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N.° 15

SESSÃO DE 16 DE JULHO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

egunda leitura, e admissão de dois projectos de lei e d'uma proposta para renovação de iniciativa. - Communicação do sr. presidente a camara sobre a não comparencia do sr. presidente do conselho. - Desistencia da palavra por parte do alguns srs. deputados que ao achavam inscriptos, por terem apresentado avisos previos. - O sr. Queiros Ribeiro discursa detidamente, no sentido do mostrar que entre nós a justiça está, carissima, e é morosa o variavel nas suas decisões, indicando em seguida alguns alvitres para se obviar a estes defeitos. Resposta do sr. ministro da justiça. - O sr. Tavares Festos apresenta e justifica um projecto de lei, relativo á promoção do alguns officiaes. - Approva-se uma proposta de aggregação, apresentada pelo sr. Simões Reis. - O sr. Porreira do Almeida chama a attenção do governo para alguns assumptos, e refere-se a uma phrase do sr. Alpoim, proferida na sessão anterior o que elle, orador, julga allusiva no seu tempo do embarque. - Mandam para a mesa avisos previos os era. Teixeira de vasconcellos e Avellar Machado. - Apresentam propostas para renovação de iniciativa os srs. Ravasco e Reymão.- O sr. Franco Castello Branco, tendo pedido e obtido a palavra para negocio urgente, dá conhecimento a camara de dois telegrammas que recebeu, accusando acontecimentos graves na Povoa do Varzim, que podem dar logar á alteração da ordem no acto da eleição supplementar de um deputado, a que só está ali procedendo. Resposta do sr. ministro da justiça.

Na primeira parte da ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 18, construcção de um cruzador no arsenal da marinha, concluindo o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Marianno do Carvalho. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - É rejeitado um requerimento do sr. Ferreira do Almeida para usar terceira vez da palavra sobre o projecto, e em seguida e este approvado.

Na segunda parte da ordem do dia entra em discussão o projecto n.º 11, pelo qual ficam garantidos aos lentes militares da escola naval os direitos, de que foram privados por dois decretos dictatoriaes de 1895.- Abre o debato o sr. Marianno do Carvalho, que fica com a palavra reservada. - Declaração do sr. presidente de não ter sido alterada pela respectiva commissão a redacção do projecto de lei n.º 13. Explicações em relação ao regimento da camara. - Approvação do requerimento do sr. Queiroz Ribeiro para lhe ser concedida a palavra, de que usa em seguido explicando o sentido de alguns pontos do seu discurso antes da ordem do dia.- Justificação de faltas.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 47 srs. deputados. São os seguintes: - Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Arthur Alberto de Campos Henriques, Carlos Augusto Ferreira, Conde do Alto Mearim, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Fartado de Mello, Francisco Limpo do Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar do Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Catanho de Menezes, José de Mello Pereira Sampaio, José Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Sarros, José Bento Ferreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Manuel Pinto de Almeida, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Augusto Cesar Claro da Ricca, Bernardo Homem Machado, Carlos José do Oliveira, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paçô Vieira, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo do Carvalho, Sertorio do Monte Pereira, Visconde de Melicio e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: -Adriano Anthero de Sousa Pinto, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Conde de Burnay, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Silveira Vianna, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Joaquim José Pimenta Tello, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, Leopoldo José de Oliveira Mourão e Luiz Fisher Berquó Poças Falcão.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Renovação de Iniciativa

Renovo a iniciativa do meu projecto de lei de 3 de janeiro de 1883, creando mais dez majores na arma de cavallaria, e que era firmado tambem pelos srs. Marianno Prosado, D. Jorge de Mello, Francisco Ravasco, Francisco José Machado e José Gonçalves Pereira dos Santos. = Dantas Baracho.

Lida na mesa, foi admittida e enviada da commissões de guerra e fazenda.

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Refere-se esta renovação ao seguinte

Projecto do lei

Senhores. - Seja-nos permittido, no goso de um direito que nos assisto, chamar a vossa esclarecida, attenção para o estado em que se encontra a arma da cavallaria, e uso propor medidas do maior alcanço, porque as circumstancias do thesouro e não permittem, mas simplesmente as alterações que do justiça é fazer á organisação de 1884, a fim do que esta arma não constitua uma excepção, odiosa como todas as excepções que não se desculpam, entre as outras armas do exercito. Referimo-nos á maneira como está constituído o pessoal superior doa regimentos do cavallaria.

Ninguem ignora quo a arma de cavallaria, que parecia condemnada a desempenhar, na arte da guerra, um papel secundario, em seguida á adopção das armas portateis e de artilhem com o alcance do tiro que estas armas actualmente têem, se rehabilitava mais tarde, reoccupando o antigo e preponderante logar que outr'ora desempenhou. Os mais esclarecimentos escriptos militares são hoje unanimes a esse respeito.

As famosas expedições dos hulanos, durante a guerra franco-pruasiana, foram o prenuncio d'essa rehabilitação, a qual mais se accentuou na ultima campanha turco russa, ficando registadas como lendarias as arrojadas correrias do general Gurko que, pouco depois dos russos atravessarem o Danubio, transpunha os Balkans, aventurando-se até ás portas de Andrinopla, com surpresa geral de quem acompanhava com interresse as peripecias d'aquella campanha. Foram ainda a habilidade e rapidez, com que operou a cavallaria, que evitaram que Plewna fosse abastecida, o deputado da rendição d'esta praça, cuja defeza heroica, por parte de Osman-Pachá, está na memoria de todos, foi tambem essa arma que preparou o prompto aniquilamento da defeza turca.

Estas provas praticas, cujus effeitos foram escrupulosamente estudados, chamaram a attenção para aquella arma, e as nações previdentes ampliaram os seus exercitos com mais corpos d'essa indole, dotando-os com melhoramentos attinentes a que a sua mobilisação seja, para assim dizer, instantanea. D'este modo, a França, por exemplo, onde são destinados seis dias para que a artilheria, e a infanteria passem de pé de paz ao pé de guerra, reserva apenas quarenta o oito horas para identica operação na cavallaria.

E comprehende-se esta desigualdade, doado que é esta arma que inicia as hostilidades, por vezes apoiando a artilheria, e sempre adiantando-se em correrias, preparando a invasão.

Entre nós, triste é dizel-o, muito ha que fazer para que a cavallaria esteja á altura da sua missão, quer com elemento essencial invasor, quer cobrindo as retiradas, já batendo-se a cavallo, já combatendo a pé, como com frequencia a isto póde ser forçada, o que tem dado margem a que seja designada infanteria a cavallo. Indicar e propor os meios para que ella attinja esse desideratum, taxar-se-ía n'esta occasião de ocioso, porque as despezas a realisar seriam avultadas, porventura iriam muito alem dos nossos actuaes e parcos recursos financeiros. Mas nem por isso se deve deixar de procurar, dentro de modestos limites, quo só caminho para o aperfeiçoamento, nivelando desde já, pelo que respeita ao numero dos officiaes superiores, as differentes armas.

Reconhecer que dois majores são indispensaveis para a instrucção, administração e boa organisação nos corpos de infanteria, de artilheria montada e até de engenharia e de artilheria do posição, e fazer excepção para a cavallaria, cujo serviço é tão complexo e demanda, para bem cumprido, muita intelligencia, applicação e actividade, não se justifica, nem sequer desculpa.

Em 1884, quando se procedeu a reforma do exercito, se poderia ter imperado, para que se decretasse aquella anomalia, o facto, que no nosso para tanto se tem, infelizmente, em linha do conta, da promoção em cavallaria estar mais adiantada do que na infanteria, embora estivesse já mais atracada do que no estado maior, na engenheria e artilhem.

Mas ha tempo que desapparecem este obice, se obice se póde denominar a desigualdade de então. É a arma do cavallaria aquella em que, pelo seu trabalho violento, a saude e a vida mais se gastam, e todavia é ella a que actualmente está mais atrazada em promoção.

As seguintes informações, referidas a l de janeiro do corrente anno, dito d'isso perfeita idéa.

É em presença d'estas considerações que nós temos a honra do submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A organisação do exercito de 30 de outubro de 1881 é modificada na parte relativa ao quadro dos officiaes superiores de cavallaria, sendo este augmentado com mais dez majores, a fim de que cada um regimento d'aquella arma tenha dois officiaes d'essa patente.

Art. 2. Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 3 de janeiro de 1888. = Sebastião Baracho - Marianno Presado = D. Jorge de Mello = Francisco Ravasco = F. J. Machado = José Gonçalves Pereira dos Santos.

Relação nominal do ultimo major em cada arma e no corpo de estado maior, relação referida a l de Janeiro de 1888

[Ver tabela na imagem.]

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Quadro comparativo da promoção nas armas de infanteria e cavallaria, desde alferes até major inclusive, e referidos a 1 de janeiro de 1888

[Ver tabela na imagem.]

Notas.- Pela promoção a effectivo de alferes graduado de infanteria, Santos Pestana, ficou extincto, como acima ao diz, esta classe n'aquella arma. Este alferes graduado era de 22 de julho de 1885.

O ultimo alferes graduado de cavallaria, promovido a effectivo, é de 7 de janeiro de 1881. Ficam existindo ainda 63 alferes graduados na arma de cavallaria.

Mappa demonstrativo do movimento das differentes armas, referido a l de janeiro de 1888 com relação aos officiaes que terminaram os respectivos cursos em 1867, e despachados em alferes em 15 de janeiro de 1868

[Ver tabela na imagem.]

Senhores. - Por carta de lei de 13 de maio de 1890, foi o governo auctorisado a conceder a isenção de direitos ou de qualquer impostos locaes, durante um anno, a todo o material para illuminação publica a luz electrica, com destino á cidade do Funchal e posto a despacho na referida alfandega.

O praso d'esta isenção devia contar-se desde a data da mesma lei; mas como só em 17 do novembro do mesmo anno foi approvada pelo governo a nota dos primeiros artigos importados pela empreza, o beneficio da isenção só foi aproveitado durante cinco mezes, pois o anno a que se referia terminou em 13 de maio de 1897.

Assim, para que esta isenção se torne effectiva, temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É prorogada por mais um anno, a contar da data da publicação d'esta lei, a auctorisação concedida pelo governo pela carta de lei de 13 do maio de 1896, para conceder a isenção de direitos ou de quaesquer impostos locaes ao material que ainda seja necessario importar para a illuminação publica a luz electrica com destino a cidade do Funchal, e posto a despacho na respectiva alfandega.

Art. 2.º Esta isenção só poderá ser concedida nos termos e condições dos §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° e artigo 2.° da citada carta de lei de 18 de maio de 1896.

Art. 3.º Fica revogada a legislação, em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 14 de julho de 1897. = João Catanho de Menezes = Visconde da Ribeira Brava.

Projecto de lei

Senhores.- Um dos meios mais efficazes de favorecer a agricultura, é barateando-lhe os adubos de que tanto carece, e segurando-lhe quanto possivel a qualidade e a proporção dos elementos nobres.

É certo que nos seus preços mais influe a depreciação da nossa moeda, que o rumo dos direitos aduaneiros, mas não se póde negar que estes ainda têem influencia perniciosa.

Por outro lado a classificação pautal das diversas substancias que são empregadas como adubos, augmenta as dificuldades, porque só podem ser classificadas como productos chimicos especificados ou como productos chimicos não especificados, ou finalmente como adubos para a agricultura, sendo os direitos muito differontes em cada caso, o dando por isso a classificação causa a longas e dispendiosas contestações, por outro lado as substancias de que se trata não são productos de industria nacional e o seu rendimento para o thesouro é absolutamente insignificante.

De tudo isto se deduz que nenhuma rasão justifica a

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conservação de taxas sem motivo plausivel, e que tinham sido reduzidas ao direito estatutivo de 20,3 de real pela commissão revisora das pautas e pela proposta de lei apresentada a esta camara na anterior legislatura.

Mas nem essa taxa minima se justifica, porque valendo pouco em si corresponde a outros dispendios e a incommodos onerosos sem vantagem apreciavel.

N'estes termos nos parece completamente justificado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São isentos de direitos e do quaesquer outros encargos alfandegarios os nitratos de potassio e sodios, o sulphato e phosphato de ammonio, o nitrato do ammonio, o ohlororoto do potassio em qualquer estado, os phosphatos de calcio e os adubos para a agricultura

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, l5 de julho de 1897. = Marianno de Carvalho = Henrique de Mendia = Teixeira de Vasconcellos = Augusto Ricca = Leopoldo Mourão = J. Frederico Laranjo = Conde de Alto Mearim.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de fazenda e de agricultura.

O sr. Presidente: - Fui auctorisado pelo sr. presidente do conselho o ministro do reino a participar aos srs. deputados que lhe dirigiram avisos previos, que s. exa., por motivo urgentissimo do serviço publico, não póde assistir hoje á sessão, mas que tenciona comparecer na sessão immediata.

Portanto, se os srs. deputados, não querendo aguardar a presença do sr. presidente do conselho, pretenderem realisar hoje mesmo as suas interrogações, dar-lhes-hei a palavra, segundo a ordem da inscripção; do contrario usarão d'ella na primeira sessão, tambem segundo a ordem e prioridade da respectiva inscripção.

N'esta conformidade, é ao sr. deputado Jacinto Candido da Silva que cabe a palavra segundo a inscripção.

O sr. Jacinto Candido da Silva: - Em vista da declaração que v. exa. acaba de fazer, aguardarei a vinda do sr. presidente do conselho e ministro do reino, reservando-me v. exa. a palavra para a sessão immediata.

O sr. Campos Henriques: - Faço identica declaração, porque prefiro apresentar os considerações que tenho a adduzir, em occasião que esteja presente o nobre presidente do conselho.

O ar. Luiz Osorio: - Declaro igualmente que aguardarei a vinda do nobre ministro do reino para então apresentar as considerações que desejo fazer.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Queiroz Ribeiro para realisar a sua interrogação ao sr. ministro da justiça, que está presente, segundo o aviso previo que enviou para a mesa na sessão de 14 do corrente.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. presidente, só ha poucos instantes tive conhecimento de que me caberia hoje fazer uso da palavra. Com effeito, estando inscriptos antes de mim diversos srs. deputados, era de suppor que só um outra sessão tivesse a honra de apresentar á camara as considerações que desejava fazer.

Mas como v. exa. me concedeu a palavra e vejo presente o nobre titular da pasta da justiça, aproveito a occasião para tratar do assumpto, protestando ser o mais breve possivel.

Sr. presidente, acabo de pedir o summario da sessão de 14 do corrente, porque não deixei copia do aviso previo que apresentei n'aquella sessão.

Ora, a minha primeira pergunta é a seguinte: "Sendo a justiça entre nós sempre carissima, quasi sempre morosa e muitas vezes variavel nas suas decisões, pela incerteza da lei tenciona s. exa. propor ao parlamento medidas que a melhorem, sob aquelle triplico aspecto?"

Peço licença para analysar o maio rapidamente possivel os pontos em que se baseia esta primeira pergunta.

Todos sabem que a justiça em Portugal se tornou pasmosamente cara.

As tabellãs judiciaes toem ido n'um vertiginoso augmento progressivo, a ponto que o celebre quadro de que falla a aneedota e em que se pintaram dois demandistas, um em pello e outro em camisa, já fica muito aquém da triste verdade. Hoje deviam pintar-se: um completamente nu e outro sem pelle. (Riso.)

Pois parece-me, sr. presidente, que embaratecer a justiça seria de uma vantagem geral, não só para os litigantes, como para os funccionarios que tenham de receber emolumentos ou salarios nos processos.

Como a justiça custa rios de dinheiro, toda a gente foge de questões, de modo que estas estão quasi reduzidos aos inventarios e pouco mais. É claro que, tornando-se a justiça mais barata, augmentaria o numero das causas, resultando de ahi uma vantagem extensiva aos litigantes e aos funccionarios judiciaes, como disse, e tambem ao proprio estado, pelo augmento nos sêllos e pela partilha nos emolumentos.

Nota-se que, se o proceeso já é muito caro em absoluto, torna-se extraordinaria e vexatoriamente caro nas causas de pouco valor.

Hoje, questões pequenas, de 50$000 ou 60$000 réis, poderão ir para juízo em resultado de um capricho. Por interesse, nunca!

Pela minha parte, sr. presidente, apesar de ser advogado, declaro francamente que proferia perder taes quantias a intentar uma questão por causa d'ellas. E quando eu digo isto, sem embargo da minha profissão, o que ha cio dizer quem, alem das despezas judiciaes, tem ainda de pagar a um procurador?

É para mim evidente que, encarecendo-se, como se tem feito, a tabella dos emolumentos o salarios judiciaes, se obedeceu a um principio falso. Esqueceu-se que, como ha pouco notei, augmentar o preço das causas equivale a diminuir-lhes o numero, contra a vontade e contra os interesses dos que desejam procurar Justiça nos tribunaes.

Attrevo-me, pois, a lembrar alguns alvitres, cuja acceitação me pareçe vantajosa, sob este ponto de vista.

Um é reduzir, em geral, a tabella, pelo menos n'um terço de todos os salarios o emolumentos.

Sabe v. exa. que muitas vezes os ministros da fazenda, quer de um, quer do outro partido, têem adoptado, com relação a impostos, o mesmo expediente... em sentido inverso.

Faça-se agora o contrario. Diminua se, em vez de se augmentar. E como se tornarão economicamente possiveis muitas demandas que hoje o não são, augmentará o numero dos litigantes o todos hão de lucrar com isso.

Esta reducção, para as causas de pouca monta, até 80$000 ou l00$000 réis, deveria ser ainda maior, diminuindo-se metade ou dois terços da tabella.

Ha outras medidas que lembro.

Como v. exa. sabe, determina o codigo de processo que as intimações a mais de 10 kilometros da séde da comarca sejam feitas pelos officiaes dos juizos de paz. Achava bem ampliar o preceito a todas as citações e intimações a mais de 5 kilometros de distancia, o sobretudo conseguir-se que tal preceito se executasse.

Realmente, poucos são os juizos onde elle se toma á letra. E n'isto não censuro a magistratura do meu paiz. Mas a verdade é que as distancias são geralmente contadas tão arbitrariamente, que aquella disposição se torna quasi innapplicavel.

Seria, pois, de toda a vantagem determinar que os magistrados judiciaes, n'uma epocha fixa, fizessem uma tabella ou uma pauta das distancias dos diversos pontos á séde da comarca, depois de ouvida a estação competente, que me parece ser a direcção das obras publicas do districto.

Outra medida que creio efficaz é a conservação e re-

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modelação dos julgados municipaes. Esta instituição deu margem, como v. exa. sabe, a grandes censuras dirigidos ao sr. ministro da justiça, por s. exa. ter apresentado ao parlamento a proposta que a creou.

Mas comarguelhas, julgadorios ou como lhes chamavam, o certo é que os julgados municipaes, apesar de varias mudanças de governo, têem-se mantido e foram conservados até pelo partido que n'esta casa representam os illustres deputados da opposição, e que tão vehementemente os atacou.

Porque?

De certo porque se reconheceu que eram uteis ao paiz.

Conservem-se, portanto, e ampliem-se as suas attribuições, remodelando-se essa magistratura de fórma que offereça maiores garantias aos litigantes e entre de facto, por assim dizer, na circulação da magistratura judicial.

Outra medida, que tomo a liberdade de indicar, é a elevação das alçadas.
A alçada, que é, como a camara perfeitamente sabe, a quantia até onde os juizes decidem sem recursos foi fixada n'uma epocha em que o dinheiro tinha muito maior potencia compradora do que actualmente. Justo é, pois, eleval-a, harmonisando-a com a depreciação do numerario.

E deveria tambem modificar-se um ponto de vista que presidiu á sua determinação e que hoje não póde sustentar-se. Refiro-me á distincção entro valor em bens mobiliarios e em bens immobiiiarios, distincção hoje inadmissivel.

Ha ainda um principio altamente equitativo, que urge applicar: a proporcionalidade entre o custo do sêllo e o valor das causas.

E muito injusto que o sêllo seja tão caro em causas de 30$000 ou 40$000 réis, como nas de 100 ou 200 contos de réis!

Digo ainda no meu aviso previo que a nossa justiça é guasi sempre morosa.

Antes de tudo, seja-me licito repetir que de maneira alguma pretendo accusar a magistratura portuguesa. Tenho por dia a mais alta, a mais profunda consideração, e acostumei-me desde creança a respeital-a pela seriedade e imparcialidade das suas decisões. (Apoiados.)

Mas a verdade é que, por defeito do clima, do sangue meridional, seja do que for, a justiça no nosso paiz é extraordinariamente vagarosa.

Permitta-me a camara que eu narre um facto, um unico, mas que me parece bem característico, não só para justificar a minha queixa, como para confirmar os meus elogios.

Um pobre lavrador do circulo que tenho a honra de representar, constituiu-me seu advogado n'uma questão que representava para elle todos os seus haveres. Entendi que devia recorrer da sentença lavrada pelo juiz de direito da respectiva comarca e assim o fiz.

Disseram-me desde logo que o juiz da relação a quem a sorte designou relator do recurso, era de uma inercia de fazer calefrios.

Quiz ver até onde as cousas chegavam, e esperei um, dois, tres annos, sem conseguir que esse magistrado escrevesse uma palavra no processo.

Um bello dia, já cansado de esperar, obtive uma carta de apresentação de pessoa da sua maior intimidade e dirigi-me a casa de s. exa. Prometteu-me logo quo os autos seriam julgados na mesma semana.

Pois, sr. presidente, decorreram cinco, seis, oito, dez mezes, e o processo a dormir! Afinal, não tive outro meio senão lançar mão de certa faculdade que o codigo estabelece, e que poucas vezes se emprega, por um receio que v. exa. e a camara de certo comprehenderão. Fiz a minha queixa nos termos mais respeitosos, mas nos termos mais energicos, confesso.

O certo é que, dentro em poucos dias, o processo foi julgado, e, diga-se em abono da verdade, foi-o como eu desejava, isto é, fazendo-se inteira justiça ao meu constituinte.

Mas não para aqui.

Dentro em pouco punham-se embargos ao accordão, os autos iam a novo juiz, ficaram parados mais de um anno, e só depois de nova queixa me era possivel conseguir que fossem julgados definitivamente!

Nem se imagine que isto é algum caso esporadico. Não! Ainda hontem ou ante-hontem publicava o Seculo uma petição em que, quasi por esmola, se implorava a decisão de um pleito, parado ha não sei quantos annos.

Ora se, por um lado, o nosso temperamento e a brandura dos nossos costumes, como vulgarmente se diz, são difficeis de corrigir, é incontestavel comtudo que alguma cousa podia e devia fazer-se no sentido de os combater. E as disposições legaes a esse respeito deixam muito a desejar.

Primeiramente a lei, querendo punir factos d'esta ordem, foi muito adiante da meta, foi tão rigorosa, applicou disposições tão exageradas que mal se podem cumprir.

Depois, marcou para os despachos e sentenças uns prasos tão curtos, que nos tribunaes de grande movimento é materialmente impossível respeital-os.

Como é que em Lisboa, Porto, Barcellos, Braga, etc., poderá o juiz, dentro de trinta dias, dar a sentença em todos os processos que lhe forem conclusos para esse effeito, quando tem tantissimos outros deveres que não póde preterir ? (Apoiados.}

Como é tambem que um advogado, tendo diante de si dezenas de processos, pede apresentar as suas allegações finaes n'uma causa importante, no curto praso do quinze dias, e cumprir todas as outras obrigações que, como v. exa. sabe, são enormemente complexas?

E agora seja-me permittido bater no peito e dizer mea culpa, porque não são apenas os magistrados, são igualmente e não menos os advogados que enredam e demoram as causas.

Se se inquirissem todos os jurisconsultos, que estão n'esta camara, seriam os primeiros a confessar commigo, que todos temos culpas no cartorio. (Apoiados.)

Tomarei, pois, a liberdade de lembrar que os prasos sejam alargados, attendendo-se a que devem ser maiores nos tribunaes superiores ou de grande movimento, e conceden-do-se uma prorogação razoavel, quer aos advogados, quer aos agentes do ministerio publico, quer aos respectivos juizes, quando haja causa legitima, como acontece com as deprecadas.

E chegando a questão essencialissima da sancção para a demora illegal, desejaria eu que, em beneficio do thesouro e dos litigantes, a penalidade consistisse n'uma pequena, multa, proporcional ao tempo, cobravel por meio de estampilha appusta nos autos, creando-se em cada relação um ou mais inspectores, magistrados de categoria superior..

Esses magistrados fariam obra, não sé pelos elementos colhidos na sua inspecção, como por quaesquer queixas fundamentadas, dirigidas pela imprensa ou por qualquer cidadão. De facto, não devia exigir-se a queixa do interessado. Essa raras vezes aparece, porque quasi todos temem que, apresentando-a, o julgador os desfavoreça.

Outra resolução utilissima seria conceder apenas a vista dos autos aos advogados, quando o processo chegasse á altura do allegações finaes.
Desde o momento em que tambem ha delongas, e não pequenas, na advocacia, como ha pouco disse, tendo o prazer de ver calorosamente apoiada a affirmação por jurisconsultos como os srs. Luciano Monteiro e Cabral Moncada, parece-me de conveniencia evitar á classe as tentações da preguiça. Muitas vezes é indispensavel examinar os documentos encorporados no processo. Mas nada mais simples do que determinar que as partes juntem uma copia de todos os documentos produzidos. No proprio interesse d'elles a copia seria perfeitmente fiel. E, receando-se a falsidade do documento, lá estaria a lei a auctorisar, a quem quizesse, ir examinal-o

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no respectivo cartorio. Maior simplificação existe já no codigo commercial, que não manda dar vista dos autos, sem resultarem inconvenientes, antes vantagens, que a pratica todos os dias comprova.

Disse eu ainda que a justiça é muitas vezes variavel, pela incerteza da lei. Está claro que não atravessa, nem um instante sequer, pelo meu espirito, o desejo ou idéa de acabar completamente com ao decisões contradictorias dos tribunaes. Onde houver dois homens, póde haver duas opiniões, póde dar-se uma interpretação diversa á mesma disposição.

Mas o que eu desejaria era fazer diminuir, quanto possivel, a divergencia dos arestos, resultante da divergencia, desaccordo ou deficiencia da lei. (Apoiados.}

Estranha cousa que, sendo nós, como somos, um paiz onde só legisla de mais, emfim um paiz que, na sua qualidade de meridional, tem a mania de legiferar sempre, em tudo e por tudo, ninguem conseguisse até agora harmonisar a legislação, sobre pontos importantissimos, que estão sendo, para os litigantes, um verdadeiro problema, um mero ponto de interrogação!(Apoiados.}

Imaginemos um filho perfilhado. Herda ou não herda do avô, pae do perfilhante? É questão duvidosa; uns decidem de uma fórma, outros de outra; e a lei tanto diz que sim, como que não.

Outra hypothese: se ao testador sobreviverem filhos, cuja existencia ignorava ou não previra, o testamento é annullado por completo ou só com respeito á terça?

Mais: as tornas vencem juro ou não? O menor quo deve receber em dinheiro, pelo inventario, a importancia de sua legitima e que nada recebeu durante a menoridade, tem depois direito só ao capital ou tambem ao juro ? Não se sabe!

Quem intenta estas questões, fica exactamente nas circumstancias em que aqui estavam ha dias os illustres deputados que são funccionarios publicos, quando se procedia ao sorteio.

Lembro, pois, que se constitua uma commissão revisora, onde estejam largamente representadas a magistratura judicial e do ministerio publico e a advocacia, tendo a seu cargo, não julgar, nem fazer leis novas, mas apenas, e não era pouco, uniformisar a lei, nos pontos importantes em que ella é duvidosa, sem que os seus trabalhos tenham nada que ver com os processos pendentes.

Bem sei que temos o supremo tribunal, que, em sessão plena, devo indicar a doutrina applicavel, quando ha encontro do opiniões juridicas ou de disposições legaes. Mas a verdade é que, por mais justas e rasoaveis que sejam as decisões d'esse tribunal, não podem ellas destruir o defeito que existe aos codigos.

E ou se lhes ha de dar força de lei, e lá estaria o poder judicial a invadir a esphera do legislativo, ou só farão lei no caso julgado, e lá ficam as mesmas duvidas eternamente.

Não contesto a utilidade das decisões do supremo tribunal em sessões reunidas. Pelo contrario, reconheço que é até muito grande essa utilidade. Não obstante, acho-a insufficiente para cortar pela raiz o mal a que eu alludo.

Nem me argumentem com o respeito que devemos ao codigo civil, valioso documento juridico, em que muitos dirão que é perigoso tocar.

Não pretendo de fórma alguma que se faça um novo codigo civil. Seria uma loucura. O que desejaria era que tanto n'esse, como nos outros codigos, se modificassem prudente e rasoavelmente aquelles artigos que, pela sua antinomia ou obscuridade, tornam tantas vezes contradictoria a doutrina dos tribunaes.

Nem se julgue que isto seria estabelecer uma legislação puramente casuista. Não, sr. presidente, o que eu desejo é que, de um moda geral, m remedeiem esses grandes defeitos da lei, fazendo-se depois dos codigos uma nova edição revista e melhorada, que diminua consideravelmente as incertezas do julgador.

Assentes estas bases formularei a minha primeira pergunta.

Está na mente do nobre ministro da justiça apresentar ao parlamento quaesquer medidas n'esse sentido? S. exa., que teve a coragem, a energia e o altissimo merecimento de fazer o codigo commercial, erguendo assim, ao lado do monumento de Ferreira Borges, outro monumento que não lhe deve nada em importancia e valor, s. exa., digo, concordará commigo em que se empreguem os meios para remediar os inconvenientes que expuz?

A segunda pergunta é simples: Tenciona o nobre ministro propor o restabelecimento dos arbitradores judiciaes?

Não desconheço v. exa., sr. presidente, que na pratica os arbitradores judiciaes deram magnifico resultado, acabando com um perigoso arbitrio nas nomeações. Foi uma vantagem, que se accusa desde logo nas avaliações, o que mereceu louvores, sem distincção de parcialidades politicas.

Desejaria saber se, na reforma que já annunciou, s. exa. tenciona propor o restabelecimento d'aquella classe.

Em caso affirmativo, desde já ouso lembrar-lhe uma cousa.

Os arbitradores judiciaes prestam juramento n'essa qualidade, perante o magistrado competente. Bom seria, portanto, evitar desde logo uma duvida, que originou muito! accordãos encontrados, prohibindo-se o juramento especial para cada processo. Economisar-se-ía dinheiro e tempo, o que é sempre bom.

A minha terceira e ultima pergunta refere-se aos peritos calligraphos.
Ninguem ignora a necessidade absoluta que ha de uma instituição d'esta natureza.

Do exame calligraphico, que é complexo e difficillimo, depende a cada passo a liberdade ou a fortuna dos cidadãos. E, todavia, diligencias d'esta importancia estão sendo dia a dia confiadas a pessoas sem competencia alguma.

Lembraria, pois, que se estatuísse um concurso, ao qual fossem admittidos individuos de reconhecida probidade com um curso de peleographia, fixando-se o numero dos peritos, que deveriam funccionar, por escala, na séde das relações.

Não quero abusar por mais tempo da benevolencia da camara.

Termino, portanto, aqui as minhas considerações, declarando desde já que, não n'esta sessão, mas na immediata, procurarei reduzir a um corpo de doutrina aã observações quo fiz o limitas outras que desejaria fazer, dando-lhes a fórma de um projecto de lei, que então terei a honra de submetter ao luminoso criterio da camara, não, seguramente, como trabalho definitivo o de valor, pois nenhum terá, mas apenas como um ensaio, que poderá ser posto do lado ou modificado, ao sabor do alto entendimento doa representantes da nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Não sei se já disse, e se o disse torno a repetir, que se ha de entrar na ordem do dia ás quatro horas e um quarto.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Ouvi com toda a attençao e com todo o interesse, e de certo toda a camara de igual modo ouviu as considerações sensatissimas que o illustre deputado acaba de fazer.

No emtanto, não só porque é pouco o tempo de que o governo póde dispor para responder ás perguntas que lhe são feitas, mas porque o ministro respectivo não é obrigado a mais do que dar resposta a essas perguntas, o illustre deputado não ha de certo estranhar quo eu não o acompanhe nas variadissimas considerações que acaba de fazer a respeito de quasi todos os ramos da administração da justiça, sobre que s. exa. fallou de uma maneira verdadeiramente proficiente. Não veja pois, o illustre deputado, menos consi-

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deração da minha porte, e sim unicamente a observancia do regimento por um lado, e por outro o desejo de não privar da palavra os illustres deputados que se inscreveram tambem para antes da ordem do dia.

Limitar-me-hei, portanto, a responder simplesmente ás suas perguntas, nos termos em que formulou o seu aviso previu.

Preciso, porém, antes de tudo, fazer uma declaração. De certo o illustre deputado nas considerações que fez, relativamente á administração da justiça no nosso paiz, não se referiu, como mais de uma vez teve a cautela de accentuar, aos magistrados judiciaes, mas sim a um estudo de cousas que podemos melhorar, resalvando sempre a honestidade da magistratura e o seu amor pelo trabalho, que não carece do nosso elogio, (Apoiados), porque está acima do toda e qualquer suspeita. (Apoiados.)

Posto assim perfeitamente á vontade, e arredada a quêstão pessoal, não tenho duvida em respondei', tanto quanto possa, ás perguntas que o illustre deputado me dirigiu.

Quanto á primeira, a minha resposta será mais radical do que a propria pergunta; é que o meu desejo seria que a justiça podesse ser completamente gratuita, eminentemente rapida e ao mesmo tempo que as suas decisões não podessem variar; mas o illustre deputado sabe perfeitamente que é isto uma cousa impossivel.

Estou perfeitamente de accordo em adoptar no projecto de organisação judiciaria providencias no sentido do diminuirem essas difficuldades, e, como o illustre deputado verá, n'elle se encontrarão as disposições necessarias para melhorarem este estado de cousas, que a final não me parece tão escuro, como o illustre deputado indica.

S. exa. prometteu apresentar á camara um projecto de lei, constituindo um corpo de doutrina a este respeito. Se esse projecto for apresentado, tanto na commissão que terá de o examinar, como no parlamento onde será discutido e apreciado, poder-se-ha attender a todos os pontos indicados por s. exa.

O illustre deputado, na sua propria resposta á primeira pergunta, lembrou um alvitre com que realmente não estou de accordo.

Quer s. exa. diminuir as custas nos processos judiciaes, de modo que os pleitos possam augmentar.

Ora, eu entendo que o que convem é exactamente o contrario; o que convem 6á promover que os pleitos diminuam. (Apoiados.)

Pelo que respeita á variedade das jurisprudencias, que o illustre deputado lamentou, é evidente que esse facto ha de dar-se sempre s. exa. não póde deixar de reconhecer que a jurisprudencia ha de ser sempre vaga, e isto pela simples rasão que o proprio illustre deputado indicou. Á lei não póde ser perfeita, não está nas attribuições da humanidade crystalisar n'uma lei o seu pensamento, com tal clareza, que todos a entendam! e portanto, qualquer que seja a lei, por mais que ella se approxime da perfeição, póde sempre dar rasão e fundamento a duvidas.

Nem vejo maneira pratica de acabar com as duvidas. (Apoiados.}

Não comprehendo, por isso, a idéa que o illustre deputado indicou, de se crear uma junta consultiva para ser ouvida sobre as diversas duvidas que podem dar-se a proposito das diferentes demandas, que se levantem no paiz; principalmente não sei, como se poderia enxertar essa innovação n'uma lei de organização judiciaria, nem mesmo comprehendo o alcance pratico que ella teria. O que desde já reconheço é que no dia seguinte teria de se crear outra junta para resolver as duvidas da primeira! (Apoiados.)

Estamos aqui não poucos bachareis formados em direito e alguns jurisconsultos; cada um de nós tem já a sua opinião formada sobre pontos conhecidos; mas se sobre estes surgirem outros novos, variando as opiniões, como quer o illustre deputado que se pratique para se chegar ao resultado que teu em vista?

Emfim, como s. exa. apresenta á este respeito um projecto de lei, nós o discutiremos e o meu desejo é que se consiga pôr termo a todas as duvidas que occorrem na jurisprudencia.

Quanto á pergunta sobre o restabelecimento dos arbitros judiciaes, posso desde já responder a s. exa. como já respondi a uma commissão d'estes antigos funccionarios, que estou completamente de accordo quanto á conveniencia do restabelecimento d'essa classe.

E o parlamento tambem já está de accordo porque, como s. exa. sabe, n'uma das ultimas sessões da camara dos deputados, foi approvado um projecto de lei para esse fim.

Notou ajuda s. exa os difficuldades provenientes dos erros calligraphicos. Se o illustre deputado descobriu o meio pratico de acabar com a má calligraphia (a começar pela minha), seria isso uma cousa magnifica; desappareceriam todas as duvidas, e evitar-se-íam muitos erros calligraphicos. Mas assim como tem havido duvidas juridicas, ha de sempre haver quem escreva mal e bem; mal no sentido material da palavra.

E sendo isto assim, o que se ha da fazer?

Exigir, por exemplo, que os escrivães tenham boa letra?

Quanto aos arbitradores, a creação d'ellas não excluiu, como s. exa. sabe, a existencia, ao seu lado, de peritos com conhecimentos especiaes, desde que para qualquer exame ou vistoria seja necessario essa especialidade de conhecimentos. O arbitrador não excluiu de modo algum a intervenção de um medico, por exemplo, n'um exame que demande conhecimentos medicos, ou de um engenheiro quanto á sua especialidade.

Dados estes casos podem, portanto, servir e concorrer ao lado do arbitrador. Assim, parece-me que tambem se podem escolher entre os peritos calligraphos aquelles que tenham de proceder a esse exame.

Creio que por esta fórma tenho respondido ás perguntas feitas pelo illustre deputado.

S. exa. reviu as notas tachygraphicas.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a v. exa. a fineza de consultar a camara sobre se me permitte dizer algumas palavras em resposta ás considerações do illustre ministro da justiça.

O sr. Presidente: - O pedido do sr. deputado é um verdadeiro requerimento e como antes da ordem do dia os requerimentos não podem, segundo o regimento, alterar a ordem da inscripção, eu tenho de manter este preceito, emquanto a camara não deliberar o contrario.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Então usam da faculdade do artigo 60.° do regimento, pedindo que se generalise a discussão. São apenas algumas palavras que eu desejo dizer.

O sr. Presidente: - O sr. deputado póde inscrever-se para usar da palavra na altura conveniente.

O sr. Queiroz Ribeiro: - N'esse caso, peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Presidente: - Fóra antes de se encerrar a sessão só póde pedir a palavra, querendo usar d'ella para explicações.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Pois bem, seja para explicações.

O sr. Presidente: - Em harmonia com o artigo 104.° do regimento, segue-se na ordem da inscripção o sr. Festas.

Tem o illustre deputado a palavra.

O sr. Festas: - Quando pedi a palavra, julgava que estivesse presente o sr. ministro da guerra. Visto, porém, que s. exa. não está, limito-me a mandar para a mesa um projecto de lei que tem por base o que vou dizer, e aguardarei para quando estiver presente o nobre ministro outras considerações que desejava expor.

Antes da lei de 15 de junho de 1895, todos os officiaes superiores do exercito que entrassem para as guardas fiscal e municipal podiam ser promovidos ao posto immediato

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sem precisar fazer por qualquer tempo tirocinio nas suas respectivos armas.

Veiu, porém, esta lei a que me refiro o estabeleceu que os alferes, segundos tenentes, capitães e outros, só podessem ser promovidos ao posto immediato quando tivessem dois annos de tirocinio na sua arma.

A data d'esta lei muitos d'estes militares se encontravam fazendo serviço nas referidas guardas para onde tinham entrado, persuadidos de que estavam a coberto pela disposição da lei outro vigente. N'esta justa e legitima convicção tinham feito a sua carreira e viviam descansados e tranquillos á custa da posição que tão trabalhosamente tinham adquirido.

Foram, poio, todos estes militares completa e illegalmente feridos nos seus direitos, praticando-se para com elles uma injustiça tanto mais revoltante quanto é certo que a sua remuneração é muito pequena e a sua vida muito difficil.

Reconhecendo-se isto em virtude do representação posterior, veiu a lei de 30 de junho de 1896, que derogou n'este ponto as disposições da lei de 1895, mas unicamente paru os officiaes de posto superior a segundo tenente. Mais revoltante injustiça ainda. Dava-se a anomalia do que aquelles que tinham vencimentos mais vantajosos e remuneradores poderiam continuar a ficar nas guardas municipal e fiscal sem que por isso se prejudicasse o seu accesso, ao passo que os pobres alferes e tenentes, que mal ganhavam para viver, ficavam como ainda hoje estão, completamente inhibidos de poderem continuar a sua carreira sem voltarem a fazer tirocinio nas respectivas armas. Extraordinario.

Como v. exa. e a camara vêem, isto é uma disposição verdadeiramente vexatoria, e que cousa alguma justifica: estabelece completa desigualdade entre officiaes da mesma arma, o quo é perigoso e só serve para demonstrar-lhes que nem respeitados foram os seus direitos adquiridos á sombra da lei.

Não póde ser. Nas condições a que me refiro, creio quo se acham ainda quatro ou cinco alferes e tenentes; mas o que é certo e que, se vigorar para elles esta disposição odiosa e excepcional, ficará inutilisada a sua carreira.

Estando proxima a sua promoção têem de ficar para traz á espera do tirocinio que lhe exigem, e mesmo que tal promoção não estivesse proxima, nada justifica que obriguem officiaes tão pobremente pagos as despezas que uma mudança de tal ordem determina.

Foi, portanto, para obviar estes inconvenientes que redigi o projecto que mando para a mesa, a fim de que os alferes e tenentes n'estas condições tenham as mesmas garantias que têem os demais officiaes do exercito de postos superiores.

Aproveito ainda a occasião para dizer a v. exa. e á camara que vou lançar na respectiva caixa um requerimento do capitão Antonio de Almeida Branquinho, pedindo uma pensão.

Como v. exa. e a camará se devem lembrar, este militar foi um dos mais valentes nas nossas gloriosas e heroicas campanhas de Africa.

Quando foram concedidas pensões a varios officiaes, ainda não tinha chegado a Portugal o relatorio do bravo coronel Galhardo. N'esse relatorio é feita inteira justiça a este brioso militar, e tanto que mais tarde os poderes publicos lhe conferiram o grau da Torre e Espada.

Depois d'isto ainda a junta de saude militar o considerou completamente inutilisado para o serviço em virtude de molestia adquirida nas campanhas de Africa. Foi reformado.

Eu desejava que estivesse presente o sr. ministro da guerra para chamar a sua attenção para este caso e para outros que com elle se prendem.

Entendo, sr. presidente, que os poderes publicos devem dar uma pensão áquelles que foram a Africa, e que lá tão brilhantemente levantaram o nome portugues e arriscaram a vida pela patria.

Este militar é um d'elles; bateu-se com denodo nas campanhas africanas, foi elogiado no relatorio do commandante e condecorado pelos poderes publicos, mas está em peior circumstancias do que aquelles mesmo que ficaram feridos, porque esses depois de curados poderam continuar a sua vida, seguir a sua carreira, emquanto que este ficou completamente inutilisado e não póde subir nem seguir mais.

Acresço ainda que este official foi voluntariamente para Africa; foi elle que se offereceu para n'aquelles longinquos e aridos plainas ír com os seus camaradas erguer a bandeira heroica das quinas e levantar o abatido mas honrado nome portuguez.

Da maneira briosa por que o fez, da fórma como o seu procedimento lá foi digno e levantado, deram d'isso plena prova os poderes publicos nas honrosas manifestações que lhes fizeram. E, pois, altamente justo e legitimo que se tomem na devida conta estes factos e se procure agora, pouco a pouco, remediar a injustiça feita a esses valentes militares, muitos dos quaes são a honra e a gloria do nosso exercito, e que tanto contribuiram para o brilho da nossa nacionalidade no momento critico que ella atravessava. (Apoiados.} Nada mais.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Pedi a palavra unicamente para dizer que o meu collega da guerra não póde estar presente por motivo de serviço publico, e que eu me encarrego gostosamente de transmittir a s. exa. as sensatas observações feitas pelo illustre deputado; na certeza do que tanto o meu collega, como o governo não regatearão de modo algum o premio devido á abnegação e á devoção civica dos nossos marinheiros. (Apoiados.)

O sr. Tavares Festas: - Agradeço a v. exa. e confiadamente espero que o governo tomará as devidas providencias.

O sr. Simões dos Reis: - Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho em nome da mesa da commissão de administração publica, que sejam aggregados á mesma commissão os srs. deputados Tavares Festas e Telles de Vasconcellos. = J. Simões aos Reis, secretario da commissão.

Pedida, e obtida a urgencia, foi approvada a proposta.

O sr. Presidente: - Faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

Pela ordem da inscripção devia ter a palavra o sr. Queiroz Ribeiro por ter feito aviso previo na, sessão de 15 ao sr. ministro das obras publicas; mas como s. exa. não está presente, provavelmente o illustre deputado não quer usar da palavra.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Não, senhor.

O sr. Presidente: - Seguia-se no uso da palavra o sr. Luciano Monteiro. Tambem não está presente o sr. ministro da fazenda, talvez por isto tambem s. exa. não queira usar da palavra.

O sr. Luciano Monteiro: - Não, senhor.

O sr. Presidente: - Tem então a palavra o sr. Ferreira de Almeida. Lembro ao sr. deputado que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O sr. Ferreira de Almeida: - Não importa.

O extracto das sessões vem com algumas incorrecções. Mando para a mesa a rectificação.

Já que me chega a palavra uso d'ella para fazer uma pequena referencia.

Do extracto consta e m'o fizeram notar, porque eu não reparei, que o sr. Alpoim no seu discurso de hontem, accentuara que os meus conhecimentos sobre cousas navaes

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derivavam de ter eu realisado longas travessias e viagens. É possivel que seja uma ironia inspirada por inimigos meus pelo facto de eu figurar na lista da armada com quatro annos de embarque proximamente.

evo declarar a v. exa. que n'esse pouco tempo estive quasi a par do vice-almirante mais graduado da armada, cuja competencia tem sido tão invocada n'este parlamento, que servi e foi meu mestre outro vice-almirante, o sr. conde de Paço de Arcos, que muito considero, e a quem n'outras sessões parlamentares tenho feito honrosas referencias...

Devo ainda dizer que ha officiaes n'esta lista com muito mais tempo de embarque do que eu, talvez o dobro, mas feito em grande parte em terra quando governadores, accumnlando esse logar com o de commandante da esquadrilha. For exemplo, no Congo houve um governador, o sr. Neves Ferreira, que recebeu essa poderosa investidura do actual sr. ministro da marinha, a quem se contou com o tempo de embarque e do cominando da esquadrilha que exercia em terra vivendo descansadamente na residencia.
E outros.

Desculpe-me a camara estas referencias, que são apenas para responder á amabilidade encommendada.

Visto estar presente o sr. ministro da marinha, pedia a s. exa. que pozesse olhos benevolentes e caridosos para a questão que se debate fóra do paiz sobre uns retratos do El-Rei, e a que ainda em 11 do corrente se referia o Diario de Noticias. Estes retratos são um symbolo porque representam o chefe do estado e não devam andar como em jogo de empurra entre o consul de Portugal, o representante de uma commissão semi-official e o commandante do navio, a ponto do já se não saber quem os devo pagar, acabando o constructor Orlando por os offerecer ao navio, á sua custa!

Isto é triste! Limito-me a fazer esta classificação, mas muito estranho quo a commissão da subscripção nacional, que contém tão conspicua quanto fidalga gente da mais alta linhagem da aristocracia nacional a isto se sujeite.

Ainda, sr. presidente, chamo a attenção da camara para uma declaração do secretario da commissão da subscripção nacional dr. Eduardo de Abreu, que vejo no Diario da noticias.

Á parte que me diz respeito, e que responderei quando tiver tempo e julgar opportuno. Da parte a que se refere á censura e para a qual não posso deixar de chamar a sua attenção porque é um facto publico. Diz esse conspicuo senhor, referindo-se a apreciação que aqui houve sobre o programma de entrega do navio ao governo, programma que parecia acceite pelo governo o seguinte:

"Alguns deputados acompanharam e a troça, ao programma da entrega do cruzador no Tejo. Seria curioso averiguar se tão conspicuos legisladores estavam presentes a sessão de l9 de janeiro de 1890, em que foi approvodo por acclamação que a camara dos deputados subscrevesse com um ou mais dias do seu subsidio, a favor da grande subscripção nacional para a defeza do paiz.

Já lá vão sete annos e ainda espero por tal subscripção, apesar de a ter reclamado algumas vezes.

Portanto, sr. redactor, o padre que no tal sermão de Bellem se queixava da falta de patriotismo, do parlamento tem os não tem rasão? Assignado, Eduardo de Abreu, secretario da commissão executiva."

Sr. presidente, responde a isto, pela parte que me possa caber do desdouro como deputado que subscrevi com 20$000 réis, e creio que muitos membros d'esse parlamento subscrevessem como entenderam! e quando não subscreveram todos, não me parece correcto que um individuo que fez parte do parlamento de então venha fazer investida ao parlamento actual com referenda a sua falta de patriotismo, quando não póde ter a responsabilidade de factos passados ha sete annos. (Apoiados.)

Faço esta referencia simplesmente para arredar a impertinencia de uma injusta accusação, e como não poderei usar de novo da palavra sobre o projecto de lei relativo aos navios, deixe-me v. exa. aproveitar o resto que feita do tempo para chamar a attenção da camara para as palavras do sr. Marianno de Carvalho, quando dizia que á mudança do arsenal se opponham potencias supremas e occultas. Estimo ver que alguem, que tambem foi ministro de estado, vem confirmar as referencias que aqui fiz, servindo-me de um relatorio de Lockroy sobre as potencias supremas e occultas, que tudo queriam dominar, mantendo o tradicionalismo e oppondo-se a todas as innovações uteis para o serviço do estado.

O sr. Presidente: - O sr. deputado João Franco Castello Branco pediu a palavra para um negocio urgente. N'esta conformidade e segundo o regimento, desejei saber qual a urgencia do assumpto, e s. exa. declarou-me que pretende referir-se a uma noticia, que póde ser ou não exacta, mas que se refere ao grave risco de alteração da ordem publica. Parecendo-me, portanto, que o assumpto é realmente urgente, entendo dever conceder a palavra ao sr. deputado. (Apoiados.)

Tem v. exa. a palavra.

O sr. Franco Castello Branco: - Como v. exa. acaba de dizer, foi exactamente com esse fundamento, que eu indicando o assumpto, sobre que desejava chamar a attenção do governo, justifiquei o meu pedido, apresentando ao mesmo tempo o telegramma que acabava de receber e v. exa. leu. E já depois d'isso recebi outro telegramma sobre o mesmo assumpto.

Não está presente o sr. ministro do reino, por cuja pasta corre directa e immediatamente o que interessa á ordem publica, e á liberdade e segurança dos cidadãos; mas estão presentes dois membros do governo, e por isso vou ler os telegrammas que recebi, esperando que s. exas. communiquem ao sr. presidente do conselho o seu conteudo, e lhe peçam ao mesmo tempo que faça adoptar as providencias que o caso urgentemente reclama.

O primeiro telegramma diz o seguinte:

"Partiram Povoa 50 policias; affirmam que empregam todas as violencias".

Este telegramma é assignado por pessoa que me merece inteiro e completo credito.

Como v. exa. sabe, depois de ámanhã, realisam-se, na Povoa de Varzim e em villa do Conde as eleições supplementares, em resultado da decisão do tribunal de verificação de poderes, que annullou as eleições realisadas n'aquelles circulos, por occasião das eleições geraes.

Posteriormente recebi um outro telegramma, que vou ler tambem e cujo conteudo, do mesmo modo desejo que os srs. ministros presentes tenham a bondade de communicar ao sr. presidente do conselho e ministro do reino;

O telegramma diz o seguinte:

"Chegaram 60 policias para, eleição. As presidencias tinham requisitado governador civil força armada. Policia percorre, ruas, acompanhada celebre cabo Relogio, que tem innumeros processos. Annunciam descaradamente acenas outras eleições."

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - São similhantes ás do Porto.

O Orador: - É possível que o sejam, mas s. exa. comprehendo muitissimo bem, que não é d'essa similhança que aqui se trata; unicamente do que se trata é de saber se as scenas annunciadas são similhantes ás da outra eleição; e essas não foi o sr. visconde da Ribeira Brava que as classificou de boas ou de más, de legaes ou illegaes; foi o

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tribunal de verificação de poderes, que não é composto de progressistas nem de regeneradores, mas de magistrados cujo parecer e cuja decisão têem, evidentemente, mais valor e inspiram muita mais confiança, do que qualquer opinião que o illustre deputado possa ter, ou manter ou não manter a este respeito. (Muitos apoiadas.}

Sr. presidente, dando conhecimento d'estes factos ao governo, cumpro apenas com o meu dever e exerço um direito parlamentar.

Não tenho que dirigir nem censuras, nem accusações ao governo; unicamente lhe peço, que se informe a este respeito e adopte as providencias indispensaveis e necessarias, para que a eleição que se realisa no domingo, corra com Bocego e regularidade. Vença quem tiver votos, mas sem prepotencias nem irregularidades similhantes ás que já levaram o tribunal de verificação do poderes a annullar estas eleições, recentemente feitas n'aquelles circulos. (Apoiados.)

Apenas lembrarei ao governo dois alvitres que me são suggeridos pela circumstancia de que, emquanto estiver a frente d'aquelle concelho o actual administrador, não póde, efectivamente, deixar de haver fundados receios de possibilidade de alteração da ordem publica e de offensas aos direitos e á segurança dos cidadãos.

Aquelle administrador de concelho já ali estava representando a auctoridade administrativa, quando se fez a eleição em 2 de maio, que foi annullada pelo tribunal. Os actos praticados por esse administrador foram de natureza a darem logar a um processo de querella contra elle, e a pronuncia já está lançada pelo respectivo juiz de direito.

Não se trata da opinião quo possamos ter acerca dos actos d'aquelle funccionario; trata-se de um despacho do poder judicial que está acima de quaesquer paixões e divisões partidarias e politicas pelo qual os actos praticados pelo administrador ao concelho n'aquella eleição, foram considerados, como sendo possiveis de pronuncia.

O outro dia, referindo-me a esse funccionario, perguntei ao sr. presidente do conselho e ministro do reino a rasão por que ainda não estava suspenso. S. exa., de certo por equivoco, faço-lhe a justiça do acreditar que o não fez intencionalmente, declarou que lhe tinha sido pedida licença para processar aquelle funccionario, que já a tinha dado e que a concessão importava ipso facto a suspensão.

Houve manifesto equivoco da parte de s. exa. Nenhuma licença lhe foi pedida para ser processado aquelle funccionario, por isso que tratando-se de assumptos eleitoraes, por lei, e excepcionalmente, não é precisa licença previa para esse fim.

Por isso a querella foi dada independentemente de pedido de licença, e o despacho de pronuncia lançado pelo respectivo juiz.

Mas isto denota bem no proprio juizo e criterio do sr. presidente do conselho e ministro do reino que este facto devia importar a suspensão d'aquelle funccionario.

Pois saiba a camara que é elle proprio quem está ainda em exercicio para assistir á eleição do domingo. Elle que já está pronunciado pelo poder judicial, como responsavel pelas illegalidades e violencias praticadas na eleição do dia 2 de maio! (Apoiados.)

É fundado n'esta circumstancia, assim provada e justificada, que eu lembro ao governo um dos seguintes alvitres:

0 primeiro é que o sr. ministro do reino ordene ao sr. governador civil do Porto que a auctoridade administrativa seja representada na eleição de domingo por qualquer dos administradores dos bairros do Porto, que, sendo funccionarios da confiança do governo, não lhe podem ser suspeitos.

O segundo alvitre, no caso do primeiro não parecer bem, é que o proprio chefe do districto, a exemplo do que se tem feito em outras eleições em que da mesma fórma publica, ou violencias se receiava alteração da ordem publica, ou violencias á liberdade da urna e ao direito do suffragio, vá assistir á eleição.

Peço ao sr. ministro da justiça, ou ao da marinha, que vejo presentes, o favor de tomarem nota d'estes alvitres.

O governo póde fazer ou deixar de fazer uso d'elles; mas eu tenho o direito de pedir que sejam communicados ao sr. ministro do reino.

Repito, o segundo alvitro não representa um facto sem precedentes.

Ainda ultimamente, ora uma situação presidida pelo sr. Dias Ferreira, na eleição das Caldas, me parece, o governador civil, cavalheiro muito distincto o chefe de uma das repartições do ministerio do reino, foi por ordem do ministro do reino assistir á eleição no proprio local onde ella se realisou.

No meu entender, qualquer d'estes dois alvitres garantem por completo o socego, a tranquilidade publica, a liberdade da urna e o direito do suffragio; ao passo que a conservação do actual administrador, longe de garantir a ordem, dá logar, como se vê pelo facto que acabo de communicar á camara, a justificados receios de que nem a ordem seja mantida, nem respeitado o direito dos cidadãos a votarem independentemente.

Dito isto, só tenho a aguardar os acontecimentos.

(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Justiça (Beirão): - Sr. presidente, levanto-me unica e exclusivamente para dizer que communicarei ao meu collega do reino os telegrammas que s. exa. leu á camara, bem como as indicações e considerações que o illustre deputado apresentou.

Mas alem do fazer esta declaração á camara, cumpre-me ainda assegurar ao illustre deputado, em nome do governo, que elle está decidido a manter a liberdade eleitoral e a ordem publica na Povoa de Varzim.

Sabe perfeitamente que este é o seu dever e não ha de collocar-se abaixo d'elle. (Apoiados.)

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 13

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. deputado Marianno de Carvalho para continuar o seu discurso.

O sr. Marianno de Carvalho: - Continuando o sou discurso começado na sessão anterior, pergunta, em primeiro logar, se ha já alguns calculos certos, ou approximados, em relação á quantia que, nos termos do projecto, fica disponivel para a construcção do cruzador.

O sr. Alpoim (relator): - Responde que a quantia é de cerca de 400 contos de réis.

O Orador: - Depois de breves reflexões ácerca da redacção do projecto e do relatorio que o precede, na parte em que allude á influencia que o mesmo projecto póde ter no melhoramento do arsenal, diz que comprehende perfeitamente o pensamento de termos uma marinha de guerra, mas o que entende tambem é que, para levar á pratica este pensamento, é preciso que se saiba o que se quer fazer.

Vê, porém, que em relação á marinha de guerra estamos no mesmo caso em que estamos a respeito da administração colonial, isto é, não ha um plano assente para ser seguido invariavelmente.

Para se avaliar o pensamento que preside á nossa administração colonial, aponta o seguinte exemplo: tendo-nos tido uma contestação sobre a delimitação dos territorios de Manica, essa contestação foi entregue á arbitragem; pois apesar de já estar, ha tempo, proferida a sentença, não só não foi ainda communicada ao parlamento ou publicada no Diario do governo, como até não se deu d'ella conta ao commissario regio na provincia de Moçam-

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bique, resultando d'isto que, emquanto as nossas auctoridades não sabem quaes os territorios que nos ficaram pertencendo, os agentes da South Africa vão fazendo concessões, como lhes apraz.

Entende que se deve definir de uma vez para sempre a orientação a seguir nas cousas de Africa, para se saber tambem o que convirá fazer, acabando-se com o systema, até hoje seguido, pelos ministros e governadores do ultramar, de revogarem tudo quanto fizeram os seus antecessores, sem obedecerem a uma orientação definida e só pelo prurido de fazer reformas.

O que diz com respeito á administração colonial, diz igualmente com relação a navios. Assente-se primeiro no genero de esquadras de que carecemos se deve ser de combate ou colonial, e adquiram-se depois os navios que se tenham reputado convenientes; tendo-se sempre em attenção que não se póde ter esquadras sem arsenal, e que, o que actualmente existe, não comporta no dique um cruzador de 4:200 toneladas, nem permitte a construcção de um navio maior do que o que ali se está fazendo.

Sabe que o sr. Croneau já apresentou um plano de modificações a fazer no nosso arsenal, mas pensa que emquanto não se mudar para o outro lado do Tejo ou para oeste da torre de Belem uma parte d'elle, pelo menos, já que não é possivel mudar-se todo, como seria para desejar, nada se poderá fazer de proveitoso.

É para a construcção do novo arsenal lembra que se poderiam aproveitar os sete mil operarios que o governo está sustentando, com bem mais utilidade do que na construcção de um ostentoso tribunal de justiça na avenida da Liberdade, que está destinado a deixar no escuro o famoso palacio de justiça de Bruxellas.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Marinha (Barras Gomes): - O illustre deputado tratou o projecto com tamanha benevolencia que a minha tarefa é muito facil.

A camara está fatigada e eu limitar-me-hei, apenas, a responder a alguns dos pontos tocados por s. exa.

Um d'elles refere-se ao destino que poderia ter o dinheiro que nós saldámos para a acquisição de material.

S. exa. reconhece que no relatorio que precedia a proposta de lei do ministro do gabinete passado, estava bem claro que uma parte do capital de que se trata, se destina a adquirir para o arsenal machinas indispensaveis para ali se poderem executar os trabalhos de construcção de novos navios.

Portanto, fica accentuado para todos os effeitos que uma parte d'este dinheiro se destina a essa acquisição.

Mas disse s. exa. que n'um jornal qualquer, que devia merecer mais particularmente a minha sympathia, e eu devo dizer que me merecem sympathia todos os jornaes que estão á altura da sua missão e que discutem os altos interesses do paiz com toda a serenidade, sem eu querer saber a que politica pertencem, mas n'esse jornal disse o illustre deputado ter lido que de França veia, ha pouco, uma porção de chapas destinadas ao cruzador e já dispostas por fórma que só falta collocal-as no logar competente.

Para que não se estranhe esse facto, que a mim mesmo causou alguma impressão, devo dizer, que o numero d'essas chapas é limitadissimo, e que foi indispensavel mandar vir de fóra, por ser impossivel preparal-as, por ora, no nosso arsenal pela fórma especial da curvatura da sua superficie.

Repito, o numero d'essas chapas é limitadissimo, e servem ellas tambem para industriar os nossos operarios d'essa especialidade de trabalhos.

E, a proposito devo dizer que uma das cousas que mais me tem agradado, é ver a boa harmonia, a boa convivencia e a notavel intelligencia com que os nossos operarios e mestres acceitam as lições do districto constructor que está á testa d'aquelle estabelecimento, dando-se, alem d'isso, uma communidade de sympatias que é satisfactoria para quem manda e para quem zelar os interesses do estado.

Mas, sr. presidente, é muito bom ter um plano, tanto em relação ás questões da marinha, como ás questões do exercito, como e muito especialmente em relação ao nosso dominio colonial que, pelas rasões que o sr. Marianno de Carvalho muito bem conhece e expoz á camara, não póde esperar pelas nossas hesitações, porque os factos vão-se succedendo e os interesses são multo predominantes.

Mas nós não podemos dizer que, não tenha havido alguma expansão no nosso dominio colonial e que não ha um certo plano geral, uma certas idéas que todos nós mais ou menos temos confirmado.

Pela minha parte, estou inteiramente possuido da doutrina apresentada por s. exa. Eu não trato de destruir a obra dos meus antecessores pelo simples prazer de vir com idéas novas. Ainda ha pouco, hesitei muito sobre a conservação das colonias militares organisadas pelo meu antecessor, questão realmente grave para o thesouro, porque n'este momento importa um sacrificio serio de dinheiro.

Hesitei muito, como disse, consultei muito e, apesar de tudo, resolvi conservar essas colonias, excepto uma que ainda não se tinha installado, a de Gaza e cujo pessoal podia ser encorporado nas companhias de guerra de Moçambique. É uma experiencia que nos custa ainda hoje um certo dispendio e o que já foi feito é muito grande. Mas veremos se, desenvolvendo esse pensamento inicial com os cuidados da administração, elle poderá frutificar. Estou convencido de que esta idéa que eu tenho, a têem tido todos os ministros da marinha; e repito, eu não hei de destruir, por simples prazer, a obra que já vem de traz.

O que é muito difficil nas condições financeiras do paiz, nas circumstancias difficilimas com que luctâmos, n'essa lucta de interesses que nos nossos dominios se tem travado e a que devemos oppor o nosso direito historico, com juizo e prudencia, o que é muito difficil, digo, é alcançar uma solução definitiva. Não digo que com isto se justifica a ausencia d'essa solução; mas é muito difficil apresentar de antemão um plano colonial que tem de ser feito com serenidade politica e boa harmonia entre os homens mais importantes do paiz.

Quem tem a responsabilidade dos acontecimentos e a direcção dos negocios ha de muitas vezes ter de tomar a responsabilidade de se afastar d'esse plano e proceder conforme as circumstancias o permittirem. Isto não é destruir a idéa do sr. Marianno de Carvalho. Já o disse a proposito das obras do porto de Loanda, e digo a proposito de questões no ultramar, que não pretendo chamar para mim o merecimento de haver apresentado a melhor solução.

O que eu faço é trazer os meus projectos á camara para serem estudados nas commissões, modificados e melhorados com os conselhos da experiencia e da pratica dos negocios e com o esclarecido tributo e auxilio que podem prestar os illustres deputados que se sentam no lado esquerdo da camara.

Nas questões coloniaes appello para o bom senso e cooperação de todos, repetindo o que disse no primeiro dia, que todos juntos não somos de mais para resolver, n'estas difficilimas circumstancias, o problema colonial.

Ha uma questão principal que me levou a pedir a palavra.

O sr. Marianno de Carvalho notou que tendo a Inglaterra dado o sen laudo, uma satisfação parcial ás pretensões de Portugal, nós não tivessemos pensado em transformar sobre o terreno a linha traçada no mappa, com o que obteriamos o termo de dissidencias sobre uma região tão importante pela sua riqueza mineral.

Devo dizer que o governo inglez apresentou ao parlamento uma collecção de documentos diplomaticos que ter-

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minava com a publicação da sentença arbitral sobre a delimitação de Manica.

O meu collega dos negocios estrangeiros procederá do mesmo modo e para isso tem já na imprensa os documentos que dizem respeito a essa sentença, proferida pelo senador Vigliani. Portanto, dentro em pouco estará publicada, como se fez em Inglaterra, a sentença com os documentos diplomaticos que a acompanham.

Accrescentarei que já se trocaram communicações com o governo inglez acerca do traçado da linha divisoria; e a. exa. não ignora, porque conhece todos os negocios que se debatem sobre o nosso dominio colonial, que temos traçados a fazer no Congo Belga, no Congo Francez, no Maputo, na Suasilandia e que por todos estes pontos temos distribuidos officiaes da marinha, individuos com a competencia precisa para os trabalhos technicos d'essas delimitações.

Ainda ha pouco tivemos nós a satisfação de ver, não pela importancia do terreno, mas pelo reconhecimento das bons relações com Inglaterra e força de argumentos dos nossos delegados que, na linha de delimitação com o Maputo, em que havia uma divergencia, se chegou a accordo, ordenando a Inglaterra ao seu commissão que acceitasse a linha portuguesa.

Estamos, portanto, tratando de delimitações em diversos pontos e não estamos retardados no que respeita á linha traçada pelo ar. Vigliani, porque os documentos já estão para serem apresentados á camara e já se trocaram communicações entre o governo portuguez e o inglez ácerca do assumpto.

Eu podia ir mais longe, acompanhando o illustre deputado na sua erudita e amena exposição com que mais uma voz deleitou a camara, mas o que acabo de dizer, parece-me o bastante, para satisfação de um dever de cortezia para com s. exa., e para o cumprimento do dever que me caba, de dar explicações, acerca de alguns pontos que d'ellas careçam.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas).

O sr. Marianno de Carvalho: - Agradece a resposta do sr. ministro, mas observo-lho que o governo inglez, sem duvida, já ha muito tempo terá communicado as suas auctoridades a nova linha divisoria, ao passo que o nosso ainda o não fez.

O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir.

O sr. Ferreira de Almeida: -Peço a palavra.

O sr. Presidente: - O illustre deputado...

O sr. Ferreira de Almeida: - Bem sei que v. exa. vãe dizer, que já fallei duas vezes; mas a discussão tomou uma feição muito diversa; tratou-se da questão da arbitragem, fallou-se em causaa sobre que tambem desejo expor a minha opinião, e n'este caso pedia que v. exa. tivesse a bondade de consultar a camara, se permitte que eu use da palavra pela terceira vez.

O sr. Presidente: - Tomando em consideração o que acaba de dizer o illustre deputado, peço licença para ler o regimento. Diz o artigo 106.° :

"Ninguem póde fallar mais de duas vezes na mesma discussão. Exceptuam-se os relatores, ministros e seus delegados."

Já vê o illustre deputado que eu não posso conceder-lhe agora a palavra ; mas como estamos na ordem do dia, póde s. exa. mandar para a mesa essa especie de requerimento, eu consultarei a camara, e se esta annuir, conceder-lhe-hei a palavra. Peço ao ar. deputado que tenha a bondade de mandar o requerimento para a mesa.

(Pausa.)

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro se consulte a camara se que use de novo da palavra sobre o projecto em discussão, e nos termos em que esta se acha. = Ferreira de Almeida.

Foi rejeitado.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae votar-se o projecto.

Leu-se o seguinte:

Artigo 1.° Fica o governo auctoriaado a applicar á construcção, no arsenal da marinha, de um cruzador protegido, de aço, de 1:660 toneladas e de 17,5 milhas de velocidade, segundo os planos do engenheiro Croneau, approvados pelo conselho do Almirantado:

a) O saldo que ficar da quantia de 2:800 contos de réis, destinada pela carta de lei de 21 de maio de 1896, á acquisição, em concurso, de navios do guerra, deduzida a importancia dos quo foram adjudicados ás casas Armstrong e Forges et Cliantiera, assim como todas as despezas extra necessarias para o seu completo armamento, em ordem a ficarem no Tejo, promptos para qualquer commissão do serviço;

b) O excedente do emprestimo realisado, nos termos da carta de lei, tombem de 21 de maio de 1896, sobre os 2:800 contos de réis a que se refere a alinea anterior.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para ser votado, o artigo 2.°

"Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario."

Approvado.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 11

Leu-se na mesa. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 13

Senhores. - A vossa commissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° G-E, de iniciativa do governo, garantindo aos officiaes das diversas corporações da armada e do exercito, que, em 31 de janeiro de 1895, exerciam o magisterio vitalicio na escola naval, os direitos que lhes competiam pela legislação em vigor, nos termos da mesma proposta.

Esses direitos eram identicos aos dos lentes militares da escola polytechnica, os quaes alem de perceberem ou vencimentos estabelecidos na respectiva legislação, e de terem, o acesso garantido até ao posto de coronel, são proprietarios das suas cadeiras, não podendo ser demittidos das funcçõos do magisterio com precedencia de processo, cabendo-lhes tambem o direito a jubilução, compativel com o da reforma inherente aos seus postos.

O decreto dictatorial n.°4, de l de fevereiro de 1895, e o de 25 de setembro do mesmo anno, privaram os lentes militares da escola naval du todos os direitos, que, n'essa qualidade, então usufruiam, ao passo que oa decretou de 24 de dezembro de 1863 e de 30 de outubro de 1892, estabelecendo o primeiro o systema do magisterio temporario na escola do exercito, e mantendo-o o segundo, ambos resalvarem os direitos legitimamente adquiridos pelos officiaes que eram lentes vitalicios da dita escola.

Julga a commissão ser de inteira justiça que se proceda de igual modo com oa antigos lentes da escola naval, excepto na parte referente a vencimentos, visto as circumstancias do thesouro imporem uma prudente parcimonia nas despezas publicas.

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Quanto aos demais direitos, importa conserval-os, porque o estado só teria a perder com a adopção de preceitos contrarios á estabilidade das funcções dos cargos vitalicios, a qual é efficaz garantia de dedicação pelo serviço, e de idoneidade no seu desempenho.

A commissão compraz-se em registar o voto favoravel das commissões de fazenda e de marinha d'esta camara, na ultima sessão legislativa, para uma proposta de lei, tambem de iniciativa ministerial, em que se consignava doutrina analoga e da proposta de que trata o presente parecer. Uma tal conformidade, de opiniões é seguro indicio da excellencia do principio que as determinam.

N'estes termos a vossa commissão de marinha entende que deve solicitar a vossa approvação para a proposta de lei n.° 6-E convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Aos officiaes das diversas corporações da armada e do exercito, que, em 31 de janeiro de 1895, exerciam o magistério na escola naval sito garantidos os direitos que lhes pertenciam pela legislação então vigente, salvo no que respeita aos seus vencimentos de exercicio! os quaes ficarão reduzidos á gratificação unica de 600$000 réis annuaes, não podendo esta gratificação ser augmentada por motivo de diuturnidade de serviço.

§ 1.° O tempo decorrido, desde a data citada, até á da presente lei, será considerado como de exercicio interrompido do magisterio, unicamente para os effeitos de justificação.

§ 2.° Emquanto não for reorgonisada a escola naval, incumbirá ao lente da antiga 7.ª cadeira, estabelecida pela carta de lei de 27 de setembro de 1881, o serviço de conferencias sobre hygiene naval e colonial, e o da clinica dos alumnos da mesma escola, pela fórma que for regulada em instrucções especiaes determinadas pelo governo, sobre proposta do respectivo conselho escolar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de marinha, 10 de julho de 1897.= J. B. Ferrara de Almeida (vencido) = Carlos Augusto Ferreira = Henrique de Carvalho Kendall = João Catanho de Menezes = José Maria de Alpoim = Leopoldo Mourão = Visconde de Silves = Francisco Felisberto Dias Costa, relator.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda, a quem foi presente o parecer da commissão de marinha, referente á proposta de lei n.° 6-E, concorda plenamente com esse parecer.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 12 de julho de 1897. = Adrianno de Carvalho = Adriano Anthero = Frederico Ramires = Correia de Barras = J. F. Laranjo = José M. de Alpoim = F. F. Dias Costa.

N.º 6-E

Senhores. - A carta de lei de 27 de novembro do 1887, que reorganisou a escola naval, confirmando anteriores disposições legaes, preceituou que os lentes, e o professor de desenho, da mesma escola, fossem vitalicios, e equiparados, para todos os effeitos de categoria, terços e jubilação, aos lentes militares da escola polytechnica de Lisboa.

Foram depois acrescidos os vencimentos do mencionado pessoal com uma gratificação de exercicio, instituida pela carta de lei de 28 de maio de 1888, e o decreto com força de lei de 14 de agosto de 1892, garantiu-lhe a promoção até ao posto de capitão de mar e guerra, inclusive, sem dependencia, de tirocinio de embarque.

Eram estas as condições do professorado militar da escola naval, quando o decreto com força de lei n.º 4 de l de fevereiro de 1895 lhe reduziu os vencimentos, e supprimiu o direito de jubilação, mantendo unicamente o da reforma, que podesse pertencer-lhe, nos termos da legislação vigente.

Decorridos alguns mezes, o decreto com força de lei de 25 de setembro do mesmo anno, que reorganisou outra vez a escola naval, estabeleceu que o magisterio n'esta escola fosse temporario, ou de commissão, tornando-o incompativel com qualquer posto superior ao de capitão tenente, e determinou que fossem exonerados os lentes e professores pertencentes aos diversos quadros da armada, que então eram proprietarios das cadeiras do mencionado instituto, podendo, porém, ser novamente nomeados, mediante as condições do novo decreto organico.

N'esta conformidade, e por decreto da mesma data, foram nomeados tres dos antigos lentes e um professor. Os restantes quatro lentes militares, depois de exonerados dos seus logares, tiveram varios destinos, voltando mais tarde tres d'elles ao exercício interino do magisterio, por virtude de regias portarias, e conservando-se o quarto na situação do supranumerário do correspondente quadro dos officiaes da sua classe.

Contra as disposições dos citados decretos de 1895 reclamaram, quer perante o governo, quer perante as côrtes, os lentes e o professor, que se consideraram lesados nos seus legitimos direitos.

A essas reclamações procurava attender, quanto possivel, o § unico do artigo 57.º da proposta de lei n.º 122-A, de 4 de maio do anno findo, referente á organisação da instrução dos officiaes da armada e da marinha mercante, e apresentada á camará dos senhores deputados pelo meu illustre antecessor. Foi esta proposta convertida no projecto de lei n.° 130, de 5 de maio, pelas commissões reunidas de fazenda e de marinha, não chegando, porém, a ser discutido pela camara.

Perante o actual governo vieram novamente reclamar justiça os ditos lentes e professor, dando-lhes favorável informação o conselho do almirantado e o cominando da escola naval.

Não cabendo na alçada do poder executivo o deferimento de taes reclamações, mas desejando o governo manifestar o seu insto apreço pela distincta corporação a que a escola naval deve uma boa parte dos seus merecidos creditos, julguei do meu dever, depois de considerar o assumpto, tomar a iniciativa de submetter áa vossa illustrada apreciação uma proposto de lei com o fim de satisfazer, quanto as circunstancias o permittem, os pretensões dos reclamantes.

N'esse proposito, orientei-me pelas disposições dos decretos com força de lei de 24 de dezembro de 1863 e 30 de outubro de 1892, que, reorganisando a escola do exercito, e adoptando o principio do magisterio temporario, resalvaram todos os direitos anteriormente consignados nas leis em relação aos lentes, que eram proprietarios de cadeiras da dita escola, direitos em cousa alguma differentes dos que pertenciam aos lentes da escola naval.

Infelizmente, não permitte a situação do thesouro proceder agora por fórma absolutamente identica á que então foi seguida. Fio, porém, da illustração e do patriotismo dos interessados que elles serão os primeiros a reconhecer essa impossibilidade, e se darão integralmente por satisfeitos com a solução que se me afigurou conciliar a equidade, de que são merecedores, com as circumstancias que defendem mais completa restituição dos direitos que lhes foram cerceados pelos decretos de 1895.

N'estes termos, tenho a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Aos officiaes das diversas corporações da armada e do exercito, que, em 31 de janeiro de 1895, exerciam o magisterio na escola naval são garantidos os direitos que hes pertenciam pela legislação então vigente, salvo no que respeita aos seus vencimentos de exercício, os quaes ficarão reduzidos á gratificação unica de 600$000 réis annuaes, não podendo esta gratificação ser augmentada por motivo de diuturnidade de serviço.

§ 1.° O tempo decorrido, desde a data citada até á da presente lei, será considerado como de exercicio ininterrom-

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pido do magisterio, unicamente para os effeitos de jubilação.

§ 2.° Emquanto não for reorganisada a escola naval, incumbirá ao lente da antiga 7.ª cadeira, estabelecida pela carta de lei de 27 de novembro de 1887, o serviço de conferencias sobre hygiene naval e colonial, e o da clinica dos alumnos da mesma escola, pela fórma que for regulada em instrucções especiaes determinadas pelo governo, sob proposta do respectivo conselho escolar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 30 de junho de 1897. Henrique de Barros Gomes.

O Ferreira de Almeida: - V. exa. faz-me a fineza de me dizer quanto tempo tenho para fallar...

O sr. Presidente: - Tem uma hora.

O Orador: -V. exa. não me deixou completar a pergunta.

O sr. Presidente: - Peço desculpa ao sr. deputado.

O Orador: - Como a sessão de hoje tem tres partes. Na primeira é a continuação da discussão do projecto n.° 13, acquisição de navios de guerra. A segunda, discussão do projecto n.º 11, reintegração dos professores da naval. E a terceira, eleição do commissões, e ainda um sr. deputado inscripto para antes de se encerrar a sessão, eu desejava saber que tempo era reservado para a discussão do projecto n.° 11.

O sr. Presidente: - Eu respondo ao sr. deputado. Ha um sr. deputado que pedia a palavra para explicações; essas explicações só podem ser dadas no fim da sessão, se acaso a camara o permittir.

O Orador: - Quando finda a sessão?

O sr. Presidente: - A hora do findar a sessão e ás seis horas o e meia. Antes de encerrar a sessão hei de dar á palavra, se a camara o permitir, ao sr. deputado Queiroz Ribeiro.

Tenho a dizer ao sr. deputado que tem mais um quarto de hora, se não quiser ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O sr. Ferreira de Almeida: - Já v. exa. vê que, fechando a sessão as seis horas e meia, tenho apenas uma hora.

Confesso a v. exa. que me sinto debaixo do enorme peso diante da tarefa ingrata de estar a discutir todos os projectos que têem vindo ao debate, e por uma sucessão extraordinaria todos sobre materia naval, tão instantes, tão rapidos e tão precipitados que, quem ler simplesmente a indicação dos projectos que o parlamento tem de apreciar, julgará que Portugal vão armar-se em guerra, porque se não tem discutido senão marinha, marinha e marinha por todas as fórmas e feitios que se tem podido arranjar. Parece uma indicação precursora da vigente orientação que o governo vae ter de de dedicar á marinha e colonias, como sendo o principal e fundamental elemento da salvação da causa publica, que tantas vezes os preoccupa na opposição e os preoccupou logo na sua entrada para o governo, fazendo o famoso decreto dos creditos extraordinarios e de annullar as nomeações de toda a especie, que a final se mantiveram, emquanto que as propostas de fomento e finanças continuam jazendo nas commissões, não quero dizer caldas no limbo, tendo até mais aturado estudo, pela demora, do que foi necessario para as propostas navaes.

Lastimava ha pouco o sr. Marianno de Carvalho que não houvesse o pensamento geral sobre cousas de marinha sobre cousas coloniaes. O pensamento, como v. exa. vê, sr. presidente, vae sendo claro: é voltar ao antigo ...

A força naval foi a proposta do ministerio anterior; no ensino volta-se ao anno de 1894, em construcção de navios vão-se buscar os typos hoje abandonados não só pelas nações de verdadeira grandeza maritima, mas ainda pelos de medianas concdições navaes, que não constroem navios d'esse typo a apenas se conservam, aproveitando-os para as necessidades que possam ter, quer nas coloniaes, quer no continente, porque, emfim, não hão de abandonal-os.

Permitta-me v. exa., sr. presidente, que, chamado um pouco á barra, nas referencias feitas pelo sr. Marianno de Carvalho, ou, quo fui ministro d'estado gerindo a pasta da marinha o ultramar, ligue n'um conjuncto geral com a questão quo se debate aquella referencias, fazendo como que uma discussão na generalidade, e diga ao illustre deputado que s. exa. foi injusto em dizer quo não ha orientação, quando eu, no ministerio cuja pasta dirigi, defini essa orientação de uma fórma clara e positiva, e commigo a definiu a situação, que então estava á testa da gerencia dos negocios publicos, pois quo tratando-se da questão da propriedade no ultramar e encontrando na secretaria um projecto devido ao trabalho do s. exa., o convidei a rever o referido trabalho, para que servisse de base essencial para a organisação da propriedade no ultramar. Sobre esse projecto, que li todo, e sobre as minhas indicações geraes, fui formulado na secretaria um trabalho sobre concessões coloniaes, trabalho executado pelo sr. Augusto Ribeiro, a quem n'este momento folgo de prestar homenagem pelo seu trabalho e intelligencia. Esse trabalho foi apreciado depois pela direcção geral do ultramar, mereceu a approvação do sr. conselheiro Marianno de Carvalho e acerca d'elle foi ouvida a opinião dos individuos interessados em concessões coloniaes, porque eu tenho como principio que as leis devem ser reguladas pelos interessados, sem que, é claro, predomine em absoluto a sua orientação em detrimento do estado; convem até para salvaguardar os interesses do estado ouvir os interessados, que muitas vezes, procurando acautelar-se, descobrem porventura as demasias dos seus interessas. Fez-se, pois, a lei das concessões, o que já representa uma orientação; mas fez-se mais. Deixei imprecou na secretaria do ultramar e tenho um minha casa exemplares do projecto de um banco colonisador, tendo de antemão preparado, com a direcção do caminho de ferro de Ambacu, a demarcação dos terrenos contiguos á linha ferrea, que deviam ficar pertencendo ao estado e de que primeiro eu ía lançar mão para a colonisação, sendo de si evidente as vantagens que tem uma colonisação junto de uma via de communicação d'aquella especie.

Eu propunha-me aproveitar esses terrenos em volta do caminho de ferro para os dar ao banco colonisador que assumiria a propriedade effectiva d'estes terrenos á proporção que fossem explorados.

Esse banco teria o capital de 5:000 contos, a que o governo daria garantia de juro de 250 contos, o que representa do encargo muito menos do que custam as actuaes estações militares agricolas, e representava um pensamento definido, uniforme e com uma base, já em terrenos, pelo seu aproveitamento em volta de um caminho de ferro, já no capital que á sua exploração se arbitrava, com a conveniente garantia, para tornar convidativa a concorrencia do publico. Aqui tem v. exa. tambem um pensamento de administração que pouco faltou para se tornar effectivo.

Pretendi fazer o caminho de ferro de Benguella; não entenderam os meus collegas no governo, que essa fosse a melhor opportunidade de se proceder á construcção d'esse caminho, pela fórma por que eu o queria fazer, que era um pouco á russa ou americana.

Como não ha hoje povoação no interior, que como tal se possa considerar, fiz o traçado geral da linha, procurando determinar o ponto de partida, definindo-se o objectivo do interior e quando muito, um ou outro ponto forçado de passagem para ganhar o planalto o algum ponto notavel, como as regiões auriferas ou cousa equivalente.

O meu proposito foi sob reconhecimentos rapidos para uma linha de traçados simples, fazer a construcção como se fez a dos caminhos do ferro do mar Caspio ao Turkestan, e como só fizeram alguns caminhos de ferro na America. Estudava-se um troço definitivo, e emquanto esse se construía, estudava-se definitivamente o troço

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de maneira que ía tendo sempre trabalho referido a um ponto distante como objectivo, a que iam subordinar-se as inflexões da linha.

Com esta orientação procurava dar á provincia de Angola os seus principaes elementos de vida pela viação accelerada e facilidade de penetração, precisando de certo desenvolver a viação complementar, para dar mais vida aos elementos de actividade colonial.

Não podendo tornar effectivo o projecto nas condições que acabo de indicar, pelas circumstancias financeiras de momento, limitei-me a mandal-o estudar e creio que é esse um dos projectos que o actual titular da pasta da marinha, se não trouxe, deve trazer á camara, pois me parece que a elle se fez referencia no discurso da corôa.

Sr. presidente, disse o sr. Marianno de Carvalho que nunca tinha sido consultado senão a proposito da remessa de um dinheiro para Manica; s. exa. esqueceu-se de que o occupei como presidente de uma commissão sobre regimen de propriedade em Africa e sobre o projecto do decreto das concessões e portanto não desconheci os seus meritos, que são grandes e as suas aptidões de trabalho, que são extraordinarias.

Vê v. exa. que n'esta apreciação geral da administração colonial o exmo. ministro podia decidir entre o existente e a minha orientação do banco colonisador, que em todo o caso me parece, não se contem no projecto que s. exa. trouxe á camara sobre o regimen bancario no ultramar. Ha uma cousa que deve ser completamente separada, é a organisação do regimen bancario que se prende com a propriedade e o regimen bancario em geral.

Esta orientação do banco colonisador não é uma invenção minha, existe no Brazil e na republica do Rio da Prata, de que não póde obter então a lei organica completa, mas de que alcancei informações importantes para formular um projecto de decreto, que mais tarde uma commissão para esse fim nomeada, se encarregaria de desenvolver.

D'esse projecto ficaram exemplares impressos na direcção, geral do ultramar.

É possivel que tenham desapparecido, porque commigo aconteceu, que ainda antes de tornar lei do estado o decreto da organisação das forças militares no ultramar, foi um exemplar já impresso parar á India, do que resultou aquella extraordinaria revolta, em que os officiaes que eram prejudicados ficaram em casa e os soldados que eram beneficiados saíram para a rua, para mais tarde quando lá chegou a ordem, que se executou era grande parte, de seguirem para Moçambique os officiaes dos corpos revoltados, deporem os soldados immediatamente as armas.

É o caso de se applicar o antigo dictado de quo Deus escreve direito por linhas tortas, aqui fui eu que puz o caso a direito por linhas tortas, mas não o eram; a origem da revolta estava nos officiaes e ainda hoje está e estará, pelas inqualificáveis transigencias quo com elles se tem tido.

Sr. presidente, entre os diversos trabalhos ou decretos promulgados pela pasto a meu corgo, figura o da reorganisação da escola naval, reorganisação que obedecia tambem a uma orientação clara e positiva de manter os serviços em devidos termos, não só consoante as necessidades da nossa administração naval, mas ainda com referencia á organisação em outros pauses e tendo em vista, difficultar, pela exigencia de habilitações e de instrucção, e accesso á corporação da armada, para evitar todos os inconvenientes politicos e de interesses de ordem publica que podem derivar o porventura derivarão, do excesso de tolerancia com que se tem admittido nas escolas, tanto na do exercito, como na escola naval, um alistamento que os quadros não comportam, produzindo no espirito dos alistados um mal estar, derivado, deverem o accesso retardadissimo nas suas carreiras, o que as tem procurado attenuar com penoso encargo para o estado, por meio de quadros supplementares excessivos, sem nenhuma conveniencia para o serviço.

Vou apresentar um mappa da situação dos officiaes da marinha de guerra, para v. exa. ver como é bem fundada a referencia que acabo de fazer, isto é, de que se abusou na admissão nos cursos escolares e que de ahi derivou uma situação penosa para o estado, pelos encargos correspondentes e difficil para o pessoal, pela situação em que se acha.

Assim em fins de dezembro de 1896, como consta da lista da armada, publicada em março de 1897, para um quadro de 273 officiaes de marinha, ha mais 79, isto é 352, havendo n'alguns casos completa duplicação assim no grau de vice-almirantes, n'um quadro que 4 de 2, ha 4; mais 4 contra-almirantes, sobre 5 que tem o quadro e portanto 9; mais 13 capitães de mar e guerra sobre l6 do quadro e portanto 29; mais 15 capitães do fragata sobre um quadro de 20 e portanto 40; mais 24 capitães tenentes sobre 35 do quadro, o que perfaz 59; mais 21 primeiros tenentes sobre 80 do quadro, o que dá 101, e apenas menos 23 segundos tenentes n'um quadro de 110 e por consequencia 87.

Como a camara vê, ha n'este effectivo excesso de 79 officiaes, dos quaes 58 são officiaes superiores e officiaes generaes, porque os governos têem entendido, com penoso encargo para o thesonro, dever attenuar os retardamentos do accesso arranjando por artificios diversos um certo movimento de promoções, para trazer contente o pessoal, visto ser essa a sua principal aspiração para ir fazendo a sua carreira, como se costuma dizer.

Pois como se não bastasse isto encontram-se ainda na mesma lista da armada, referida, como disse, a dezembro de 1896, 67 guardas marinhas, que hão de ser promovidos a tenentes dentro dos dois annos de 1897 o 1898, o que quer dizer que em fins de 1898 princípios do 1899 haverá sobre os 79 officiaes, mais 67, o que quer dizer 146 officiaes a mais do que o quadro, ou mais de 50 por cento do que o quadro normal com um pequeno desconto nas baixas durante os dois referidos annos.

Um das idéas que presidiu á reorganisação da escola naval foi portanto difficultar o accesso, visto os ministros não terem a resistencia precisa contra a invasão.

É indicação elementar da economia politica, que quando um artigo falta, sobe de preço.

Já succedeu na marinha faltar a concorrencia, havendo uma grande lacuna no quadro, e outro offereceram-se grandes vantagens, o que despertou a concorrencia; era desde que a offerta agora cresce, obriga naturalmente o estado a por-se ao obrigo d'essa invasão, augmentando as condições de admissão. E esta orientação dá ainda um esplendido resultado, que consiste em írem os novos ornamentos da armada, com uma instrucção mais desenvolvida, o que é sempre util em todas as corporações, mas muito mais na da armada, onde pelos extraordinarios aperfeiçoamentos de todos os machinismos e os gravissimos inconvenientes de errar no seu manejo exige uma instrucção desenvolvida, segura e bem definida, e ainda porque existindo entre nós, e muito bem, o uso do ir buscar á armada os elementos do administração das nossas colonias, com o largo alcance que vae tendo, melhor é que um funccionario tenha uma mais larga instrucção em vez de reduzida e quasi elementar; não esqueça a camara esta phrase - instrucção quasi elementar.

Sr. presidente, acresce ainda, que essa reforma foi moldada nas reformas da escola do exercito, onde tambem a concorrencia ás diversas armas, sendo grande, inspirou ao reformador a conveniencia de exigir mais cabedal de instrucção, não só para ter pessoal mais largamente dotado de conhecimentos, mas para difficultar a entrada, porque o mal de que enferma a armada é o mesmo de que enferma o exercito, havendo n'este tambem um quadro fin

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ctuante variavel em todos os postos, que representa um accrescimo do funccionalismo militar, e por conseguinte um accrescimo de encargos para a fazenda.

É certo que me hão de responder que este elemento fluctante é necessario para alguns serviços, quer militares, quer navaes.

É verdade; mas ha outro quo se desviou da carreira militar para se lançar no professorado, por assim dizer, civil, da universidade, dos lyceus, da escola polytechnica, para os quaes a medida regular e normal seria deixar-lhes, como honra, o posto em quo se separaram do quadro, sem mais accenso ou graduação, e ficando exclusivamente com as vantagens de professores, cuja funcção procuraram, e não com a de serem jubilados como professores, e reformados como militares, subindo postos sem exercerem funcção alguma militar, a ponto de, provavelmente, não saberem já de que lado se põe a espada, pela falta de uso.

Mas, continuando a desenvolver a apreciação d'este mappa, vão v. exa. e á camará ver como estes 79 officiaes a mais estão distribuidos por commissões, organisadas como não pertencendo ao exercício normal do quadro dos officiaes de marinha, e que serviu para deixar portas falsas, por onde se faz um movimento variavel do accesso, por influencia de occasião e até da politica.

Lá foram agora 2 segundos tenentes para um observatorio, requisitados pelo ministerio do reino, quando exactamente do que ha falta na marinha 6 do segundos tenentes, por isso que ha 87 n'um quadro de 110.

Pois lá foram fazer astronomia para o ministerio do reino, quando o rasoavel seria quo elles primeiro fizessem navegação e serviço naval, porque foi para isto que elles se contrataram com o estado, n'um contrato bilateral, tacito, em que o individuo estuda uma profissão que não serve senão para o estado, e cujos estudos este remunera.

E assim foi já recentemente augmentada a collecção dos "extra-navegantes" (chamemos-lhe assim); e eu não commentarei agora a curiosa historia que se dá com um dos nomeados.

N'este numero do commissões o situações ha nem mais nem menos do que quinze dizeres. Veja v. exa. como ao tem sabido explorar a caso. Até ha um encarregado de escrever a historia naval. É um official realmente habil como escriptor publico. Tem um drama e comedias magnificos, que lho valeram ser nomeado socio da academia real das sciencias. Podemos comparal-o a Pierre Loti, que é membro da academia franceza, apenas com a differença de que este embarca e o nosso não; emquanto em França um official consegue conquistar um logar na academia franceza pelos seus trabalhos litterarios, e continua no exercício das suas funcções como official de marinha, em Portugal, ha separado do quadro, e, portanto, das funcções de embarque, um official, para escrever uma obra, em que se occupa ha uma boa meia duzia do annos, não apparecendo até agora trabalho algum, mas sendo para esperar que quando appareça seja tão completo como o Duque de Vizeu representado no theatro de D. Maria, ou a Bandeira, entreacto patriotico de occasião, representado com grande applauso no theatro da Rua dos Condes.

Ha nos obras publicas alguns officiaes de marinha sobre o pretexto da piscicultura, de que alguns até agora não revelaram conhecer o assumpto; a verdade é que se procura sempre habilmente, na organisação de serviços publicos, desviar, ou arranjar meio do desviar, cada um das funcções que exerce, transferindo-se, para diverso ministerio d'aquelle que lhe pertenço, elementos que, encorporados na situação que lhes compete, não produziriam trabalho que os evidenciasse, naturalmente pelo principio revelado na phrase "ser conhecido pau de laranjeira";

Ia agora a referir-me aos professores; mas deixo-os para o fim, porque constitue a especialidade do projecto, e ou estou fazendo estas considerações de generalidade para justificar a orientação a que obedeceu a minha administração; porque deve dizer á camara, que ou não venho atacar o projecto, mas simplesmente justificar-me perante a camara operante o paiz, apresentando as nossos de ordem administrativa, de ordena moral e do ordem profissional que me determinaram a medida que o projecto em discussão vem anullar.

Combater o projecto era perfeitamente inutil, porque os projectos, desde que são governamentaes, são todos votados e approvados para servir interesses, em torno dos quaes se agitam extraordinarias potencias, extraordinarios valores sociaes; aquellas potencias de quo fallára ha pouco o sr. Marianno de Carvalho, e cuja classificação não quero alterar em nada no seu valor caracteristico, que explica perfeitamente a situação: as potencias supremas e occultas!

Isto é preciosissimo, e por ser dito pelo individuo que o disse eu aproveito-o para o caso, e já não tenho necessidade de citar Lockroy, de quem me soccorria para definir esta situação de resistencia contra tudo quo vá transtornar interesses, por minimos que sejam, sempre injustos, illegitimos e impertinentes, nada valendo; mesmo nada, perante o interesse geral do paiz.

Quem andou erradamente fui eu, porque em muitas das reformas quo fiz na marinha, fui prejudicado, prejudicadissimo. É pena não poder figurar no Diario da camara o commentario que naturalmente está na mente de todos para o caso. É porque eu, como era a primeira vez que fui ministro, ía atacado d'esta virgindade com que a gente entre em todas as cousas pela primeira vez; com esta preoccupação do bem e não do interesse vil e mesquinho, politico ou pessoal, e deixei-me levar nas azas da inutil gloria e de inutil proveito para o paiz, porque tudo quanto fiz vão sendo demolido pelo egoismo e pelo sordido interesse. A final de contas prejudiquei-me pelas mas vontades que creei, pelas animosidades ou hostilidades de muitos em relação á minha collocação e ao proveito que podia tirar do estado de cousas.

A proposito direi a v. exa. porque se liga com o assumpto que este caso da escola naval em que eu tirei a situação de vitalicio aos professores, foi um dos que fez mais bulha; mas não foi o que me creou mais odios. A v. exa. ha de parecer-lhes extraordinario que houvesse outros decretos que provocassem mais odios. Pois houve. Um foi a suppressão da chibata! O outro o dos postos de accesso!

Quanto ao da chibata muita gente não gostou, porque entende que a maneira de reger e governar militarmente deve ser como nos antigos tempos, com a chibata, o chicote de cabo, o sarilho de armas, as palmatoadas, emfim com muitos flagícios que não merece a pena detalhar.

E digo que a suppressão da chibata provocou irritações e odios, porque no relatorio da viagem á India do sr. Ferreira do Amaral vem o caso criticado, mas criticado com a circumstancia notavel de dizer, que não sabe quaes foram os castigos corporaes que foram abolidos e os que ficaram permittidos, o que revela, ou má vontade contra o decreto, ou ignorancia do texto d'elle, quando é claro, pois, diz:

" Artigo unico. São abolidos desde esta data na armada e para todos os serviços dependentes do ministerio da marinha e ultramar os castigos de varadas, de pancadas de chicote de cabo, de espada, de prancha, de sarilho de armas, de carregar macas, palmatoadas, ou similhantes até agora ordenados ou tolerados."

Não ha, pois, duvidas sobre a natureza dos castigos supprimidos. O mau sabor que ao official em questão lhe causava a suppressão apontada derivava das suas reminiscencias de governador de Mossamedes, onde morreram á varada alguns pretos e se distribuiram por diversa gente mais de oito mil varadas officialmente no periodo de 1878 a 1879.

Entendem alguns que é pelo terror que se impõe o res-

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peito e a consideração. Aqui applico o caso ao projecto - aonde o respeito e consideração quer seja pelo professor quer pelo commandante, se não imponha pela austeridade moral e profissional não ha terrores possiveis; porque se de momento o individuo pela necessidade da occasião se sujeita, depois desforra-se, vinga-se, vilipendia e com rasão, todos aquelles que abusaram da sua posição sem terem nem auctoridade moral nem profissional.

Parecerá extraordinario que eu que sou tido como violento, sanguineo, nervoso e irritavel, como disse hontem o sr. Alpoim, tenha realmente esta orientação e o que é mais que a tenha executado. Desculpe-me a camara a immodestia de provar o facto.

Quando fui commandante da corveta Sagres, escola de alumnos marinheiros, recrutados nas classes mais infelizes da sociedade, rapaziada das ruas e do campo, para quem não ha quasi a noção do respeito nem sequer de familia, alguns d'elles mesmo levados pelas familias para ali, para ver se se morigeravam, foram ali prohibidos por mim a palmatoria, o chicote do cabo e até os puxões de orelhas. Tinha eu sob as minhas ordens cento o vinte alumnos de quatorze a dezesete annos, na idade em que todos nós fizemos das boas, e francamente tive sempre esse rapazio nas melhores condições, e a tal respeito posso invocar o testemunho de pessoas do Porto que viram, que exigindo-se antes de mim policia especial em Massarellos por causa do procedimento, quer dos alumnos quer das praças, depois foi isso desnecessario, saindo os alumnos sós e não arregimentados, e correndo tudo o melhor possivel. Mais ainda esse pessoal póde apresentar-se em parada, sob o meu commando, por fórma que os jornaes muito elogiaram e com demonstrações do applauso publico directo á passagem da força.

Sabe v. exa. como é que eu consegui passar de um regimen de bordoada para outro sem bordoada? Comecei logo por ír eu, capitulo de fragata, commandante do navio, dirigir todo o exercício singular de cada um dos dois pelotões que formavam a companhia de guerra que tinha do entoar em parada e isto para que todo o pessoal se convencesse de que eu, apesar de estar ha largos annos fóra do exercício d'essas funcções, não me tinha esquecido d'ellas, para conquistar a força moral e para habituar o pessoal á minha maneira de mandar.

Fui tambem commandar a dirigir o exercício de viaturas de desembarque, que se compunha de uma secção, com uma peça de bronze de 8mm e uma viatura Hotchkiss de 47mm, cujos exercícios se fizeram no triangulo ou especie do praça que ha a principio da Restauração.

Hoje, já isso se não podia fazer, porque esta lá um bello chafariz.

Não foram necessarios muitos exercícios para poder apresentar a columna mixta em exercício geral preparatorio no campo de Santo Ovidio, sem me arrecear de que esse primeiro exercício em conjuncto podesse dar uma enorme, embrulhada e um grande fiasco.

Eu ía seguro já do pessoal, pelo habito que elle tinha tomado, de ouvir-me mandar, e o pessoal tambem ía seguro em mim, pela maneira por que eu o conduzia.

Depois, no regimen de disciplina a bordo, adoptei o dos premios, em substituição do dos castigos, pela seguinte formal quem não era bem comportado durante a semana ou não dava regulares lições, não ía passear; não ía ao theatro; não tinha uns pequenos premios, que eu e os officiaes lhes costumavamos conceder.

Havia a bordo, um herophon comprado pelos officiaes, e era permittido aos alumnos tocarem o divertir se com elle quando não queriam, saír para terra e eram bem comportados, etc.

E aqui tem v. exa., como pelo regimen da doçura, eu consegui manter na mais completa disciplina, 120 garotos, como se diz vulgarmente, sem offensa, de treze a dezesete annos e em condições, que não me atreveria a referir por esta fórma, se não fossem exactas, porque correria o perigo de um desmentido formal e categorico de algum deputado da cidade do Porto que me ouve ou dos jornaes d'aquella cidade, quando vier o caso extractado nas gazetas ou estampado no Diario das sessões.

Já vê v. exa., que não estou fazendo com que me possa ser applicado o dito vulgar de: "Bem o prega sr. Thomás, fazei o que ello diz e não o que elle faz".

Prego a doutrina que sigo, de exercer o mando procurando impol-o pela auctoridade e austeridade moral, pessoal e profissional, e sou contrario á pancada.

Este regimen de pancada tinha ainda grande uso na nossa marinha de guerra, e deu motivo a uma insubordinação, a bordo da Mindello.

Quando ministro consegui fazer com que praças que se envolveram n'esse caso, tivessem umas cmmutação de pena, completa, porque não se justificava realmente a violencia que se tinha feito com elles!

Esta substituição da chibata indignou muita gente, que entende que a melhor maneira de executar o mando e ser obedecido e dar para baixo!

Eu não sou d'essa opinião. Já uma vez disse n'esta camara, referindo-me a este mesmo assumpto, que achava mais justificado que o official, no exercício das suas funcções, em circumstancias graves, use das suas armas, embora tenha depois de responder, para se demonstrar que não exorbitou no uso quo lhe era permittido fazer d'essas armas, do que expor officiaes a qualquer aggravo ou desobediencia que se liquide por um castigo corporal deprimente tanto para quem o soffre como para quem o ordena. (Apoiados.)

Não posso concordar com a questão do castigo corporal systematico, em formatura, pautado, violento, absurdo, ignobil. Eu fui rapaz, como nós todos. N'esse tempo o regimen era tambem de bordoada e confesso que quando me batiam ainda fazia peor, (Riso).

Cobro o decreto dos postos de accesso, confesso a v. exa. que, sem me penitenciar por ter acabado com elles, n'uma orientação de interesse publico, devia levar palmatoadas por esquecer o meu interesse particular de que uma grande maioria cuida.

Estou capitão de fragata talvez n.° 12, para a promoção ao posto immediato.

Supponham v. exas. que se fazem doze promoções dentro de dois annos. Se existisse a lei dos postos de accesso, sobre tudo com o famoso artigo do decreto do sr. Ferreira do Amaral de 14 de agosto de 1892, que dava dois postos do accesso com os tres annos de serviço nas colonias, se eu, arranjasse com o governo, que estivesse á frente dos negocios, um governosinho no ultramar, corria nem mais nem menos que 9 risco de catar d'aqui a tres annos contra almirante. V. exas. comprehendem de certo o ferro que ha de ter feito mesmo no animo mais quieto e mais sereno, esta questão de estar n'um posto, ír para fóra tres annos, como se póde ír em penosa commissão de embarque, emquanto na commissão em terra se têem todas as pitanças que dá o logar e voltar com dois postos de accesso. É realmente uma cousa tentadora.

Eu como deputado já tinha feito suspender o artigo da lei do sr. Ferreira do Amaral, que dava os dois postos de accesso; e para tornar o caso claro vou figural-o pondo o caso em mim.

Eu ía, por exemplo, para Cabo Verde, como capitão de mar e guerra supranumerario, estava lá tres annos, durante este tempo passava á effectividade do posto e por isso subia a contra almirante supranumerario: pela lei anterior ao decreto de 14 de agosto de 1892 carecia estar outros tres annos para permanecer depois como contra, almirante supranumerario e pelo tal artigo do decreto, que eu fiz suspender como deputado, bastava estar um dia na situação de contra almirante supranumerario para permanecer com essa graduação com todos os seus beneficios e benes-

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ses. Comecei por ter a crueldade de cortar este artigo com a intervenção do parlamento, e pratiquei depois a segunda maldade, reincidindo por consequencia, o que é mais grave, publicando o decreto, que cortou por completo os postos de accesso para o ultramar: por aqui v. exas. verão que odiou, que irritações isto causou. Até eu estou zangado commigo mesmo, palavra de honra! Desde que me convenci que não municia a pena sacrificar-se alguem pelo estado considero-me um pateta, pois poderia ir apanhar o posto de contra almirante! (Riso}.

E se é licito fazer um requerimento, requeiro ao governo que annulle mais este capitulo da minha obra, voltem oa postos do accesso, e eu peço já um governo no ultramar.

Ahi fina o pedido antes que as gazetas o digam. (Riso.)

Livrei o estado de um encargo enorme, mas conquistei odios por cortar os vôos ás almirantes. (Riso.)

Querem v. exas. ver como o estado ficou alliviado dos encargos que derivavam da antiga lei dos postos de accesso?

A lista da armada de 1897 referida a 30 de dezembro de 1896, indica, que só em serviços no ultramar estão vinte e tres officiaes, quer dizer que se não corto o posto do accesso, estes vinto e tres officiaes estavam em categoria immediatamente superior, e a camara comprehendo bem quanto uso representava de gravame nas despezas publicas. (Apoiados.)

Quem agradece isto ? Ninguem. São vinte e tres inimigos que ali tenho, mais todos aquelles que aspiravam a ir para taes commissões e mais todos aquelles que muito novos ainda já tinham pensado nas vantagens futuras da tal lei, sobretudo aquelles que tendo condições de vida na politica, podiam pensar, com fundada esperança, em obter taes commissões: isto bem entendido na politica de todos os partidos. (Riso.)

Ainda não expliquei que influencias determinaram a guerra que se levantou contra mim, por causa da reforma da escola naval, a pelo que resta explicar se verá que não foi essa reforma a que mo deu mais odios; deu-me sim e dos que foram feridos e isso é natural e desculpavel, por lhes cortar a posse das suas cadeiras per omnia secula seculorum; e digo omnia secula, porque levam para o outro mundo as honras de professores e é provavel que no juizo final hesitem em apresentar-se como officiaes da armada nacional, onde não officiaram de fórma alguma ou se como professores que prepararam a mocidade, na moral pelo bom exemplo, na instrucção com a illustração que revellam nos livros, relatorios que escreveram o artigos que publicaram. Em fim lá está o Padre Eteno para lhes tomar contas! (Riso.)

Poderá elle perguntar-me tambem como é que eu tenho exercido a minha profissão?!

Em 1894 foi a ultima viagem que fiz a Inglaterra, indo de official no Africa e regressando na Affonso de Albuqueque. Em 1896 fui á India como commandante militar, de um transporte mercante conduzindo tropas procurando desempenhar o meu logar como se fosse commandante effectivo do navio. Em 1880 estive em Mossamedes, em 1882 na estação naval da China. Ha pois, quinze annos quo não faço estação naval. A este respeito ha glorias maiores. Ha quem ha dezanove anuos não tenha lá ido, e é muito considerado. Já ainda agora referi que effectivamente tinha proximamente quatro annos de embarque, isto é, o tempo que a lei respectivamente em cada epocha me tem exigido pura a promoção, e não me parece que possa em bom direito fazer-se reparo por este embarque, quando o vice-almirante mais antigo, e vice-presidente do conselho do almirantado tem quatro annos e tres mezes de embarque isto é, pouco mais de um anno do que eu, que achando-me em capitão de fragata ainda ultrapassarei aquelle tempo se Deus quiser! Espero, se a camara me der licença, que já solicitei do governo, ter ensejo de ir contando mais algum tempo, e se me deixarem chegar a vice-almirante, ter então mais algum tempo de embarque do que o venerando o considerado almirante, sobretudo pelo gosto que eu hei de ter, e com que hei do desempenhar a commissão, que as gazetas amigas do sr. ministro da marinha, apontam e que será a do immediato de um qualquer navio; um verdadeiro primor para um capitão de fragata antigo, quando ha capitães do fragata supranumerarios commandando, tendo occupado o logar do mando supremo de uma fórma especial. Eu mandava fazer viagens que alguma gente julgava inexequiveis, e elles faziam-se e em que o primeiro a achal-a inexequivel chegava a ser o proprio commandante!

Isto é um incidente de passagem para quebrar a monotonia.

Eu tenho pena de ter um auditorio resumido. Gosto de ter publico, galerias para que a reportagem levo ás gazetas a critica ao que digo o se expandam em grande adoração pelo sr. ministro da marinha, e então agora que se trata do professores da escola naval interessados nas gazetas jacobinas, hão de descarregar sobre mim todos os tropos pela má vontade que me têem: não se illuda o sr. ministro olhe que não é pelo amor que lhe dediquem.

Continuando na analyse que eventualmente comecei a fazer sobre a situação do pessoal do quadro dos officiaes de marinha militar, temos no ministerio dos estrangeiros dois onde podem prestar serviços pelos estudos feitos na escola naval sobre direito internacional maritimo e que ao presente se ensina na referida escola, por um professor sem duvida illustrado, mas que seria uma das victimas da minha lei.

Vamos agora á cartographia: v. exa. não faz idéa; a cartographia é um verdadeiro hospicio, não vem ninguem de Africa, não volta ninguem de qualquer governicho, que não vá para a cartographia e aquilo é uma assembléa colonial, cartographica, hydrographica e politica; é admiravel!

Eu estou a ver o sr. ministro da marinha com vontade de dizer-me: "Porque é que não a supprimiu?"

É porque ahi era o grande synhedrio da opposição contra mim e eu gosto de deixar largueza aos que me combatem, para que o façam á vontade; devo entretanto dizer que pela remodelação dos serviços navaes, cortava aquella cabeça pensante, fallante, dirigente e digirente o digo digirento, porque tambem lá se estudam concessões do que os estudiosos só fazem depois concessionarios directa e indirectamente.

Nos observatorios ha tambem muitos officiaes da marinha o sr. presidente, se me perguntassem só eu, remodelando os serviços navaes cortava esta commisssão, responderia que não; o objectivo da minha remodelação tinha por fim fechar as portas falsas, constituindo um quadro fixo e unico, limitando o numero dos que occupariam certas commissões accessorias com proveito para o serviço publico e para conhecimento dos officiaes.

Haviam de ser nomeados por tempo determinado e largo, sem prejuizo do embarque do official em cada posto, attendendo-se ás conveniencias do serviço e não ás conveniencias da politica dos sujeitos.

Temos agora mais 11 supranumerarios; ora, supponha v. exa. que se eu não tenho revogado a lei dos postos de accesso, quanto este numero 11 estaria elevado; este numero 11, comprehende os officiaes que têem posto immediatamente áquelle que lhe pertençe na escala, os que ainda não fizeram tirocinio, os que não têem vacatura e por consequencia estão separados do quadro.

O sr. Presidente: - V. exa. não quer concluir o seu discurso hoje, me pareçe?

O Orador: - Não tenho tempo para acabar hoje, porque tenho materia vasta para esta analyse amena, portanto, ficará para outra sessão.

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SESSÃO N.º 10 DE 10 DE JULHO DE 1897 279

O sr. Presidente: - Fica então com a palavra reserda

O sr. Guimarães Teixeira: - Eu pedi a palavra para explicações.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.° 13, que vae ser submettido a camara dos dignos pares.

Eu desejo dar á camara, o principalmente aos srs. Queiroz Ribeiro e Ferreira de Almeida, brevissimas explicações, para que não se julgue que ou applico o regimento como me parece e não como elle deve ser applicado.

Segundo o regimento actualmente em vigor, nenhum sr. deputado tem o direito garantido, desde que se entra na ordem do dia, para pedir a palavra para antes de se encerrar a sessão; porque seria isso interromper a ordem do dia que, conforme o artigo 62.°, só póde fazer-se nos casos expressos e taxativos do mesmo artigo.

Esta era já a doutrina do regimento anterior, mas não observado pelos costumes parlamentares; e é por isso que o actual regimento é mais explicito e decisivo nas suas disposições.

O regimento ao permitte, nos temos do artigo 136.°, que o deputado, encerrada a discussão, peça á camará lhe conceda, em casos especiaes, o uso da palavra para explicações de discurso ou de facto.

Concedida a palavra para as referidas explicações, não póde sobre ellas haver debate, nem qualquer outro deputado ou ministro usar da palavra, porque só para explicações foi concedida.

Se não accedi ao pedido do sr. deputado Queiroz Ribeiro, foi porque antes da ordem do dia os requerimentos não alteram a ordem da inscripção, e se consultei a camara, sobre o requerimento do sr. deputado. Ferreira de Almeida, foi porque na ordem do dia é permittido fazel-o, devendo eu immediatamente submetter o pedido ou requerimento á deliberação da camara.

Pedindo desculpa d'estas lígeirissimas considerações, peço tambem que me façam a justiça de acreditar que no exercício dos deveres que a lei me impige, nunca bei de interpretai1 e applicar o regimento no sentido de restringir a discussão e garantias parlamentares dos srs. deputados, mas, procurando reconstituir o pensamento do regimento, parece-me dever impreterivel concorrer para que elle se cumpra, quando as suas disposições parecem claras e positivas. (Apoiados da todos os lados da camara.)

Devo agora consultar a camara, porque não está nas minhas attribuições, sobre se consente que o sr. Queiroz Ribeiro dê explicações de facto ou de discurso, como ha pouco requereu, nos termos restrictos do artigo 136.° do regimento.

(S. exa. não reviu.)

Consultada a camara, foi concedida a palavra ao sr. Queiroz Ribeiro.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. presidente, duas simples palavras, e, antes d'ellas, a affirmação do meu reconhecimento a camara, pela generosidade de m'as deixar proferir, como a v. exa., pelas explicações que acaba de dar.

Provou-me a resposta do nobre ministro da justiça que fui, ha pouco, infeliz, não exprimindo nitidamente o meu pensar.

Com relação aos peritos calligraphicos, a minha idéa era que a sua intervenção fosse obrigatoria e não meramente facultativa.

Com respeito a arestos contradictorios, o meu unico desejo era que as duvidas mais importantes dos nossos differentes codigos fossem aclaradas, quanto possivel. Lembrei para isso a constituição de uma commissão, mas essa commissão não era consultiva, era revisora.

Nem a tentativa seria nova. O grande jurisconsulto que se chama Dias Ferreira, iniciou-a, já, com o decreto de 15 de outubro de 1892. Infelizmente este diploma é muito incompleto, e a minha indicação tendia a completal-o.

Nem por sombras podia ou ter em vista augmentar o numero das demandas, no sendido de ampliar os divergencias que dão loqar a litigios. Desejar que não se tolha a ninguem o direito e a liberdade de recorrer á justiça ou querer, com esse intuito, tornal-a menos dispendiosa, parecem-me cousas bem diversas.

Nem de certo o nobre ministro pensa em acabar com as questões, encarecendo-as, porque de contrario tinha um meio facil e infallivel: obrigar o auctor a ceder, em favor do estado, o triplo ou o quadruplo do valor da questão...

Emfim, eu agradeço a s. exa. a certeza que me deu, do restabelecimento dos arbitradores judiciaes, e a amabilidade das palavras que me dirigiu.

Quanto ao meu modestissimo trabalho, (em que apenas faltei, para mostrar que procurarei cumprir, o melhor que possa, os meus deveres como deputado, apesar de ser o mais humilde membro d'esta camara) quanto a esse trabalho, é elle uma cousa tão insignificante, que nem sequer merece os louvores, nem mesmo as ironias de ninguem.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: - A primeira sessão é no dia 19, segunda feira, sendo para a primeira parte da ordem do dia a continuação da de hoje e mais o projecto n.° 12, que fixa o contingente de recrutas, e já foi distribuido; para a segunda porte a discussão do projecto n.° 16, tratado com o Japão; para a terceira, o projecto n.° 14 sobre a remissão do recrutas e para a quarta o projecto n.° 15, tarifas do caminho de ferro de Ambaca, no caso d'estes projectos serem distribuídos a tempo pelos srs. deputados.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e trinta e cinco minutos da tarde.

Justificação de falta enviada para a mesa n'esta sessão

Participo a v. exa. e á camara que faltei ás tres ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Libanio A. Fialho Gomes.

Para a secretaria.

O redactor = Lopes Vieira.

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