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SESSÃO DE 20 DE ABRIL DE 1870

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeira Pinto

Secretarios - os srs.:

José Gabriel Holbeche
João Carlos de Assis Pereira de Mello.

Chamada - presentes 47 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão - os srs. Alves da Fonseca, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Quaresma, Boavida, Magalhães Aguiar, Sampaio, Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão de Passo Vieira, Belchior Garcez, B. F. da Costa, Boaventura José Vieira, Carlos Bento, Palmeiro Pinto, Diogo de Macedo, Francisco de Albuquerque, Coelho do Amaral, Vanzeller, Silveira da Mota, Freitas e Oliveira, Baima de Bastos, Gomes de Castro, João Chrysostomo, Melicio, Barros e Cunha, Soares Vieira, J. Pinto de Magalhães, Leite Pereira, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Holbeche, J. M. Lobo d'Avila, Toste, José de Moraes, Julio do Carvalhal, Tiberio, Luiz de Campos, Alves do Rio, Fernandes Coelho, Pereira Pires, Ghira, D. Miguel Pereira Coutinho, Thomás de Carvalho, e Visconde de Carregoso.

Entraram durante a sessão - os srs. Braamcamp, Costa Simões, Guerreiro, Sande e Castro, Castilho e Mello, Sousa Lobo, Barão de Ribeira de Pena, Cunha Vianna, Carlos Ribeiro, Cláudio Nunes, F. F. de Mello, Francisco Costa, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Henrique de Macedo, Santos e Silva, Sepulveda, Mártens Ferrão, Aragão Mascarenhas, J. T. Lobo d'Avila, Infante Passanha, Sette, José Luciano, J. M. dos Santos, Nogueira, Tiberio, Penha Fortuna, Paes VillasBoas, Mariano de Carvalho, Bulhões, Pedro Roberto, Visconde dos Olivaes, e Visconde de Valmór.

Não compareceram-os srs. Viegas, Barjona, Conde de Thomar (Antonio), João Chrysostomo, Fradesso da Silveira, J. A. Maia, Ferreira Galvão, Correia de Barros, Teixeira de Queiroz, e Espergueira.

Abertura - Á uma hora e vinte minutos da tarde.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque, copia do officio do governador civil da Guarda, no qual participou ter suspendido o escrivão da administração do concelho do Sabugal.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo as relações dos cidadãos residentes nos concelhos de Freixo de Espada á Cinta, Mirandella, Moncorvo, Villa Flor e Vinhaes, do districto de Bragança e Arganil, e Mira do districto de Coimbra, que por virtude do ultimo recenseamento foram julgados habeis para serem eleitos deputados.

Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo cento e vinte exemplares das contas d'aquelle ministerio, relativas á gerencia do anno economico de 1867-1868 e ao exercicio de 1866-1867.

Mandaram-se distribuir.

4.° Do ministerio da fazenda, remettendo cento e vinte exemplares da conta da receita e despeza do thesouro publico, no anno economico de 1868-1869, e igual numero das contas da despeza d'aquelle ministerio, comprehemdendo a gerencia do mesmo anno, e a do exercicio do 1867-1868.
Mandaram-se distribuir.

5.° Do mesmo ministerio, remettendo cento e vinte exemplares do relatorio dos actos do ministerio da fazenda, durante o anno de 1869.
Mandaram-se distribuir.

6.° Do mesmo ministerio, remettendo cento e vinte exemplares do orçamento geral do estado rectificado para o exercicio de 1870-1871.
Mandaram-se distribuir.

Representações

1.ª Da camara municipal de Marvão, pedindo que ao menos se revogue o n.° 4.° do artigo 16.° da lei de 6 de junho de 1864, e se restituam ás camaras as multas por transgressões de posturas e regulamentos municipaes.

2. De alguns moradores da villa das Velas, da ilha de S. Jorge, sobre a necessidade de ser cedido á camara municipal d'aquella villa o edificio onde existe o estabelecimento pio da misericordia, para n'elle se estabelecerem aulas de instrucção publica, secretaria da camara e administração.

3.ª Dos empregados da fiscalisação da alfandega do Porto, pedindo que lhes seja applicada a tabella n.° 10 do decreto de 7 de dezembro de 1864.
Ás respectivas commissões.

Participação

Do sr. conde de Thomar (Antonio), de que não tem comparecido às sessões por motivo justificado, e de que pelo mesmo motivo faltará a mais algumas.

Inteirada.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgencia a esta camara nota demonstrativa, explicando como e onde foram plantados os milheiros de arvores que s. exa., o sr. ministro das obras publicas, disse em sessão de 18 do corrente ter mandado dispor no litoral do reino para tomar o passo á invasão das areias.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = Mariano Cyrillo de Carvalho.
2.° Requeiro que, pela secretaria do reino, sejam enviados a esta camara os documentos seguintes:

Copia da portaria do ministerio do reino, de 5 de maio de 1858, ao provedor do asylo de mendicidade, e exposições do exmo. ministro da fazenda que acompanharam a mesma portaria;

Officio ao provedor, de 31 de agosto de 1858, em resposta áquella portaria, com os documentos que o acompanharam;

Outro officio do mesmo provedor, datado de 10 de outubro de 1859;
Instituição das mercearias da rainha Santa Izabel.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = Augusto Ernesto de Castilho e Mello.

3.° Requeiro que, pela secretaria dos negócios da fazenda, me seja enviada com urgencia uma nota explicativa por concelhos no continente, de qual a importancia das quotas que pertenceu a cada um dos recebedores de concelho nos annos economicos de 1868-1869, segundo o decreto de 26 de janeiro de 1865 e tabella annexa, e desisto do requerimento que pela secretaria fiz em sessão de 9 do corrente.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = O deputado, Soares Lencastre.
4.° Requeiro que sejam enviados a esta camara, por via do ministerio do reino, os seguintes documentos:

I Copia do officio do governador civil da Guarda em que, independentemente de processo, propunha a demissão de escrivão da administração do Sabugal;

II Copia do officio ou portaria do governo, em que se mandou organisar aquelle;

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III O mesmo processo e copia do officio do governador civil que o acompanhou.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Almeida Cardoso Albuquerque.

5.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida com urgencia a esta camara uma exposição das negociações que porventura tenha havido até ao dia 31 de março proximo passado com a companhia do caminho de ferro do norte e leste, e bem assim copia dos documentos e correspondencias que tenha havido a este respeito.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.

Foram enviados ao governo.

Nota de interpellação

Proponho que sejam convidados os srs. ministros do reino e da fazenda para responderem á interpellação que tenciono dirigir-lhe sobre a questão dos arrolamentos; e o sr. ministro da marinha para responder a uma interpellação sobre os negocios da India e de Moçambique.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 35-13, apresentado a esta camara na sessão de 12 de julho de 1869, pelo sr. deputado José Pereira da Cunha e Silveira sobre a concessão de dois edificios nacionaes, um á misericordia e outro á camara municipal da Villa das Vélas, da ilha de S. Jorge.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo n.° 96, Pedro Roberto Dias da Silva.

Senhores. - Na legislação de quasi todos os paizes civilisados se acha inscripto o principio de segurar por meio de subsidios pagos pelos cofres publicos o futuro dos funccionarios que se impossibilitem ou pelo peso dos annos e onus do trabalho, ou por accidente e molestia.

É opinião quasi unanime de legisladores e publicistas que a justiça e conveniencia do serviço publico e tambem a bem entendida economia se reunem para aconselhar a adopção de regras equitativas e previdentes tanto para premiar os bons e zelosos servidores do estado, como para attrahir ás estações publicas os homens mais idoneos, offerecendo-lhes retribuição proporcionada á natureza e importancia das funcções e desonerando-os de quaesquer receios ácerca do futuro, quando a caducidade ou as doenças lhes vedarem o trabalho.

Fora mais curial, mais economico e mais consentaneo com os genuinos principios da escola liberal, limitar quanto possivel os quadros dos servidores do estado, remunera-los convenientemente e deixar á iniciativa e previdencia individuaes e ao espirito de associação o cuidado de preparar com a economia e a capitalisação, emquanto as forças permittem trabalho activo, o descanso da idade provecta e os soccorros necessarios quando as molestias prostram o corpo e quebram o animo.

Porém a estas indicações, dictadas pela rasão e filiadas na consciencia da dignidade humana e na logica dos verdadeiros principios liberaes, tem-se opposto em quasi todos, senão em todos os paizes, as conveniencias a miudo prejudiciaes da politica, as imperiosas exigencias do espirito de facção, e o favoritismo, vindo por tal forma a augmentar excessivamente o funccionalismo ao passo que os apuros fazendarios restringiam as remunerações e as reduziam a proporções incompativeis, até com o indispensavel para manter a vida. Os queixumes que todos os dias se ouviam neste paiz contra a superabundancia de funccionarios publicos e a exiguidade dos seus salarios repetem se em quasi todas as nações onde existe similhante mechanismo politico e administrativo, que pelas idéas centralisadoras amplia desmedidamente as funcções do estado na vida social e pelo espirito de facção multiplica ainda alem do superfluo a população das repartições publicas.

A modicidade excessiva dos vencimentos prohibindo a accumulação de economias, bem como a necessidade reconhecida de desassombrar de receios o futuro do funccionalismo, levaram os governos ou a considerar a aposentação como parte integrante dos ordenados, pagando-a com os dinheiros publicos, ou a estabelecer caixas especiaes, quasi sempre subsidiadas pelo estado, onde as economias o os subsidios accumulados produzam rendimentos bastantes para satisfazer todas as despezas com os empregados reduzidos á inactividade. Variam n'este ponto inteiramente as legislações e os usos dos paizes civilisados, umas vezes por circumstancias que lhes são peculiares, outras sem nenhuma rasão apparente.

Em França a lei de 9 de junho de 1853, reconhecendo e regulando o direito dos empregados civis á aposentação e o das suas familias a serem soccorridas pelo thesouro imperial, lançou sobre os vencimentos dos empregados uma contribuição de 5 por cento, e com ella e os auxilios do estado constituiu uma caixa de aposentação e de pensões. Na Belgica ha para o mesmo fim a deducção geral de 1 por cento, aggravada por outras especiaes e proprias a cada categoria de empregados. Na Hollanda os ordenados superiores a 400 florins são sujeitos á deducção temporaria de 12 1/2 a 20 por cento, conforme a grandeza do ordenado e o tempo, e á permanente de 2 por cento. Existe tambem legalmente na Italia o tributo sobre os vencimentos dos empregados para constituir um fundo destinado a beneficiar os empregados inhabilitados e as suas familias.

Nos estados allemães o regimen é diverso. Todas as legislações concordam em conceder ao funccionario o juro vitalicio de uma retribuição, que elle em hypotheca nenhuma perde, excepto commettendo crimes previstos e punidos pelos códigos administrativos e penaes. Sobre esta retribuição fiscal inauferivel ha gratificações accessorias dependentes do exercicio e do cargo. Aquelles são vencimentos de categoria, este de exercicio de algum cargo publico. Os primeiros duram a vida toda do empregado, os segundos duram só a vida activa. Com aquelles é aposentado por diuturnidade de serviço ou molestia, ou collocado na inactividade.

Na Inglaterra o systema das aposentações é ainda mais favoravel para os empregados publicos, mas a indole especial da administração britannica e a prosperidade das suas finanças dão facilmente rasão da differença.

São tambem excessivamente variaveis nos diversos paizes europeus as condições de idade e de tempo do serviço, indispensaveis para os empregados adquirirem o direito á aposentação, e não menos diversa a proporção entre os vencimentos do serviço activo e da inactividade. Observa-se porém, tendencia geral para restringir e tornar mais difficeis as condições da aposentação bem como para diminuir o vencimento dos aposentados.

Esta feição predominante de todas as legislações tanto provém dos apuros da fazenda publica como da impopularidade das despezas com o funccionalismo, cujo numero e cujo predominio tem crescido extraordinariamente.

Não existe entre nós nenhuma lei geral que regule as aposentações e jubilações. Póde afoutamente dizer-se que em cada estação official ha a esse respeito regras diversas, legisladas em epochas differentes e mais ou menos vantajosas para os funccionarios conforme o grau de influencia que elle ou os seus protectores lograram adquirir sobre o animo dos governos. Assim a par das classes e categorias de empregados que optam a aposentação ou a jubilação com escandalosa facilidade quando a idade e as forças bem lhe permittiam ainda o trabalho, soffrem outras não menos úteis meritorias que não antevêem no futuro nenhum tempo de descanso. Na sociedade do funccionalismo como no geral ha proceres, e plebeus opulentos, favorecidos, e proletarios des-

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prezados, embora perante o direito que dimana das mesmas causas e das mesmas rasões todos devessem ser iguaes. Soffre com esta desigualdade o serviço nacional, tanto porque os servidores da nação reduzidos a vencimentos mes quinhos e incertos do futuro, não trabalham com zêlo e afinco, e procuram augmento de redditos fóra das dos empregos officiaes, como porque as estações politicas se enchem de funccionarios inhabilitados, já que ninguem se atreve a lançar nas angustias da miseria depois de terem encanecido, prestando bons e leaes serviços ao seu paiz.

Com a incoherencia da nossa legislação sobre este assumpto, e com o arbitrio deixado aos governos padece tambem a economia dos dinheiros publicos, como prova a assustadora rapidez com que tem crescido nos orçamentos a proporção entre os vencimentos das classes inactivas e os dos que trabalham ainda. Sem contar 1:068 officiaes reformados no exercito e 41 na armada, o orçamento apresentado a esta camara em janeiro do corrente anno apresenta mais de 500 empregados que se podem considerar civis, aposentados ou jubilados, e a despeza com todas as classes inactivas anda por 20 por cento do que se faz com os funccionarios activos, exceptuando as praças de pret do exercito e da armada. Assim temos funccionarios ainda vigorosos gosando o ocio da aposentação quando o escandalo não chega a homens que obtém um serviço publico ou têem depois de aposentados um outro, e a par d'estes homens carregados de annos e de serviços a quem a lei ou o arbitrio negam o descanso dos seus cansados dias. Temos igualmente pesando sobre o nosso defecado thesouro uma despeza enorme com que elle não póde. Sendo excessivo o numero de empregados dos quadros legaes, ainda succede que por virtude das aposentações ha para cada emprego dois e tres funccionarios.

Estas considerações me aconselharam a redigir o projecto de lei de aposentações dos empregados civis que tenho a honra de submetter á alta apreciação da camara dos senhores deputados da nação portugueza.
Estou longe de julgar perfeito este trabalho, para o qual me fallleciam a intelligencia e subsidios estatisticos indispensaveis; parece-me porém que no seu conjuncto estabelece regras saudaveis e justas, sendo pelo menos o primeiro passo no caminho de uma legislação equitativa e economica.

Não desenvolverei aqui as rasões que justificara cada um dos artigos do projecto, porque facilmente se descobrem, e porque melhor poderiam sobresair na discussão parlamentar. Basta-me apontar as disposições principaes.

A aposentação deixa de ser um privilegio concedido a poucos favoritos para se constituir regra geral applicavel a todos os servidores da nação. Não é um beneficio ou uma esmola que o estado concede, quando a força de protecções e o arbitrio de homens lh'a imputam, é um direito que todo o empregado publico adquire pelo seu bom serviço, e contribuindo com parte das suas retribuições para constituir o fundo d'onde hão de sair os vencimentos dos aposentados.

Segundo os dados que os orçamentos fornecem, e na contribuição é fixada em 5 por cento provisoriamente, porque não é preciso calcula-la com maior exactidão faltando uma lista de todos os empregados publicos com os seus vencimentos e idade. Com tal relação, com o auxilio das tábuas da mortalidade e com a consideração da natureza de cada serviço, seria possivel calcular a percentagem da contribuição por cada um. Na ausencia desses subsidios o unico arbitrio possivel é estabelecer uma proporção provisoria deduzida dos elementos medios que os documentos officiaes proporcionam.

No projecto n.° 1 estabelecem-se do modo que parece mais justo as condições com que devera ser aposentados os servidores publicos nas diversas hypotheses possiveis; funda-se e dota-se convenientemente uma caixa de aposentações e reforma, cuja administração se regula; determina-se o modo como ha de verificar-se o direito á aposentação, tomando só todas as possiveis precauções para evitar a repetição de abusos; armam o governo com a auctorisação necessaria para effectuar desde já uma reducção importante na despeza publica. Alem d'isso estabelece-se o principio geral na legislação patria, de collocar na inactividade com o vencimento reduzido, mas sem obrigação de pasta de serviço, todo o funccionario publico, cujo logar for supprimido por motivo de reforma ou reorgnisação dos serviços publicos.

Esta disposição proporciona importante economia, e põe cobro em certas reformas que, para apresentar reducções de despeza, cerceiam os quadros legaes do pessoal, mas deixando addido o excedente, não alterara os quadros reaes. Confio em que d'este projecto resultará uma reducção de despeza, não de unidades ou dezenas de contos, mas de centenares, principalmente se a camara o aperfeiçoar, como certamente precisa.

O projecto n.° 2, estabelecendo no n.° 1.°, a deducção uniforme de 5 por cento sobre todos os vencimentos para o effeito da aposentação, é de incontestavel justiça. A minguada retribuição da maxima parte do nosso funccionalismo não permitte accumular esta deducção com as provisorias estabelecidas pelos decretos com força de lei de 26 de janeiro e 18 de fevereiro de 1869. Alem d'isso, adoptado neste decreto, e sanccionado pelo poder legislativo, o principio do imposto progressivo sobre os funccionarios para acudir ás urgencias do thesouro, não é justo que a progressão pare em termo tão baixo como o de 600$000 réis.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo n.° 79, Mariano Cyrillo de Carvalho.

Projecto de lei

Artigo 1.° Os magistrados, funccionarios, empregados e em geral todos os servidores publicos de qualquer especie, classe ou categoria, incluindo os administrativos, cujas funcções ou serviços apresentam caracter de permanencia e são retribuidos pelo thesouro e pelos cofres seus dependentes, ou pelos cofres districtaes ou municipaes, têem direito a ser aposentados por diuturnidade de serviço, quando n'elles concorram as seguintes condições:

1.° Sessenta annos de idade, e pelo menos vinte de serviço effectivo ao estado, ao districto ou ao municipio;

2.° Contribuição ao menos durante dez annos com a percentagem estabelecida n'esta lei para a caixa de aposentações e reformas que ella cria e regula.

§ 1.° Exceptuam-se: os individuos que exercem funcções ecclesiasticas, os quaes não têem direito á aposentação; os recebedores de decima e seus propostos, os delegados do correio e os portadores de malas, os quaes não o têem igualmente; os funcciocarios do ultramar e os militares do exercito e da armada, para os quaes em relação á idade, tempo de serviço e mais causas de aposentação, jubilação ou reforma fica subsistindo a legislação actualmente em vigor. Todavia os militares do exercito e da armada, exceptuadas as praças de pret, ficam sujeitos ás deducções estabelecidas no artigo 15.°, das quaes só são isentos, dentre os empregados a quem e concedido o direito de aposentação, jubilação ou reforma, os das provincias ultramarinas.

§ 2.° Para os effeitos d'esta lei são considerados funccionarios civis todos os do exercito ou da armada, que não sejam officiaes combatentes ou praças de pret.

Art. 2.º Dadas as condições estabelecidas nos artigos 1.°, 8.°, 9.° e 10.° d'esta lei, a aposentação verifica-se ou a requerimento do interessado ou por determinação espontanea do governo, fundada na conveniencia do serviço.

§ unico. Todas as contestações sobre concessão ou denegação de aposentação são julgadas administrativamente pelo conselho d'estado.

Art. 3.° Perde o direito á aposentação o servidor publico condemnado a qualquer pena criminal ou o que for demittido por motivo de negligencia, inhabilidade, corru-

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pção, prevaricação ou malversação devidamente comprovadas. Igualmente perde o vencimento de aposentação, embora o esteja gosando já, o empregado condemnado a qualquer pena criminal ou que renuncie á qualidade de cidadão portuguez.

Art. 4.° O vencimento de aposentação é igual a 60 centesimos da media dos vencimentos do servidor publico durante os ultimos seis annos de serviço effectivo, se este tiver durado vinte annos; a 75 centesimos, te tiver durado vinte e cinco annos; a essa media tendo durado trinta e cinco annos. A media calcula-se considerando unicamente o ordenado, vencimento, retribuição ou salario principal sem attenção a gratificações, supplementos, emolumentos, ajudas do custo, ou retribuições accessorias de qualquer natureza.

§ unico. Os empregados, cuja retribuição consiste unicamente em quotas ou percentagens, têem o vencimento de aposentação calculado pela media d'essas quotas ou percentagens nos ultimos dez annos no serviço effectivo.

Art. 5.° O empregado que, dadas as condições estabelecidas no artigo 1.°, servir mais de trinta e cinco annos tem direito, em quanto se conservar na effectividade alem d'aquelle tempo, ao augmento annual de 4 centesimos do ordenado, vencimento ou salario principal, calculado segundo o methodo estabelecido no artigo 4.°

§ 1.° Este acrescimo de vencimento será pago pelos mesmos cofres a cujo cargo está o vencimento principal.

§ 2.° Se as conveniencias do serviço e a economia dos dinheiros publicos aconselharem o emprego de algum servidor aposentado em qualquer commissão retribuida, nunca poderá ser-lhe arbitrada gratificação superior ao acrescimo de vencimento que teria, continuando a servir no logar de que tiver sido aposentado.

Art. 6.° A contagem do tempo de serviço para os effeitos da aposentação e feita com deducção das faltas commettidas pelo empregado e do tempo em que deixou de exercer as funcções do seu logar por effeito de suspensão ou de collocação na inactividade.

Art. 7.° Conta-se com o augmento de um quarto o tempo de serviço que os empregados civis da metropole prestam em campanha, embarcados fóra da barra em commissão de serviço ou nas provincias ultramarinas.

§ unico. Exceptua-se do preceito geral deste artigo o tempo que o servidor publico gasta em viagem por mar para ir occupar o seu posto ou emprego, sem exercer o seu serviço.

Art. 8.° Tem direito á aposentação o servidor publico que, contando pelos menos quarenta annos de idade e quinze de serviço effectivo, se torne incapaz para o serviço por molestia não contrahida, ou accidente não succedido no exercicio das suas funcções, quando uma ou outra não tenha dependido da vontade própria. O vencimento da aposentação é calculado segundo as regras estabelecidas no artigo 4.° e equivalente á metade do vencimento principal com o augmento de 2 centesimos por anno de serviço a mais, desde o 15.° até ao 20.°

§ unico. Se a incapacidade cessar o empregado será na primeira vacatura restituido á actividade do logar que exercia, ou á de outro equivalente, com o vencimento que lhe pertença.

Art. 9.° Tem direito á aposentação o empregado que, por molestia adquirida no exercicio das suas funcções, se impossibilite de servir, quando tenha pelo menos dez annos de serviço effectivo e haja satisfeito á 1.ª condição do artigo 1.° O vencimento da aposentação é calculado segundo os preceitos do artigo 4.°, e equivalente a metade do vencimento principal com o augmento de um centesimo por anno de serviço alem do decimo ate ao vigesimo.

§ unico. Á aposentação de que trata este artigo se applica o disposto no § unico do artigo 8.°

Art. 10.° Póde ser aposentado com o ordenado por inteiro, independentemente de qualquer condição, o servidor publico que se torne inbabil para o serviço: 1.°, por accidente grave que notoriamente provenha do exercicio das suas funcções; 2.°, por ferimento ou mutilação em combate ou luta exigida pelo cumprimento dos seus deveres como funccionario; 3.°, por molestia ou defeito contrahido praticando algum acto de dedicação á causa publica, ou expondo a vida para salvar o seu similhante.

Art. 11.° Em todas as hypotheses, nas quaes a aposentação se verifica por incapacidade para o serviço, só póde ser concedida quando a referida incapacidade seja provada em inspecção feita ao empregado por uma junta composta de um funccionario hierarchicamente superior, do facultativo do partido municipal ou do delegado de saude na circumscripção territorial onde o aposentado resida, de um facultativo livremente escolhido pelo aposentado. O parecer fundamentado d'esta junta é base essencial do processo de aposentação.

§ unico. Pela mesma forma deve ser julgada a cessão da incapacidade temporaria, a requerimento do interessado ou por determinação superior.

Art. 12.° A aposentação ou seja por diuturnidade de serviço ou por impossibilitar-se o servidor publico, é sempre concedida em decreto, precedendo requerimento do interessado ou proposta motivada e documentada do chefe da repartição ou serviço a que o empregado pertença.

Art. 13.° Os decretos concedendo aposentações e todos os documentos correlativos devem ser presentes ás cortes no principio de cada sessão legislativa, para por ella serem apreciados e confirmados.

Art. 14.° O empregado, cujo emprego ou serviço for supprimido por motivo de reforma, reorganisação ou por qualquer outra causa, é collocado na inactividade temporaria com um quarto do ordenado ou vencimento principal se tiver servido effectivamente dez annos. Este vencimento da inactividade augmenta proporcionalmente por anno de serviço a mais dos dez até attingir metade da retribuição principal.
§ 1.° Os empregados assim collocados na inactividade entrara no serviço activo independentemente de concurso, logo que haja vacatura em algum logar ou serviço de igual categoria ao que servia, e para o qual não exijam habilitações superiores ou differentes. Se a nomeação para o logar vago de igual ou mais alta categoria exigir habilitações superiores ou differentes e concurso, o empregado na inactividade será sempre preferido em igualdade de circumstancias.

§ 2.° O empregado na inactividade que recusar a nomeação para algum logar, nos termos d'este artigo e no § 1.°, é demittido e perde o direito a qualquer vencimento.

§ 3.° Aos empregados em inactividade se contará sempre no caso de nova nomeação o tempo de serviço effectivo já prestado.

§ 4.° O empregado, emquanto persiste na situação de inactividade, não é obrigado a prestar serviço nenhum.

Art. 15.° Todos os empregados, agentes e servidores do estado, do districto ou do municipio, militares ou civis, a quem as leis reconhecera o direito de aposentação, jubilação ou reforma, seja qual for a sua categoria e a natureza do serviço que prestem, quer estejam em activo serviço, quer aposentados, jubilados, reformados ou na inactividade, soffrera nos seus vencimentos uma deducção de 5 por cento, calculada sobre a totalidade desses vencimentos, conforme os preceitos estabelecidos nos decretos com força de lei de 26 de janeiro e 18 de fevereiro de 1869, ficando tambem sujeitos a esta deducção especial os emolumentos, embora sujeitos á contribuição industrial.

§ unico. Da disposição d'este artigo exceptuam-se unicamente as praças de pret da armada ou do exercito.

Art. 16.° São creados um fundo e caixa especial de aposentação e reformas, pela qual hão de ser pagos os vencimentos dos servidores publicos aposentados, jubilados, reformados ou collocados na inactividade.

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Art. 17.° A administração d'este fundo é confiado a uma junta composta de presidente, tres vogaes, um thesoureiro e dois secretarios.

§ unico. Os vogaes e os secretários terão supplentes que os substituam no exercicio das suas funcções quando se achem legitimamente impedidos.
Art. 18.º O presidente e nomeado pelo ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, bem como o thesoureiro que deve ser funccionario devidamente afiançado. Os vogaes e seus supplentes são eleitos em assembléa geral dos contribuintes para a caixa de aposentações e reformas.

§ unico. Todos estes cargos são gratuitos excepto o de thesoureiro, o qual terá como remuneração 10 por cento das quantias que pagar. A eleição dos vogaes e seus supplentes e a nomeação do presidente e as dos secretarios devem recair em funccionarios residentes em Lisboa onde é a séde da junta.

Art. 19.° Um dos secretarios e o seu supplente serão empregados no ministerio da fazenda e nomeados pelo respectivo ministro; o outro secretario e o seu supplente serão empregados do ministerio da guerra e nomeados tambem pelo seu respectivo ministro. Os secretarios ou os seus supplentes que suas vezes fizerem, serão alternativamente dispensados do serviço para tratarem da escripturação do fundo especial.

§ unico. Os logares de secretarios são gratuitos bem como os dos seus supplentes, e a nomeação deve recair em empregados residentes em Lisboa.
Art. 20.° Todos os annos devem ser reconduzidos um vogal e um dos secretarios da junta administrativa do fundo especial de aposentações e reformas, mas nenhum dos membros da mesma junta póde servir mais de tres annos consecutivos.

§ unico. Exceptua-se o thesoureiro cujo cargo é vitalicio emquanto bem servir.

Art. 21.° A junta só funcciona legalmente quando estejam presentes ás deliberações pelo menos quatro dos seus membros.

Art. 22.° Os membros da junta são solidariamente responsaveis pelo prejuizo que causarem ao fundo especial, cuja administração lhes é confiada cada um pelo tempo em que houver funccionado, e com relação a qualquer resolução em que haja tomado parte e não tendo resalvado o seu voto.

Art. 23.° A junta presta annualmente contas ao tribunal de contas, e redige um relatorio desenvolvido e documentado sobre o estado do fundo a seu cargo. Este relatorio será enviado ao governo pelo ministerio dos negocios da fazenda e apresentado ás côrtes.

Art. 24.° As eleições para a mesa da assembléa geral e para a junta administrativa, verificam-se no ultimo domingo de maio de cada anno, segundo os preceitos estabelecidos no artigo 36.° da carta de lei de 1 de junho de 1867; que creou o monte pio official.

Art. 25.° O fundo especial de aposentações e reformas compõe se:
1.° Do fundo permanente indefinido e formado successivamente pela capitalisação de 5 por cento do fundo disponivel, pelos saldos d'este fundo e por quaesquer quantias provenientes de receitas extraordinarias;
2.° Do fundo disponivel annual resultante de subsidio do governo emquanto exista pela fórma estabelecida no artigo 30.°, da deducção que nos seus vencimentos soffrem os servidores do estado e do rendimento do fundo permanente, tudo liquido dos 5 por cento de que trata o numero antecedente.

Art. 26.° As deducções pagas pelo modo estabelecido na carta de lei de 1 de julho de 1867 e nos decretos com força de lei de 26 de janeiro e 18 de fevereiro de 1869, serão entregues mensalmente pelos thesoureiros dos diversos ministerios ao cofre do fundo especial de aposentações e reformas.

Art. 27.° Os fundos capitalizados serão convertidos em inscripções de divida publica fundada e depositados no banco de Portugal.

Art. 28.° O dinheiro pertencente ao fundo especial será depositado no banco de Portugal, não podendo a junta ter em cofre de um dia para o outro quantia superior a réis 2:000$000.

Art. 29.° O governo enviará mensalmente á junta copia authentica dos decretos de aposentações, reformas ou collocações na inactividade, á medida que forem expididos, sendo a publicação no Diario do governo havida para todos os effeitos como copia authentica. Igualmente enviará copia dos decretos pelos quaes for declarado cessante qualquer aposentação, reforma ou collocação na inactividade, senão ordenados pela junta administrativa e pagos pelo thesoureiro.

§ unico. Os dias do pagamento serão distribuidos pelos dias do mez, desde o primeiro, não sendo impedido, até ao vigesimo do mez immediato áquelle a que o vencimento for relativo.

Art. 30.° Emquanto às deducções a que pelo artigo l5.° desta lei ficam sujeitos todos os servidores da nação e o rendimento do fundo permanente não chegarem para perfazer os vencimentos de todos os aposentados, jubilados, reformados e collocados na inactividade, bem como os 5 por cento debtinados á capitalisação e às despezas indispensáveis para a administração do fundo de aposentações e reformas, o governo auxiliará este fundo especial com o subsidio que se tornar necessario.

Art. 31.° Se com o decurso de tempo vier a experiencia a mostrar que a deducção de 5 por cento a que ficam sujeitos os servidores da nação excede as necessidades do fundo especial de aposentações e reformas, o governo proporá ás cortes a reducção dessa deducção ao limite conveniente.

Art. 32.° Fica o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, devendo dar contas ás camaras na sua primeira sessão do uso que tem feito d'esta auctorisação.

Art. 33.° O governo porá á disposição da junta directora do fundo permanente de aposentações e reformas os empregados publicos indispensaveis para o desempenho do serviço a seu cargo.

Art. 35.° São dispensados da condição imposta pelo n.° 2.° do artigo 1.° d'esta lei, mas unicamente emquanto aos prasos, os actuaes servidores da nação que reunindo outras condições legaes para n'elle se verificar o direito á aposentação, ou reformas quando tenha mais de cincoenta annos de idade. Igualmente ficam dispensados da condição analoga imposta nos artigos 8.° e 9.°

Art. 36.° E o governo auctorisado a celebrar com qualquer estabelecimento bancário acreditado um contrato similhante ao que se fez com o banco de Portugal para o pagamento das classes effectivas. Este contrato versará sobre o pagamento do subsidio do estado ao fundo especial de aposentações e reformas, emquanto for preciso. O contrato que se fizer não será valido antes de ratificado pelas curtes geraes da nação portugueza.

Art. 37.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 19 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo n.° 79, Mariano Cyrillo de Carvalho.

Projecto de lei

Artigo 1.° As deducçoes provisorias estabelecidas e reguladas pelo decreto com força de lei de 26 de janeiro e 18 de fevereiro de 1869, são alteradas pela seguinte fórma:

1.° Nos vencimentos ou subsidios que excederem a réis 1:500$000 a deducção será de 20 por cento.

2.° Nos que excederem 1:000$000 réis até perfazerem 1:500$000 réis, de 15 por cento.

3.º Nos que excederem 600$000 réis até perfazerem réis 1:000$000, de 10 por cento.

4.° Nos que excederem 400$000 réis até perfazerem réis 600$000, de 5 por cento.

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5.° Nos que excederem 200$000 réis até perfazerem réis 400$000, de 2 1/2 por cento.

6.° Nos que não attingirem 200$000 réis não será feita deducção se estiverem sujeitos a contribuição para o fundo especial de aposentações e reformas, creado por carta de lei de 1 de julho de 1867. Não estando sujeitos a essa contribuição a deducção será de 2 1/2 por cento.

§ unico. Os vencimentos superiores a 1:500$000 réis nunca podem ficar inferiores a 1:200$000 réis, feitas as deducções estabelecidas por esta lei para o fundo de aposentações e reformas. Da mesma forma os vencimentos excedentes a 1:000$000 réis nunca podem ficar inferiores a 850$000 réis liquidos; os excedentes a 600$000 réis nunca inferiores a 540$000 réis; os excedentes a 400$000 réis nunca inferiores a 370$000 réis; os excedentes a 200$000 réis nunca inferiores a 190$000 réis.
Art. 2.° O computo d'estas deducções será feito segundo os preceitos dos decretos com força de lei de 26 de janeiro e 18 de fevereiro de 1869.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = O deputado pelo circulo n.º 79, Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram admittidos e enviados ás respectivas commissões.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara dos deputados da nação portugueza, congratulando-se com o Brazil pela terminação da guerra, que com tanta gloria das suas armas sustentou contra o Paraguay, felicita respeitosamente o Augusto chefe da nação brazileira, pelos sentimentos patrioticos e altamente civilisadores, que por esta occasião manifestou em favor do desenvolvimento da instrucção popular.

Sala das sessões, em 20 de abril de 1870. = Mariano Ghira.

Foi admittida e entrou em discussão.

O sr. Freitas e Oliveira: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me dizer se existe sobre a mesa uma proposta sobre o mesmo assumpto? Se existe, como creio, requeiro a sua leitura, e que fiquem ambas em discussão.

Leu-se na mesa, foi admittida e entrou em discussão seguinte

Proposta

A camara dos deputados da nação portugueza, congratulando-se com o Brazil pela terminação da guerra contra o Paraguay, felicita não menos o grande imperio americano por ter á frente dos seus destinos tão illustrado e magnanimo soberano, como aquelle que a faustosas e inuteis estatuas de bronze prefere monumentos mais perduraveis e mais gloriosos levantados em honra e para mais ampla e melhor diffusão do ensino publico. A camara resolve que seja transcripta para a sua acta a nobilissima carta de Sua Magestade o Imperador D. Pedro II ácerca d'este assumpto.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = O deputado, Mariano Cyrillo de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho (para um requerimento): - Peço que na minha moção onde se diz = congratulando-se = se diga = tendo-se congratulado =; e que as duas propostas sejam mandadas á commissão diplomatica para sobre ellas dar o seu parecer, a fim de poder ser considerado pela camara.
O sr. Presidente: - Tem a bondade de fazer o seu requerimento por escripto.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Peço que na moção que apresentei hontem, onde se diz = congratulando-se = se diga = tendo-se congratulado =.

Requeiro que as duas moções gratulatorias, em discussão, sejam enviadas á commissão diplomática para sobre ellas dar o seu parecer.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = Mariano de Carvalho.

O sr. Quaresma: - O requerimento que acaba de ser lido tem duas partes: na primeira, pede-se que se emende em uma das propostas o que lá está escripto; na outra pede-se para irem á commissão diplomática as propostas em discussão. Portanto requeiro a v. exa. que ponha á votação da camara cada um dos pedidos separadamente.

O sr. Visconde de Valmór: - Eu peço a v. exa. que me de a palavra para um requerimento antes de se votar a moção apresentada pelo sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Presidente: - Tem a palavra.

O sr. Visconde de Valmór: - Não me parece que a moção mandada para a mesa pelo illustre deputado seja um requerimento.

Uma voz: - Peço ordem.

Vozes: - Isto não póde ser.

O Orador: - Mas eu preciso dizer duas palavras sobre a moção que mandou para a mesa o sr. Mariano de Carvalho. Essa moção não é um requerimento; é uma proposta, e nós estamos aqui a inverter todos os dias os termos e a trocar os nomes ás cousas! Isto é que não póde ser (apoiados).

Veio hontem o illustre deputado fazer uma moção de congratulação com o Brazil; hoje propõe que essa sua moção, com outra que tambem já se apresentou, vá á commissão diplomatica, E chama-se a isto um requerimento!

Peço que se do o verdadeiro nome às cousas. Aqui não ha requerimento; por consequencia requeiro a v. exa. que não consinta que se tome como requerimento o que é verdadeiramente uma proposta (muitos apoiados).

Visto que hontem o sr. Mariano de Carvalho teve a palavra e apreciou largamente successos e factos relativos á guerra do Paraguay, á pessoa de Lopez, etc., etc., permitta se que tambem n'esta casa se levante uma voz contra as asserções, a meu ver inexactas, que o illustre deputado aqui veio sustentar perante o paiz (apoiados).

Votar-se agora de chofre um requerimento para que aquella moção vá á commissão diplomática, é o mesmo que fechar a discussão sobre este assumpto, e deixar na opinião publica idéas que não devem n'ella existir nem um momento.

Sr. presidente, não sou eu que me levanto contra as apreciações do illustre deputado, é o paiz inteiro. Provam-no os regosijos da cidade invicta, as manifestações que se preparam em Lisboa, e as que de toda a parte se levantam espontâneas, e que estão em completa contradicção com as proposições aqui apresentadas pelo illustre deputado (apoiados). Respeito muito o illustre deputado, o seu caracter, intelligencia e illustração, mas peço a s. exa. que seja justo e imparcial. Não abafe a discussão (apoiados).

Concluindo, peço a v. exa. e á camara que esta questão se discuta larga e placidamente.

O meu requerimento portanto, é para que v. exa. consulte a camara se, sobre este assumpto que eu julgo grave e importante, nós devemos conceder a palavra aos oradores que a pediram, ou se queremos fechar a porta á discussão e mandar já para a commissão diplomatica estas propostas, ficando assim na gaveta da commissão e sem resposta tudo quanto hontem o illustre deputado aqui pronunciou!

Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer entrar desde já na discussão d'esta materia.

O sr. Presidente: - Em quanto não consultar a camara são inopportunas todas as considerações.

Vamos dar seguimento á proposta, requerimento ou como lhe queiram chamar, apresentado pelo sr. Mariano de Carvalho, e a camara resolverá como entender.

O sr. Bandeira Coelho: - Creio que não ha duvida em considerar como requerimento a primeira parte da proposta do sr. Mariano de Carvalho.
A primeira parte do requerimento foi considerada como emenda, e por isso não houve votação sobre ella.

Varios srs. deputados pediram a palavra sobre a ordem.

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O sr. José de Moraes (para um requerimento): - Para poupar tempo e tirar-se algum resultado d'esta discussão, lembro a v. exa. a leitura do additamento ao artigo 37.° do regimento, que prescreve que o deputado que falla sobre a ordem comece por ler a sua moção de ordem.

É esta resolução que desejo ver cumprida pela camara.

O sr. Freitas e Oliveira: - Chega-me emfim a palavra, e obedecendo ás sensatas observações do sr. José de Moraes, vou cumprir o regimento, formulando a minha moção de ordem, que é a seguinte:

«A camara tendo-se já congratulado com o Brazil pela terminação da guerra com o Paraguay, resolve não tratar mais desse assumpto e passa á ordem do dia.»

Assim termina a discussão. Agora vou motivar a minha proposta.

Se eu tivesse auctoridade bastante para com os illustres auctores das propostas, e sobretudo para com o meu collega e amigo o sr. Mariano de Carvalho, pedir-lhe- ía que retirasse a sua proposta.

O talento de s. exa. é para muito mais do que para levantar embaraços aos trabalhos regulares desta camara, com uma materia, que, aparte as pessoas e a nação que ella envolve, não me parece que seja digna do talento e da posição do illustre deputado.

Vão apresentar-se dentro em pouco a esta camara as propostas do governo, e então terá s. exa. campo vasto para poder fazer opposição, para crear embaraços e para apresentar contra as medidas do governo as suas propostas que a camara avaliará com a attenção que ellas merecem.
Nós não podemos estar a tratar duas e tres vezes o mesmo assumpto.

Ha dois annos congratulámo-nos com o Brazil pela proxima terminação da guerra com o Paraguay.

Fizemos em uma das sessões passadas outra congratulação por se ter realisado o motivo da primeira proposta, isto é, por ter terminado essa guerra. Não podemos ir mais longe.

Não podemos aqui tratar de assumptos que não são objecto das deliberações de um parlamento.

O imperador do Brazil podia querer ou não querer que se lhe levantasse uma estatua, podia escusar-se a essa honra que lhe queria fazer a municipalidade do Rio de Janeiro. Isso não é objecto que discutamos aqui (apoiados). Nós podemos louvar, como homens particulares, a resolução de Sua Magestade o Imperador do Brazil, mas não póde a assembléa tomar deliberação nenhuma sobre isso (apoiados). Isto é absurdo, permitta-me o illustre deputado, salvo o respeito que devo às suas palavras.

A outra parte da proposta do illustre deputado considera o Paraguay como nação belligerante. Permitta-me o illustre deputado que diga - que a camara dos deputados da nação portugueza não póde por forma nenhuma consentir que passe sem reparo uma proposta d'esta ordem. Pois o Paraguay, que assassinou o consul portuguez, póde ser considerado como uma nação belligerante pela camara dos deputados da nação portugueza? Se n'aquella guerra nós devessemos ser alliados de alguem, era do Brazil (muitos apoiados), porque nós tinhamos tambem obrigação de ir ali tomar satisfação da offensa que se nos fez, tão grave como foi feita ao Brazil, como foi feita ás outras nações, porque tinhamos ali um consul que Lopez barbaramente mandou assassinar.

É esta a minha moção; vou manda-la para a mesa por escripto, e peço a v. exa. que a ponha á votação primeiro do que qualquer outra, porque, como é para se passar á ordem do dia, prefere.

O sr. Mariano de Carvalho: - Requeiro que a moção do meu nobre amigo e illustre deputado, o sr. Freitas e Oliveira, fique em discussão conjunctamente com as duas que já o estavam.

Leu-se na mesa, foi admittida e ficou em discussão com a materia, a seguinte

Proposta

A camara dos deputados, tendo se já congratulado com a nação brazileira pela terminação da guerra com o Paraguay, resolve não tratar mais d'este assumpto e passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 20 de abril de 1810. = Freitas e Oliveira.

O sr. Ghira: - Eu tenho mais que dar algumas explicações á camara do que entrar propriamente na materia.

Na sessão de segunda feira, por occasião do sr. Pereira de Miranda fazer uma proposta de congratulação para com o Brazil, pedi eu a palavra para lhe fazer um additamento.

Não seria eu que trouxesse aqui esta proposta de congratulação ; entendia mesmo que se podia bem prescindir d'ella sem offensa do Brazil, nem mesmo desconsideração; mas uma vez que se apresentou aquella proposta, uma vez que a camara a approvou, eu pela minha posição especial, seguindo os dictames da minha consciencia e coherente com o que tenho praticado sempre ha uns poucos de annos, não podia deixar de tomar a palavra e pedir que a essa proposta de congratulação se addicionasse aquella que offereci.

Ha alguns annos que dirijo um districto litterario. Não sou conhecido na camara, mas sou conhecido em todas as associações de Lisboa onde se trata de instrucção primaria (apoiados).

Cada vez que vejo alguem levantar se e propor alguma cousa em favor da instrucção primaria; cada vez que vejo um individuo qualquer pugnar pelos interesses da instrucção primaria, ainda na associação mais humilde e mais obscura de Lisboa, não tenho deixado de levantar a minha voz pondo em relevo esse cidadão, que entendo que é prestante e bem merece ao seu paiz (apoiados).

Nós queixâmo-nos de que não nos governámos bem, constitucionalmente.

Queixâmo-nos continuamente de que o nosso povo mostra reluctancia em dar esclarecimentos para a estatistica, para o orçamento do estado, para os arrolamentos, emfim a prestar-se a todas as exigencias que são necessarias no systema constitucional; pois se remontarmos á origem d'essa reluctancia veremos que ella nasce da falta de instrucção (apoiados).

Um paiz constitucional, um paiz em que a nação é governada pela nação, é necessário, não que seja um paiz de sabios, mas um paiz esclarecido, um paiz sufficientemente instruido.

Por estas rasões é que eu, vendo que se fazia uma proposta de congratulação pela terminação da guerra do Paraguay, e havendo um facto que se ligava tanto com a terminação da guerra, como era aquelle de haver o chefe da nação brazileira destinado umas sommas que se offereciam para se lhe levantar um monumento, e que fossem destinadas para a construcção de casas para escolas, e para o melhoramento das alfaias escolares, entendi que era coherente cora os meus principios, porque sempre tenho levantado a minha voz a favor da causa da instrucção primaria, entendi que não me estava mal associar-me tambem a uma manifestação ao augusto chefe de um estado que tinha propugnado pelo desenvolvimento do ensino popular.

Não quiz adular aqui a realeza, não ia buscar exemplos alem do Atlantico, porque se quizesse tinha-os nas nossas familias reinantes antigas, e até na actual (muitos apoiados); porque as familias reinantes portuguezas têem sido incansaveis em fundar hospitaes, em crear escolas e concorrer por todos os modos para o melhoramento das condições physicas e moraes das povoações desvalidas (muitos apoiados).

Não vi aqui o fulgor da corôa imperial nem o brilho do monarcha, via uma acção digna, illustrada e nobre, e que entendo que deve concorrer para o engrandecimento, e auspicioso futuro do Brazil.

Aqui estão pois as rasões que me levaram a propor aquelle additamento; e vou terminar, pedindo á camara que o considere como uma declaração conscienciosa do meu voto.

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Aquelle additamento quiz dizer que eu votei a proposta do sr. Pereira de Miranda, seguindo-se as palavras que eu escrevi. Nada mais, e nada menos.

Não quiz impor á camara o meu additamento. Não quero considerar se a questão é opportuna ou inopportuna, não fui eu que a levantei, tomei-a na altura em que a camara a poz, e quiz apenas manifestar o meu voto, dizendo algumas palavras em favor da santa causa da instrucção popular.

Quem póde levar-me isto a mal? Quem póde estranhar que eu deseje que fique a minha declaração na acta? Aquelle additamento seja considerado só como uma expressão do meu voto, com isto me satisfaço; e em conclusão, peço licença acamara para retirar o additamento, afim de que esta questão não demore nem prejudique outros assumptos importantes.

Vozes: - Muito bem.

Consultada a camara, decidiu affirmativamente.

O sr. Ferreira de Mello: - Quando pedi a palavra sobre a ordem ainda o sr. Freitas e Oliveira não tinha apresentado a sua moção.

A minha proposta é a seguinte (leu).

As observações com que o sr. Freitas e Oliveira motivou a sua proposta tenho apenas a acrescentar duas palavras.

Associo-me de todo o coração, e com o maior prazer, á congratulação que uma vez se votou á nação brazileira por ter terminado a guerra com o Paraguay; mas votada uma vez essa congratulação, creio que ficaram completamente expressos os verdadeiros sentimentos não só da camara mas de todo o paiz (apoiados).

Um assumpto desta ordem nunca póde vir tomar o tempo a uma assembléa legislativa, quando esse tempo é indispensavel para o estudo de questões graves e importantes, para a resolução de negocios internos de que precisâmos tratar quanto antes. Manifestámos os nossos sentimentos, estamos todos de accordo, não ha que discutir.

Respeito o mais possivel as opiniões emittidas pelo meu collega, o sr. Mariano Ghira, e partilho das suas idéas como homem particular, como cidadão d'este paiz, e até como membro da humanidade.

É sempre para louvar, parta d'onde partir, o desejo do engrandecimento da instrucção popular, quer seja do primeiro, do segundo ou do terceiro grau; mas nós não podemos trazer para a discussão e tornar objecto das votações de uma assembléa os nossos sentimentos individuaes por mais liberaes que elles sejam.

Mando a minha moção de ordem para a mesa unicamente para provar a v. exa. e á camara que já a havia redigido, mas considero-a representada na do meu particular amigo o sr. Freitas e Oliveira, á qual me associo. Leu-se na mesa e considerou-se prejudicada a seguinte

Proposta

A camara, tendo manifestado os verdadeiros sentimentos de todo o paiz nas congratulações votadas á nação brazileira, passa á ordem do dia. = Ferreira de Mello.

O sr. Silveira da Mota (sobre a ordem): - Sr. presidente, para cumprir as prescripções regimentaes leio a minha moção de ordem, que todavia julgo escusado mandar depois para a mesa, porque ella se conforma na essencia com a que apresentou o meu amigo e collega o sr. Freitas e Oliveira (leu).

Direi pouquissimas palavras, não só porque assim o faria em qualquer caso, mas tambem porque, não tendo sido esta proposta ainda defendida, inutil se torna qualquer impugnação depois do que já disseram os illustres deputados que me precederam.

Se eu estivesse presente na occasião em que o meu amigo e collega, o sr. Pereira de Miranda, apresentou a sua proposta felicitando o Brazil pelo glorioso exito de uma nobre empreza, teria juntado a minha humilde voz a essa manifestação de contentamento por ter terminado a guerra do Paraguay, porque, se ha duas nações que possam chamar-se alliadas, amigas o irmãs, são do certo, mais do que nenhuma outra, Portugal e o Brazil.
Separadas politicamente não só pelos acontecimentos que se realisaram no primeiro quartel do seculo em que vivemos, mas ainda pela logica natural do progresso das sociedades, Portugal e o Brazil acham-se todavia ligados por afinidade de lingua, de costumes, de civilisação, de raça, de familia.

São dois povos da mesma origem, situados aquém e alem do Adriatico; ha para elles communidade de interesses e de perigos, de boa e de má fortuna.

Persuado-me pois que fielmente traduzimos o voto do povo portuguez, cujos representantes somos, com a approvação da proposta do sr. Pereira de Miranda (apoiados).

No mesmo caso não me parece que esteja a proposta do sr. Mariano de Carvalho. Nós, collectivamente, não podemos aqui apreciar, nem com louvor nem com censura, os actos de politica interna de uma nação estranha (apoiados).

O imperador do Brazil, o illustre filho de D. Pedro IV, prende-se aos homens do futuro com elos, que as tempestades politicas de certo não hão de quebrar, sauda com os seus mais illustrados subditos a marcha da civilisação. Não era necessario, porém, nem a sua alta intelligencia, nem os seus longos e severos estudos, nem as nobres virtudes do seu caracter para rejeitar uma estatua. Para isso bastava modestia e bom senso, e cousa alguma se póde notar de extraordinario no acto ultimamente praticado pelo imperador do Brazil. Só os despotas é que exigem ou consentem que em sua vida lhes ergam monumentos, e esses sabem bem o motivo por que o fazem.

A este respeito porém não farei mais considerações. Se o sr. deputado que apresentou a proposta insistir n'ella e a fundamentar, pedirei a palavra e direi então o que julgar opportuno.

Leu-se na mesa e foi admittida a seguinte

Proposta

A camara tendo votado unanimemente por acclamação a congratulação ao imperio do Brazil pelo glorioso exito da guerra do Paraguay, julga inopportuna esta discussão e passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 19 de abril de 1870. = Ignacio Francisco Silveira da Mota.

O sr. Pereira de Miranda (sobre a ordem): - Tenho a minha moção de ordem para cumprir as disposições do regimento, mas declaro francamente á camara que não vou fallar sobre a materia, mas simplesmente dar umas explicações que me parecem indispensaveis depois do que se tem passado n'esta casa.

O meu illustre collega, o sr. Mariano de Carvalho, fez hontem varias considerações a propósito da minha moção de ordem que foi approvada, e eu preciso explicar as rasões que tive para apresentar essa moção da forma por que estava redigida.

Não a formulei ao acaso, pensei antes de a redigir e o resultado do meu pensamento traduzi-o naquella proposta. Nós os portuguezes tomámos na guerra entre o Brazil e o Paraguay a posição que todas as considerações politicas nos aconselhavam, a posição de neutro, e conservámos inalteravelmente essa posição, mas finda a contenda temos o direito de apreciar como homens livres os intuitos e resultados d'essa luta que entre aquelles paizes se havia travado (apoiados).

E digo mais, não posso admittir nem comprehender que em assumptos desta ordem se desconheçam os factos e se esqueça a historia. O Paraguay nunca foi uma nacionalidade, nunca constituiu uma nação. É preciso encarar as cousas como são, olhar para o passado, para as antigas missões disseminadas por aquelle territorio, e ver ali a força d'esse vulto negro e sombrio da companhia de Jesus e notar como ella manietou e converteu homens em escravos e os reduziu á condição de lima nas mãos do operario.

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como dizem os estatutos da ordem o assim manietados os entregou nos braços dos dictadores, vindo nos ultimos tempos a cair sob a dominação de Lopez pae, que os transmittiu ao filho. De modo que quando o dictador Lopez filho ha poucos dias morreu no campo de batalha, não caíu com elle uma nacionalidade, antes talvez do sangue d'elle é que brota uma nacionalidade, porque a espada brazileira foi rasgar novos horisontes para o progresso e entregar um povo até aqui sequestrado ao movimento geral da civilisação.

Vozes: - Muito bem.

Foi por isso que formulei a minha proposta sob a idéa de que devemos congratular-nos com todos os outros povos civilisados pelos resultados d'aquella guerra. Agora mando a moção para a mesa.

Leu-se na mesa e foi admittida a seguinte

Proposta

A camara ouvindo as explicações dadas pelos diversos oradores passa á ordem do dia.

Sala das sessões, 20 de abril de 1870. = Pereira de Miranda.

O sr. Visconde de Valmor:- Segundo as prescripções do regimento vou ler a minha moção de ordem, e em conformidade com as mesmas prescripções tratarei de a sustentar (leu-a).

Ainda mal que esta questão voltou outra vez a esta casa do parlamento. Em uma das sessões passadas apresentou o sr. Pereira de Miranda uma proposta de congratulação com o Brazil, e esta proposta foi approvada pela camara.

Admira-me que no dia seguinte se levantem duvidas sobre a votação da camara, e se entenda que ella póde dignamente reconsiderar o que havia feito. Condemnou o sr. deputado Mariano de Carvalho hontem a moção votada anteriormente, apresentou uma nova moção, e quer que esta venha substituir aquella.

Ora, sr. presidente, isto é tudo irregularissimo, e até indecoroso para esta camara.

E note v. exa. que eu sou imparcial n'esta minha opinião, porque na occasião em que se tratou da proposta do sr. Pereira de Miranda fui de parecer que ella não devia ser votada ás cegas e precipitadamente como se fez, e pedi a v. exa. que não a pozesse á votação, e que consentisse que houvesse discussão sobre ella. Pedi mesmo á camara que, havendo negocios de interesse mais immediato a tratar, se deixasse para outro dia a discussão da proposta.

A proposta porém foi votada, e esta nova discussão é extemporanea. O mal está em se haver consentido que este assumpto voltasse novamente á discussão.

Mas, sr. presidente, bem ou mal, o assumpto está aqui outra vez, e ha de dar-se-lhe uma saída. E isso o que eu venho propor com a minha moção sobre a ordem.

Não tenho outro remedio senão tomar mais alguns minutos á camara. Não é por culpa minha que se suscitou esta nova discussão, que eu não approvo. Mas desde que ella aqui está eu não posso deixar de tomar parte n'ella.

Nós vemo-nos obrigados a aceitar as questões conforme ellas apparecem, e já hontem quando o illustre deputado apreciou a guerra do Paraguay, as suas causas e relações, eu havia pedido a palavra por me achar em diametral opposição com as idéas aqui apresentadas sobre o assumpto.

Disse aqui o illustre deputado que a moção de ordem do sr. Pereira de Miranda lhe parecia não corresponder ao fim que tivera em vista.

Sustentou que Lopez, á testa dos paraguayos, defendia a independencia da sua patria e a autonomia da sua nação. Fallou em ataque ao principio da neutralidade. Referindo-se a algumas palavras que eu havia proferido em sessão anterior, fez o elogio de Lopez, como militar e corro patriota.

Não sei mesmo se se ouviu n'esta casa uma comparação entre a guerra feita pelo Brazil e as invasões francezas em Portugal no principio d'este seculo. E, finalmente, disse mais o nobre deputado que, aceitando-se aquella moção, a camara ía insultar os manes de um bravo e de um heroe, que acabava de morrer no campo da batalha.

Sr. presidente, disse eu ha pouco, e é exacto, que não sou eu que me levanto contra as opiniões que hontem aqui se produziram, é Portugal inteiro (apoiados), são as manifestações que se estão vendo por toda a parte (apoiados), são as illuminações espontaneas e outras manifestações de regosijo que apparecem na cidade do Porto, e as que se estão preparando n'esta capital (apoiados). Mais eloquentemente, do que as minhas pobres palavras, fallam essas manifestações de satisfação geral e de intima alegria. Contra as asserções do illustre deputado levantam-se a historia e a verdade dos factos (apoiados).

Nem se diga, sr. presidente, que é o interesse, que são as questões commerciaes, que são as vantagens para Portugal, que influem na opinião publica, porque o paiz não pensa assim (apoiados). A nação portugueza não se move nas suas affeições ou tendencias pelo espirito do mercantilismo (apoiados). Se Portugal se regosijasse com o acabamento da guerra do Paraguay por motivos de mero interesse, faltaria ao seu honroso passado (apoiados).

Nunca Portugal, senhores, foi uma nação que pensasse de tal maneira (apoiados). Se o tivesse feito talvez podesse estar hoje em outra posição com relação ao mundo; talvez podesse estar ainda hoje superior á primeira nação commercial da Europa (apoiados).

Não é pois o interesse que nos move. E que todos reconhecem que a guerra feita pelo Brazil ao Paraguay era justa e santa (apoiados); era o combate entre a civilisação e a barbarie, entre a liberdade e o despotismo (muitos apoiados).

Disse o illustre deputado que o Paraguay sustentava e lutava pelo direito contra a força...

O sr. Mariano de Carvalho. - Não disse isso. Disse que os paraguayos, com motivo ou sem elle, tratavam de defender os direitos da sua patria.

O Orador:- Mas o illustre deputado deixou duvidar sobre este ponto...

O sr. Mariano de Carvalho: - Não deixei duvidas nenhumas.

O Orador: - Perceberia mal... mas eu ouvi s. exa. declarar hontem aqui que Lopez sustentava a independencia do seu paiz, e que os paraguayos defendiam a sua nacionalidade.

Isto não é exacto, sr. presidente; e eu que não queria tomar tempo á camara, vejo-me forrado a expor os motivos e a origem d'esta guerra. Procurarei resumir-me em poucas palavras.

Emquanto que o Brazil, socegado no remanso da paz, se entregava ao desenvolvimento da civilisação e do progresso, o Paraguay pensava de ha muitos annos em tentar onquistas, armava-se até aos dentes, e preparava-se para se engrandecer, mesmo em territorio.

N'um bello dia acorda Lopez de um mau sonho, e sem mais nem menos, sem outras explicações ou reclamações, sem prévia declaração de guerra, manda aprisionar em Assumpção o vapor brazileiro Marquez de Olinda, que passando ali seguia seu caminho para a provincia brazileira de Mato Grosso. Note a camara que era um vapor de commercio, que confiando nos tratados existentes, subia desarmado e desprevenido o rio Paraguay.
Sem prévia declaração de guerra, Lopez aprisionou o vapor, roubou-lhe a carga e as avultadas sommas de dinheiro que levava; encarcerou e finalmente torturou até á morte os infelizes tripulantes e passageiros que elle conduzia, entre outros o novo presidente Carneiro de Campos, nomeado para a provincia de Mato Grosso, e irmão de um dos ministros destado do Brazil!

Eis o que deu origem e principio á guerra do Paraguay. Taes são os factos; e a camara avaliara de que lado estava o direito, de que lado estava a justiça!

O Brazil levantou-se como um só homem. Milhares de

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voluntarios se apresentaram ao governo, desejosos de lavar tão inaudito insulto das faces do grande imperio. E o governo brasileiro annuindo á vontade da opinião publica, não fez mais do que cumprir um dever sagrado.
Sr. presidente, onde está aqui o direito? Porventura o Brazil, punindo severamente a affronta que recebêra, violou os principios do direito das gentes?

Onde está aqui a prepotencia do forte sobre o fraco, e a luta entre o direito e a força?!

Onde está aqui o ataque á independencia do Paraguay, e a guerra á autonomia d'aquelle paiz?!

Tanto não havia similhantes intuitos por parte do Brazil, e tão justo pareceu o desforço que lhe cumpria tomar, que as proprias republicas do rio da Prata, inimigas figadaes do Brazil, e interessadas mais do que ninguem na conservação da sua independencia, não duvidaram colligar-se com o imperio para castigarem juntos o infractor de todos os principios do direito e de justiça.

O tratado de alliança, celebrado entre o Brazil e aquellas republicas antes da guerra, estipulou expressamente a independencia do Paraguay e a sua autonomia. Em todas as occasiões o Brazil deu testemunho de que não buscava engrandecimento de territorio, que não precisa, mas sómente a desaffronta do insulto recebido, e a regeneração de um povo tyrannisado. Em 1869, logo que os alliados occuparam a capital do Paraguay, apressaram-se em fazer eleger livremente um governo provisorio para aquella republica. E foi devido aos esforços de um illustre estadista brazileiro, o sr. conselheiro Paranhos, com quem tive a honra de conviver em Assumpção, que ali se estabeleceu effectivamente o actual governo provisorio do Paraguay.

Ora, se são estes os fastos, factos palpaveis e de todos conhecidos, como é que se vera dizer que Lopez sustentava a independencia do seu paiz, e que era justa por consequencia a sua causa?

Quem atacava a independencia do Paraguay? Quem lhe ameaçava a autonomia?
E porventura vem aqui a proposito lembrar as invasões francezas em Portugal?!

Porventura ha paridade entre a invasão do Brazil no Paraguay e as da França no nosso paiz?!

Porventura ha paridade entre a invasão levada a effeito pelo Brazil, que procurou um desforço do tyranno paraguayo, que havia altamente ultrajado o imperio, e as tenebrosas cogitações de Napoleão em Fontainebleau, e o tratado por elle celebrado com a Hespanha, pelo qual se fazia desapparecer Portugal do mappa da Europa?!

Nada mais direi sobre este ponto.

Mas a neutralidade?! Exclamou o illustre deputado. O grande principio da neutralidade?! Pois nós, que nos declarámos neutraes na guerra do Paraguay, como vamos agora apreciar os resultados da guerra, nós que, como fracos que somos, devemos pugnar sempre pelo direito, que é a nossa arma?

Pareceu-me ouvir isto n'esta casa, e creio que é a idéa do illustre deputado.

Não me parece, sr. presidente, que a redacção da proposta do sr. Pereira de Miranda possa offerecer taes duvidas. Mas não entro nessa apreciação.

Mas quando mesmo houvesse logar para duvidas haja-as ou não, pela minha parte, sr. presidente, eu desejo declarar aqui, alto e bom som, que me regosijo, e exulto com a victoria do Brazil, que me regosijo e exulto não só pela terminação da guerra, mas pela derrota do tyranno Lopez. Não é a sua morte que me alegra e satisfaz. A morte de um homem é sempre uma desgraça.

Regosijo-me sim pelo acabamento da guerra, porque vejo n'elle, como disse ha pouco, a victoria da civilisação sobre a barbarie, e do progresso sobre o retrocesso. Estimo a victoria dos nossos irmãos do Brazil, obreiros do progresso sobre a audacia de um despota, sacrificador do seu povo. Mas não é só isto, sr. presidente. Como portuguez eu exulto o regosijo-me com o solemne castigo infligido a um homem, que havia igualmente afrontado a nação portugueza! Custava-me a crer, sr. presidente, que se houvesse esquecido o facto importante, a que aqui alludiu ha pouco e muito a proposito, o sr. Freitas e Oliveira.

Lopez com relação a Portugal não era já belligerante. Se os neutros têem obrigação de respeitar o principio da neutralidade, muito mais a têem as potencias belligerantes. E Lopez tinha sido o primeiro a rasgar a neutralidade com relação a Portugal.

Lopez encarcerou o gerente do consulado portuguez, Leite Pereira, e o vice-consul de Portugal em Assumpção, Vasconcellos. Depois torturou-os, e mandouo-s fuzilar; e o mesmo fez a muitos outros subditos portuguezes, residentes no Paraguay.

Os factos são bem conhecidos. Mr. Washburn, ministro dos Estados Unidos no Paraguay n'aquella epocha, publicou extensas notas que são conhecidas de todo o mundo, e das quaes se vê que elle empregára grandes diligencias para salvar das garras de Lopez aquelles dois individuos, representantes do governo portuguez, mas que todos os seus esforços foram inuteis!

E qual foi o motivo d'este procedimento de Lopez? Quaes as rasões que deram causa á prisão, torturas e fuzilamento de Leite Pereira e de Vasconcellos ?

Nenhuma, sr. presidente.

É o mesmo mr. Washburn, individuo que pela sua posição merece todo o credito, testemunha presencial dos factos, e como ministro dos Estados Unidos mais naturalmente inclinado para a republica do Paraguay do que para o imperio do Brazil, quem nos assegura que nenhum crime tinham os dois representantes do governo portuguez, e que o procedimento de Lopez só pode ser attribuido á malvadez do seu caracter e á sua sêde de sangue!
Ora, sr. presidente, quando nós conhecemos estes factos, e temos d'elles documentos, comprehende-se porventura que não sejamos todos unanimes em nos regosijarmos pelas victorias do Brazil contra o Paraguay?!

Todos sabem que os representantes das nações estrangeiras, ministros ou consules, gosam de iminunidades e privilegios, e são inviolaveis, segundo o direito das gentes. Mas Lopez attentou contra todas as immunidades e privilegios das auctoridades portuguezas, porque para elle não havia direito das gentes, havia só odios o malquerenças!

Insultou Lopez a nação portugueza pela maneira mais barbara que dar-se póde.

Uma voz: - Parce sepultis.

O Orador: - Bem se sabe, e eu já o disse ha pouco, que não folgo com a morte d'aquelle homem; considero a morte de um homem sempre como uma desgraça. Mas como cidadão de um paiz livre, e como individuo em relação á humanidade, tenho o direito de apreciar os homens publicos. E quando vejo que o chefe de um estado desacata todos os principios, todas as leis divinas e humanas, é com a maior energia que eu me insurjo contra tal procedimento (apoiados).

Comprehender-se-ía, sr. presidente, que se pedissem explicações ao governo por aquelles factos. Comprehender-se-ia que se procurasse saber qual foi o desforço que o governo portuguez tirou de um attentado tão grave.

O que se não comprehende é que não exultemos todos com a derrota da causa de Lopez, e que depois dos factos que acabo de expor ainda se invoque o principio da neutralidade, para não tocarmos nos manes de um homem, que tão gravemente insultou a nação portugueza! (Apoiados.)

Era do dever rigoroso do governo portuguez exigir do dictador paraguayo a reparação de tão graves crimes.

Pois fuzila-se o consul portuguez no Paraguay, e o governo portuguez cruza os braços diante de um tal attentado?

Se em vez de pôr duvidas á moção do sr. Pereira de Miranda, e em vez de vir defender como a um heroe o in-

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dividuo que tantas atrocidades commetteu, e tão gravemente insultou os nossos brios, o illustre deputado viesse exigir do governo as mais serias explicações ácerca d'estes factos, de bom grado eu applaudiria o procedimento do illustre deputado.

Não peço eu ao governo taes explicações. Sei bem que mas daria completas e satisfactorias.

Sei que se deram aquelles factos em 1868, quando Lopez já se achava internado nos matos do Paraguay e bloqueado o rio pela esquadra brazileira.

Não sei o que fez o governo portuguez, mas o que sei é que pouco ou nada podia fazer em taes circumstancias. Para mais tarde tinha elle por certo o dever de exigir de Lopez as mais serias e satisfactorias reparações.
Ora, estas explicações e exigencias comprehenderia eu que se dirigissem ao governo.

O que eu não comprehendo, o que me custa a crer, e o que me doe profundamente é que ainda haja sentimentos de tanta dedicação, e até de admiração para com um homem que assim tratou o nosso paiz (muitos apoiados).

Não cansarei a camara a respeito dos rasgos de valor militar e de bom patriotismo, que hontem ouvi elogiar n'esta casa com relação a Lopez.
Seja-me porém licito dizer, quanto á sua valentia, que durante cinco annos, pois tantos tem durado a guerra, nunca Lopez appareceu n'um combate. Para o provar ahi estão as publicações de todos os dias, e as proprias declarações de muitos dos seus amigos e companheiros.

Não appareceu Lopez em pessoa a commandar; não combatia; conservava-se sempre longe do alcance das balas. O que elle sabia era sacrificar os filhos do seu paiz, fazer talar os campos, devastar tudo. Sabia matar mulheres indefezas e creanças innocentes; mas arriscar a sua pessoa nem uma unica vez o fez.

Algumas das ultimas noticias que trouxe o vapor Patagonia entrado hontem, referem que Lopez fôra morto no campo da batalha; mas note a camara que Lopez foi surprehendido, dizem-n'o as noticias publicadas nos jornaes de hoje. Não houve pois n'este ultimo episodio da guerra um combate franco o preparado. Não esperou Lopez á frente das suas tropas o ataque do inimigo. Nada d'isso. Elle não estava preparado, julgava-se seguro no seu esconderijo, foi completamente surprehendido pela maneira porque o referem os jornaes, e nem sequer teve tempo para disparar dois tiros.
Creio, sr. presidente, que não se poderá nunca citar este facto como prova do valentia e de coragem!

Quanto ao seu patriotismo, sabemos todos qual foi o procedimento de Lopez. O fuzilamento de seus proprios irmãos, as turturas que infligiu a suas irmãs, e os sacrificios constantes de homens, mulheres e creanças, fallam mais alto do que quanto eu poderia dizer á camara.

A parte masculina da população paraguaya quasi que desappareceu. Eu estive em Assumpção em janeiro d'este anno, e posso asseverar á camara que quasi não havia ali senão mulheres. Eram cerca de vinte mil mulheres, e todas ellas haviam estado exiladas pelas selvas d'aquellas paragens incultas, morrendo de fome e de miseria, aproveitando-se dos sapos, cobras, lagartos e laranja azeda, que eram o unico sustento que por lá encontravam. Por muito felizes se deram as que foram salvas pelos alliados, porque milhares de suas companheiras foram lanceadas pelo tyranno, só para que não caíssem prisioneiras do inimigo.

Sr. presidente, nunca se viu uma barbaridade assim! Se este é o patriotismo que elogia o illustre deputado, similhante patriotismo não o quero eu para nenhum portuguez (apoiados).

Perdoe-me a camara por lhe roubar algum tempo.

Nas circumstancias porém em que me acho, não só porque acabo de chegar do Brazil, mas tambem porque visitei as republicas do Rio da Prata e do Paraguay, procurando estudar por mim proprio o conhecer da verdade dos successos d'esta guerra, e do muito que se tem escripto por um e outro lado, eu tinha rigorosa obrigação de expor as rasões do meu voto, e as minhas idéas conscienciosas sobre o assumpto.

Mando para a mesa a minha moção de ordem, na qual proponho o que me parece ser mais rasoavel e curial.

Existem sobre a mesa differentes propostas, umas com uma idéa, outras com outras, e umas tres ou quatro no mesmo sentido. Parecia-me que o melhor era submettermos tudo á commissão diplomatica, para sobre ellas dar o seu parecer devidamente meditado; porque, desengane-m'o-nos, é preciso reflectir n'esta ordem de questões; estes assumptos não são nunca de pouca importancia. Quando a camara de um paiz se dirige a outro paiz, se dirige ao mundo, precisa de pesar as suas palavras, e de ver o que faz. E n'este ponto deu-nos o Brazil uma lição optima, que nos deve servir de exemplo.

Em janeiro de 1869 votaram-se duas moções n'esta e na outra casa do parlamento, felicitando a nação brazileira pelas victorias alcançadas em 1868. Votámos, como costumâmos aqui fazer, por acclamação. Não sei se horas depois já havia duvidas sobre a redacção das moções. É o inconveniente das acclamações precipitadas.

Que fez o Brazil? O Brazil recebeu as nossas felicitações; as camaras abriram-se em maio, e só mezes mais tarde é que responderam ás felicitações das nossas côrtes. Quer dizer que as camaras brazileiras receberam as participações e pensaram com prudencia e juizo;
remetteram-as ás commissões diplomaticas para serem examinadas, e só depois votaram os agradecimentos ás côrtes portuguezas.

Creio que este é um bom exemplo a seguir.

(Interrupção que se não ouviu.)

Eu posso testemunhar n'esta occasião, porque me achava no Rio de Janeiro na qualidade de encarregado de negocios de Portugal, que a satisfação que causaram as congratulações das côrtes portuguezas não podia ser excedida.

Os brazileiros estimaram intimamente que os seus irmãos de alem mar se lembrassem de os felicitar n'uma occasião de prazer e regosijo.

Não houve desconsideração na demora da resposta. A demora foi porque quizeram madura e placidamente examinar a maneira de agradecer, e de o fazer o mais delicadamente.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se admitte á discussão esta minha moção, que mando para a mesa na fórma do regimento.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que as moções de felicitação ao Brazil pela terminação da guerra do Paraguay, sejam remettidas á commissão diplomatica, a fim de que esta haja de dar sobre ellas o seu parecer.

Sala das sessões, em 20 de abril de 1870. = 0 deputado, Visconde de Valmór.

O sr. Freitas e Oliveira:- Essa proposta já foi rejeitada.

O sr. Secretario (Holbeche):- Então não a admittam (apoiados).

O sr. J. P. de Magalhães (para um requerimento): - O meu requerimento é o seguinte, e desejo que seja transcripto pelos srs. tachygraphos:

«Visto que toda a camara, sem excepção de um só membro, está accorde nas felicitações ao imperio do Brazil pela terminação da guerra com o Paraguay, e sendo inutil toda a discussão sobre este assumpto, requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga esta questão discutida.»

O sr. Freitas e Oliveira:- Isso não póde ser; ainda não fallou o auctor da proposta (apoiados).

O sr. Thomás de Carvalho:- Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente:- Ha o requerimento do sr. Pinto de

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Magalhães, e eu não posso deixar, em conformidade do regimento, de o pôr á votação.

O sr. Thomás de Carvalho:- Não sou como alguns membros d'esta casa que se lembram das disposições regimentaes; estou completamente esquecido d'ellas, e então perguntava se o requerimento é unicamente para acabar com as questões de ordem e entrar-se na materia, ou se é sobre a materia que se não discutiu. Não sei se isto é do regimento, mas sei que até agora por uma irregularidade, que não quero qualificar, a proposito da questão de ordem, tem-se tratado da materia. Confesse-se isto, porque de facto todos fallaram sobre a materia, apresentando moções de ordem, inventadas unicamente para inverter a ordem da inscripção.

Repito, o requerimento tende a acabar com todas as moções de ordem, ou é sobre a materia das propostas que estão na mesa.

Custa-me isto, porque me parece que a camara não deu a devida attenção aos termos em que vem redigidas algumas das propostas, e que é necessario pôr bem a claro o que não podemos fazer sem ouvir os seus auctores.

O sr. Presidente: - O requerimento do sr. Pinto de Magalhães creio que comprehende a materia em geral, isto é, a conclusão d'esta discussão, e peço ao sr. deputado o favor de formular o seu requerimento e manda-lo para a mesa. O sr. Pinto de Magalhães: - V. exa. e a camara sabem que a pratica constante n'esta casa é o discutirem-se as moções de ordem conjunctamente com a materia, e o facto que a camara acaba de presenciar o confirma. As moções que se mandaram para a mesa serviram de pretexto para alcançar a palavra com preferencia.

A questão é muito simples. Todos disseram: «felicitemos o Brazil», mas todos quizeram fallar na guerra; por consequencia, como todos estamos de accordo em que se felicite o Brazil, para que havemos de estar agora a discutir a maneira da felicitação?

Peço portanto a v. exa. que consulte a camara, se julga suficientemente discutida a materia, sobre todos os incidentes em relação ao Brazil.
Vozes: - Deixem fallar o auctor da proposta.

O sr. Presidente: - O que tenho de fazer é pôr á votação o requerimento do sr. deputado Pinto de Magalhães.

Posto á votação foi rejeitado.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Pedi a palavra já por umas poucas de vezes, e v. exa. ainda não se dignou conceder-ma. Nunca fui desattendido, e sinto que v. exa. o fizesse, talvez porque eu não fosse bem ouvido; peço que me inscreva, porque desde o momento que vejo que se despreza o regimento, desprezo-o tambem, e fallo sem ter a palavra.

O sr. Presidente: - Para que se não despreze o regimento, é que estou pedindo aos srs. deputados que se mantenham na ordem, e me deixem dirigir os trabalhos. O sr. deputado é o único que acaba agora de infringir as prescripções do regimento.

O sr. Mariano de Carvalho: - Nos poucos dias que esta camara está constituida tem-se dado aqui factos singularissimos que não tem similhantes em nenhum parlamento do mundo.

Uma voz: - Ora essa!

O Orador: - Não é essa, é isto, é o que está succedendo. Outro dia procedeu-se aqui, naturalmente por inadvertencia, faço essa justiça á camara, por tal fórma, que a materia foi julgada discutida, ainda antes de se discutir. Eu o demonstro.

Na penultima sessão o sr. Pereira de Miranda apresentou uma moção de ordem felicitando o Brazil pela terminação da guerra. A discussão que se levantou foi breve e reduziu-se a explicações de que era inopportuna a felicitação, por que não havia noticia official de ter terminado a guerra. Resolveu-se adiar a discussão até chegar essa noticia. Nada mais.
Na ultima sessão o sr. Pereira de Miranda perguntou ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se já havia noticia official a esse respeito; o sr. Mendes Leal respondeu que sim, e quando varios deputados, sendo eu um d'elles, pediram a palavra, a camara antes da minima discussão julgou a materia discutida (apoiados).

O sr. Pereira de Miranda:- Peço perdão; o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que tinha recebido as noticias officiaes e aceitara a proposta.

O Orador: - O sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou de feito que as noticias recebidas do Brazil pelo telegrapho e por via de Inglaterra estavam confirmadas, e que por parte do governo aceitava a moção, e que nós como homens, como portuguezes, e como pensadores a podiamos votar; nunca como deputados. Mas nem por parte do sr. ministro, nem por parte dos membros d'esta camara houve discussão. Surgiu o apagador official, levantou-se a maioria da camara e votou a materia discutida sem se ter dado a palavra a nenhum dos que a tinham pedido (apoiados). Esta é a verdade, materia julgada discutida sem se discutir.
Ainda agora o sr. Freitas e Oliveira quiz increpar-me, e eu aproveito a occasião para lhe agradecer os immerecidos louvores que me fez, por eu ter vindo perturbar a ordem dos trabalhos d'esta e roubar á camara o tempo necessario para o applicar aos objectos de interesse publico que lhe estão commettidos.

Pergunto: quem teve a culpa d'este facto? Fui eu? Não! Foi a camara pelo seu procedimento irregular, julgando sufficientemente discutida uma proposta antes de se discutir (apoiados).

Não sou o responsavel, não sou eu que pretendo levantar embaraços ao governo. E se de mim se podesse dizer isso, porque sou alcunhado de deputado da opposição, quando sou deputado do paiz, o que se póde dizer do sr. Ghira que é alcunhado de deputado ministerial e que apresentou uma proposta identica á minha?

O sr. Pereira Dias: - São diversas.

O Orador: - Na redacção podem ser diversas, na essencia não.

Pretendo pelas considerações que vou expor afastar ainda mais de mim a accusação de que venho perturbar os trabalhos da camara e desvia-la do verdadeiro exercicio das suas funcções.

Não careço de fundamentar a minha moção. O meu illustre amigo e collega, collega duas vezes, aqui e na escola polytechnica, o sr. Ghira, quando fundamentou excellentemente a sua proposta apresentou as rasões que eu poderia dar e muito melhor do que eu o fez no primor da phrase, por tal arte que eu não teria duvida em aceitar a sua moção retirando a minha, porque era igual na essencia. Se havia differença era na redacção. Estou pois dispensado de apresentar os motivos da minha moção, que alem disso de si são obvios.

Um dos primeiros monarchas do mundo civilisado, que assim lhe posso chamar, o imperador do Brazil, apresentou um nobilíssimo exemplo de illustração e espirito liberal (apoiados), preferindo a monumentos ostentosos e completamente inuteis, o derramamento da instrucção publica, porque ella é o fundamento essencial sobre que assenta todo o regimen liberal, e porque sem instrucção publica não só não póde haver liberdade, mas tambem o systema representativo é um sophisma como em toda a parte temos vicio, e particularmente em Portugal. E se o soberano do Brazil procedeu de uma fórma tal que podemos apresenta-lo como modelo e espelho a todos os soberanos do mundo, senão quiz ao lado do monumento em sua honra o negro escravisado e o branco opprimido, pergunto eu porque não havia a camara dos senhores deputados da nação portugueza, quando congratulava o Brazil por uma victoria, congratula-lo tambem por ter um tão digno soberano?! Entendo que se as duas moções se tivessem reunido, e

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se só não tivesse, antes do se discutir, julgado a materia discutida, estava preenchido o fim que eu tinha em vista.

Sr. presidente, não tendo portanto que fundamentar a minha moção, sou apenas obrigado a replicar a algumas observações que aqui foram feitas, e dar explicações sobre as palavras que proferi n'esta casa.

Hontem, quando tive a honra de fazer algumas observações á camara, não indaguei as causas da guerra entre o Brazil e o Paraguay, não quiz saber se o Brazil usára dos seus legitimos direitos, empenhando-se n'uma guerra contra aquella republica; não inquiri se o Brazil, com as suas victorias, tinha realmente feito no Paraguay um serviço á civilisação; não condemnei as manifestações de regosijo que em todo o nosso paiz se fazem pelo triumpho das armas brazileiras e pela terminação da guerra, e até não podia condemnar essas manifestações, porque com o jornalista me associei a ellas.

Disse que a camara dos senhores deputados da nação portugueza, que se declarara neutral n'este guerra entre o Brazil e o Paraguay, não devia ha dois annos ter aqui votado uma moção congratulatoria ao Brazil pelo acabamento da guerra, e muito menos hoje o póde fazer, porque a guerra está terminada com completa derrota de uma das partes contendoras (apoiados). A camara, procedendo de um modo diverso, foi de certo muito pouco generosa, e contrariou a indole do nosso povo.

Se nos declarámos materialmente neutros, deviamos tambem ser neutraes moralmente, porque o voto d'esta assembléa respeitavel não podia deixar de ter peso moral na opinião, e portanto de favorecer ou prejudicar aquelle entre os quaes nos dissemos neutros. E tanto esta é a verdade, que o sr. visconde de Valmór, tendo estado no Brazil, confessou ha pouco que quando, tanto n'esta camara como na dos dignos pares, se votou uma moção congratulatoria ao Brazil, essa nação exultou e naturalmente se exaltou pela manifestação de apoio moral dado por uma nação civilisada (apoiados). Portanto nós demos força moral ao Brazil para continuar a guerra e talvez para ser mais exigente nas condições da paz.

O Brazil estava dividido em dois partidos: um era favoravel á guerra, o outro queria a paz, julgando já a honra satisfeita; e por consequencia a moção congratulatoria que esta camara votou, tendo ido dar força ao partido da guerra, influiu na direcção e na sorte d'esta. Deixámos de ser neutraes moralmente, faltámos á palavra que solemnemente deramos. (O sr. Saraiva de Carvalho: - Apoiado.)

Também hontem lamentei, sr. presidente, a falta de generosidade que havia para com os vencidos.

Eu não disse, sr. presidente, que eram de louvar todos os meios de que Lopez se servíra para conseguir os seus fins; não sympathisei com o seu caracter; não louvei os seus actos; não podia, embora defendesse uma causa santa e generosa, applaudir a sua fórma despotica de governo. O que disse foi que Lopez caíra nobremente entre os seus soldados pelejando pela independencia da sua patria, pela qual empenhára todos os esforços humanamente possiveis e fizera os maiores sacrificios até o da propria vida. Ainda estão quentes os seus restos e já aqui o accusam de cobarde, affirmando que sempre fugira dos combates, fiando-se cegamente nas participações brazileiras, naturalmente suspeitas e parciaes. Não se lembram que elle sustentou em pessoa todo o bombardeamento de Humaitá e esteve em quasi todas as batalhas! Queriam que elle combatesse nas primeiras fileiras como simples e obscuro soldado! Qual general procede assim? Uns são os deveres do chefe, outros os do soldado.

O que disse foi que Lopez e os que combatiam a seu lado combatiam por uma causa santa e generosa. Podiam estar enganados na maneira de proceder, podiam para se defender usar de meios que a moral condemna, mas arriscavam as suas vidas e os bens mais preciosos pela sua patria.

Deviamos respeitar-lhe o valor e o infortunio. Esta é a verdade, porque, não se diga que os paraguayos repelliam contra sua vontade os exercitos brazileiros, coagidos pelo terror que Lopez lhes inspirava. Como se póde acreditar que Lopez só pelo seu poder levasse atrás de si toda a população, talasse os campos, incendiasse as povoações, sendo a população hostil á causa que elle defendia? Como se admitte que todo o exercito do Paraguay não se levantasse como um só homem, quando o obrigavam a combater contra os seus desejos e seus interesses? Essas allegações são contos de embalar creanças. Os paraguayos seguiam Lopez, porque este era para elles o symbolo vivo da sua patria e da sua independencia. Disse tambem que n'aquella moção do sr. Pereira de Miranda éramos contra o principio da não intervenção, porque, para applaudir o Brazil condemnavamos o Paraguay, julgávamos da indole e da illustração do seu povo, e da forma do seu governo. Isto é contra o principio da não intervenção, e nós que somos pobres e pequenos, devemos zelar esse principio, e mante-lo, porque é hoje a nossa unica salvaguarda, contra o poder da força.

Não apreciei a guerra, não quiz saber de que lado estava a justiça ou injustiça. Emitti a minha opinião singular como deputado da nação portugueza, sobre uma votação d'esta casa, opinião que eu teria emittido antes se me deixassem. Se esta é incontestavelmente a verdade, caem por terra todas as arguições dos meus illustres contendores.

A propósito de toda esta questão o meu amigo o sr. visconde de Valmór aventou diversas asserções a que preciso replicar.

Disse s. exa. que contra a minha repugnância de votar uma moção congratulatoria ao Brazil, se levantam as festas que se fizeram no Porto e os festejos que se preparavam em Lisboa. Basta me só lembrar a s. exa. que os cidadãos d'este paiz que festejam as victorias do Brazil são cidadãos e podem em tal caso proceder como quizerem. Na qualidade de cidadão e de portuguez me associo a elles. Mas aqui fomos deputados, e não podemos proceder do mesmo modo. As manifestações do povo são livres e não se podem comparar com uma decisão da camara dos deputados da nação portugueza que se declarou neutral.

Os illustres deputados, os srs. Freitas e Oliveira e visconde de Valmór, decidiram que não podiamos declarar-nos neutraes, porque o Paraguay não era una nação, nem uma nacionalidade. Espanta-me a asserção e admira-me a coragem com que nos arvoramos aqui em arbitros do mundo e supesâmos a balança onde se pesam as nações e as nacionalidades. O Paraguay não era nação! Porque o reconheceram então todas as potencias, e nós entre ellas como nação livre, independente e senhora dos seus destinos? Não era nacionalidade! Que mais vivida e robusta a queriam, do que tendo resistido largos annos e com uma tenacidade digna de melhor sorte aos esforços reunidos do Brazil, Montevideu e de Buenos-Ayres! Não comprehendo que pretendam roubar lhe os seus furos, só porque hoje jaz vencida aos pés dos seus inimigos poderosos.

Mas o Paraguay não se podia considerar potencia belligerante, ouvi eu dizer, porque Lopez mandou assassinar o nosso vice consul, e portanto é justo que felicitemos agora o Brazil, não só pelo acabamento da guerra, mas tambem porque nos desaffrontou da injuria sangrenta que o Paraguay nos inflingiu!

Não admitto, nem por um momento só, que Lopez mandasse assassinar o vice-consul portuguez sem motivo nenhum, e só por sede de sangue, como disse o sr. visconde de Valmór. E inadmissivel, porque contraria a rasão.

Lopez, como muitos acreditam por ahi, era uma especie de vampiro sedento de sangue, e assassinou o vice-consul portuguez só para saciar essa sêde. Póde uma assembléa illustrada dar o minimo valor a similhante asserção?

Mas supponhamo-la verdadeira. Que resulta? Que a nação portugueza recebeu na face essa affronta com que Lopez a feriu,

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attentando contra a pessoa do nosso consul. Calámo-nos com ella, soffremos resignados, e só quando Lopez caíu fulminado pelas balas brasileiras é que nos lembrâmos da offensa para felicitar o Brazil, que nos desaggravou!

Não tivemos a coragem de pedir a Lopez, quando vivo, reparação do insulto que nos fez, hoje que está morto é que nos chega o sentimento da offensa e vamos agradecer ao Brazil o ter-nos apagado da face o rubor do golpe com que o Paraguay nos feriu! Ahi estão as consequencias da argumentação viciosa dos illustres deputados. Querem-nas?

Repito porém que não sei se Lopez teve ou não motivo para mandar justiçar o vice-consul portuguez; por emquanto o motivo que se apresenta, só de sêde de sangue, é para mim suspeito, e vem de documentos suspeitissimos. Não creio que um homem intelligente e illustrado, energico e valoroso, como elle era, mandasse assassinar um homem só por sêde de sangue. Não acredito, não póde ser.

Tambem para justificar a votação desta camara, e me combater a mim o illustre deputado, o sr. visconde de Valmór, trouxe para a discussão outros pontos em que eu não tinha tocado, como por exemplo as causas que deram logar á guerra do Paraguay.
Não tinha tratado de similhante questão, mas, chamado a este terreno, preciso mostrar ao illustre o deputado que tambem tenho conhecimento d'essas causas, e que não é exacto o que s. exa. nos contou.

Disse o illustre deputado que esta guerra começara em virtude de Lopez ter tomado um vapor mercante brazileiro, que estava ancorado em Assumpção, e a bordo d'elle aprisionou o presidente da provincia de Mato Grosso, e torturou-o até que morreu de molestia. Porque não dizem que o assassinou tambem por sêde de sangue?

Acrescentou s. exa. que Lopez se preparava havia muito tempo para esta luta, armando se até aos dentes, quando o Brazil, Montevideu e Buenos Ayres estavam inteiramente descansados, sem conhecimento algum d'este facto, e todos entregues ás lides pacificas de trabalho e da civilisação.
Pergunto se isto se póde acreditar? A republiqueta do Paraguay preparava-se ostensivamente para conquistar o Brazil immenso, Montevideu e Buenos Ayres. E estas nações não viam nada, dormiam no remanso da paz!
Os factos não são estes; os motivos da guerra do Paraguay não são só os que o illustre deputado apontou. Houve causas proximas e causas remotas. O apresamento do vapor brazileiro e a prisão do presidente de Mato Grosso, que o nobre deputado apontou, não foi causa proxima nem remota; foi apenas um dos primeiros incidentes da luta.

Uma causa remota foi a secular rivalidade entre as raças portugueza e hespanhola na America do sul, rivalidade que no seculo decorrido tambem nos causou serias difficuldades n'aquella parte do mundo. Até ha pouco as republicas de Montevideu, Buenos Ayres e Paraguay, unidas, mantinham como representantes da raça hespanhola o equilibrio contra o Brazil. Esse equilibrio rompeu-se e a culpa foi do Brazil, custa-me dize-lo, mas obrigam-me. Rebentou uma revolta em Montevideu, e o Brazil, alliando-se com os revoltados contra o governo legitimo, invadiu de repente o territorio montevideano sem nenhuma declaração de guerra. Com este auxilio inesperado os revoltosos triumpharam e ao governo que constituiram exigiu e impoz o Brazil a sua alliança, á qual depois attrahiu Buenos-Ayres. Assim o Paraguay estava isolado e ameaçado porque, segundo causa remota, o Brazil ha muito desejava senhorear-se da navegação dos rios Paraguay e Paraná, e abrir fáceis communicações da provincia de Mato Grosso com o mar. Lopez previu o perigo e quiz conjura-lo com um golpe de audacia e de arrojado valor. Para se defender invadiu o territorio inimigo como até em guerras defensivas é licito e uso fazer. Depois teve que recuar, porque foi vencido.

Esta é a verdade histórica por todos sabida.

Isto é uma questão incidente de que eu não queria tratar, mas a que fui chamado; o que discutia, o que apreciava no exercicio dos meus direitos como deputado, era o procedimento d'esta camara. Não me parecia bem approvar a moção do sr. Pereira de Miranda por causa das palavras «com applauso das nações civilisadas», porque isto era desconsiderar o Paraguay, era julgar o seu governo e o seu povo, para o que não temos direito.

Ainda veiu tambem o sr. visconde de Valmór com uma comparação entre as origens da guerra peninsular e as origens da guerra do Paraguay, perguntando: que comparação ha entre a invasão de Portugal pelos francezes e no do Paraguay pelos brazileiros; onde se viu na guerra ha pouco finda algum tratado secreto como o de Fontainebleau, que nos expoliava e nos riscava do numero das nações? Ha toda. O parallelo é completo, até nos tratados secretos. Ao de Fontainebleau opponho o tratado secreto de Buenos Ayres, pelo qual o Paraguay era expoliado, e se lhe pretendia impor condições opprobriosas. Este tratado foi conhecido por uma indiscrição, e contra elle se levantaram protestos enérgicos, entre os quaes citarei o dos Estados Unidos. Alem disso Junot, entrando em Portugal com o seu exercito, proclamava que nos vinha civilisar, libertar e tornar dignos de entrar no convivio das nações cultas, como os brazileiros allegavam que íam fazer igual beneficio ao Paraguay. Os factos e os protestos são equivalentes.

Eu estou fatigado, não me parece mesmo que o objecto mereça maior discussão, mas declaro que não retiro a minha moção, porque acho dignissimo da camara applaudir o illustrado e liberal procedimento do imperador D. Pedro II; dizem-me que é uma questão de politica interna em que não devemos entremetter-nos. Mas tambem não deviamos entremetter-nos em julgar a guerra entre o Brazil e o Paraguay; tambem não deviamos condemnar o governo e o povo do Paraguay. Para nós tambem esta era questão estranha, se tal devesse considerar-se o assumpto da minha moção. A instrucção publica e os esforços em prol da sua disseminação importam a toda a humanidade e não a um só paiz. São questões geraes e não particulares a este ou áquelle paiz. Em todo o caso antes quero applaudir um acto nobre e generoso, que a morte de Lopez e a derrota do seu exercito e do seu povo.

Estou um pouco fatigado e não quero cansar mais a attenção da camara. A minha moção não preciso defende-la porque ninguem a atacou. Para o fazer tomarei de novo a palavra, se for preciso e mo permittirem. Declaro porém que não a retiro, porque entendo que faz honra á camara. Mas como a essencia é tudo e a fórma pouco vale, declaro que aceito qualquer redacção incluindo a que o sr. Ghira deu á sua moção. Entre a minha e a d'elle ha completa paridade de idéas, e ambas estão separadas por um abysmo da que o sr. Pereira de Miranda apresentou.

O sr. Thomás de Carvalho: - Visto que se trata de congratulações, permitta-me v. exa. que nos congratulemos todos (apoiados) por ter sido concedida a palavra ao illustre deputado auctor da proposta, que acaba de fallar. A camara fez me um grande obsequio em ceder aos meus desejos porque, como ella ouviu, começou o digno deputado por a accusar de intolerante, quando. Creio que ella deu a maior prova de paciencia, ouvindo o seu longo discurso sobre a guerra do Paraguay! (Apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: - Não durou quatro horas...

O Orador: - Não podia ser mais longo fazendo-nos um resumo dos boletins que vieram pelo ultimo paquete. Não era isso o que estava em discussão. S. exa.

sabe-o perfeitamente, e vê o com a clarissima intelligencia que tem.
De que se tratava era de justificar a proposta que s. exa. enviou para a mesa, e que eu peço a v. exa. o obsequio de me mandar, porque quero mostrar á camara bem claramente quaes são os termos em que ella está redigida, e qual póde ser o intuito dessas phrases (apoiados). (Leu.)

A tão solemne assembléa, como é uma camara de deputados, representantes do paiz, não comprehendo que se apresente mais inopportuna nem mais insolita proposta (apoia-

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dos). Peço a attenção da camara para a seguinte phrase, «faustosas e inuteis estatuas de bronze!» Não sei se todos lhe deram o valor necessario e preciso. Basta porém o valor grammatical.

«Faustosas e inuteis estatuas de bronze!» Parece que alguma cousa atraiçoou o espirito ou a mão do auctor da proposta; o espirito de certo, a mão foi inconsciente.

Querendo fazer um alto elogio ao imperador do Brazil, diz que elle rejeita monumentos faustosos e inuteis. E realmente grande gloria fazer taes rejeições!!! (Muitos apoiados.)

Mas a questão é mais alta! (Apoiados.)

Eu não quero, nem de certo a camara deseja, dar a esta discussão uma grande solemnidade; uma solemnidade que ella não comporta. As congratulações estão feitas. Nós felicitámos a nação brazileira, por terem terminado os desastres que opprimiam aquelle grande paiz; e n'essa felicitação, comprehendemos o magnânimo imperador que representa a nação na sua suprema magestade. As felicitações estão pois feitas, é inutil insistir n'ellas: portanto a proposta por este lado não sómente é inoportuna e escusada, mas veio contrariar o andamento regular dos trabalhos da camara, e de negocios que são de importancia immediata.
Esta proposta ainda tem maior alcance pela maneira por que está redigida. Quando eu ouvi que o illustre deputado pedia a palavra para um requerimento, regosijei-me commigo mesmo, porque esperei por um momento que s. exa. retirasse aquellas phrases. E note se que eu não tenho rasões nenhumas, nem pessoaes nom políticas, para contrariar o illustre deputado; mas aquelles termos comprehendia eu que haviam de necessariamente offender e ferir os sentimentos artisticos de s. exa., e só por um descuido inconcebível podiam ter sido escriptos.

Aquellas phrases significam a negação de todo o progresso e de toda a civilisação; significam a negação da historia de todos os povos e de todos os tempos.

«Faustosas, diz assim a proposta, faustosas e inuteis estatuas de bronze!» Inuteis os monumentos que servem para commemorar o nome dos grandes homens ou a historia dos grandes feitos!

Se s. exa. não fosse tão illustrado, se ao menos não tivesse cursado os rudimentos dos lyceus, eu poderia fazer-lhe algumas observações a respeito da historia antiga e moderna para lhe mostrar quanto as artes são elemento solido e inabalavel da civilisação dos povos.

Não sabe elle porventura que em Athenas havia uma rua immensa feita de estatuas sómente, para commemorar os nomes dos heroes da sua historia, e tambem para apresentar ao povo figura da mente a imagem dos seus deuses do Olympio, protectores da republica?

Roma povoou de estatuas e de monumentos a cidade Santa; e era ali, ali sómente que o romano ía aprender a significação daquelle verso do grande epico, tão grande como o povo a quem era dirigido:

Tu regere imperio populos, romane, memento.

O sr. Mariano de Carvalho: - E ao lado a escravidão, que não convinha illustrar.

O Orador: - Porventura a escravidão diz alguma cousa contra os monumentos? Não me consta que essa instituição venha contrariar o instincto do bello que existe no coração do homem (apoiados).

Sabe mais, pelos mesmos rudimentos que cursou e que depois esqueceu, segundo parece; sabe perfeitamente que, se o seculo do renascimento tomou o nome de Leão X, foi unicamente porque este grande principe da igreja, este summo pontifice protegeu, amparou e desenvolveu as artes e as sciencias. O seculo tomou o nome do homem que o consubstanciava.

O proprio Luiz XIV decerto não será lembrado na historia mais pelas victorias dos seus invictos marechaes do que pelo desenvolvimento que ao progresso e á civilisação do seu tempo deram as artes e as letras, que elle igualmente protegeu e amparou.

O sr. Mariano de Carvalho:- E que opprimiu, vilipendiou e enforcou, tolhendo o progresso das artes e letras, porque outra cousa não conseguem os despotas quando se mettem a protege-los.

O Orador: - Este é o peior dos systemas; o systema de ver sómente o mal (apoiados). Não ha espiritos que sejam mais atormentados do que os que não vêem as cousas senão pelo peior lado. Parecem aborrecer a luz. Estão sempre a olhar para o poente. E tristíssimo.

(Aparte.)
A final é bom haver de tudo (riso). Se não houvesse d'estes homens, não havia opposição, não as víamos nós n'esta casa (riso).

Entenda o illustre deputado que se eu lhe faço estas observações, não é porque não creia piamente que elle tem os mesmos sentimentos que eu tenho.

Outros foram os seus intuitos, e eu não quero entrar n'elles, mas faço-lhe a justiça de acreditar que elle crê como eu a respeito das artes, das letras e das sciencias. Não podemos ter duas opiniões a este respeito.

S. exa. sabe perfeitamente que nem só de pão vive o homem. Di-lo o grande livro, o grande monumento; o livro, o monumento por excellencia. Sabe perfeitamente que todos temos dentro de nós alguma cousa que vive em outras regiões mais altas que adora o grande, que adora o bello, que adora o sublime; e é em nome d'esse principio, de cuja existencia o meu collega está dando todos os dias tão claras provas no seu jornal, que eu lhe peço que, retirando a sua proposta, faça mais justiça á sua intelligencia, e faça tambem justiça á dignidade da camara, que se acha offendida com as citadas phrases.

Propostas assim não são das que se rejeitam, nem das que se approvam; ouvem-se e eliminam-se. É d'este modo que costumam os parlamentos, que costumam as grandes assembléas considerar propostas similhantes, porque sabem perfeitamente que ellas não podem exprimir o pensamento d'aquelles que as apresentam, nem da corporação a que foram dirigidas.

Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem.

O sr. Alves da Fonseca:- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia de todas as propostas suficientemente discutida.

Este requerimento foi approvado, e passando-se a votar, foi a proposta do sr. Freitas e Oliveira approvada, ficando prejudicadas todas as outras.
Ia por consequencia entrar-se na segunda parte da ordem da dia, quando disse

O sr. B. F. da Costa: - Peço que se consulte a camara sobre se me dá agora a palavra, para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da marinha e ultramar, que está presente, relativamente a um assumpto gravissimo.
A camara, sendo consultada, annuiu a este pedido.

O sr. Bernardo Francisco da Costa: - Sr. presidente, um dos jornaes de Lisboa, o Diario popular, escreve o seguinte:

«Parece que as cousas da India vão ainda peior do que se julgava. Ha serios indicios de que a guarnição militar d'aquelle estado talvez se negue a receber, o sr. visconde de S. Januario como governador geral. É possivel que aquella tropa insubordinada pratique mais este desatino, fiando-se na impunidade que acolheu a sua primeira revolta. Corre que o sr. ministro da marinha deu ordem ao sr. visconde de S. Januario, a fim de alistar a força precisa para entrar á força em Goa, se tanto for exigido. Em todo o caso esta situação da India é grave, e complica mais o nosso já difficil problema colonial.

As folhas da India, que alcançam a 14 de março, dizem que muitos officiaes do exercito se reuniram para pedirem a conservação do sr. Pestana. Os mesmos officiaes fizeram

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representações para serem pagos em moeda forte, e requereram que os europeus luto vão preencher as vagas existentes no exercito. Hoje talvez não haja ali mais de 7 officiaes europeus e umas 6O ou 70 praças de pret. Talvez por serem tilo poucos os europeus, pude vingar a revolta militar.
Estas reuniões e representações são indicios graves. Que faz o governo?»
Eu não sustento a veracidade d'esta noticia em todas as suas partes; o nobre ministro e que deve saber com exactidão o que se tem passado.
O que me consta é que na India se revolucionou a maior parte da guarnição, e pelos jornaes da capital vejo que se dizia que ella não queria aceitar o novo governador que o governo da metropole para lá mandou.

e este estado de cousas não for tomado em consideração pelo governo e pela camara, póde aquella provincia julgar que está abandonada, o que podo trazer irremediaveis consequencias, e eu persuado-me que é necessario darmos ao menos uma demonstração de interesse por aquella provincia, para dar força ao governo e á auctoridade, a lira de que o imperio da lei possa continuar a ter ali vigor (apoiados).

Eu não posso approvar o meio violento de que aquella força se serviu para fazer as suas reclamações; tinha meios legaes de que lançar mão (apoiados).

Espero pois que o governo dará as convenientes explicações, e desde já prometto da minha parte todo o apoio que lhe for necessario para trazer essa força aos limites do seu dever (Vozes: - Muito bem).

Por esta occasião tenho a honra de declarar que o povo do estado da India é affecto, quanto se póde ser, á corôa portugueza (muitos apoiados), e que da parte d'aquelles povos não ha demonstração nenhuma violenta contra os actos do governo da provincia, ou contra as ordens da metropole, e que elles não se associaram á revolta militar (apoiados. - Vozes:- Muito bem).

Tenho tambem obrigação de fazer justiça ao exercito d'aquelle estado, dizendo que da parte d'elle não me consta pela minha correspondencia ter havido outro acto qualquer de depredação ou violencia, apanagio ordinario d'essas convulsões, alem da revolução contra o governo, revolução que muito sinto se tivesse realisado; sentindo igualmente que o governador geral fosse levado á situação de se ver na necessidade de assignar uma ordem do exercito, que eu não sei nem quero qualificar, na qual, em vez de economia que o governo tinha intenção de fazer na reforma que decretou, se annullou essa reforma (contra a qual eu hei de apresentar algumas reclamações), e se augmentou a despeza em cerca de 40:000$000 réis provinciaes sobre o estado anterior, se concedeu amnistias, actos que estão expressamente prohibidos aos governadores geraes, já pelo decreto de 14 de agosto de 1856 sob graves penas, como não comprehendidos no dominio da urgencia, já pelo decreto de 2 de dezembro do anno passado, alem de se fazerem algumas promessas que nunca se costumam exprimir da maneira como se acham n'aquelle deploravel documento. Estes actos da parte de um governador geral tão sisudo e tão respeitavel, como o sr. conselheiro José Ferreira Pestana, demonstram até á evidencia que elle esteve sob a pressão da mais activa coacção quando assignou aquella ordem do exercito, que lhe foi dictada pela insurreição militar.

Desejo, pois, que o nobre ministro me diga, se as cousas voltaram aos seus eixos, e se existe o pedido do exercito da India para a conservação do actual governador geral, e se ha receios fundados de que não seja recebido o novo governador geral, e se este tem ordens para entrar em Goa á força; o que, caso seja necessario, eu respeito como uma das mais tristes necessidades.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Relello da Silva): - Agradeço ao illustre deputado a pergunta que me fez, porque desejava ter occasião de dar explicações á camara sobro este assumpto. Eu responderei n'este momento muito consisamente para desvanecer quaesquer apprehensões que existam, pedindo ao illustre deputado e á camara que se realise a interpellação que s. exa. annunciou sobra o estado dos negócios da india, porque desejo apresentar documentos que de certo a satisfarão completamente.

Sobre os pontos que o illustre deputado acaba de tratar agora devo dizer, que é facto ter recebido um telegramma assignado por alguns officiaes do exercito da India pedindo, que propozesse a El-Rei a conservação do actual governador geral. Depois das occorrencias que tinha havido é inutil dizer á camara, que não dei resposta ao telegramma (apoiados. - Vozes: - Muito bem), nem a merecia (apoiados). O governo examinara as petições que lhe forem submettidas, e ha de proceder ácerca d'ellas como entender, mas emquanto lhe não forem submettidas devidamente e resolvidas cumpre-lhe fazer cumprir a lei. E o que fez. Mandou partir immediatamente o governador geral novamente nomeado para a india, o sr. visconde de S. Januario, e muniu-se das instrucções convenientes e correspondentes ás ordens que já constaram dos telegrammas.

O illustre deputado sabe bem a maneira por que as cousas estão organisadas na india; sabe que a força armada excepto dezoito ou vinte individuos, está toda nas mãos dos naturaes d'aquelle estado. Já em 1866 houve uma tentativa de revolta, ou mais que tentativa, houve de facto uma revolta feita por um batalhão estacionado em Mapuçá; este facto não foi punido; foi coberto com uma amnistia, e isso animou as tentativas actuaes. Sabe-se que para estes factos serviu de pretexto a reforma militar, e quando este negocio vier á discussão eu mostrarei á camara o que é esta reforma. Sabe-se tambem que elles se originaram de reuniões que tiveram logar em casa de alguém que não é desconhecido, e que esse alguém tem grande influencia no ex-governador da india.

O governo tem procurado receber todas as informações, e não podia, nem póde proceder sem as ter completas. Dei todas as instrucções, na proporção dos esclarecimentos que tinha, ao sr. visconde de S. Januario, e estou resolvido a empregar todos os meios que forem necessarios de modo que a India seja governada segundo a lei e não segundo o imperio da força armada (muitos apoiados).

Já tive uma conferencia com o meu collega ministro da guerra interino, e espero que havemos collocar a auctoridade e o principio do governo em circumstancias de defender o povo da India, que é bom, submisso e respeitador da lei (apoiados). O povo ha de ficar em circumstancias de não ser sacrificado (apoiados).

O governo tambem espera que a auctoridade, nas mãos do seu delegado, ha de ser mantida em toda a altura em que ella o deve ser (apoiados); o estado da India ha de receber os progressos e os aperfeiçoamentos de que carece, e que hão de ser satisfeitas as suas necessidades (muito bem).
Quanto á revolta, que não tem outro nome, saída dos quarteis, quanto á insurreição, ha de proceder com efficacia mas com justiça (apoiados). Assevero á camara que emquanto tiver a honra de me achar nos ronselhos da coroa, a lei ha de ser respeitada e respeitada sem excepção de ninguem (apoiados). Repito, dei todas as ordens que podia dar; expedi e hei de mandar expedir alguns telegrammas. Se acaso, como diz o jornal que o illustre deputado acaba de ler, o novo governador, nomeado por Sua Magestade no livre exercicio das suas prerogativas, e que vae tomar conta dos negocios da india, achar resistencia ás ordens que lhe foram dadas, esteja a camara certa de que elle vae já investido dos meios legaes para fazer cumprir essas ordens e respeitar a lei (apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

(S. exa. não reviu estas suas observações.)

O sr. B. F. da Costa: - Agradeço ao nobre ministro

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as explicações que deu, e espero da sua benevolencia que responderá com brevidade á nota de interpellação que lhe dirigi, porque n'essa occasião a camara terá todos os esclarecimentos. Estou satisfeito.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DA ELEIÇÃO DO CIRCULO DE PENACOVA.

O sr. Freitas e Oliveira: - Não escolhi, não procurei, não desejei a posição em que estou.

O desempenho de uma obrigação que me foi imposta por esta camara, quando me fez a honra de eleger para a commissão de verificação de poderes, e a escolha que de mim fizeram os meus collegas para relator deste parecer, é o que me traz a este logar.

Devo porém confessar a v. exa. que apesar d'isto, apesar da longa viagem que fizemos pelo Brazil e pelo Paraguay (riso), e apesar dos enjoos proprios de tão longa viagem, enjoos que aliás se dissiparam com o eloquente e artistico discurso do meu prezado collega, o sr. Thomás de Carvalho, eu estou perfeitamente á minha vontade, porque se é verdade que quando escrevi este parecer, que é de toda a commissão, pois tem o voto do meu collega, o sr. Alves da Fonseca, que por estar ausente o não assignou; se é verdade, repito, que quando lavrei o parecer contrariei um pouco as inclinações do meu coração, mais propenso á indulgencia do que ao rigor, é tambem verdade que satisfiz plenissimamente ás aspirações da minha consciencia.

Será desnecessario dizer que me não assoberbou o espirito nenhuma especie de affecto ou de antipathia.

Um dos contendores na luta (cujo é o processo que se discute), foi meu condiscipulo dois annos, foi já meu collega n'esta camara, e tenho com elle as melhores relações. É o sr. Fernando de Mello. O outro é um cavalheiro cujo nome eu respeito, por quem tenho a maior consideração, mas a quem nunca fallei, e com quem não tenho relações nenhumas. E o sr. Pedro Monteiro.

A politica tambem não influiu nem podia influir de modo algum no meu animo, porque ambos os candidatos pleitearam e pleiteiam ainda o mais acrisolado ministerialismo.

Sr. presidente, este parecer é muito longo, mas parece-me que não contém palavras inuteis. Escrevi muito com o propósito de fallar pouco, e se não tivesse de rectificar algumas proposições menos exactas que o illustre deputado eleito em Penacova aqui apresentou, todo o meu discurso se limitaria a pedir a v. exa. que mandasse imprimir o d'aquelle illustre deputado, que o mandasse juntar como documento ao parecer da commissão, que concluiria ainda por mais aquella rasão, que a eleição se deve annullar por todos os principios de legalidade e de moralidade.
Mas s. exa. apresentou aqui algumas proposições que eu não posso deixar passar sem reparo.

S. exa. confundiu a justificação judicial com o corpo de delicto, e ainda que estranho á sciencia do direito como eu, s. exa. não póde de certo ignorar que nos corpos de delicto não se examina senão a existencia do facto; não se indaga, nem se podia indagar quem foram ou quem são os individuos que o praticaram. Não se trata aqui senão do facto. No corpo de delicto relativo á falsificação da acta da assemblea de Tabua, eu não vejo senão os factos. Não me importa saber quem foram os falsificadores. Existiu a falsificação, é o que a commissão assegura fundada nos documentos apresentados pelos dois candidatos e fornecidos pelo ministerio do reino.

O illustre deputado eleito sublinhou cone certa ironia uma phrase do parecer da commissão, quando esta diz: «Examinando com a maior attenção, com o maximo escrupulo e completa imparcialidade etc.»

Se com esta ironia o sr. deputado quiz insinuar que a commissão omittiu dos documentos alguma circumstancia que fosse favoravel a s. exa. ou desfavoravel ao seu competidor, emprazo o para que assim o declare sem rodeios nem obscuridades. E se tem algum documento novo, apresente-o, que eu estou prompto a sujeita-lo á apreciação da camara e a modificar a conclusão do parecer, te esse documento for de força tal que destrua todos as considerações em que a commissão fundamentou a sua opinião.

Há aqui tres especies de documentos. Documentos mandados para a mesa pelo sr. deputado eleito em Penacova, documentos mandados para a mesa pelo seu competidor o sr. dr. Monteiro Castello Branco e documentos que a commissão requisitou do ministerio do reino.

O sr. deputado eleito declara que os documentos mandados para a camara pelo seu competidor não têem legalidade alguma, porque são justificações gratuitas.

Já disse á camara que esta asseveração é menos exacta. Aquelles documentos não são justificações eiveis, são corpos de delicto, como igualmente o são os que s. exa. apresentou, para contrariar o que nos outros affirmam as testemunhas inquiridas. Os depoimentos d'aquellas testemunhas merecem-me exactamente o mesmo credito que o das que depõem nos corpos de delicto por s. exa. apresentados, que aliás são menos contestes.

Mas se s. exa. quer que a commissão não faça caso d'esses documentos a que s. exa. erradamente chama justificações, por entender que não têem authenticidade, nem auctoridade, em iguaes circumstancias estão os documentos da mesma especie que s. exa. apresentou para contrariar os do seu competidor, e n'esse caso ficam sómente os documentos officiaes mandados pelo ministerio do reino, fica provada sómente a falsificação feita na acta da assembléa da Tabua, e o deputado eleito não é então o sr. Fernando de Mello (apoiados).

Mas a commissão não procedeu assim. Recebeu todos os documentos que lhe foram apresentados por um e outro candidato, comparou-os com os documentos officiaes, avaliou o credito que merecia o que se allegava por uma o outra parte, e depois de pesar bem todas as circumstancias d'este volumoso processo e de attender principalmente ás informações officiaes que o illustre deputado quasi deu por suspeitos, formulou o seu parecer.
Esses documentos officiaes a que o illustre deputado parecia não querer alludir, mereceram á commissão todo o credito porque foram mandados ao ministerio do reino pelo governador civil de Coimbra, que é um homem que não tom politica; é um homem serio, que tem servido com differentes governos e não póde por consequencia ser suspeito principalmente áquelles que foram partidarios de todos esses governos. Nem testemunho d'elle, nem das auctoridades em que elle deposita confiança póde ser suspeito ao illustre deputado.

E o que declara o governador civil de Coimbra? «Que as participações officiaes recebidas dos tres concelhos de que se compõe o circulo, e as informações particulares transmittidas de diversos pontos até ao dia 16 de março eram accordes em declarar que o deputado eleito fora o dr. Pedro Monteiro, porém n'aquelle dia correu a noticia de que o deputado eleito era o dr. Fernando de Mello que obtivera na assembléa de Tábua 582 votos, e não 452, tendo o dr. Pedro Monteiro 16 e não 146».

Por quem eram transmittidas estas noticias ao governador civil de Coimbra? Estas noticias officiaes eram transmittidas pelos seus delegados, e se o sr. deputado não póde suspeitar da probidade do sr. governador civil, não póde por forma alguma suspeitar tambem dos empregados que lhe merecem confiança, que elle aliás immediatamente suspenderia se o não tivessem informado com exactidão e verdade.

De uma só auctoridade subalterna suspeitava aquelle digno magistrado, mas essa, por ordens emanadas de uma repartição superior ao governador civil, foi conservada no seu emprego apesar de trabalhar abertamente a favor do candidato que ali se dizia da opposição, e que na secretaria do reino se apresentou como ministerial. Assim desempenhou o nobre ministro do reino a palavra empenhada para

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com o nobre deputado de manter em todo o circulo a mais completa neutralidade. Assim o fez.

Esta promessa recordo-a ao illustre deputado n'uma carta, insinuando, pela fórma por que a recorda, que ella se não cumpriu. Cumpriu-se, e tanto que o administrador de Penacova depois de declarar que trabalhava pelo deputado eleito, este administrador não foi demittido nem suspenso.

Mas para que estou eu a cansar me a justificar um parecer que não foi atacado em nenhuma das suas partes? O que se disse, o que se apresentou por parte do illustre deputado eleito, alem dos documentos que estão juntos ao parecer, foram tres argumentos com que s. exa. pretendeu sustentar o seu direito a tomar assento nesta casa.

S. exa. combateu o parecer:

1.° Porque não eram dignas de credito as testemunhas que depozeram nos corpos de delicto apresentados pelo seu adversario, porque as accusações que se faziam de se terem falsificado as actas da assembléa de Tabua eram produzidas pelos seus inimigos, pelos sicarios da Beira;

2.° Porque aquella acta se fez no mesmo dia, e que é falso o que asseverou o administrador substituto, o seu competidor e todas as testemunhas, quando dizem que a acta se fez no mesmo dia, que só se apresentou tres dias depois;

3.° Que no concelho de Oliveira do Hospital se lhe subtraíram mais de trezentos votos.

Estes são os tres únicos argumentos que s. exa. apresentou; em tudo o mais que disse só fez a biographia de diversos individuos seus vizinhos, com quem eu não tenho nada, que não conheço, não sei quem são, e espero não conhecer.

Por consequencia creio que respondendo a estes tres factos, tenho respondido a todas as observações do illustre deputado eleito.
Disse s. exa. que o asseverar-se que a acta da assembléa de Tabua não exprimia o resultado da eleição, era mais um estratagema de guerra que lhe moviam os seus encarniçados inimigos de muitos annos, os homens perversos que têem assolado a Beira, cujo appellido é um estygma de ignominia e de deshonra =. Será assim, não duvido; desde o momento em que se me diz que os sicarios, os malvados, guerreiam um homem de bem, e de tanta influencia como o illustre deputado, tudo me leva a acreditar que isso assim póde ser, e não me espanta o facto.

Mas, sr. presidente, tenho aqui as actas e os cadernos das descargas da eleição de 1865, em que o illustre deputado foi eleito por unanimidade, e parece-me que já em 1865 estes homens eram as mesmas honestas creaturas que hoje pão; que os seus feitos já eram conhecidos de todos, que já o paiz se horrorisava com a narração das suas barbaridades, e que já por todos os homens honrados era estygmatisada a impunidade dos seus crimes.

Todavia, o que vejo eu na assembléa de Midões? Vejo no caderno das descargas todos os que têem aquelle appellido sinistro, menos um, dar o seu voto ao sr. deputado eleito, e não encontro nos registos parlamentares que s. exa. se levantasse com aquella voz tetrica, potente e apavorada com que hontem nos fallou dos taes criminosos, para vir renunciar o voto com que elles concorreram para esta unanimidade. Elles aqui estão todos descarregados, menos um, menos Antonio da Silva Brandão, e até o secretario da mesa que rubrica as descargas é um Brandão.
Vou á assembléa de Tabua e vejo o administrador substituto, que tanto mereceu as iras de s. exa.; aquelle que dava couto aos malvados, o celebre Gabriel de Albuquer que a unanimidade com que s. exa. foi votado n'essa eleição, onze horas da manhã. Vejo tambem aqui descarregado o escrivão de direito, esse homem que, segundo affirma o sr. Fernando de Mello, affronta a justiça ha tanto tempo; esse homem que pertencendo á terra que o illustre deputado eleito representou nuns poucos de parlamentos, e no principio sempre como deputado ministerial, não lhe foi possivel ainda assim com a sua influencia, faze-lo saír d'esse conselho onde ultraja a moral e a justiça. E digo mais, que só este facto que pedi explicar a rasão por que o illustre deputado no principio das legislaturas é ministerial, e no fim é opposição. E o illustre deputado tem rasão, E por um principio de moralidade que deve estar acima das considerações politicas que o sr. deputado eleito tem procedido por esta fórma, porque naturalmente exigindo s. exa. de todos os governos a demissão d'este escrivão, e não a obtendo de nenhum, vê-se forçado a deixar os homens que não querem concorrer para que na terra da sua naturalidade, a justiça seja desaffrontada. Pois este homem tambem concorreu para a unanimidade da eleição de s. exa., e acha-se aqui descarregado o celebre Antonio Moreira Coelho! Só não encontro o nome do desgraçado escrivão interino, desse infeliz que jazeu entre duas denuncias a do administrador se não jura, e a do illustre deputado porque jurou.

S. exa. tem dó d'esse infeliz; desejarei bem que não tenha dó de mim, se o dó do illustre deputado se patenteia por uma denuncia desta ordem; denuncia que já teve os devidos effeitos, porque o nobre ministro da marinha logo que lha ouviu, foi indagar, se effectivamente no registo de sua secretaria o denunciado tinha ou não a nota de desertor. Está destruído o grande argumento de que a falsificação da acta de Tabua não existiu, que tudo foi um plano de uma denuncia feita pelos seus inimigos Brandões, que serão inimigos hoje, mas que eram pelo menos correligionarios políticos, quando concorriam para a eleição com o illustre deputado foi unanimemente eleito nas assembléas em que elles votavam.

Mudaram em cinco annos! Não me espanta; ha quem em dois annos tenha mudado tres vezes.

O outro argumento é que se fez a acta no dia 13; que não podia deixar de se fazer; que estava presente o substituto do administrador do concelho, que tinha obrigação de não deixar a assemblea antes do pôr do sol sem a acta estar feita; que se não podia fazer essa falsificação porque estava presente o seu competidor que era um homem muito digno, e que não podia por fórma alguma consentir n'aquella illegalidade.

Ou o homem é muito digno, ou não. E, se o é, o seu testemunho vale.

Elle diz que assistiu a todo o acto eleitoral na assembléa de Tabua; que elle teve 146 votos, e o sr. Fernando de Mello 452; que não se fez a acta no dia da eleição; que lhe offereceram um attestado, mas que elle se contentára com a palavra de honra dos membros da mesa, de que a acta, feita depois, exporia fielmente o resultado do escrutínio (apoiados).

O illustre deputado eleito não quiz porém fazer caso da carta em que elle o diz, e que é um documento junto a este processo, porque na opinião de s. exa. não era documento que se juntasse.

Pois eu entendo que devia ser examinada pela commissão, desde que tinha sido mandada para a mesa da camara e que a mesa a tinha remettido á commissão, e desde que essa carta fôra escripta por um cavalheiro, que foi deputado, que é lente da universidade de Coimbra, e que ha de merecer credito aqui, e em toda a parte onde as suas asseverações não forem desmentidas e onde elle for tido por um homem digno como o illustre deputado diz que elle é.

O administrador substituto tambem diz que não se fez a acta n'aquella assembléa, é o governador civil, na sua informação, diz igualmente que não foi recebida pelo administrador do concelho de Tabua senão no dia 17, depois das onze; em tudo o mais que disse só fez a biographia de diversos individuos seus vizinhos, com quem eu não tenho nada, que não conheço, não sei quem são, e espero não conhecer.

E o illustre deputado eleito, sem dizer, que se fez, porque não é capaz de faltar á Verdade, diz que não podia deixar de se fazer; e não apresenta documento algum que prove que se fez!

Temos agora o terceiro argumento. Diz s. exa. «subtra-

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hiram-me 300 votos em Oliveira do Hospital; e, se não fosse isso, tambem eu poderia dar muito bem os 130 votos de Tabua ao meu adversario».
Surprehendem-me muito todas estas evoluções arithmeticas quando se trata de uma questão de consciencia; todavia seguirei o illustre deputado na sua argumentação.

Tiraram-lhe 300 votos em Tabua!

Eu digo á camara quantos votos teve s. exa. ali em 1869, o anno passado quando era candidato ministerial, e ainda não era administrador substituto do concelho o cavalheiro contra quem s. exa. apresentou hontem, entre outras accusações, uma portaria do actual presidente do conselho de ministros, em que se lhe fazem asperas censuras.

Essa portaria julguei-a eu assignada pelo sr. bispo de Vizeu. E não fiz com isso, senão justiça ao caracter d'aquelle prelado, que de certo se occupasse a cadeira de ministro do reino na occasião em que os factos foram denunciados, teria procedido do mesmo modo.

Não é senão para louvar o procedimento do actual presidente do concelho de ministros, como seria para louvar o do sr. bispo de Vizeu, sobretudo se, sabendo donde as informações vinham, tivesse de fazer calar a affeição aos do seu partido.

Pois em 1869, quando o sr. deputado eleito fui candidato ministerial neste concelho de Oliveira do Hospital, onde hoje diz que lhe tiraram 300 votos, teve s. exa. ali 183 votos e o seu competidor que era então opposição e radical, teve 1:120.

Entretanto quem ganhou a eleição foi o sr. Fernando de Mello, porque teve no seu concelho de Penacova 2:686 votos, e o seu adversario 200.

Era opposição o anno passado o adversario do sr. Fernando de Mello; na o tinha em Oliveira do Hospital nenhuma destas auctoridades de quem se queixa hoje o sr. Fernando de Mello, e todavia este não póde alcançar n'aquelle concelho mais de 183 votos. Este anno que s. exa. se dizia ali opposição, que o seu adversario tinha tudo, que as auctoridades o combatiam, foram-lhe subtrahidos 300 votos! De quem, se s. exa. com a auctoridade a seu favor nunca teve ali mais de 183?!

Mas em Penacova! porque se não falla em Penacova? Neste concelho e no de Tabua teve o sr. Castello Branco quando era opposição 200 votos, e hoje que s. exa. dispunha de tudo das auctoridades e dos malvados teve apenas mais 143 votos! É tristissima a influencia das auctoridades e da destreza dos malfeitores no circulo de Penacova! (Riso.)

Entretanto, sr. presidente, o que se prova da leitura dos documentos? Prova-se que a eleição foi feita com animo despreoccupado e com recta imparcialidade? Não, o que se prova é que a acta da assembléa de Tabua não está em conformidade com o apuramento dos votos e vê-se que se subtrahiram votos a um candidato para os dar a outro (apoiados).

E qual é a prova que se apresenta a favor da acta? E o resultado da reunião dos dezoitos portadores de actas na assembléa do apuramento!
N'esta eleição ha uma cousa notavel.

Na assembléa do apuramento em Penacova, reunem-se todos os portadores de actas com o presidente. Pretende-se impugnar a genuinidade da acta da assembléa de Tabua com o fundamento de que está falsificada, porém tendo-se approvado o parecer que a julgava valida, foi apresentado um protesto, mas tendo sido rejeitado, a minoria composta de nove portadores de actas retirou-se, reuniu-se em assembléa de apuramento nos paços do concelho de Oliveira do Hospital, fez uma acta da assembléa de apuramento realisada n'esse concelho e passou diploma e proclamou deputado o sr. Pedro Augusto Monteiro Castello Branco, e os outros nove portadores de actas fizeram maioria com o seu presidente a favor do sr. Fernando Augusto de Andrade Pimentel de Mello, lavraram uma acta da aesembléa de apuramento realisado em Penacova e conferindo o diploma áquelle cavalheiro, proclamaram-no deputado eleito da nação portuguesa! Esta é a verdade e que não é contestada nos corpos de delicto apresentados pelo sr. Fernando de Mello, que todavia qualifica de desaforado o procedimento dos portadores de actas que se reuniram era Oliveira do Hospital.

Pois que haviam de fazer estes homens depois de lhes ter sido rejeitado o protesto que apresentaram?! Não tinham que fazer senão retirar-se, porque estavam num sitio de tanta confiança que até ao governador civil pediram que lhes mandasse força, e o governador civil não só lha mandou, mas até commetteu essa diligencia ao administrador do concelho de Coimbra, porque o administrador do concelho de Penacova não merecia confiança a todos porque tinha entrado abertamente na luta em favor do illustre candidato.

Mas depois de lhes ser rejeitado o protesto e estando em sitio tão seguro, o que tinham a fazer? Tinham unicamente o recurso de se retirarem e de fazerem em logar de confiança o que realmente fizeram (apoiados).

Por consequencia, esta eleição foi falsificada por differentes meios, e em differentes assembléas, e não se podendo apurar o numero exacto de votos que foi subtrahido de um para outro candidato, não se póde portanto fazer uma operação arithmetica igual á que se tem feito relativamente a algumas eleições, é a commissão de parecer que deve ser annullada a eleição do circulo 37.

Mas, sr. presidente, pretendendo encontrar em contradicção os srs. Silveira da Mota, e Alves da Fonseca, o illustre deputado eleito alludiu á eleição da Figueira, que foi defendida por aquelles cavalheiros; mas ainda nisto foi infeliz, porque não ha paridade alguma entre a sua eleição e aquella a que s. exa. alludiu.

Na eleição da Figueira houve uma unica inexactidão, falsificação ou irregularidade, e é o terem sido mettidas na uma quarenta listas a mais do que o numero das descargas; e o que fez a commissão de verificação de poderes? Tirou ao deputado mais votado esses quarenta votos, que era o maior prejuizo que elle podia ter, e ainda assim ficou com maioria absoluta. Todavia com relação á eleição de que se trata, não succede o mesmo.

Não se póde calcular exactamente qual o numero de votos subtrahidos de uma e outra parte, sabemos que se subtrairam 130 votos em Tabua, sabemos que se subtrairam perto de 80 votos em uma das assembléas de Oliveira do Hospital, sabemos ainda que em algumas listas foi lido um nome por outro, portanto a commissão propondo que esta eleição fosse annullada, propoz o unico alvitre justo, visto que se não póde determinar exectamente o numero de votos que realmente teve cada um dos candidatos.

Se a minha posição especial de relator d'este parecer me não obrigasse a entrar por este modo em uma discussão d'esta ordem; se eu fosse nesta questão simplesmente jurado como o são os meus collegas da camara, apresentaria a propósito desta eleição uma moção de ordem, seguindo o exemplo de um grande genio e de um grande coração, exemplo dado por José Estevão, que encarava todas as questões por um lado grande e nobre, quando se tratava de discutir uma eleição, que tinha muitos pontos de analogia com este. Refiro-me á eleição de Lamego aqui discutida em 1858.
N'essa eleição que então era por circulos de mais de um deputado, apresentaram-se na camara com diplomas cinco individuos, que eram Pedro Rebocho, Tavares Gavicho, Ribeiro Faria, Alexandre S. Thomás e Pinto Ferreira. Estes eram os que traziam diplomas, e os que se seguiam em votos eram os srs. Telles de Vasconcellos, Lopes Branco e outros.

A commissão de poderes examinando o processo eleitoral e verificando que, em uma assembléa se tinham commettido grandes irregularidades, e que tinha havido gran-

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dos infracções, o vendo que da annullação desta assembléa, resultava que, em logar de ser eleito o Br. Pinto Ferreira que trazia diploma, ficava com maioria absoluta de votos o sr. Telles de Vasconcellos, que não tinha diploma, foi do parecer que este era o eleito e que devia ser proclamado deputado da nação.

E esta circumstancia de ter diploma ou não ter diploma, parece-me insignificante. A camara reconhece o direito a quem o tem para aqui entrar; a camara reconhece pelo processo só o deputado eleito é fulano, e esse é que é o deputado proclamado (apoiados).

Foi por tanto proclamado deputado o sr. Telles de Vasconcellos, e as pessoas que assignam esta parecer são os srs. Vellez Caldeira, Marreca e Lobo d'Avila (Joaquim). Este parecer tinha cor ministerial porque os membros da commissão eram da maioria, e a opposição que era composta no partido regenerador, que hoje já não existe, porque assim o confessou um dos seus orgãos em o jornal onde escreve pessoa que muito respeito e que eu julgo competentissimo para passar esta certidão de obito. O partido regenerador era quem combatia esta eleição; José Estevão estava nesse partido, e toda a gente se admirou de que elle, em logar de se apresentar a combater com os seus collegas o parecer da commissão, apresentasse no fim d'essa sessão a seguinte proposta, isto é, que pedisse a palavra sobre a ordem, e mandasse para a mesa a seguinte proposta sobre o parecer da commissão de poderes relativo á eleição de Lamego:

«A camara, reconhecendo que a lei eleitoral existente carece de algumas garantias efficazes para manter a liberdade eleitoral, e que lhe faltam providencias, sem as quaes o voto publico mal póde ter consciencia e valor moral, resolve proceder desde já á reforma da mesma lei com o intuito de assegurar por todos os meios a verdade da eleição, considerando para esse effeito de muita efficacia a eleição de um deputado por cada circulo.»

Isto teve logar no fim da sessão; a proposta foi mandada para a mesa, quasi que se não ouviu, nem a camara lhe prestou attenção, o que acontece muitas vezes quando se apresentam propostas ao fechar da sessão.

No dia seguinte o presidente da camara, que dirigia os trabalhos com a mesma intelligencia e imparcialidade com que v. exa. preside a esta assembléa, mandou pelo secretario proceder á segunda leitura desta proposta. Quando se terminou essa leitura, e se tratou de votar, levantou se José Estevão gritando e clamando que lhe tinham roubado esse documento do ventre dos autos, que esse documento não era uma proposta avulsa e estranha ao assumpto de que se tratava, á eleição de Lamego, oppoz a que ella fosse então discutida e votada.

Observou-lhe o sr. presidente e alguns deputados que a proposta era completamente alheia á eleição de Lamego, e que por isso não podia deixar de ter uma discussão distincta e separada, e que se não podia considerar como moção de ordem com relação ao assumpto que se debatia. José Estevão insistiu, e durou esta questão incidente duas sessões sem elle dar á camara a rasão por que entendia que a proposta pertencia á eleição de Lamego.

Depois, quando a final se discutiu a eleição de Lamego, obteve elle da maioria, cousa que lhe era facilima com os recursos de que dispunha, que se lhe concedesse a palavra para justificar a sua moção de ordem; e era um discurso politico e eloquentissimo, como todos que fazia, disse que o seu fim não era oppor-se ao parecer da commissão que estava prompto a votar por elle com a condição de que os deputados se haviam de comprometter a empregar os meios para por uma vez se pôr termo ás irregularidades praticadas não só n'aquella eleição, mas em outras que já tinham sido approvadas pela camara, porquanto o que se deprehendia de todas aquellas irregularidades era a necessidade absoluta que havia de reformar a lei eleitoral.

Eu concluo a respeito desta eleição de Penacova, e de outras pelas quaes já temos passado com mais ou menos indulgencia, como José Estevão concluiu com relação á eleição de Lamego; e pedia que isto nos servisse de exemplo para tratarmos quanto antes de proceder a uma reforma eleitoral; porque, esta eleição nos mostra evidentemente, que a juncção d'estes dois concelhos num só circulo eleitoral fui um tremendo absurdo de circumscripção, que consideração nenhuma attenua (apoiados).

Eu lamento que o governo actual, a quem não censuro n'estas circumstancias, porque sei que não podia dispensar o voto da camara em virtude do empréstimo que estava realisando em Londres, lamento que elle não pudesse cumprir uma obrigação a que estava sujeito pela opinião do todos os seus membros, que era a de reformar o decreto dictatorial que fez esta circumscripção (apoiados).

Não receie tambem a camara que por se mandar proceder a nova eleição no circulo n.° 37 se dêem scenas de sangue, e se a auctoridade cumprir o seu dever, se o governo fizer o seu, que é, tirar dos concelhos as auctoridades da localidade e nomear para todos os pontos individuos estranhos ás localidades; se isto se fizer assim, a eleição pode correr com toda a imparcialidade, podem os dois candidatos servir-se do todos os meios legitimos para vencerem a sua eleição, e eu quasi que posso asseverar á camara que não hão de haver scenas de sangue e que só ha de vir á camara o candidato que na verdade e legalmente tiver obtido maior numero de votos.

Sr. presidente, tomei muitos apontamentos do que disse s. exa., mas não respondo a mais ponto nenhum, porque alem dos pontos a que mo referi, s. exa. apenas só occupou em fazer a analyse do valor das testemunhas, e é exactamente essa analyse, que eu não quero fazer, porque não conhecendo nenhuma não saberia quem acreditar. Os individuos de Penacova dizem muito mal dos de Oliveira do Hospital; estes pagam se do mesmo modo, e até já ouvi dizer das auctoridades de Penacova que vieram uma vez a Coimbra como réus e foram condemnados por falsificadores, nem mais nem menos. Tinham falsificado o nome do juiz ordinario!

Em questões desta ordem, tudo que for avaliar o valor das testemunhas, é curar por informações; mas eu como membro da commissão não vi senão os documentos officiaes. Examinámo-los, pesamo-lhe todas as circumstancias, e decidimo-nos pela fórma por que o parecer concluo. Se o illustre deputado eleito, e qualquer outro senhor, apresentar contra o parecer alguns argumentos, a que eu entender que preciso responder, tomarei novamente a palavra.

Por agora conclui.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de ámanhã é a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

23 - IMPRENSA NACIONAL - 1870

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