contrabando. Imagine-se que tendo saído de um arco em Xabregas entrou no largo da Samaritana, que é fora das barreiras; mas depois passou pelo Arco da Marqueza de Niza, que é dentro das barreiras. De modo que tão depressa se está dentro, como fora das barreiras!

Em Xabregas, que fica dentro das barreiras, ha uma fabrica de tecidos; mas as operarias que ali trabalham vivem um pouco mais distante, já fora de barreiras, de maneira que podem á vontade passar contrabando, a não ser que ponham ali ura batalhão de apalpadeiras.

Mais ainda; os indivíduos que vivem dentro das barreiras teem de ir buscar agua ao chafariz, único que ali existe, e que já fica fora das barreiras.

Esta simples amostra demonstra bem o impensado da medida adoptada.

Se querem alargar a área da cidade, alarguem-na para os lados do Estoril e Cascaes, onde ha boas vivendas, ricos chalets, para onde os ricos costumam ir veranear, e não para ali, que só traz encargos para o Thesouro e vê xames para os contribuintes.

O que deve fazer o Governo é abandonar o poder o mais depressa possível; prestará com isso um grande serviço ao paiz e até ao seu partido.

Muito mais tinha ainda a dizer, mas termina para deixar tempo ao Sr. Ministro da Fazenda para lhe responder.

(O discurso será publicado na integra quando S. E

Os requerimentos mandaram-se expedir.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Fazenda, mas previno S. Ex.a de que só dispSe de três minutos para falar.

O Sr. Ministro da Fazenda: — V. Ex.a comprehende que eu não posso evidentemente responder, nos três minutos que o Sr. Machado me deixou, a todas as considerações feitas por S. Ex.a

Vozes: — Fale, fale.

O Orador:—Ha um ponto que eu muito desejo que fique completamente esclarecido. Já por duas vezes o illustre Deputado disse que eu foi menos exacto quando affirmei á Camará, outro dia, que tinha dado cumprimento á lei, que não é da minha responsabilidade, por notar a diminuição do imposto de consumo. O illustre Deputado veiu contestar a minha afiirmação, lendo uma nota, uns mappas que acompanham o meu relatório, e disse, citando os meus proprjos algarismos, que a minha afirmação não era exacta.

Ora S. Éx.a comparou os algarismos que se referem ao imposto do consumo em 1901 com os de 1902, e disse que n'este ultimo anno esse imposto tinha aumentado. E que S. Ex.a, decerto de boa fé, esqueceu-lhe fazer uma correcção. Em 1901, como S. Ex.a deve estar lembrado, publicou-se um decreto que permittia a entrada do vinho

era Lisboa com a reducção de 50 por cento no imposto do consumo, e se V. Ex.a recorrer ao respectivo boletim encontrará que então se despacharam 14.173:704 kilogram-mas de vinho, pagando apenas 50 por cento do direito, ou 240:000^000 rei?, o que quer dizer que houve uma diminuição de receita para obtemperar ao pedido que tinha sido feito, no que diz respeito á crise vinícola. Diminuiu portanto a receita 240:000^000 réis. S.e não fosse isto, o imposto do consumo em 1901 teria por consequência produzido mais 240:000^000 réis.
O Sr. Francisco Machado: —V. Ex.a está argumentando falsamente. Se não fosse essa diminuição do imposto entrava tanto vinho?
O Orador:—Ouvi o illustre Deputado com a attencão que lhe era devida e desejo que S. Ex.a me ouça também com a mesma attencão.
Em 1903 o imposto de consumo desceu.
O Sr. Francisco Machado: — V. Ex.a dá-me licença? . .
Eu.não .previa que S. Ex." fosse escangalhar a guarda fiscal.
O Orador: — O illustre Deputado pode encontrar a causa para explicar o facto, mas o que é certo ó que o facto se deu.
O illustre Deputado tem aqui o mappa á sua disposição, por cuja authenticidade respondo, e verá que até novembro o imposto de consumo desceu e só em dezembro é que elle augmentou.
Algumas observações mais teria a fazer, mas como deu a hora de se passar á ordem do dia termino por aqui as minhas considerações.
Tenho dito. (Vozes: — Muito bem).
(O orador não reviu).
O Sr. Presidente: —Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazel-o.
O Sr. D. Luiz de Castro:—Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Roqueiro que, pelo Ministério da Marinha e Ultramar, me sejam remettidos, com urguencia, os relatórios enviados pelo agrónomo do districto de Benguella, Sr. Carlos de Mello Giraldes. = O Deputado, D. Luiz de Castro,
Mandou-se expedir.
O Sr. Sousa Tavares : —Mando para a mesa a seguinte :
Participação
Tenho a honra de participar a V. Ex.a e á Camará que deitei na caixa das petições um requerimento do tenente coronel do quadro de reserva Francisco de Paula Parreira, pedindo melhoria de situação. = O Deputado, Sousa Tavares.
Para a acta.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n-° 3 (auctorisação para reformar os contratos com o Banco de Portugal, segundo as bases que do mesmo projecto fazem parte).
O Sr. Presidente : — Tem a palavra o Sr. Rodrigues Nogueira.

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DIÁRIO DA GAMARA DOS

ao fim que tinha em vista a proposta, isto ó, melhorar a situação cambial, nem empregava os meios que me pareciam mais conducentes para chegar a esse fim.

A primeira d'estas affirmações imp3e-se, porque é evidente que á melhoria de situação económica do paiz não corresponde a inevitável e absolutamente necessária melhoria da sua situação financeira.

Tenho dito, e repito agora, que este Governo pelo seu passado e pelos seus precedentes faz prever que é incom-petentissimo para melhorar a nossa situação financeira. (Apoiados da esquerda).

Disse eu mais que, mesmo que o projecto pudesse, em alguma cousa, melhorar a situação cambial, os meios propostos eram, não só insufHcientes, mas contraproducentes Sara obter esse desejado fim, porquanto pagar o Banco e Portugal com o dinheiro das inscripções seria aggravar as condições económicas do paiz; tirar da caixa do mesmo Banco a moeda necessária para fazer os descontos aggravaria o commercio ou immobilisaria os capitães, que deviam empregar-se na melhoria da situação económica, quer desenvolvendo o commercio e a industria, quer melhorando a agricultura. (Apoiados da esquerda).

Não são, porém, estes em minha opinião os únicos aspectos a encarar; e um ha, que o projecto nem sequer prevê, quando fixa o limite da circulação da nota. Desde que se está no regimen da inconvertibilidade da nota; desde que ha a moeda convencional de curso forçado, moeda que constituo juntamente com a prata os nossos únicos elementos de troca e o único numerário, fixar-se tal limite equivale a fixar o numerário, cousa impossível realmente de fazer, desde que a sua quantidade depende de três factores : população, massa de transacções commerciaes e preço.

O Sr. Lourenço Cayolla:—Apoiado.

O Orador: — Ora, como qualquer d'estes factores tem augmentado de importância, por mais correctivos que se façam, o numerário ha de augmentar, porque tem de acompanhar fatalmente o movimento dos mesmos factores.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Apoiado.

O Orador:—Apoiado, diz o Sr. Ministro. Então reconhece V. Ex.a isto!

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Queria affirmar que lá fora, com esse regimen, se tinha feito grande economia de circulação e, por isso disse — Apoiado.

E o que nós devemos fazer.

O Orador:—Pois bem. V. Ex." que dá esse apoiado apresenta um projecto á Camará determinando que em 1908 a circulação seja a mesma que era em 18901 Quer, porém, S. Ex.» queira, quer não queira, o paiz ha de progredir e o numerário ha de acompanhar esse progredi-mento. (Apoiados da esquerda,}.

Ha de ser o commercio que o imporá, hão de ser a industria e & economia do paiz que obrigarão á circulação e ao augmento do numerário.

Mas, Sr. Presidente, sendo a depressão dos câmbios a resultante do desequilíbrio económico e financeiro do paiz, e o augmento da circulação fiduciária um symptoma d'essa doença, é caso extraordinário que em Portugal—e a isto se refere o relatório do projecto da commissão—o augmento da circulação fiduciária se tenha dado juntamente com a melhoria do cambio, ao passo que não succede o mesmo em t outros paizes.

E que n'esses não é só a diminuição da circulação fiduciária que produz o phenomeno: elle é produzido, antes de tudo, pela decretação de medidas de ordem finan-

SENHORES DEPUTADOS
ceira e de ordem económica. É o que succede no Brasil e era outros paizes, como por exemplo a Itália, a respeito da qual peço licença para ler o que dizem dois dos BCUS mais eminentes economistas.
(Leu).
A differcnça, portanto, é manifesta, porque na Itália os excedentes das receitas são applicados ao pagamento das dividas do Thesouro. (Muitos apoiados da esquerda).
Ora, já V. Ex.a, Sr. Presidente, vê que, apesar do relatório da proposta advogar esta doutrina, traduzida na pratica é uni dos taes expedientes que nada melhora, antes pelo contrario vem aggravar o mal.
Regular a circulação fiduciária, garantil-a, acautelai a, comprehende se e é necessário. Mas fixar-se o valor de maneira que em 1908 não seja mais do que era em 1890, permitia me a Camará que lhe diga que isto é um absurdo original n'um paiz onde nSo ha, nem pôde haver tão cedo outro meio de troca.
A mercadoria circulante e o numerário estão sujeitos á influencia do augmento da população.
O numerário hoje deve deve ser maior do que era em 1890, e em 1908 deverá ser maior do que é hoje. (Apoiados da esquerda).
N'outro tempo alguns economistas entretinham-se a calcular s quantidade de numerário que era necessário ao paiz.
Hoje ninguém pensa n'isso.
Comprehende se que se regule a emissão, que se fixe a relação entre a circulação e as reservas metallicas, mas o que se não percebe é que se fixe o limite da circulação. Não sou eu que o digo, é a pratica que o aconselha, como o fazem os Estados Unidos, a Áustria, a Itália, a Noruega e os Paizes-Baixos.
Comprehendo e justifica-se que se estabeleça uma relação entre a reserva e a moeda, no regimen da convertibilidade, mas nós estamos no regimen da moeda inconver-tivel e de curso forçado, e portanto não se percebe que se venha fixar um limite.
Comprehendo que se corrija o excesso d'essa moeda papel ou d'esse papel moeda, que differe de um ser emittido pelo Banco, e outro emittido pelo Governo, mas que tem todos os característicos de papel moeda.
Ainda Comprehendo que se limitasse a emissão da nota ás necessidades do commercio, e então comprehendia o acto do Sr. Espregueira, não deixando augmentar a emissão, porque as necessidades do commercio mostravam não ser preciso. (Muitos apoiados da esquerda).
Comprehendia-se isto por esta ra/So, e para que o Governo tivesse um freio, a fim de não estar constantemente recorrendo ao credito do Banco de Portugal, mas ir limitar a emissão de notas, ha de depreciar a prata, pois que fica constituindo o único elemento de troca.
Não ha economista algum que defenda tal doutrina, porque não pôde defendel-a e não se imagine que estou fazendo afirmações gratuitas. (Muitos apoiados da esquerda).
Este projecto, repito, não satisfaz ao fim que tem em vista e propõe meios impróprios e contraproducentes para a realisação d'esse fim, sendo, alem d'isso, absurdo nas suas consequências. (Apoiados da esquerda).
Basta isto para elle ser completamente condemnado.
Entrar, portanto, na apreciação de semelhante projecto, só tem uma explicação: o interesse que desperta ao medico a autopsia a fazer n'um monstro, unicamente para dar alguns elementos á sciencia.

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SESSÃO N.° 11 DE 20 DE JANEIRO DE 1904

A base 1." já se referiu proficientemente o meu illustre amigo, o Sr. Espregueira. (Apoiados).

Mas permitta-me V. Ex.a, Sr. Presidente, que eu co mece por notar uma contradicção espantosa, mas que não me surprehende porque, como disse hontem, este Governo não espanta ninguém. (Apoiados na esquerda}.

Toda a Gamara se recorda das 72:178 obrigações da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, essas 72:178 virgens que se deviam conservar n'um sacrário e a que se vae dar outro destino, talvez somente por espirito de contradicção, só assim se explica, para com o homem que mais trabalhou para que ellas se conservassem intactas. Hoje sito contra esse homem, e por isso lhe vão dar destino differente. Só assim se explica, repito, que vão encerrar por alguns annos nas caixas do Banco de Portugal essas 72:178 obrigações para depois as lançarem no mer cado e andarem de mão em mão.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que estas obrigações não podem sair do Banco sem licença do Governo, quer dizer: o Governo faz ás 72:178 obrigações o mesmo que faziam os cavalleiros medievaes, applica-lhes um cinto de castidade. (Riso e apoiados na esquerda).

Mas no § 1.° estabelece-se o seguinte:

(Leu).

É extraordinário t Então um anno depois das notas serem convertidas é que o Banco precisa ter ouro na sua caixa para as converter? Ê extraordinária a lógica do Governo. Um anno antes ainda se comprehendia, mas um anno depois!

Emfim, são motivos que escapam á minha limitadíssima intelligeneia.

O Sr. Presidente: — Deu a hora. V. Ex.a tem mais um quarto de hora para concluir a seu discurso.

O Orador: — Sr. Presidente : eu serei o mais breve possível.

Sobre esta base, sobre esta garantia e sobre o uso que o Governo pôde d'ella fazer, já o Sr. Espregueira disse tudo quanto se podia dizer; mas talvez S. Ex.an'um excesso de bondade não perguntasse ao Governo coaio se faria representar nas assembleias geraes do Banco, a que é obrigado pelo artigo 71.° dos estatutos. (Apoiados da esquerda).

Vamos agora á base 2.", que é a mais importante.

Começo logo por notar o seguinte: sobre o limite da circulação a commissão não está de accordo com o Governo. O Governo julgava que era bastante a circulação de 57.000$000$000 róis em 1901, vem depoisa commis são que, julgando ainda isso insuficiente, lhe augmentou proximamente 2.000:000^000 réis.

Esta ó que me parece que ó a verdade.

Chamo a attenção da Camará para este ponto.

No relatório do projecto, que é tão proficientemente redigido, apesar de eu, permitta o illustre relator que lhe diga com inteira franqueza, não concordar com o estylo, não ha uma única palavra a justificar este augmento de circulação, assim como não ha uma única palavra a justificar a reducção da proposta.

Vamos agora aos encargos do Thesouro.

Segundo os meus cálculos, e na melhor das hypo-théses, no fim de cinco annos os encargos para o Thesouro, suppondo mesmo que se retirem da circulação réis 3.000:000(5(000 em notas, e se emittam no valor correspondente de inscripções, serão de 778:000^000 réis.

O relatório da proposta, portanto, enganou-se no calculo.

S. Ex.a esqueceu-se de attender aos encargos que ficam pesando, durante estes cinco annos, no paiz.

Desde que não existe saldo para pagamento dos juros, o Governo tem de, ou recorrer ao credito, ou lançar no mercado inscripções para effectuar esse pagamento. Mas ha mais, Sr. Presidente. Esta proposta é tão mons-

truosa, prevê tão pouco as circumstancias que se impõem ao mais leigo n'estes assumptas, que ainda estabelece o seguinte:
(Leu).
Quer dizer, fica-se apenas com vinte e nove dias, dentro dos quaes se hão de vender 300:000^000 réis de inscripções! o
Por isso, repito, este projecto ó absurdo nas suas consequências.
Mas é licito perguntar: o que faz o Banco com este projecto?
Muda apenas de credores, mas d'esta mudança deriva
0 prejuízo da nossa industria geral, e da nossa agricultura.
É dizem-no os dividendos que o Banco tem pago. Dizem esta verdade amarga: que á proporção que as circumstancias do Thesouro se afundam, os fundos do Banco sobem cada vez mais.
Mas o que se pede em troca d'isto ? Nada, ou antes encargos para o Thesouro. (Apoiados).
Vou terminar, e por isso deixemos o monstro. Fez o Sr. Conselheiro Espregueira perguntas ao Governo que não obtiveram resposta (Apoiados), não posso, portanto, eu ter a pretensão de que o Governo, me responda, a mim, humilde Deputado, o que deixou de responder a quem já foi Ministro da Fazenda; mas eu não quero considerações para mim, desejo uma resposta para o meu paiz, em nome do qual eu falo, e S. Ex.a tem obrigação de responder ás perguntas que vou formular. (Apoiados).
l.a Tem o Governo algum contrato provisório com o Banco de Portugal ? •
2." Se não tem esse contrato tem ao menos promessa da direcção de que advogará este contrato perante a assembleia geral do Banco ?
3.a No caso de não ser approvado pela assembleia geral do Banco este contrato, quer o Governo sujeitar o Parlamento á mesma contingência a que já se sujeitou o Governo no contrato transacto?
4.' Continua a participação dos lucros na proporção de
1 e meio alem dos 7 por cento do capital ?
5." Continua o limite máximo de 27.000:000)5000 róis para a conta corrente gratuita do Governo com o Banco ?
O contrato não diz nada a este respeito, e é preciso que se aclare formalmente conforme a portaria de 30 de junho de 1898.
Parece-me que no contrato se diz que não pôde elevar-se, mas isso é preciso que fique bem assente e formulado; de outra maneira essa duvida será...
O Sr. Anselmo Vieira:—Peço a palavra.
O Orador: —O illustre Deputado pediu a palavra, e eu não quero que esteja muito tempo sem usar d'ella; vou, por isso, acabar. Fala-se tanto no relatório da lei de Gresham que eu recordei-mo do que tinha lido em tempos a propósito d'ella. Um celebre economista diz que já Aristophanes, muitos séculos antes de Gresham ter formulado a sua lei, a tinha previsto, bem como as causas que a justificam. Á má moeda expulsou do mercado a boa, que passa apenas a servir para o pé de meia, ou então para pagamentos no estrangeiro.
É preciso ter cuidado. Não generalise muito o Governo estas ideias para que se não pergunte se ao velho partido de Fontes Pereira de Mello succedeu o que prescreve a lei de Gresham...
Deixo essa resposta á consciência da Camará.
Tenho dito, (Muitos apoiados da esquerda.—Vozes: — Muito bem).
(O orador não reviu).

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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quero privar da palavra o illustre Deputado que já a pediu para responder ao Sr. Rodrigues Nogueira. Tenho, po-réin, o dever de responder ás perguntas que directamente me foram dirigidas.

Primeiro que tudo devo dizer que tenho igual consideração por todos os illustres Deputados, e se não respondi ao Sr. Espregueíra quando formulou as perguntas que o Sr. Rodrigues Nogueira repetiu foi porque o final da sessão me impediu de o fazer.

Respondendo agora a essas perguntas feitas pelo Sr. Rodrigues Nogueira, declaro: 1.°, que o Governo não tem nenhum contrato provisório com o Banco; 2.°, que tenho promessas de que a direcção do Banco advogue o contrato perante a assembleia geral; 3.°, que no caso da assembleia geral não approvar o contrato, só posso dizer que o Governo procederá por maneira a defender os interesses do paiz como entender mais conveniente.

Quanto á 4.a e 5.a perguntas nenhuma alteração soffre o que está estabelecido. (Vozes: — Muito bem).

(O orador não reviu}.

O Sr. Anselmo Vieira (relator):—Sendo elle, orador, o primeiro Deputado da maioria que fala sobre o projecto em discussão, não deve causar surpresa que comece felicitando sinceramente o Governo e em especial o Sr. Ministro da Fazenda pelo seu brilhante relatório, pelo trabalho, por mais de um titulo, superior que elle revela e pelas propostas que elle precede, tão harmónicas, tão precisamente conducentes ao mesmo fim.

Um tal trabalho impõe se, na opinião d'elle, oradcr, á consideração de toda a Camará e merece o seu respeito.

Está certo, mesmo, de que esse núcleo de propostas ha de merecer a bemquerença do1 paiz, porque são de tal ordem que, ainda que nem todas sejam votadas na actual sessão, cedo ou tarde hão de ser lei do paiz, porque ellas não resultam do subjectivismo estreito, mesquinhamente político, para acudir a expedientes de occasião, mas revolucionam na sua qnasi totalidade a nossa economia.

Não serão, porventura, questões que se imponham a re-ducção do ágio do onro, a normalisaçSo da situação do Estado como Banco de Portugal, a mobilisação de grandes e vastas propriedades que ha cerca de sessenta annos pertencem a uma companhia que quasi constitue a sombra sinistra do nosso passado feudalismo?

Estes e outros problemas, que o estudo do illustre Ministro da Fazenda ataca de frente, impõem-se pois á consideração de todos e forçoso é que sejam resolvidos, porque ou ha de caminhar-se no sentido indicado pelo trabalho de S. Ex.a ou não se avançará nunca.

O primeiro dos projectos trazidos á discussão parlamentar, esse monstro enorme, na phrase eloquente do Sr. Rodrigues Nogueira, teve como primeira censura o facto de se lembrar o Governo, só depois de três annos e meio de administração, de que era necessário remodelar o contrato com o Banco de Portugal.

Não se quer assim attender a que, fechado o convénio com os credores externos, assegurado lá fora o nosso credito, resgatados os nossos titulos, era finalmente chegado o momento opportuno para se proceder á reorganisação financeira interna.

E foi assim que o entenderam os Srs. Ressano Garcia e Espregueira, cuja máxima preoccupação era a nossa situação financeira externa; porque, se a interna era grave, aquella era gravíssima.

Liquidada, portanto, e regulada definitivamente essa situação, foi então que chegou o momento opportuno do Governo trazer á Camará qualquer providencia que julgasse mais acertada para regular também a nossa situação interna.

De todo o discurso do Sr. Rodrigues Nogueira, diz o orador, parece dever concluir-se, que S. Ex.a quiz ver duas ordens .de causas, perfeitamente harmónicas, mas condu-

centes ao mesmo fim, que determinaram a nossa crise: causas económicas e causas financeiras.
Com relação a estas ultimas, fechados os mercados estrangeiros, pelo desastre de 1891, Portugal viu-se na necessidade de continuar a recorrer ao credito, internamente. Teve, portanto, a crise de 1891 uma consequência: a de tornar-se nosso credor o Banco de Portugal, que ia adean-tando dinheiro ao Thesouro, mas ia augmentando, paralle-lamente, a circulação fiduciária.
No âmago de tudo isto ha um facto com o qual todos concordam: ó que a causa fatal foi o déficit orçamental; e foi assim que se viu a circulação fiduciária crescer e attin-gir a cifra de 04.150:000(5000 réis em 1898, em que se tem mantido até agora. Se se procurar o que o Estado dá annunlmente ao Banco, ver-se-ha que orça em media por cerca de 5.000:000^000 réis.
Assim, a causa primordial e remota de todo este desequilíbrio estava evidentemente na situação do Banco de Portugal para com o Estado.
Mas porque é que nada se fez com relação a esta situação ? Porque a situação externa não era boa, e essa era fundamental.
A maior accusaçâo, observa o orador, que se tem ouvido a respeito d'este projecto está na circumstancia de se entregar ao Banco de Portugal, para pagamento d'um determinado credito, as 72:000 obrigações dos caminhos de ferro por fornia tal que a .posse effectiva d'essas obrigações não fica pertencendo ao Governo.
Não se nota, porém, que desde que o Estado se reserva o direito de apresentar essas obrigações nas assembleias geraes e também o direito de um anno depois de declarar convertiveis as notas do Banco as readquirir, entregando ao mesmo Banco ouro pelo mesmo preço por que ellas foram dadas, a posse das obrigações não é, evidentemente, do Banco.
Em face d'este principio, que ó indiscutível, duas hy-potheses se apresentam. Dada a convertibilidade da nota, de duas uma: ou o Estado quer ou não quer as obrigações. Se as quer, entrega ouro ao Banco: se as não quer, o Banco conserva-as, convertendo-as em ouro, transfor-mn-as em titulos de primeira garantia, mas a posse continua a ser do Governo.
Outra objecção que tem sido apresentada é a de que se vão pagar ao Banco de Portugal os seus créditos, alargando prazos, impondo sacrifícios ao Estado, sobrecarregando os encargos do Thesouro, e tudo isto sem vantagem alguma.
Ora, qualquer que seja a forma por que se haja de pagar ao Banco aquillo que se lhe deve — aparte a obrigação moral que ha para isso.—ha de haver sempre um encargo para o Estado.
Tanto è certo que vem já de longe este pensamento dê pagar ao Banco de Portugal, para que de algum modo se estabeleça a normalidade da vida económica e financeira do paiz, que em 1898 correram boatos de que se preparava uma grande operação destinada a trazer ouro para o paiz, a fim de se pagar a divida ao Banco. Então, 'com-prehendia-se que era necessário, liquidar a situação com o Banco; mas, ao mesmo tempo que isto se comprehendia, ninguém tratava de remediar o mal, que estava precisamente nos desequilíbrios orçaraentaes, no's deficits.
Quando hontem o Sr. Rodrigues Nogueira atacou violentamente o regímen do déficit, elle, orador, applaudiú-p, pois que é esse o ponto culminante, para o qual' todos, devem caminhar. • .'••--.• .
Citou S. Ex.a o exemplo da Itália, é muito'•bem, porque todos devem conhecel-o. .-.•••..
A Itália, apesar de ter remodelado á sua Bituaçlío eco-_ nomica. depois de ter visto d-esapparècèr b"àj£ib do. otírõ;
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SESSÃO N.° 11 DE 20 DE JANEIRO DE 1904

são a sua melhor garantia para a sua agricultura; a despeito de tudo isto, a despeito da sua emigração assombrosa, que é de milhões de italianos, os quaes mandam depois para suas terras milhões de liras; a Itália não conseguiria attingir o ponto culminante a que chegou, de ver a sua situação económica e financeira desembaraçada es-não tivesse inscripto no seu programma, como primeiro dever e norma, que o Estado nunca viesse ao mercado procurar dinheiro para saldar os seus deficits.

É este também o ponto culminante que nós devemos attingir. A não se sair d'aqui, ou remodelamos a nossa administração publica, ou, por mais brilhantes e notáveis que sejam as leis votadas pelo Parlamento, a situação continuará a mesma.

Mas esqueceu-se' porventura o actual Governo d'este ponto culminante? Não. O Parlamento vae ser convidado a apreciar o Orçamento Geral do Estado, o qual, quanto a elle, orador, marca uma época nova na noasa administração porque é preciso saber-se tudo quanto se gasta n'este ,paiz, seja por quem for gasto, por mais alto que seja. É preciso que o paiz saiba quanto se tem gasto, aonde e como.

Será este o único meio de sair-se da situação em que nos encontramos.

Não se preoccupe também o illustre Deputado Sr. Nogueira com a ciro.umstancia de ir cercear-se o meio circulante, porque, se entrarmos no caminho das hesitações, succederá o mesmo que succedeu ao Brasil, que só tarde conseguiu entrar no bom caminho da reducção do seu meio circulante. O remédio está na reducção gradual do papel moeda.

Poderia elle, orador, alargar-se em mais considerações sobre as causas da nossa crise; limitar-se-ha, porém, a dizer que é certo que essa crise resulta de varias causas económicas; mas, se auscultarmos bem a nossa vida interna, se observarmos-quanto differe a situação económica de Portugal, hoje, da de outros tempos, havemos de concluir que essa situação melhorou. E se nSo tivesse melhorado, a despeito de entrada de dinheiros do Brasil, não poderíamos ter hoje o cambio a 28, como o temos.

Portanto, pelo que se refere á situação económica, a nossa missão resume-se em procurar, quanto ser possa, aug-mentar a exportação, sobretudo por tratados de commer-cio, mas tratados valiosos, que nos permitiam reduzir o mais possível também a nossa importação ao estricta-mente indispensável da nossa vida.

Nada d'isto esqueceu ao plano financeiro do Governo, apesar do Sr. Rodrigues Nogueira dizer que elle parece desharmonico, pois até os relatórios nFto são perfeitamente idênticos ás propostas de lei.

O que se encontra nos relatórios ? A situação económica e financeira do paiz. A que visam as propostas de lei? A regular essa situação económica e financeira. Portanto, nada de mais harmónico.

No seu conjunto é este o plano do Governo, o que revela estudo e desejo de bem acertar. E se é certo que a situação financeira e económica só se ha de resolver pelo concurso de todos; se ó certo que essa situação ha de melhorar com o esforço de quem tenha" um cérebro que entenda, uma alma que sinta e uma intelligencia que pense, também é certo que não se resolve se se continuar no caminho de retaliações communs dó que se fez ou devia fazer-se.

É em virtude d'este critério que elle, orador, deixa de responder ao Sr. Rodrigues Nogueira sobre se o actual Governo ó ou não capaz de manter, integra, a dignidade do poder.

Podia responder facto a facto, argumentando, exemplificando com o que se fez no partido adverso, com os erros ->.ommettidos por um ou outro Ministro. Não o faz, porém, Iorque tem consciência e seria para si a maior das desilusões, se um dia perdesse a crença de que os homens que ,

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estão na opposição, seja qual for a sua bandeira política, não podem bem servir o seu paiz.
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. António Centeno: — É n'esta altura do debate que toma parte na discussão d'este projecto e, apesar de já ter falado, por duas vezes, o Sr. Ministro da Fazenda, ver-se-hia seriamente embaraçado, se tivesse de responder a algumas das observacõeb de S. Ex.a
Com effeito, tudo quanto se tem dito em favor do projecto reduz-se á exemplificação do que se faz na Allema-nha, na Áustria, na Rússia, no Brasil, eto., sem sequer se provar, por uma maneira clara e concludente, que as circumstancias d'es3es paizes são as mesmas que as nossas, para que, então, semelhante argumento possa ter valor.
Tanto o Sr. Ministro da Fazenda, como o Sr, Relator, só se acobertam com duas auctoridades progressistas: os Srs. Ressano Garcia e Affonso Espregneira, Confirma-se assim o que ha dias se disse na Camará — que o Governo está governando com as ideias do partido progressista, e por isso succedeu-lhe o que succede a quem governa com as ideias alheias, sem as saber applicar — produziu o projecto que se discute, e que é um verdadeiro monstro.
Ê esta a segunda vez que tem a honra de discutir projectos e planos financeiros do Sr. Ministro da Fazenda. No anno passado, quasi no fim da sessão parlamentar, veiu S. Ex.a ao Parlamento trazer um projecto de empréstimo de 18:000 contos, com o fim de diminuir a divida fluc-tuante, e n'essa occasiSto foi dito ao Sr. Ministro que os meios que propunha eram inadequados, e que S. Ex.a não attingiria o seu fim. Assim succedeu.
Hoje S. Ex.a é coherente: vem com um novo projecto, que não é mais do que uma emissão de divida interna; isto sendo a situação a mesma, se não peor; sendo também a mesma a divida fluctuante que existia ha pouco mais de um anno, e ainda aggravada cnm um déficit orçamental correspondente a mais um anno de desgoverno e desperdícios. É agora que o Sr. Ministro da Fazenda vem dizer-nos que é necessário consolidar parte da divida ! Como, porém, lhe faltaram os meios de recorrer ao credito externo, S. Ex.a hoje é mais modesto e limita-se a consolidar, lenta e pausadamente, durante cinco annos, uma parte da divida fluctuante, — a que é devida ao Banco. Pôde, porém, S. Ex." ter a certeza de que, assim como não chegou ao fim com o seu projecto dos 18:000 contos, também não ha de chegar com o actual, porque elle é absolutamente impraticável.
O projecto será votado, mas nem por isso o Governo pode ter a certeza de ser elle acceite. Mais ainda Ha de succeder-lhe o que lhe succedeu com o anterior contrato, quando o Sr. Ministro teve de escrever ao Banco, dizendo-lhe que prescindia d'elle.
O pagamento da divida fiuctuante é, única e exclusivamente, o verdadeiro fim que o Sr. Ministro da Fazenda tem em vista com este projecto, muito embora o queira ornamentar, no relatório e no parecer, com largas e vistosas theorias económicas, sobre circulação fiduciária e sobre aquillo a que agora, segundo é moda, se chama — saneamento da moeda; mas não o conseguirá.
Com este projecto, trata-se unicamente de um empréstimo— isto é, um encargo a mais para o paiz.

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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Todo o arrazoado do Sr. Ministro da Fazenda não pôde igualmente destruir o facto tristíssimo da enorme percentagem de differença entre a importação e exportação, a qual tende a diminuir.

Não se pôde negar que ha melhoria no estado do paiz, e infelizes de nós se assim não fosse; é forçoso confessar, porém, que, infelizmente, essa melhoria não é tanta como seria para desejar, sobretudo n'um paiz que trabalha, como o nosso tem trabalhado. Portanto, a melhoria não corresponde ao augmento das despesas e dos impostos que se teem lançado.

Desde a ultima crise de 1898, os homens públicos não teem tido a coragem de dizer como o paiz vae, mas não j teem resistido á tentação de dizer que não vae tão mal j como se julga. Como coinmentario, porém, temos os defi-cits orçamentaes sempre augmentando, e a divida flu-ctuante aítingindo proporções assustadoras, que nunca ninguém imaginou que pudesse attingir.

Entrando, propriamente, na economia do projecto, entende elle, orador, que, ao contrario das declarações optimistas do Sr. Ministro da Fazenda, o fim real do projecto não é absolutamente a reducção da circulação fiduciária, mas sim um recurso ao credito, uma emissão de titulos de 3 por cento.

Ora, o que se ha de seguir á realisação d'um novo contrato com o Banco de Portugal, se se reduzir a divida do [Governo e reforçarem as reservas metallicas, ó o que o Sr. Ministro da Fazenda diz no seu relatório, a paginas 56: que sempre a mesma pressa do Governo em concorrer para serem reforçadas as reservas metalHcas, e sempre as mesmas difficuldades. Não são, pois, mais do que um engodo ao Banco as promessas que o Governo agora faz, pois nunca lhe pagará nada.

Não ha, portanto, grande utilidade em discutir este projecto, desde que todos estão convencidos de que a única cousa que o Sr. Ministro da Fazenda tem em vista é arranjar dinheiro para cobrir os deficits orçamentaes.

Tem-se dito muito n'esta Camará que é necessário, não só extinguir os defidts, mas também exercer uma fiscali-saçSo severa sobre os dinheiros públicos.

Quanto a esta ultima parte, para responder a ella, não resiste o. orador á tentação de citar um trecho do relatório do Sr. Ministro da Fazenda, no qual se diz que os adeantamentos á Companhia dos Caminhos de Ferro através de África importaram em 4.000:000^000 réis, realizados por meio de operações de thesouraria, que ainda não foram fiscalisadas! A leitura d'este trecho condemna por completo todos os orçamentos de previsão, e mesmo até as contas de gerência que se possam organisar.

A seu ver, a inconveniência do projecto que se discute é manifesta: 1.°, porque elle é inopportuno; 2.°, porque as clausulas inscriptas nas bases que o acompanham de-talhadamente mostram, uma por uma, que não pôde ser admittido.

Como muito bem disse o Sr. Rodrigues Nogueira, o projecto e o relatório são a contradicção um do outro; isto mostra a inconsistência e inanidade do projecto e as contradicções que existem entre o Sr. Teixeira de Sousa economista e o Sr. Teixeira de Sousa financeiro. Ainda,

porém, que o projecto fosse conveniente, S. Ex.a com os meios que pretende empregar, para conseguir os fins que tem em vista, nada realisaria, porque esses meios são maus.

Tem-se falado muito na maneira de reduzir a circulação fiduciária; ella, porém, deve reduzir-se, não por meios artificiaes, mas sim por meios lógicos e bons; e, com este projecto, nada se consegue n'esse sentido.

O Sr. Presidente: — Adverte o orador de que deu a hora, tendo S. Ex.a mais quinze minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: —Resumirá as considerações que tem a fazer, mas não pôde deixar de notar que, com este projecto ou qualquer outro, o mais que o Sr. Ministro da Fazenda poderá conseguir ó o restabelecimento da nossa normalidade antes da crise de 1891, a qual, prolongando-se pelo tempe que se prolongou, não fez mais do que aggravar a situação, que ha tanto tempo nos assoberba.

Não deseja apresentar emendas, mas, lendo o artigo 1.° do projecto, parece-lhe mais conveniente que elle seja redigido no sentido de se atuctorisar o Governo a alterar os contratos existentes, na parte que julgasse necessária, de accordo com as bases apresentadas.

Relativamente á base 2.a, não acha prudente, no estado em que se encontra a Fazenda Publica, que um Governo que tem na sua mão 72:000 obrigações, que valem ouro, e podem servir para as suas necessidades e urgências, vá desapossar-se por completo d'ellas; porque, amanha, pôde dar-se uma urgência grande no Thesouro, e o Governo .não teem absolutamente nada á sua disposição.

Não é, pois, boa pratica ir immobilisar valores tão importantes ; tanto mais que d'essa immobilisação não advém compensação alguma para o Estado.

Outro ponto do projecto que não se comprehende é o que diz respeito á'prata.

Não pôde elle, orador, comprehender como de réis 6.500:000$000de prata, o Banco pôde tirar 6.000:000)$000 para a reserva e 1.200:000)5000 para a circulação. Não sabe como isto possa fazer-se. O Sr. Ministro da Fazenda tem de reduzir a reserva, ou tem de reduzir a prata em circulação; mas mais conveniente seria que dissesse, francamente, que a prata não é reserva metallica. Conserval-a como tal, ó a negação completa de todos os princípios económicos nos quaes se fundam todos os bancos emissores que se prezam de o ser.

Tinha ainda que referir-se ao contrato das classes inactivas; visto, porém,, o adeantado da hora, dá por findas as suas considerações, pedindo desculpa de, por tanto tempo, ter tomado a attenção da Camará.

(O discurso será publicado na integra quando S. Ex.11 restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanha, 21, á hora regimental, e a ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas da noite.

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