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O Sr. Deputado Secretario Barroso dêo conta da ultima Redacção do Projecto sobre a Liquidação da Divida Publica, apresentada pela Commissão de Fazenda, a qual foi approvada, e se mandou expedir.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão a continuação do Projecto N.° 100; e, havendo tempo, a leitura das Proposições dos Srs. Deputados, que se achão inscriptos, e segundas leituras.

E, sendo duas horas e um quarto, disse que estava levantada a Sessão.

SESSÃO DE 26 DE JANEIRO.

As 9 horas, e 45 minutos da manhã se achárão presentes á chamada 89 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão, 12; a saber: os Srs. - Lima Leitão - Barão do Sobral - Leite Pereira - Araujo e Castro - Bettencourt - Isidoro José dos Sanctos - Ferreira de Moura - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Gonçalves Ferreira - Pereira Coutinho - e Alvares Diniz - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão. E, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Barroso dos nomes dos Srs. Deputados, que devem formar as Commissões Centraes, segundo as participações enviadas pelas Secções Geraes; a saber: Para o Projecto N.º 86 do Sr Queiroz: pela 1.ª Secção Gravito - pela 2.ª Loureiro - pela 3.ª Nunes Cardoso - pela 4.ª Queiroz - pela 5.ª Mello Freire - pela 6.ª Camello Fortes - pela 7.ª Vieira Tovar.

Para o Projecto N.º 98 do Sr. Carvalho e Sousa: pela l.ª Secção Pessanha - pela 2.ª não tem nomeado - pela 3.ª Carvalho e Sousa - pela 4.ª Derramado - pela 5.ª Pimentel Freire - pela 6.ª Rebello da Silva - pela 7.ª Novaes.

Para o Projecto N.° 81 do Sr. Braklami: pela 1.ª Secção Moniz - pela 2.ª Galvão Palma - pela 3.ª Braklami - pela 4.ª Soares Franco - pela 5.ª, e 6.ª não ha nomeados - pela 7.ª Mendonça Falcão.

Para o Projecto N.° 96 do Sr. Sarmento: pela 1.ª Secção Moraes Sarmento - pela 2.ª Cosia Rebello - pela 3.ª Sousa Machado - pela 4.ª Soares Franco - pela 5.ª, e 6.ª não ha nomeados - pela 7.ª Mendonça Falcão.

Lêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa um Officio do Ministro da Guerra, acompanhando 108 Exemplares do Mappa do movimento, receita, despeza, e saldo dos hospitaes do Exercito, respectivo ao anno de 1825: mandárão-se repartir.

Apresentou o Sr. Carvalho e Sousa uma Memoria sobre Lagôas artificiaes, que a esta Camara offerece Francisco Pedro Celestino Soares: mandou-se remetter á Secretaria para se guardar no Archivo.

Pedio, e obteve a palavra o Sr. Barreto Feio, como Relator da Commissão Central, encarregada de examinar o Projecto N.° 42 do Sr. Derramado, para lêr o Parecer da mesma Commissão: ficou reservado para segunda leitura.

Igualmente o Sr. Travassos, como Relator da Commissão Central encarregada de examinar a Proposta N.º 66 do Sr. Deputado Araujo e Castro, dêo, conta do Parecer da mesma Commissão: fitou reservado para segunda leitura.

Seguio-se o Sr. Guerreiro, como Relator da Commissão Especial encarregada da Lei Regulamentar sobre a Liberdade da Imprensa, o qual lêo a mesma Lei, que igualmente ficou reservada para segunda leitura.

O Sr. Moraes Sarmento: - Sr. Presidente, peço a V. Exca. me conceda o rogar a Sua Exca. o Sr, Ministro dos Negocios Estrangeiros se o Governo de Sua Alteza a Senhora Infanta Regente tem em vista, enviar Consules para os differentes Estados novamente constituídos na America, e para a Republica de Haity, Governo, cujo Independencia foi ultimamente reconhecida pelo antigo Soberano Legitimo, El-Rei Carlos X. de França. Esta minha pergunta tem por objecto conseguir alguma informação para, segundo ella, propor á consideração desta Camara certa Petição a Sua Alteza a Senhora Infanta Regente, pedindo-lhe algumas providencias a bem do Commercio. Sei que tres Proposições minhas acabarão de ser rejeitadas; isso me não aterra, porque julgo que eu fiz o meu dever, e á Camara toca a decisão daquillo, que he offerecido á sua sabia consideração. De modo algum pertendo violentar a resposta de S. Exca. o Sr. Ministro d'Estado, porque se houver segredo, ou qualquer outra questão de Gabinete, que obste á minha pergunta, ficarei satisfeito com qualquer resolução da parte do S. Exca., para assim me dirigir em o objecto, que tenho em vista.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - As Republicas novamente estabelecidas na America estão reconhecidas de farto, mas não de direito; não pode portanto o Governo estabelecer por ora Consulados nos Portos daquelles listados. A Republica da Haity está em differentes circumstancias; esta foi reconhecida por Sua Magestade Christianissima, e por isso não haverá dúvida em estabelecer um Consulado naquella Republica, logo que o Governo julgar que semelhante estabelecimento pode ser proveitoso ao Commercio Portuguez.

Não posso dar á Camara uma resposta mais circumstanciada sobre tão delicada materia, sem primeiro tomar as Ordens da Sereníssima Senhora Infanta Regente.

O Sr. Moraes Sarmento: - Estou satisfeitíssimo com a resposta de S. Exca., nada mais exijo.

Ordem do Dia.

Continuou a discussão já começada na Sessão antecedente sobre a materia do Artigo 4.° do Projecto N.º 100.

O Sr. Derramado: - Pedi a palavra na Sessão de hontem, quando ouvi a um honrado Membro desta Camara attribuir a todos os Eleitores das Assembleas Parochiaes o Direito da elegibilidade para todos os Cargos electivos, pertendendo o mesmo honrado Membro que assim se decretava no Artigo 66 da Carta. E como uma tal asserção não foi impugnada, e eu a julgue destituída do fundamento, em que se apoia, e alem disto de perniciosas consequencias políticas, tanto para o caso em questão, como para

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outros, que podem sobrevir, entendi que devia refuta-la, como passo a fazer. Diz o Artigo 66 (lêo-o). Daqui não se segue que todos, os que podem votar, devão ser votados: porque as inversas em nenhuma Sciencia são sempre as verdadeiras, e por conseguinte tambem o não são em Política Theorica, nem em Política Pratica, ou na Carta; e tanto assim que o seu Augusto Auctor estabelecêo logo nos seguintes Artigos excepções contra a supposta intelligencia para os Eleitores de Província, e Deputados ás Côrtes, deixando para as Leis respectivas o cuidado de estabelecer as que outros Empregos possão tornar necessarias, ou uteis. Se a opinião contraria podesse prevalecer, seguir-se-hia que homens, que não sabem lêr, nem escrever, e que carecerem de outros requisitos indispensaveis para os Ministerios de Juizes de Paz, Jurados, e outros Empregos electivos, erão chamados pela Carta para os exercitar, apesar da sua incapacidade. Outra foi a previdente sabedoria do Augusto Legislador, que nos deixou a faculdade de estabelecer para os diversos Cargos da Republica as condições de elegibilidade, que forem reclamadas por suas Attribuições. A minha opinião a este respeito parece ser a dos Illustres Redactores do Projecto, que no §, que ora se discute, fazem algumas exclusões em conformidade desta doutrina. Por minha parte, posto que ainda não chegasse a comprehender as Camaras do Projecto, que não se parecem nem com as actuaes, nem com as que manda organisar a Carta, visto fallar na materia, insistirei agora em fazer valer certas qualificações, que me parecem indispensaveis para o bom desempenho das Funcções de Vereador nos Concelhos populosos. Que as Leis se fação, e se executem no sentido do interesse geral he o grande problema, que se propõem resolver as Constituições Políticas dos Estados; e para que as Leis se facão, e executem effectivamente neste sentido, he indispensavel que tanto os Factores, como os Agentes das Leis sejão dotados de probidade, e luzes, sem as quaes voluntaria, ou involuntariamente hão de certamente prevaricar. Se houvesse pois um meio de fazer chegar aos Empregos Publicos exclusivamente os homens benemeritos, seria este o modo de resolver tão importante Problema político, como aquelle, que implica todos os bens, que devem resultar de uma perfeita organisação, e administração das Associações humanas. Procura-se uma resolução aproximada, já que exacta não pode ser, estabelecendo estas condições de elegibilidade para os diversos Empregos, que se chamão qualificações. A nossa excellente Carta chama as virtudes, e os talentos de todas as Classes de Cidadãos a todos os Empregos; estabelece logo para alguns mais ponderosos as qualificações, que fazem presumir nos Candidatos os talentos, e virtudes proprias para bem os desempenhar, e deixa ás Leis Regulamentares o cuidado de prescrever as que parecerem mais analogas aos diversos Ministerios, que ellas se propozerão regular. Applicando agora estas reflexões ao Emprego de Vereador, observarei que, segundo o Regimento, e mais Leis, por que deve governar-se esta Authoridade, ella comprehende nos seus Attributos diversas especies de Funcções, taes como a de julgar, examinar, censurar, e até de legislar; porque Posturas são Leis: d'onde se deduz que a elevação de sentimentos, o bom juízo, e discernimento, certo gráo de representação, e authoridade de caracter são qualidades appeteciveis nos Vereadores, tanto para o bom desempenho das suas regulares Attribuições, como para os casos, que não são raros, em que seja preciso que elles empreguem todos os meios de influencia, e todas as forças de opinião para obter dos Cidadãos o sacrifício dos seus interesses temporarios, e os interesses permanentes da Cidade.

Nós devemos desejar tanto mais sentimentos nobres, e bom juizo nos Vereadores, quanto n'um Governo Representativo as Camaras podem ser o primeiro degráo do ascenço electivo até á Representação Nacional. Vê-se pois pela natureza das Funcções de Vereador que ellas são incompatíveis com uma educação obscura, e pobre, e com os ministerios, que encolhem o espirito por um trabalho contínuo, que não tem outro estimulo senão o da necessidade, nem outro termo senão o do interesse. E considerado por outra parte que a responsabilidade imposta pelas Leis a semelhantes Cargos exige para ser effectiva (ao menos em muitos Concelhos) uma fortuna consideravel nos que os servirem, he evidente que os Candidatos do Artigo não tem os necessarios requisitos; e que se a imperiosa lei da necessidade nos obriga a admitti-los nos pequenos, todas as razões da política, e da moral pedem a sua exclusão nos grandes Concelhos. Não se pode negar que existe geralmente nos homens certa disposição para honrar a riqueza, e para lhe conceder uma differença quasi involuntaria, que previne muitas vezes o juizo; nem tão pouco que ella dá meios de instrucção, capacidade, e influencia, que faltão, geralmente fallando, aos destituídos da fortuna. Convem portanto que o Legislador se aproveite destas circumstancias para tirar dellas algum soccòrro em favôr de certos Empregos, taes como o de que se tracta, que posto que onerosos podem todavia pela seducção do podêr, e dignidade attrahir um número sufficiente de Candidatos gratuitos.

He alem disto de justiça o fazer supportar os encargos dos communs áquelles que deduzem maior proveito da communião. Portanto: fazendo depender a elegibilidade de condições, que nem todos possuem, mas que todos podem attingir, não ampliando muito as exclusões, e sem fazer perder ás Assemblèas o seu caracter popular, podemos garantir umas da indifferença, e pôr as outras ao abrigo do desdem; porque he uma observação muito antiga, que os homens não estimão senão o que os distingue, e de que gosão de alguma sorte, como Privilegio. N'uma palavra, a Lei será justa e previdente, se excluir das Funcções da tutoria dos Povos áquelles, que pela ignorancia invencível do seu estado, e necessaria dependencia, hão de de facto ser pupillos dos mesmos, a quem se derem por Tutores; e que não podem gosar de certos Direitos Políticos, senão para os destruir, ou desacreditar. Taes são os fundamentos da Emenda que tenho a honra de mandar para a Mesa - Emenda - só podem ser votados para o Cargo de Vereador os Cidadãos activos (Artigos 64 e 65) , que tiverem de renda liquida procedente de bens de raiz, industria, commercio, ou empregos: a saber, nos Concelhos até mil e quinhentos fogos 100$000 réis: nos de mil e quinhentos até tres mil 200$000 réis: e nos mais populosos 400$000 réis.

O Sr. Henriques da Couto: - Tracta-se n'este Ar-

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tigo das pessoas, que segundo as circumstancias em que se acharem não devem servir nas Camaras Constitucionaes, n'esta exclusão são contemplados os Clerigos de Ordens Sacras: um Illustre Preopinante disse que a admissão d'estes he conforme á Carta, e portanto não devem ser excluídos; eu porem não posso concordar com suas idéas vista a Dignidade, que me apresenta o respeituoso caracter do Sacerdote, não só na nova Lei da Graça, mas ainda nos escuros tempos da Lei escripta.

N'estes tempos os Egypcios, os Persas, e os Hebreos, os Gregos, os Romanos, e a maior parte dos Povos fizerão dos Sacerdotes um Corpo separado de todas as Occupações que não fosse o servir a Divindade, a quem aquelles Povos muito desejavão agradar; e tanto os quizerão separar que paru a sustentação d'estes, e dos Levitas designárão os dízimos de todos os fructos que colhião.

Agora na nova Lei da Graça, ou Lei Evangelica digo com Santo Agostinho - Sacerdos purus, Sacris datus, Sacra dans - nada mais me he preciso para mostrar quaes devem ser os cuidados dos Sacerdotes; accrescentando mais, que tendo sido até agora prohibido pelos Sagrados Canones, pelas Decretaes, pelas Constituições Pontifícias, e até pela nossa Legislação, que os Clerigos de Ordens Sacras sirvão nos Concelhos, que espanto e admiração não causada nos Povos das Aldeas verem o seu Cura, Vigario, ou Prior andar pelos Compos a encoimar os Gados! e que motivos para fallar não daríamos aos inimigos da Carta!! He verdade que aqui estamos os Sacerdotes Representantes da nossa Nação, mas n'tísta Representação em nada se offende o decóro Ecclesiastico, e mantemos a boa ordem da Sociedade. Penso que tenho dicto quanto basta sobre a exclusão dos Clerigos de Ordens Sacras; e fundado n'estes princípios voto pelo Artigo n'esta parte, e em quanto aos mais excluídos devem entrar n'este número os Privilegiados do Tabaco, não devendo revogar uma Lei, que faz uma parte integrante d'aquelle Contracto, tão util ao Thesouro Publico.

O Sr. Moraes Sarmento: - Em a Sessão do hontem dous Sabios Membros d'esta Camara, ambos Ecclesiasticos se dividirão em Pareceres, ácerca da parte do Artigo do Projecto era discussão, que exceptua os Ecclesiasticos de entrarem como Vereadores. Limito-me unicamente a fallar sobre esta parte do Artigo porque me parece ser aquella, que deve ser mais debatida, e a fim de poupar o tempo. Segundo a lembrança, que eu conservo, o Sr. Deputado, que apoiou a doutrina do Artigo, fundou o seu pensar em lugares dos Livros Sagrados, e em objectos inteiramente Canonicos: lembra-me que elle citára um lugar de S. Paulo. Certamente não toca a esta Camara a interpretação, nem a intelligencia de pontos d'esta natureza, e por isso seguiria a prática, e o que vejo se observa com o consentimento da mesma Igreja. Se os Ecclesiasticos não podessem ser admittidos aos Empregos da Sociedade, como poderia vêr-se que o mesmo Chefe visivel da Igreja, he um Soberano temporal, e que os Príncipes empregão no Serviço do Estado Ecclesiasticos, como em Secretarios d'Estado, e em outros Empregos? Pode-se com segurança decidir, que isto assim não aconteceria, se houvesse a opposição lembrada pelo Sabio Sr. Deputado, cujos argumentos sendo fundados na sua immensa erudição não destroem todavia o Parecer em contrario. Tambem se fundou o mesmo Sr. Deputado nos usos, e costumes até ao presente tempo praticados entre nós. Convem porem advertir que entre nós, antes da Carta, o Represenção Nacional tomava a base da Representação em 3 Classes, estados, ou braços. O Clero ia ás Côrtes representado com estado separado, assim como a Nobreza, e o Povo. As Camaras do Reino erão como Representantes das Villas, e Cidades, Corpos pertencentes ao Estado do Povo, e por isso n'ellas não entravão Pessoas d'outros estados, ou braços, porem d'aqui se não seguia que os Ecclesiasticos deixassem de ser Empregados pelos nossos Monarchas em aquelles Empregos d'importancia, até na Guerra.

Em Aljubarrota batalhou um Arcebispo de Braga, e em differentes outros combates acompanhárão os nossos Reis os Bispos, e Pessoas Ecclesiasticas, e como he fora da questão não me alargarei sobre semelhantes materia. Não só aos Bispos, mas ás Corporações Religiosas se encarregava por Lei o terem armamentos, e aprestes Militares: ao Prior de Sancta Cruz, e ao Abbade de Alcobaça se distribuio certo número de lanças, e preparativos bellicos, que elles devião ter em guarda, e promptidão.

Tudo isto mostra que entre os Portuguezes aos Ecclesiasticos se incumbido Negocios fora dos objectos privativos d'elles. Ha uma razão política para se não adoptar a exclusão dos Ecclesiasticos, e eu a tiro da experiencia, que vejo seguir em Inglaterra. Alli são os Ecclesiasticos nomeados Juizes de Paz, Emprego, que não he tão limitado, como entre nós elles hão de ser, segundo a Carta, pois na Inglaterra os Juizes de Paz tem algumas Attribuições, como aquellas que virão as Camaras a ter. Em razão de ser uma Classe instruida, ha toda a presumpção de que elles com mais facilidade desempenharão os seus deveres, e com melhor intelligencia. He tambem preciso arredarmos de nós a idéa, de que o Clero he inimigo das Novas Instituições, talvez se se fizer um censo de todas as Classes, a do Clero Secular será aquella, em que se acha menor numero de refractarios em proporção do número: he na conciliação das Classes da Sociedade em que se funda o espirito, que presidio ao nosso admiravel Legislador, quando nos dêo a Carta: este espirito de conciliação deve apparecer em todas as nossas Leis, e nem remotamente se deverá inferir a mínima hostilidade contra Classe alguma da Sociedade.

Ha Srs. uma Sociedade formada com o positivo destino de tomar medidas de Guerra contra as Instituições Políticas, que nos regem. He portanto necessario que nós lhe façâmos saber a nossa Fé Política; ella por certo está incluída nas seguintes palavras de um dos maiores Políticos dos nossos dias, o eloquente Burke. Não somos os Discipulos de Voltaire, nem os convertidos de Rousseau: Helvecio não tem feito progresso entre nós: tememos a Deos, obedecemos ao Rei, respeitâmos o Clero, e distinguimos a Nobreza.

D'esta maneira trovejava o grande Burke sobre Indivíduos, que existião no mesmo local do Mundo, para onde quasi 40 annos depois se foi postar outra Classe de Indivíduos, cuja resurreição ameaça o Mundo com vermos perdida a civilisação, se os Projectos d'elles contra a Liberdade Civil fossem ávante.

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Fazendo nós as nossas Leis com o cunho da imparcialidade triunfaremos de toda a opposição. He preciso Srs. que para sermos livres sejamos primeiramente justos, e então apparecerá a nossa Liberdade, como a Carta a estabelece, sendo o espirito de conciliação, e ordem aquelle, que nos ha de inspirar, que respeitemos o Clero, e distinguamos a Nobreza.

O Sr. Pedro Paulo: - Na Sessão de hontem suscitou-se a questão, se os Clerigos de Ordens Sacras devem ser admittidos aos Cargos da Camara, ou se delles devem ser excluídos. O Artigo 4 os exclue. Approvo o Artigo nesta parte, não só porque esta exclusão se ajusta com a maxima, que o Apostolo inculcou a Timotheo na segunda Epistola, que lhe dirigio, e ao espirito da disciplina da Igreja, o que já foi ponderado por dous Illustres Deputados; mas porque esta exclusão se deduz do espirito das nossas Leis, e está em uma perfeita conformidade com os nossos costumes, e com a opinião pública. Deduz-se do espirito das nossas Leis. A Orden. Liv. 3 Tit. 28 §. 1 expressamente prohibe aos Clerigos que vão ás Audiencias para Advogar. O Legislador conformou-se com os Sagrados Canones, que sempre prohibirão aos Clerigos a Advocacia, sendo a principal razão desta prohibição a de não se distrahirem do Ministerio Sagrado. Considerou sempre a Igreja como um preceito a maxima, que S. Paulo inculcou a Timotheo na citado Epistola = Nemo militons Deo se negotiis implicat secularibus. = Falla S. Paulo nesta Epistola dos Clerigos. Elles devem-se abster dos negocios seculares, devendo ser a Oração, a administração dos Sacramentos, a lição dos Livros Sagrados, dos Concílios, dos Sanctos Padres, e a instrucção dos Fieis a sua unica occupação. Sendo pois pelas nossas Leis prohibida aos Clerigos a Advocacia, por justas razões, entrando nestas tambem a de se não distrahirem do Ministerio sagrado, não pode deixar de ser conforme ao espirito das mesmas Leis, que não sejão admittidos aos Cargos da Camara, pois que os Clerigos involvidos em os Negocios Economicos, e Municipaes não podem cumprir com as obrigações, que delles exige o seu Estado, e he certo que, aonde ha a mesma razão, deve haver a mesma disposição. Não fallo da responsabilidade, a que ficàrião sujeitos os Clerigos, se fossem admittidos aos Cargos de Vereadores, o que poderia ser causa de grande desdouro para a Ordem Ecclesiastica, que os nossos Reis em todo o tempo honrárão.

A dicta exclusão está em uma perfeita conformidade com os nossos costumes, e com a opinião pública. Neste Reino nunca forão vistos os Clerigos nas Camaras. Uma Lei, que agora os admittisse a este Emprego, causaria grande admiração, e estranheza. Devem-se ter em grande consideração os costumes recebidos, e a opinião pública. Devem-se respeitar, isto he o que dicta a prudencia legislatoria. Devemos ter como um principio incontestavel que as Leis, que offendem os costumes recebidos, e a opinião pública, não edificão, mas destroem.
Cumpre responder nos argumentos, que se podem oppôr a esta minha opinião. Os Clerigos podem ser Desembargadores nas Relações, e Julgar não só as Causas Civis, mas as Criminaes: a quem he permittido o mais, não pode deixar de ser permittido o menos: logo os Clerigos de Ordens Sacras devem ser admittidos aos Cargos da Camara. Reconheço que esta argumento tem muita força, por ser um argumento a que os Dialecticos chamão de maior para menor. Respondo: os Clerigos de Ordens Sacras podem ser Desembargadores nas Relações pelas Bullas de Paulo III, e Julio III.

Estas Bullas são uma dispensa, que estes Summos Pontífices concederão, por considerarem a utilidade, que resultava á Igreja, e ao Estado, dos Clerigos de Ordens Sacras serem admittidos nas Relações. Ora: como he da natureza da dispensa o ser de stricta interpretação, e não poder por esta razão estender-se do caso expresso para caso não expresso, o argumento opposto perde toda a sua força. Ha outro argumento, deduzido do Artigo 66 da Carta Constitucional, que por ser especioso pode ullucinar. Diz o citado Artigo: = os que não podem votar nas Assembleas primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Authoridade Electiva Nacional. = Um dos Srs. Deputados, fundado neste Artigo, formou este argumento. Os que não podem votar nas Assembleas primarias de Parochia, não podem ser Membros de alguma Authoridade Electiva: logo, os que podem votar nas Assembleas primarias de Parochias, podem ser Membros de qualquer Authoridade Electiva. Os Clerigos de Ordens Sacras podem votar nas dictas Assembleas, logo podem ser Membros das Camaras. Respondo: este argumento he denominado pelos Dialecticos, argumento a contrario sensu. Concordão todos os Juris-Consultos que os argumentos a contrario sensu nada provão, quando delles se segue algum absurdo, ou inconveniente. Ora: tendo-se mostrado que a exclusão dos Clerigos de Ordens Sacras doa Cargos da Camara se ajusta com a maxima, que o Apostolo inculcou a Timotheo, com a disciplina da Igreja, e que se deduz do espirito das nossas Leis, e que está n'uma perfeita conformidade com os nossos costumes, e opinião publica, que força pode ter este argumento? Nenhuma. Voto pelo Artigo, na parte que exclue os Clerigos de Ordens Sacras dos Cargos das Camaras.

O Sr. Paiva Pereira: - Sr. Presidente, pedi a palavra para em primeiro lugar sustentar a opinião do Honrado Membro, que ontem abrio a discussão sobre este Artigo, em que impugnou a exclusão dos Ecclesiasticos dos Cargos da Vereança; porem o Sr. Deputado Sarmento acaba de dizer tão boas cousas sobre este objecto, que pouco me restará a dizer. Nós vemos os Ecclesiasticos empregados em todas as Estações Publicas; nas Relações, nas Secretarias d'Estado, nas dos diversos Tribunaes, na Advocacia, e não sei a razão, por que o não hão de ser nos Lugares da Governança Municipal. Felizmente nesta Classe ha muitos sujeitos, que se fazem recommendaveis por suas virtudes, e talentos, e amor ás Instituições Constitucionaes; e he quando nós nos vemos embaraçados com a deficiencia de homens capazes para os Empregos Públicos que havemos fazer esta exclusão? Eu, examinando a Legislação a este respeito, não achei que em tempo algum os Ecclesiasticos tivessem sido excluídos de taes Empregos: as unicas pessoas excluídas fòrão os Officiaes de Justiça, e Fazenda, pelo Alvará de 6 de Maio de 1649, e os Peães, e Mecanicos, e pessoas, que não sabem ler, nem escrever, pelo outro de 13 de Novembro de 1642; e ha de ser na épo-

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ca, em que a Carta chama indistinctamente aos Empregos todas as pessoas, pelas suas virtudes, e talentos, que se ha do fazer esta exclusão? Eu ate a adio Anti-Constitnoional.

Diz-se que a Opinião Publica se oppõe a que os Ecelesiasticos sirvão nas Camaras: pois bem; se he assim , como se não prescreve que elles sejão necessariamente eleitos, e isso fica ao arbitrio doa Eleitores, estes deixarão de os eleger; mas não se faça uma exclusão, que nunca a Legislação antiga, nem moderna consagrou.

Outro tanto sigo acerca dos Militares. Ha muitos da primeira linha, que por não terem commissão alguma a Patria se pode aproveitar dos seus talentos. Os da Armada quando estão desembarcados, tem todo o tempo á sua disposição: he preciso admiltitos tambem aos Empregos Civis. Quando nós tivermos homens grandes, tanto aos Empregos Civis, como nos da Guerra, a felicidade Publica será maior.
Procedendo a discorrer sobre o rosto do Artigo: diz-se nelle que ninguem poderá escusar-se sem impossibilidade absoluta: e corno se hão de obrigar a servir os Empregos, para que salmão eleitos, aquelles, cujas escusas não fôrão admittidas?

O Artigo não o diz; e uma Lei sem Sancção não he Lei. Por este motivo proponho a seguinte Emenda , para se impôr uma multa áquelles, que recusarem servir taes Empregos. Como porem a decisão das referidas escusas involve ponto de Jurisdicção contenciosa; e esta, pelo Artigo 17 do Projecto em harmonia com a Carta, não seja da competencia das Camaras, tem igualmente a minha Emenda por objecto devolver essa decido ao Juiz de Direito do Districto, com recurso para a Relação Provincial respectiva. Rogo a V. Exa. a queira submetter á Votação da Camara (lêo a Emenda).

O Sr. Aguiar : - Vou impugnar a Emenda proposta pelo Sr. Derramado sobre o rendimento necessario para qualquer ser eleito Vereador; e os argumentos produzidos pelo Sr. Pedro Paulo para excluir os Clerigos das Eleições, devendo comtudo prevenir já a Camara de que em certo modo me conformo com o Projecto nesta parte, mas por principios muito differentes, e para mim os unicos verdadeiros, com que esta porção de Cidadãos deve ser excluida dos Empregos Municipaes. São fortissimos na interpretação das Leis os argumentos a confraria sensu; e só não tèm lugar, ou quando a disposição Legislativa contem a decisão de um caso particular, sobre o qual o Legislador foi consultado, ou quando se deduz um principio repugnante ás Leis, ou quando, finalmente, se conclue um absurdo. Isto posto, apparece á vista da Carta como inadmissivel a Emenda do Sr. Derramado. Diz o Auctor da Carta Constitucional no Artigo 66: "Os que não podem votar nas Assemblêas primarias de Parochia não podem ser Membros, nem " votar na nomeação de alguma Authoridade electiva "nacional": juntando este com o Artigo antecedente nosso, deduz-se a seguinte Proposição: "Os que não" tiverem do renda anormal liquida cem mil reis por bens "de raiz, industria? commercio, ou empregos, não " podem votar, nem ser votados nas Eleições Municipães. " Em consequencia do que, se acaso só são inhibidos de votar, e inhabeis para serem votados os que não tem aquelle rendimento annual, segue-se que são habeis os que o tiverem. Diz o Sr. Derramado que não pode argumentar-se da elegibilidade activa para a passiva: assim he em these, mas na hypothese proposta he falso: o exemplo dos Eleitores Parochiaes, que nem todos são habeis para serem Eleitores de Provincia, não convence, porque argumentos de analogia só tem força quando ha uma perfeita paridade, cesta decerto falta; alam de que, ha uma Lei expressa, que exige neste caso diversa renda nos Eleitores Provinciaes do que nos Parochiaes; e uma semelhante Lei não existe no outro, antes por uma bem feita inducção se conhece ser diversa n mento do Legislador. Diz o sr. Derramado que convem terem os Vereadores maior renda, e quer igualar a necessaria para este Emprego nas terras mais populosas áquella, que se exige para ser nomeado qualquer Deputado. Pois não ha grande differença entro Vereadores, e Deputados? Não exigem as Funcções destes uma independencia tanto maior, quanto são mais importantes? E se o Auctor da Carta julgou sufficiente fortuna para fazer a independencia dos Deputados o rendimento annual de 400$000 reis, ha de julgar-se que elle quiz estabelecer o mesmo, como qualidade necessaria para entrar nos Cargos Municipaes? Finalmente, Senhores, devemos lembrar-nos de que nós temos decidido que não haja Camaras, segundo as regras prescriptas pela Carta para as Eleições, naquellas Terras, em que não houver pessoas elegiveis pela falta do rendimento requerido; portanto, á proporção que este fôr maior, maior número de Terras será privado do beneficio, que devo esperar-se das Camaras electivas assim formadas; e de certo ha de haver muitas Villas com o número de fógos adoptados pelo Sr. Derramado, nas, quaes não haverá o número de pessoas necessarias para as Eleições, se se exigir o rendimento de 200$, ou 400$ Reis.
Passando a segundo objecto, a que me propuz, direi brevemente por que me parecem as razões do Sr. Pedro Paulo inexactas, e insufficientes para excluir os Clerigos das Camaras.

Em 1.º lugar indicou elle differentes textos para mostrar que os Clerigos são isentos doe Empregos civis, e estes são incompativeis pelo Evangelho, e pela disciplina da Igreja com o Ministerio Ecclesiastico. Eu estou convencido de que os Clerigos são Cidadãos, e se elles querem viver na Sociedade, e gosar dos commodos della, devem tambem sujeitar-se aos incommodos: nem o Auctor da Religião Christã quiz subtra-hi-los á Autooridade temporal, antes, pelo contrario, deixou a Deos o que era de Deos, e a Cesar o que era de César. Com muita razão o Divino Fundador da Religião, e a sua igreja prohibio aos Ecclesiasticos o intrometterem-se em Negocios Seculares; mas isto deve entender-se de uma ingerencia espontanea, e não daquella, que exige o Bem Publico, e da Sociedade, que a Deos deve a sua existencia, e a sua conservação necessaria para prosperidade do genero humano.

Se acaso fosse certo que a isenção dos Clerigos he de Direito Divino, e que se deduz do Evangelho, então como veriamos nós os Ecclesiasticos em todos os tempos figurando na Republica nos mais elevados Empregos, começando pelo Chefe da Igreja? Disse o Sr. Pedro Pavio que, se os Clerigos erão empregados como Juizes nas Relações, e exercião outros Cargos,

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negativamente; declarando-se como nova Proposição, que o mesmo Sr. Deputado adoptou como tal.

Entrou em discussão o Artigo 8.°

«Os Cereaes comprehendidos no Artigo antecedente, e que tiverem dado entrada antes da publicação da presente Lei, não ficarão sujeitos ao pagamento dos sobredictos novos Impostos.»

E sendo posto á votação com a suppressão das palavras - legumes - e com o Additamento das palavras - na Barra - depois da palavra - entrada - foi geralmente approvado.

O Sr. Gonçalves Ferreira offereceo uma Emenda para que se declarasse o prazo de seis metes para ler execução esta Lei; sendo entregue á votação foi regeitada.
Conseguintemente foi mandado o Projecto á mesma Commissão, para fazer a ultima redacção na conformidade do vencido, a fim de ser expedido quanto antes.

O Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa dêo conta da seguinte correspondencia:

De um Officio do Presidente da Camara doa Dignos Pares do Reino, remettendo a Participação de haver sido adoptada naquella Camara a Proposição da Camara dos Deputados, datada de 26 de Fevereiro do anno corrente, sobre a declaração do Alvará do 1.º de Fevereiro de 1825; e have-la dirigido á Serenissima Senhora Infanta Regente para a Sancção Real.

De outro Officio do mesmo Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino, remettendo a Participação de haver sido adoptada n'aquella Camara a outra Proposição da mesma data, sobre serem isentos do Recrutamento de primeira, e segunda Linha os Maioraes, e Pastores de Gado; e que igualmente havia sido dirigida á Serenissima Senhora Infanta Regente para o mesmo fim.

De um Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, remettendo tres Consultas do Conselho da Fazenda com os mais Papeis relativos á pertenção dos Mercadores, e Tendeiros das Lojas de Mercearia, o qual foi mandado á Commissão das Petições, pela qual havião sido requeridas.

De outro Officio do Ministro dos Negocios do Reino, participando de Ordem da Senhora infanta Regente a infausta noticia do fallecimento de Sua Magestade Imperial e Real a Senhora Dona Maria Leopoldina; e que a mesma Serenissima Senhora Infanta Regente havia determinado o Lucto, geral por seis mezes, e fecharem-se os Tribunaes por tres dias.

Por esta occasião disse o Sr. Vice-Presidente que, depois de uma tão infausta noticia, parecia conveniente que esta Camara dê um signal publico da profunda mágoa, que ella causa a todos os Deputados da Nação Portugueza, e por isso proponho que se feche a Camara por tres dias: o que sendo entregue á votação foi unanimemente approvado.

Dêo o Sr. Vice-Presidente para Ordem do Dia da Sessão de 13 do corrente os Projectos Números 86, 96, 102, 129, e o 109, e 127, que já fazião parte da Ordem do Dia de hoje.

E, sendo 2 horas e 25 minutos, dissee que estava fechada a Sessão

SESSÃO DE 13 DE MARÇO.

Ás 9 horas e 40 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa se acharão presentes 96 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 10, a saber: os Srs. Rodrigues de Macedo - Araujo e Castro - Pereira Ferraz - Cerqueira Ferraz - Bettencourt - Van-Zeller -Isidoro José dos Sactos - Queirós - Queiroga, João - Mouzinho da Silveira - todos com causa motivada.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada

Informou o Sr. Presidente a Camara que a Deputação nomeada para levar á Sancção Real o Decreto sobre a Dotação da Casa Real, e Real Familia, havia sido introduzida com a etiqueta do costume, e fora acolhida por Sua Alteza a Senhora
Infanta Regente muito benignamente: e que, recebendo os dous Autografos do Decreto, se dignara responder nos termos seguintes: «Fico entregue do Decreto das Côrtes Geraes sobre a Dotação da Real Casa, e Familia: Sei o desvelo, que tem merecido ás Côrtes, como era de esperar da sua lealdade, e do conhecimento que tem da importancia do objecto.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa do seguinte

OFFICIO.

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor. - Querendo satisfazer aos desejos da Camara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza , participados em Officio de 13 do corrente, exigindo esclarecimentos sobre os inconvenientes, que tem embaraçado a devida execução do Artigo 126 da Carta Constitucional, tenho a honra de informar a V. Exca., para que seja presente á Camara, que nos Feitos Crimes processados ordinariamente segundo a forma estabelecida na Ordenação Livro 5 Titulo 124, consta a este Governo que os Juizes, ou a maior parte d'elles, terá dado a execução possivel ao disposto no referido Artigo, franqueando ás Partes copias de quaesquer peças do Processo, e inquirindo os Testemunhas da accusação, e defeza não só em presença das Parles, ou seus Procuradores, quando querem ver como jurão, mas admittindo a esse acto quaesquer pessoas estranhas, que queirão presencea-lo; e como, segundo a referida Ordenação, as razões são dadas por escripto, e as Sentenças publicadas em audiencia, pareceo ao Governo que nada tinha a providenciar da sua parte , emquanto aquella forma não for alterada por outra Lei.

Nos Crimes porem que, pela sua maior gravidado, são processados summariamente nas Relações, e em que, segundo a pratica, não ha forma alguma de accusação, nem outra defeza do Reo mais de que uma allegação, que elle deve apresentar em cinco dias, feita pelo seu Advogado, em vista do que se acha escripto no Summario, ou Devassa, sobre a qual hão de os Juizes necessariamente, proferir Sentença sem outra formalidade alguma, pareceo ao Governo que para dar a taes Juizos a publicidade, que o bem publico , e segurança dos Cidadãos o exigia, he indispensavel-

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exemplos de eminentes Lugares Civis, occupados por Ecclesiasticos, pois já disse, e agora tambem convenho que não pode haver Lei, que os exclua de serem Empregados; em fim, os costumes, e usos da Nação, em conformidade dos quaes (não havendo contradicção) he prudencia legislarmos, resentir-se-hão se innovarmos o uso de collocarmos no Senado os Ecclesiasticos, porque em Terras populosas ha muito por onde escolher, e nas pequenas apenas se encontra um Pastor, e pouco mais, que se veria na collisão (sendo chamado para a Administração dos Sacramentos), ou de demorar este Acto, que está tão connexo com a Salvação dos Fieis, ou faltar ao dever, a que novamente querem chama-lo. Eu não os excluo por falta de talentos, e patriotismo, mas sim por incompatibilidade com as suas Sagradas Funcções, o que se realisaria, senão sempre, algumas vezes. Mais disse o Sr. Deputado, que concluio rectificando o seu voto a favor do Artigo.

O Sr. Alberto Soares: - Eu ainda não pude fazer juizo certo do motivo, porque se pertende excluir os Clerigos dos Cargos das Camaras; se he para se lhes dar um Privilegio, se he para os excluir por se desconfiar d'elles: mas se he para lhes dar um Privilegio, nesse caso eu defendo os Direitos dos outros Cidadãos, que com justiça requerem que os encargos se dividão igualmente por todos; se he para lhes dar uma exclusiva odiosa, nesse caso eu pugno pelo Direito dos Clerigos, que sendo Cidadãos não devem ser excluidos dos Cargos, a que qualquer Cidadão pode ser eleito. Responderei pois aos argumentos dos Srs. que defendem o Artigo, dos quaes uns provão mais, do que se quer, n'outros os principios são falsos.

O primeiro argumento he que ser os Clerigos d'Ordens Sacras admittidos nas Camaras he uma novidade, até agora não usada, que vai encontrar os costumes dos Povos, e causar uma mudança contra as idéas recebidas: mas este argumento prova mais, do que se quer, e por consequencia não prova nada.

A Carta Constitucional he uma novidade; ha ponto nos foi outorgado este dom precioso; veio mudar os costumes, mudar a Administração Publica; para se pôr a Carta Constitucionnal em andamento, muitas mudanças se hão de fazer, muitos estabelecimentos novos, e deixar-se-ha de fazer tudo isto, por ser novidade?

A natureza nada ama tanto, como a mudança; tudo muda na natureza, mudão os costumes, e deve por consequencia tambem mudar a formação das Camaras.

O segundo argumento he deduzido da Escriptura Sagrada = Nemo militans Deo negotiis se implicat secularibus = Mas acaso quiz S. Paulo dizer com isto que o Clerigo não he Cidadão? Que senão deve sujeitar aos encargos da Sociedade Civil? Que não deve ter parte nos incommodos communs? Decerto não. Mais claro diz o Evangelho = Date, quae sunt Cesaris, Cesari, et quae sunt Dei, Deo = O Clerigo deve satisfazer os deveres da Religião, sem fallar aos deveres Civis; ao mesmo tempo que he Ministro da Religião, he Cidadão tambem, deve pois cumprir as Obrigações Religiosas, sem faltar ás da Sociedade, de que he parte Logo S. Paulo não quer eximir os Clerigos dos encargos communs. O que S.Paulo quer dizer, he que os Clerigos se não intromettão nos Negocios Seculares, onde os não chamão; que não abusem do pretexto do seu Sagrado Ministerio para invadirem a Jurisdicção Civil, para se ingerirem nas temporalidades, causando perturbações, e desordens, de que os Seculos passados nos offerecem tristes e espantosos exemplos.

Tenho visto muitas vezes usurpado pelos Clerigos este Texto de S. Paulo, mas sempre para se eximirem dos Encargos Publicos, do que a Sociedade Civil tem de incómmodo; nunca para lhes tolher o passo na estrada dos seus interesses. Nunca lhe servio este Texto de embaraço para serem, ale Principes temporaes; para exercerem Jurisdicção Civil; para adquirirem grandes Heranças, grandes Patrimonios; para administrarem grandes Casas; e só agora havia servir para os eximir dos encargos, chamados do Concelho?

O terceiro argumento he que o Clero, não só nas Sociedades Clristãs mas ate em todas as Nações antigas sempre formou um Corpo á parte. Este argumento, confesso que me espantou, quando o vi produzir.

O Cloro fazendo um Corpo á parte e separado da Sociedade!!! Mas supponhâmos por um pouco que até agora isso assim foi; a Carta Constitucional não quer que continue a ser; mas sim uni-los aos outros Cidadãos, faze-los entrar na massa geral d'estes, amalgama-los com a Sociedade, para que não haja esse Seisma na Sociedade, esse espirito de classe; mas eu nego o principio: acaso os Machabeos fizerão em corpo aparte dos outros Judeos? Pelo contrario, unirão-se com elles, e até tomarão a Suprema Authoridade para os livrar da escravidão, e pô-los em liberdade. Os outros Povos Pagãos, ainda que não possão servir de argumento, todavia em muitos d'elles especialmente entre os Romanos, os Sacerdotes erão chamados aos Cargos Publicos, e reunião muitas vezes o Summo Sacerdocio com a Summa Authoridade.

O quarto argumento he que para os Clerigos poderem julgar em Relação foi precisa uma Bulla do Pontifice. Mas será necessaria uma Bulla do Papa para os Clerigos terem parte nos encargos da Sociedade, para entrarem na formação das Camaras? Era preciso que a Authoridade Civil, que o Legislador desconhecesse inteiramente os seus Direitos.

Finalmente outro argumento he que para a formação das Camarás não são precisos os Clerigos de Ordens Sacras. Mas se ha pouco nos vimos embaraçados em grandes difficuldades para a formação das Camaras Constitucionaes, por falta de Pessoas habeis para serem eleitas, tanto assim que nos vimos obrigados a deixar as Camaras actuaes em muitos lugares; como se pertende agora restringir ainda mais o número dos elegiveis, e se diz que são desnecessarios os Clerigos? Pelo contrario: parece que com estes se deve augmentar o número dos que podem ser eleitos.

Por estas razões me parece que os Clerigos de Ordens Sacras não devem ser excluidos dos Cargos de Vereador, e Procurador do Concelho.

O Sr. Moniz: - Sr. Presidente, eu tambem desejo ser um rigido economista do tempo desta Camara, porque, sendo nós zelosos observadores de muitas outras economias, justo he que o sejâmos da mais preciosa de todas, que he a do tempo.

He esta uma re-

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gra, que tenho imposto a mim mesmo, e que não tenho desmentido até agora com o meu comportamento na Camara a este respeito. Na presente occasião, se eu não tivesse de propôr uma Emenda ao Artigo, talvez desse o meu voto em silencio; mas como me he necessario fundamenta-la, forçoso he correr, ainda que seja rapidamente, pelos mesmos pontos, que outros Senhores já tractarão.

Se o numero dos Clerigos de Ordens Sacra1; fosse, como querem o Evangelho, e os Concilios, somente o indispensavel para o Sagrado Ministerio, que elles exercem, eu votaria pela parte do Artigo, que lhes respeita, não a titulo de exclusão, que poderia parecer odiosa, mas pela incompatibilidade de funcções, principalmente nos Presbyteroa. Eu não vejo na verdade como os Sacerdotes empregados cm Benefícios de Cura d'Almas possão ao mesmo tempo bom desempenhar as obrigações deste Ministerio, e as dos Empregos Municipaes. Desejando porem que a Sociedade tire partido dos não empregados, porque da facto assim existem muitos, e entre esses alguns de reconhecida virtude, e saber, não quizera nunca que taes pessoas fossem excluidas da elegibilidade; uma tal exclusão seria repugnante a Carta, como muito bem já se tem mostrado. Seria igualmente contraria á sã Politica, a qual quer que todas as classes de Cidadãos estejão ligadas aos interesses do Estado pelo maior numero de vinculos possivel. Tambem me não parece esta admissão dos Clerigos opposta á Disciplina Ecclesiastica, porque ella em todos os tempos tem admittido o bem do Estado, como causa canonica para os dispensar, a fim de occuparem Empregos civis. Não os vemos nós por toda a parte occupados no ensino das Letras humanas? Não os vemos exercendo Empregos desde os Officios de Secretaria até a alta Diplomacia? E, para não acarretar mais exemplos, quem desconhece os bons Serviços de um caracter pacifico, como era proprio do seu estado, que fez á Nação o Padre Viera? Quem se não lembra com saudade da honrosa Commissão, que ainda ha poucos annos desempenhou em uma Nação Estrangeira o digno Abbade Corrêa da Serra? E só os Cargos da Municipalidade he que não hão de ser compativeis com a Dignidade Sacerdotal? Alguns Senhores parecera até recear que os Clerigos possão descer tanto, que se vão confundir com os Rendeiros do Verde para este receio não ser prova concludente basta ir parar em um extremo. Eu , pelo contrario, perguntarei, que Repartições não ha nos Concelhos, que receberão um novo realce da administração de um Sacerdote animado do verdadeiro espirito da Caridade Evangelica? As dos hospitaes, por exemplo, e dos Expostos?

Pois um Clerigo ha de perder do seu decoro só por que vai exercer, como Vereador, as Funcções caritativas, que outras vezes exercêo como Provedor, ou Membro de uma Mesa de Misericordia? O Sacerdote, que ia levar o balsamo de consolação Evangelica ao interior das prisões, onde geme a humanidade afflicta, ha de perder do respeito, que lhe he devido, só porque a tão louvavel Ministerio une o de vigiar officialmente contra os abusos da Authoridade comettidos dentro desses recintos? Muitas outras Administrações descubro eu nos Concelhos, que offerecem as relações mais capares de unir os animos pelos vinculos da Caridade Christã, e portanto muito dignas dos Sacerdotes. Nem temamos a novidade, ou a introducção dos máos Clerigos nas Camaras em quanto tivermos Eleições tão livres, como nos outorga a Carta. O remedio para uma, e outra cousa lá esta na mão dos Eleitores: elles farão justiça a todos Desenganemo-nos, Senhores, a Junta Apostolica não he a representativa do Clero, he sim a representava dos perversos de todas as Classes. Sendo porem certo que as Funcções dos Clerigos Curas d'Almas não são as unicas incompativeis com as dos Vereadores, e Procuradores, mas que outros Officiaes públicos ha, que não poderão accumular differentes Empregos sem grave inconveniente para o serviço público, e para si, eu proponho a minha Emenda nos termos seguintes, salva melhor redacção.

Tão somente poderão ser eleitos para os Cargos dos Artigos 1.°, e 2.° os que têm voto na conformidade do Artigo 3.°: são porem exceptuados os Clerigos Curas d'Almas em exercicio de seus Beneficios; Militares não reformados da 1.ª Linha, e Armada; e bem assim aquelles outros Empregados publicos, cujas Funcções forem incompativeis com as dos Cargos da Municipalidade.

O Sr. Tavares de Almeida: - Nada accrescentarei ao que têm dicto aquelles Senhores, que são de voto se exceptuem os Clerigos do Cargo de Vereador; são por Instituição Divina Coadjutores dos Reverendos Bispos; não desejo que a Sociedade civil os divirta de tão saneio destino, fôrão sempre por nossos costumes exceptuados, e eu respeito os costumes, quando, razoaveis, e justos: o mesmo sigo em quanto aos Militares da 1.º Linha, e Armada, porque vejo tem um Emprego incompatível com o Governo Municipal. Não me limito porem somente a estas Classes, porque desejo sejão excluidos tambem os Juizes, e Officiaes de Justiça, e Fazenda, estes já o erão por Lei; porem como se achão comprehendidos na regra geral dos elegiveis dada no principio do Artigo, conveci fazer delles expressa menção, a fira de não haver dúvidas. Os Juizes nunca fôrão exceptuados, antes presidião aos Vereadores; e supposto seja manifesto que a Authoridade Judicial se não pode ingerir na Municipal, comtudo, te a pessoa do Juiz fosse votada, e eleita, poderia alguem pensar que não era inhibida de accumular as duas Funcções por paridade da que existe entre um Membro do Poder Executivo, e Legislativo: e como he necessario livrar as Camaras até da influencia dos Juizes, e desejo Leis muito claras, porisso peço se declare mais esta excepção, visto que a regra geral os comprehende. Semelhantemente os criminosos pronunciados em querela, ou devassa, se bem que possão volar nas Assemblêas de Parochia, e só não possão ser Eleitores de Provincia (Art. 67, §. 3 da Carta), não devem entrar nos Cargos Publicos, nem ate aqui podião ser Vereadores; he pois preciso se declare que, quando se diz = Podem ser eleitos todos os que podem votar =, se não entende destes individuos. Diz mais o Artigo: = Ninguem poderá escusar-se sem impossibilidade absoluta =; entendido isto como sôa parece escusado o dizer-se, porque ad impossibilia nemo tenctur: mas em verdade ha, e ha de haver pessoas, que sem essa impossibilidade se devão escusar; lembro, por exemplo, os Professores das Escolas, e outros ha, que por contractos com o Estado lhes foi dado o Privilegio de não serem constran-

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gidos a servir nos Concelhos, como são os Empregados no Tabaco, e não se pode deixar de guardar-se-lhes sem injustiça; convem portanto fazer tambem estas excepções. Finalmente: approvando o resto do Artigo só reparo nas ultimas palavras = Os que tiverem servido não possão ser constrangidos a isso dentro de tres annos. = He necessario pôr isto em harmonia com o vencido, isto he, que hajão Camaras Constitucionaes, onde houver o triplo dos elegiveis; passando como está o Artigo haverá caso, em que seja preciso o quadruplo: ha Concelhos muito pequenos, onde custa achar pessoas para servirem taes Officios: já o reconhecêo a Ord. L. 1.º Tit. 67, §. 9; portanto se deverá dizer dous em lugar de tres annos.

O Sr. Rocha Couto: - Diz o Artigo = Serão excluidos os Clerigos de Ordens Sacras. = Tenho ouvido dizer a uns, que devem ser absolutamente admittidos; a outros, que devem ser absolutamente excluidos. Eu porem não sigo nem uma, nem outra opinião. Os Clérigos, ou são Benificiados, ou não; os Beneficiados, ou sejão de Cura d'Almas, ou empregados nos Beneficios das Cathedraes, ou das Collegiadas, estes não devem ser admittidos aos Cargos das Camaras; porque estes estão no caso do Apostolo, quando diz: Nemo milians Deo implicat se negotits secularibus: estes devem-se entregar todos ao serviço da Igreja, para que forão ordenados, e não se distrahirem com negocios seculares. Porem , se não forem Beneficiados, não sei qual seja a razão por que hão de ser excluidos. Os Clerigos que são Ordenados a titulo de Patrimonio, e que não são Beneficiados, posto que se ordenão para servir a Igreja, não a tem para nella exercerem as Funcções do seu Ministerio; donde resulta haver entre nós um incomprehensivel número de Ecclesiasticos ociosos, e muitos de grandes talentos, e virtudes, sem que tenhão Igreja, ou Beneficio, em que se empreguem para satisfazerem ao fim, para que forão Ordenados; estes pois, que se achão nestas circumstancias, não duvido dizer que só poderião empregar nos Cargos das Camaras Municipaes, porque não são incompativeis com o seu Estado, principalmente não tendo as Camaras daqui em diante Jurisdicção contenciosa; e muito mais dizendo a Carta: (Artigo 145 §. 13) = que todo o Cidadão pode bei admittido aos Cargos Publicos, sem outra diferença, que não seja a de seus talentos, e virtudes: = e se havião de estar ociosos, e não terem occupação, em que empregassem os seus talentos, e virtudes; e por serem Clerigos, não deixão por isso de ser Cidadãos; por isso parecia-me que estes Clerigos podião ser empregados nos Cargos da Municipalidade, para desta sorte virem a ser Membros uteis, e não pezados á Nação; por isso proponho esta Emenda ao Artigo, que diz tudo o que eu quero dizer, accrescentando-lhe uma só palavra ás palavras do Artigo = são porem excluidos os Clerigos de Ordens Sacras = que se diga: = são porem excluidos os Clerigos de Ordens Sacras Beneficiados.

O Sr. Miranda: - Sr. Presidente: pela minha parte accederei aos desejos d'aquelles Senhores, que se tem mostrado impacientes por ver terminar esta discussão. Approvo a Emenda, que acaba de fazer-se, relativamente aos Ecclesiasticos, quando não passe na generalidade do Artigo; pois que ninguem poderá duvidar que as Funcções doa Parochos, e Beneficiados são incompativeis com as de Vereador. Não approvo porem as outras Emendas, ou Additamentos, e muito especialmente a do Sr. Derramado. Como acerca desta ainda se não fallou, e me persuado que ninguem a sustentará, por isso nada direi; mas se assim não acontecer, e alguem quizer sustenta-la, para então me reservo, e pedirei a palavra.

O Sr. Serpa Machado: - Este Artigo tem duas partes; eu fallarei da primeira. Sc acaso he verdadeira a intelligencia, que se dá ao Artigo 66, então não temos mais que tractar; porem eu pouco mais poderei dizer do que disserão os Srs. Girão, e Derramado, pois se acaso se desse aquella interpretação, nos veriamos embaraçados, sem sabermos quaes erão as Funcções desta Camara. Suppondo pois que não ha opposição na Carta, concordo com o Sr. Derramado. Agora pelo que respeita aos Ecclesiasticos direi: que elles devem ser isentos pela incompatibilidade das suas Funcções com estas. Os Militares tambem são excluidos, e não he por odio, nem por privilegio, he porque o seu Emprego he incompativel com este; e mesmo que sobre isto houvesse alguma dúvida era necessario termos attenção, não só com os costumes da Nação, mas com o prejuizo dos Clerigos; todo o Mundo sabe que os Vereadores tem Empregos, que não são compativeis com os Clerigos, e ate seria odioso, e muito mais nas Aldeias; e por isso eu não posso deixar de votar quo se sustente esta excepção corno uma verdadeira incompatibilidade com as suas Funcções, e deve este Artigo ampliar-se mais a todos os Empregos, cujas Funcções forem incompativeis, conformando-me inteiramente com a doutrina da Emenda do Sr. Derramado.

O Sr. Magalhães: - O Artigo, que está em discussão, tem duas partes, a primeira das quaes, estabelecendo a regra da eligibilidade para os Cargos, que fazem o objecto da Lei, contém uma excepção, e a segunda, que designa a maneira, por que os Eleitos podem escusar-se legalmente.

A primeira observação, que tenho a fazer quanto á primeira parte, refere-se somente á redacção, e consiste em accrescentar á palavra = Cargos = as palavras = mencionados nos Artigos = pois eu não sei o que sejão Cargos dos Artigos, como aqui se lê.

A segunda versa sobre as modificações, que pode soffrer o Direito de elegibilidade; e nesta parte conformo-me com a Emenda do Sr. Derramado, quo estabelece uma gradação em proporção ás diversas Terras do Reino, onde as Municipalidades são constituidas. He certo que os Vereadores são responsaveis, não só pelos abusos, que cometerem no exercicio de suas Attribuições Municipaes, mas pela Fazenda, e Rendimentos dos Concelhos; e então, quanto maior fôr a massa destes, maior garantia deve haver nas possibilidades dos Vereadores. Esta razão era sem dúvida a que intervinha no Systema do Governo Absoluto para querer as pessoas boas, e mais abonadas das Terras nas Vereanças. He verdade que aparte dos Rendimentos Publicos vai a entrar no Systema do Administração geral; todavia, resta a dos Proprios dos Concelhos, e outros, que ainda ignorâmos, porque ainda não sabemos todas as Attribuições, que ficarão ás Camaras.

Eu não julgo que a modificação apontada seja forte

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em relação á riqueza proporcional, nem tão pouco julgo que seja contraria á Carta, e que vá supprimir um Direito Civico.

He certo que o Capitulo 5.º do Titulo 4.º da Carta he todo destinado ás Eleições de Deputados, o que era forçoso marcar-se nella, visto que, se o não fosse, não havia Poder, que em tal legislasse, não o sendo o mesmo Auctor da Carta em Lei separada, devendo as Eleições de Deputados ter lugar em continenti: mas esta Lei separada tinha o mesmo effeito, visto que, tendo esta Legislatura de durar quatro annos, quatro annos hão de ter de exercício, os Deputados pleitos com estas, ou aquellas condições; e podendo a Carta alterar-se no fim de quatro annos, e então alterarem-se estas condições, o resultado he o mesmo, ou ellas fossem expressas na Carta, ou em Lei separada. A mesma razão porem se não dava a respeito das Municipalidades, cuja organisação, devendo acontecer depois da reunião do Poder Legislativo, este podia, como de facto vai a faze-lo, marcar por Lei as condições, e modos da Eleição pelas bases consignadas no Capitulo 2.º do Titulo 7.°, sem que fosse necessario terem fido marcadas na Carta as diversas condições. O § 66 tem um sentido natural, e obvio para excluir dos Empregos Municipaes, e Votação delles os que não podem votar nas Assembléas Primarias; mas dahi não se segue que todos os que podem votar nestas possão ser Membros de todas as Authoridades Electivas Nacionaes indistinctamente. E tanto, que ao mesmo § logo se seguem os que impõem diversas condições para os differentes grãos de elegibilidade. Senão fosse o Espirito do Legislador o de querer attender estas circumstancias, segundo a gravidade das Funcções, que tem de exercer-se, por que razão não ordenou elle que os Eleitores de Parochia fossem só os habeis para eleger logo os Deputados? Por que razão estabelecêo uma segundo linha de apuro; e porque razão os Eleitores de Parochia não o podem ser de Provincia?

A doutrina da Emenda não suppõe exclusão absoluta. Os que tem l00$000 réis de renda podem tanto ser Vereadores como aquelles, a quem se impõe uma maior qualidade; porem cada um na sua orbita.

Quanto á excepção, eu sigo a opinião de que deve ler-se relação aos Empregos, que tornem incompntivel a accumulação das Funcções Municipaes, ou este sejão Civis, ou Ecclesiasticos; e então, quanto a estes, já se infere que entendo que podem ser admittidos os que não são Curas d'Almas, adoptando nesta parte a Emenda do Sr. Moniz.

Se eu visse que os Ecclesiasticos, concentrados no seu Ministerio Sagrado, nenhumas relações tinhão; e entregues só no Serviço do Altar, e á perfeição, erão estranhos ás affeições mundanas, não quereria distrahi-los de tão Augusto, e Sagrado Ministerio para os involver na torrente do Seculo; porem se eu vejo que elles são Cidadãos, que tem interesses civis, relações sociaes, mesmo que não podem deixar de as ter; então por que razão quererei isenta-los do exercicio de Funcções, que tanta semelhança tem com as que exercitavão os primeiros Diaconos, quando cuidavão da Communhão Catholica no estabelecimento da Religião?
Se a gerencia Municipal he um Direito, uma Prerogativa Civica, então, como Cidadãos, de que direito podemos servir-nos para exclui-los della?
Se porem be um Encargo, com que direito podem elles então subtrahir-se a este, tirando aliás todas as vantagens, que a Sociedade lhes proporciona? Alem disso, Srs., devemos considerar que uma nova Ordem de cousas principia. Convem que as vistas do Legislador se não concentrem; e que, todas as vezes que ser possa, involva n'uma disposição o germen de milhares d'outras;
Pois que os Ecclesiasticos são Cidadãos, convem proporcionar-lhes os meios decontrahirem affeições domesticas, e espirito Nacional. Um corpo isolado destes dous moveis de todas as virtudes civicas não pode deixar de ser estranho a todos os interesses sociaes, a todas as relações civis.

Este isolamento produz a insensibilidade nos individuos, que o praticão; e então, embotado o amor da humanidade, o só interesse pessoal, o egoismo, e o espirito de Corpo, occupão o lugar dos sentimentos mais dôces, e simpaticos. E não resultarão de um estado semelhante infinitos males á Sociedade, á razão, e á moral? Estou mui longe de acreditar que uma Corporação, onde tantos homens de saber existem, possão pensar de diverso modo.

Tem-se querido oppôr á sua admissão a qualidade das Attribuições, que talvez podessem degradar a qualidade dos Agentes.
Diz-se que os Vereadores tem de andar pelos Montados encoimar os gados, e que tem como estas muitas outras obrigações.

Isto não he assim. Mui longo fôra se quizesse referir os abusos, que a este respeito se comtttem; mas bastará reflectir que, ao alguns Vereadores fizerão isto nalgumas Villas, foi antes de se compôr a Vereação de homens ricos, e bem nascidos. Então estes nunca mais praticarão semelhantes actos, e a Lei tinha providenciado. Ou Rendeiros, ou Jurados, ou qualquer do Povo fôrão, e são os competentes para semelhante fim.

A Camara, quanto ai coimas, só deve conhecer por appelação, confirmando, ou absolvendo esta pena pela infracção d'uma Lei Municipal precedentemente julgada na Almotacera.

Por ventura não entrão os mais illustres, e abastado Cavalheiros na Vereança? E achão Funcções a exercer, que os aviltem? São mui ciosos da nobreça do seu sangue pura que tal soffressem.

Por tanto: he claro que não ha razão alguma solida para rejeitar a opinião, que tenho emittido.

Quanto á segunda parte do Artigo, voto por elle, admittindo porem alguma alteração no prazo de tres annos, a fim de ser menor.

O Sr. Marciano d'Azevedo: - A Questão tem-se considerado pelo lado Politico, e ainda mais pelo Juridico; e aqui não esquecêrão os Canones, e disciplina da Igreja; mas o Sr. Galvão Palma já tem convindo que nada disto obsta a que os Clerigs possão ser Eleitos para as Camaras; mas quer exclui-los deste Encargo publico, para nunca serem desviados das suas Funcções Sacerdotaes. Não me convence semelhante motivo, porque então seria necessario exclui-los de todos os Empregos Civis, a que são admittidos continuamente, até ao de Ministro e Secretario distado. Seria necessario não os admittir nesta Camara, onde consomem a maior parte do dia, e terão de occupar o resto, e a maior parte da noite em medita-

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ções proveitasse á prosperidade da Nação; em quanto nas Funcções Municipaes, apenas se occuparão uma, ou duas vezes por soma. O argumento, que maior pezo me faz, he o deduzido do costume: os Povos estão costumada a não eleger os Clerigos para o munts de Vereador; e o Legislador nunca deve atacar os costumes pela frente, antes a sua habilidade consiste cem guiar a Legislação a par dos costumes; mas aqui não se ataca o costume, por isso que se não manda positivamente eleger os Clerigos; pelo contrario deixa-se aos Eleitores, a liberdade de os elegerem, ou não. Aqui he necessario confiar um pouco no unico prestimo, que tem o Povo quando usa da sua liberdade politica: he sempre admiravel para escolher qualquer, a quem se ha de confiar alguma porção de authoridade, por isso que não se decido senão por factos, que observa; e a lição da Historia o prova: em Roma era permittido ao Povo eleger para os Cargos da Republica, ainda os da mais infima classe, e com tudo nunca os elegeo: em Athenas tambem era licito ao Povo escolher os Magistrados dentre todas as classes, e diz Xenofonte que jamais elegeo senão aquelles, que podião concorrer para a sua prosperidade, e para a sua gloria. Deixemos pois ao Povo a Eleição livre, ella escolherá os que a experiencia lhe tiver mostrado que, pelo seu saber, e probidade, são mais habeis para o desempenho das Funcções Municipaes: alem de que, eu não sei como, sem se violar a Carta, se possa prohibir a Eleição dos Clerigos, que são tambem Cidadãos Portuguezes; pois pondo de parte a disposição dos Artigos 65, e 66 da Carta, com que tanto a proposito se tem argumentado, que diz o Artigo 144? Diz que he constitucional, e inalteravel durante quatro annos, tudo que he Direito Politico do Cidadão: e poderá duvidar-se que o Direito do Eleger, e ser Eleito para as Authoridades Electivas, he Direito Politico do Cidadão? Logo não pode prohihir-se que os Clerigos, só porque são Clerigos, sejão Eleitos, sem se infringir a Carta. Todavia, nunca deve suppôr-se na Lei o absurdo de querer impossiveis e como possa acontecer que a Eleição recaia em quem, pela incompatibilidade do seu Emprego, não possa desempenhar a Autthoridade Municipal, eu sem fallar em Clerigos, nem designar outros quaesquer individuos, redigiria o Artigo do modo seguinte, que remetto para a Mesa.

O Sr. Novaes: - Não cansarei mais a Camara sobre a Quentão: só os Clerigos de Ordens Sacras devem ser excluidos de Vereadores, e Procuradores do Concelho? Tem-se dicto muito, e muito bem, por uma, e outra parte: a minha opinião he, que elles não entrem nestes Cargos. Ha porem alguns Cidadãos activos, isto he, com voto nas Eleições, que, no meu entender, não devem ser obrigados a servir estes Cargos contra sua vontade; taes são os Milicianos, que tem gozado por Privilegio, e que parece o devem continuar a gozar por utilidade publica; os Contractadores, Estanqueiros, e mais Empregados no Tabaco, e Sabão; e os Thesoureiros Maiores, e Menores da Bulla da Sancta Cruzada; por serem estes Privilegios concedidos por contracto oneroso, que induzem sempre uma especial obrigação de justiça. E finalmente, em lugar das ultimas palavras do Artigo = dentro de tres annos não poderão ser constrangidos a servir = eu sou de parecer que se emende, que sem o intervallo de dous annos não possão ser re-eleitos; por ter sido sempre o costume do Reino haver algum intervallo no exercio destes Empregos; e se nota na Ord. Liv. l Tit. 67 §. 9, e no Alvará da 12 de Novembro de 1611 §. 4; tanto assim, que pelo Alvará de 2 de Janeiro de 1765 foi prohibida a reconducção dos Vereadores como nociva aos Povos. Nesta conformidade eu faço a seguinte Emenda: no fim do Artigo em lugar das palavras = dentro de tres annos, etc. = ponho as seguintes = Não podem ser re-eleilos sem passarem dons annos de intervallo: e não fiarão obrigados a servir contra sua vontade os Milicianos, os Estanqueiros, e os Privilegiados por contractos, onerosos. = Cuja Emenda mando para a Mesa.

O Sr. Aguiar: - Refutei a Emenda do Sr. Derramado, e fui impugnado pelo Sr. Girão; porem ainda sustento a minha opinião. Disse o Sr. Girão que eu me tinha servido de um argumento muito fallivel: concordo em que os de semelhante natureza muitas vezes não são admissivei; e logo quando produzi aquella, especifiquei os casos, em que falhão mas existe algum delles? Não de certo; antes a minha opinião se conforma com a Carta. He um principio geral que todo o Cidadão pode votar, e ser votado; tem elle algumas excepções: uma ha a respeito dos que não tiverem l00$000 réis de renda (Carta Constitucional Artigo 65 § 5). Por tanto os que a não tiverem são privados daquelle Direito Politico; pelo contrario aquelles, que a tiverem, gozão delle, porque estão na regra. Não será pois offender um Direito Politico, e não interessante, em vez da excepção estabelecida para os que não tem 100, estabelecer outra para os que não tem 200, ou 400$000 réis? Disse o Sr. Girão que, se fossa verdadeiro o meu argumento, então não podíamos excluir os Militares, Clerigos, e outros, das Camaras Electivas. Não he assim: guando a Carta requer certas qualidades para a elegibilidade, nós não podemos accrescentar outras, que encontrou aquellas; mas não se segue que não possamos declarar algumas, que não da natureza da cousa, e sempre se subentendem; podèmos nesta consideração decretar que os Militares não entrem nas Camaras; não porque a qualidade de Militares abstractamente considerada lhes obste, mas porque o Serviço Militar he incompativel com o Governo Economico, o Municipal, cujas obrigações hão de alias muitas vezes encontrar as outras; neste caso o que nós fazemos he declarar qual he o Serviço Publico, que deve prevalecer; mas não podaremos, v. g., determinar que quem não tiver 400$000 réis não possa ser Vereador, porque este, sanccionado na Carta que só quem não tem 100$000 réis he que deixa de ser elegivel.

As razões produzidas pelo Sr. Deputado Girão a favor da Emenda do Sr. Derramado não respondo; porque ella só teria lugar, se nós a respeito do objecto em questão não tivemos de conformar-nos com a Carta; nesse caso talvez ellas me convencessem de que devia exigir-se o rendimento na proporção lembrada, pelo Sr. Derramado.

O Sr. Henriques do Couto: - Quando eu disse que os Vereadores costumão andar encoimando, e que por isso estes Lugares não erão dignos dos, Ecclesiasticos, referi-me á minha Aldeia, aonde he este o costume, e por isso disse que era indecoroso aos Sacerdotes. Em quanto a respeito do Contracto do Ta-

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baco parecia-me, que era de necessidade tocar-se essa materia, e portanto proponho este Additamento; se agradar muito bem, se não agradar saiba o Publico que houve quem o lembrasse.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Dar a Deos o que he de Deos, e a Cesar o que he de Cesar, he um preceito do Evangelho: mas para ser fixado, e conhecido o sentido d'estas palavras tem sido derramado na Europa, e mesmo em outras partes do Mundo mais sangue, do que tem feito derramar todos os Conquistadores juntas, e ainda não está fixado; ainda a Junta Apostolica ameaça de novo a Europa, e Deos queira que a Historia não ensine, que muito sangue tem de correr ainda em consequencia das pertenções de uma Junta, a qual, confundindo o que he de Deos, e o que he de Cesar, declara a guerra a Deos, e a Cesar, para em nome de Deos governar o Mundo: mas deixo esta, porque muito longe iria: e nos tempos, em que nós vivemos, he preciso até calar o que se apresentar com maior evidencia. - Observo somente que Portugal levou para o Brasil os seus usos e costumes, e que Senhor D. Pedro IV dêo ao Brasil e a Portugal Cartas, que no Artigo - Camaras - são as mesmas ou quasi as mesmas, e parece-me que, não havendo ecclesiasticos nas Camaras do Brasil, nós devemos respeitar esta especie de Hermeneutica , que resulta da intelligencia da Carta diante do Legislador.

Ouvi dizer que os Clerigos erão Cidadãos, e como taes devião ser eleitos para Vereadores; mas advirto, que no Orbe Christão onde, graças a Deos, estamos, ha uma differença, que não pode ser extincta; porque ha Cidadãos, que podem ser bons Christãos, guardando os Mandamentos, nem a Divindade mandou outra cousa á generalidade dos homens: Si vis salvus esse, serva mandata; e ha outros Cidadãos, que possuidos da graça dizem, diante de Deos, que aspirão á perfeição; a estes responde o Evangelho: Si vis perfectus esse, vende omnia, guae habes, et da pauperibus, et sequere me; estes são os Ecclesiasticos, que se não podem intrometter com os Negocios Cíveis sem ir contra esta Maxima Divina: ouvi tambem fazer differença entre Clerigos Beneficiados, e não Beneficiados; esta differença não he Canonico; porque no Evangelho só ha Bispos, e Parochos; e os Clerigos avulsos, que não são nem uma, nem outra cousa, estão em expectativa, e tem o dever de estarem promptos na falta d'aquelles, e por isso existem; e por isso na Censura Canonica são o mesmo do que se fossem. Bispos, ou Parochos; de resto, se os Clerigos fossem Vereadores linha desandado muito, e muito a civilisação, e os vencimentos contra os pertenções Ultramontanas; e se elles fossem Vereadores tínhamos n'esta Camara um symptoma de Junta Apostolica.

O Sr. Leomil: - Depois do que tão judiciosa, e sabiamente disserão os Srs. Pedro Paulo, e Galvão Palma persuadi-me que nada mais haveria a dizer em contrario, mas enganei-me; e não lie sem grande admiração que eu tenho ouvido continuar a discussão, e sustentar a opinião contraria por muitos Senhores aliás de grande consideração, he porisso que contra a minha vontade me levanto a sustentar o Artigo do Projecto, e pouco accrescentarei aos victoriosos argumentos dos que em abono do Artigo me precederão, como o illustre Sr. Mansinho da Silveira. - Seja-me tambem licito, como a elle, metter a fouce em seara alhêa. - O que disse o Legislador Divino aos seus Discipulos? = Regnum meum non ett de hoc mundo.... Qui vult venire post me, abneget semctipsum, tolat crucem suam, et tequatur me. = Não he o Reino dos Padres deste mundo.... A sua Bandeira he a Cruz = Eis-aqui o Estandarte da Milicia Sagrada, mui distincto do da Milícia Profana; e havemos nós hoje, que tanto preciso se faz reduzir tudo ao seu primitivo estado, e ordem de que anda deslocado, principiar por augmentar a desordem, e a confusão, transplantando os Javalis nas, ondas, e os Golfinhos nos matos? Depois que li a Maxima do grande, e veneravel Padre Vieira ao Senhor D. João IV = Reforme-se cada um a si, e o mundo estará reformador, sempre tenho estado a suspirar por a ver realisada; e supposto já de todo perdi as esperanças, nunca comtudo as perdi a respeito do Clero, que muito desejava ver reduzido aos limites do seu alto Ministerio Sagrado, ligado tão somente ao Altar, e banido inteiramente dos Negocios mundanos, que lhe são estranhos, e manifestamente vedados: com grande admiração porem eu vejo malogradas minhas esperanças, quando ouço nesta Camara alguns Srs. Deputados sustentarem a opinião, de que os Sacerdotes devem ter admittidos aos Cargos da Vereança. - Acaso estarei eu ainda guardado para ver nos meus malfadados dias um Clerigo Vereador? Os Ministros do Altar convertidos em Ministros do Throno? Os Juizes do Tribunal da Consciencia convertidos em Juizes do Tribunal da Justiça? Os Pastores do Rebanho Espiritual convertidas em Pastores do Rebanho temporal? Os Discipulos da Paz convertidos em Discipulos da Guerra? Só a lembrança me horrorisa!... Não basta que nós tenhamos visto muitos do Sacerdocio obterem, e impetrarem Dispensas Pontifícias para entrarem nos Tribunaes Criminaes, senão ainda hoje franquearmos-lhe a porta para tudo quanto seja mundano?... Não me parece esta doutrina do Seculo 19, e menos ainda do anno de 1827. D'aqui a nada teremos os Clerigos misturados com a Magistratura, á qual pouco vai dos Cargos de Vereadores; e porque não serão tambem Militares? Segundo os principias dos Senhores, que combatem a excepção do Artigo do Projecto, não haverá razão para que o não sejão; porque, se he o merito, e as virtudes, que habilitão o Cidadão indistinctamente para todo, e qualquer Cargo publico, quem poderá negar essas qualidades aos Sacerdotes? Eu não só não lhas nego, mas até lhas attribuo em grão eminente; a Historia antiga, e a moderna vai sendo a prova. Mas o que tem o merito, e virtude com a miscelanea dos Cargos publicos? N'um todos são para tudo, nem tudo para todos; todo são Cidadãos, tudo são Cargos publicos; mas o Sagrado he Sagrado, o profano he profano; todos pagão tributo a Deos, e a Cesar; mas Cesar he Cesar, e Deos; he Does. - O argumento, que alguns Senhores fizerão da historia

De muitos que, sendo Ecclesiasticos, compunhárão até a espada, prova de mais; porque, alem de que erão esses Ecclesiasticos ao mesmo tempo grandes Donatarios, e estava no seu auge o Systema Feudal, nunca do abuso se derivou exemplo, aliás tambem se derivaria da guerra das Cruzadas.

A admissão do Sacerdocio nos Cargos Civis he con-

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tra todo o Espirito do Christiantismo, da Primitiva Igreja, dos Convcilios, e até contra os bons Usos, e Costumes de Portugal: e uma Lei, que fosse contraria a estes bons Costumes, seria pessima Lei. Pela nossa Legislação já havia alguns casos = mixti fori = que não fazião pequeno transtorno da Sociedade Civil; faltava-nos ainda para cumulo dos males accrescentar á lista dos casos uma nova lista de pessoas = mixti fori.

Foi assim que a immortal Catharina Imperatriz da Russia, entre as bases, que dêo para o Codigo, de que hoje gosão, consagrou esta: = Toda a Legislação deve conformar-se com o modo mais geral de pensar do Povo; he muito má Politica pertencer mudar pelas Leis o que só deve ser mudado pelo uso; e a melhor he aquella, que se empenha para que os Povos mudem elles mesmos os seus costumes. = O argumento de analogia, que fez o Sr. Marciano, tirando da elegibilidade dos Sacerdotes para o Cargo de Deputado, Pares, etc., nada prova; porque, alem de ser o Clero representado em fundação da Monarchia o ser o Clero representado em Côrtes, nenhuma analogia ha entre este Emprego elevado, em que nenhuma responsabilidade ha, como o de Vereadores das Camaras, que tem a seu cargo mil cousas impropiras da Dignidade do Clero; e vai desliga-los da obediencia ao seu Prelado Diocesano, para os sujeitar á de um Corregedor, ou de outro Magistrado secular. - Ultiamamente devo lembrar que a Emenda do Sr. Derramado = Na dotação proporcional de 100$, 2000$, e 4000$ para o Cargo de Vereador, segundo a população das Camaras =, e que não he admissivel, porque até he contra a Carta, a qual no § 5.º do Artigo 65, e no Artigo 66 estabelecêo a base de 100$ para qualquer Cidade ter voto, e ser votado para qualquer Authoridade electiva dos 200$, e 400$ só para o caso da Eleição para Deputados; e por conseguinte para todos os mais regula a base geral dos 100$; o contrario, isto he, a Emenda do Sr. Derramado seria encurtar, e reduzir a zero a base da Representação electiva Nacional; porque há ahi Concelhos, aonde nem dos de 1000$ de rendimento haverá, quanto mais de 200$, e 4000$, e por um semelhante modo não vinha Camaras, senão as aristocraticas, como até agora, e hereditarias, do que Deos nos live.

O Sr. Barreto Feio: - quando hontem se suscitou esta tem sido mais vivedoura do que eu pensava. Todos os que tem voto nas Eleições das Camaras são elegiveis para Vereadores: os Clerigos de Ordens Sacras são Cidadãos; tem voto mas Parochias; logo elegiveis, dizem os Srs., que tem impugnado a excepção estabelecida no Projecto. Mas eu perguntarei aos mesmos Srs.: Todo o Cidadão está obrigado a defender a Patria com as armas, não he outro Artigo da Carta? Os Clerigos de Ordens Sacras são Cidadãos: logo, estão elles sujeitos ao Recrutamento, e tem direito a serem Anspeçadas, Calios de Esquadra, Sargentos, Capitães, Cotoneis, Brigadeiros, e Generdes? Que responderão elles? Que isso lhes seria indecente; que o não devião ser. Pois eu também agora que lhes he indecente; que não devem ser Vereadores.

O Sr. F. J. Maya: - Argumentos de analogia sempre tiverão para mim muito pouca força; e tal he o do Sr. Barreto Geio, quando quis concluir da isenção dos Clerigos para o Serviço Militar, que não podião ser Vereador, e isto porque o Artigo 113 obriga a pegar em armas a todos os Portuguezes; não se lembrando que muitos Cidadãos, que hão de ser isentos de pegar em armas, já por idade, já por máo estado de saude, e já por Officio, que seja incompativel, pode, ser eleitos Vereadores. As razões do Sr. Mouzinho de Silveira tambem nada convencem, porque o exemplo, que apresentou, das Camaras do Imnperio do Brasil, e ad sua Constituição não são apllicaveis para o nosso caso; e todos sabem a grande differença, que existe entre a nossa Carta Constitucional, e a Constituição daquelle Imperio. Não sei tambem porque o illustre Deputado chamou a esta questão a influencia da Junta Apostolica sobre os Ecclecisticos, que me parecêo deslocada, e fora de tempo. Lembro que nós não fazemos Leis ao nosso arbítrio, e que não podémos tomar resolução alguma, que não seja conforme á Carta Constitucional, pois a devemos cumprir literalmente; e como ella não exceptuou de Cargo algum os Clerigos Seculares, não se esquecendo de exceptuar das Eleições dos Deputados os Religiosos no § 4 do Artigo 65, segue-se que aquelles estão habilitados, como os outros Cidadãos, para todos os Cargos Publicos, na forma do § 13 do Artigo 145; e ou os havemos excluir de todo, e qualquer Serviço Civil, e mesmo desta Camara; ou de necessidade os havemos de considerar em perfeita igualdade de Direitos como todos os que aqui achão assentados com elles.

Não direi mais cousa alguma, porque se tem dicto muito sobre a questão, e ninguem ainda desfez os argumentos do Sr. Alberto Soares, nem do Sr. Marciano d'Azevedo, cujas opiniões sigo inteiramente; repetindo o que este illustre Deputado disse ultimamente: que a Lei não mandava que os Clerigos Seculares de Ordens Sacras fossem Vereadores, mas sim que podião ser, se os Povos os elegessem: aos Povos não se deve restringir as qualidades, e numeros de pessoas, alem do que for absolutamente indispensavel: elles sabem o que lhes convem; e em Eleições raras vezes se enganão. Voto por tanto que os Clerigos de Ordens Sacras possão ser eleitos Vereadores; bem entendido, não sendo Curas d'Almas que reputo incompativel com o exercicio daquelle Cargo.

O Sr. Mouzinho de Albuquerque: - Eu fallarei unicamente sobre a Emenda não he, como se tem dicto contraria á Carta; e he isto o que eu vou a demonstrar.

A Carta nos Artigos 64, e 67 contém uma disposição positiva, estabelecendo nelles todas as qualidades necessarias para ter voto nas Eleições Primarias, e para poder ser Eleitor; de maneira que, em quando a esta materia, nada deixou livre á Lei Regulamentar apontada no Artigo 70.

Não acontece porem o mesmo com o Artigo 66, porque neste a Carta somente contem uma disposição negativa, estabelecendo nelle, não todas as qualidades, que devem ter os Membros das Authoridades Electivas, mas unicamente aquellas, sem as quaes se não pode ser nomeado para taes Authoridades; de manei-

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ra que deixou plena liberdade para que na Lei Regulamentar, de que nos estamos occupando, possamos marcar as qualidades, que julgarmos necessarias para o bom desempenho dos Cargos de Membros das Camaras; e, como eu reputo uma destas qualidades o ter certa renda, da qual resulta a independencia, voto pela Emenda em questão. Mas se esta doutrina não he verdadeira, então sustento que se não podem fazer nesta Lei excepções algumas, de qualquer natureza, que ellas sejão.

O Sr. Carvalho e Sousa: - O S. Maya tendo opinado contra o Artigo, ultimamente apoia a Emenda do Sr. Marciano, que julga perfeita, e digna de o substituir. Permitia-me porem o illustre Deputado que eu seja de opinião diversa, e que julgue a mesma insustentavel, e indigna do titulo de victoriosa, que se lhe dá. O Sr. Marciano julgou que o Artigo era contra a Carta, porque fazia duas excepções, a contraproducente com os teus principios faz uma excepção geral, e illimitada, que vai abrir um campo vasto a excepções sem fundamento. E esta excepção geral não se opporá á Carta Diz mais o Sr. Deputado, que nós estamos fazendo uma Lei, que deve ser executada, por pessoas rusticas, ou pouco inteligentes, e que por tanto o Artigo não está claro. Porem a Emenda, a meu ver, ainda vera fazer maior confusão, e augmentar o mal, que o Sr. Deputado queria remediar. Diz a Emenda: = Serão exceptuados todos os que tiverem Occupações ou Empregos incompativeis com o Cargo de Vereador. Mas quaes são eses Empregos incompatíveis? Qual ha de ser o Juiz que decida sobre o serem, ou não terem incompativeis? Não será por tanta mais confusa a Emenda, que o Artigo? Penso, que todos assim o julgarão. A vista pois disto voto contra a Emenda.

O Sr. Pedro Paulo: - Tenho de fazer uma Emenda ao Artigo 4, na parte em que diz: = Ninguem poderá escuzar se sem impossibilidade absoluta. = Entendo por impossibilidade absoluta, a que não pode vencer o que nella se acha constituido, v. g., o paralytico está na impossibilidade absoluta de andar. Sendo esta a unica noção que se pode dar ás palavras - impossibilidade absoluta ; - e determinando o Artigo que ninguem se poderá escusar sem esta impossibilidade, he uma consequencia necessaria que os que tem setenta, oitenta annos, ou mais, os que padecem molestias chronicas, ainda que sejão graves, sendo eleitos para os Cargos da Camara, não podem escusar-se, se a provecta idade, ou a molestia os não pozerem na impossibilidade de comparecer de Camara. Ora pergunto: uma tal Lei sem util! Eu a julgo bem prejudicial ao bom serviço das Camaras. Na idade de setenta annos, pelo que ordinariamente acontece, ha uma bem consideravel falta de forças do espirito, e corpo: este ultimo periodo da vida he ordinariamente acompanhado do debilidade, frôxidão, e molestias; por isso dos que se achão nesta idade, uns são inhabeis para os Empregos, outros poucos serviços podem prestar ao Estado. Os Romanos, Nação Saba , e illustrada, conhecendo esta verdade , eximirão os septuagenarios dos Encargos, e Empregos Publicos. Esta Legislação tem sido recebida pelas Nações mais Civilizadas, e se acha adoptada pela nossa Ordenação no Liv. 2 Tit. 54. Ora: parece-me que não ha razão alguma para não applicarmos esta Legislação aos septuagenarios eleitos para os Cargos da Camara, pois que não he de esperar que os que se achão em tão provecta idade, enfraquecidos pelos annos, pelos trabalhos, e pelos molestias, prestem as camaras tão bom serviço, como os que só achão em idade de vigor. Proponho pois: que os septuagenarios sejão isentos de servir os Cargos das Camaras e se esta minha Proposta não fôr attendida, então no menos se lhe, conceda o direito de pedir a sua escusa, ficando dependente da respectiva Camara concede-la, ou nega-la. O mesmo digo dos que padecem molestias chronicas: deve ser-lhes permitido pedir a sua escusa, porque muitos ha, que ainda que se não achão na impossibilidade absoluta de irem á Camara, poucos serviços podem fazer. Esta he a Emenda, que proponho se faça ao Artigo, na parte que diz: = Ninguem poderá escusar-se se sem impossibilidade absoluta.

O Sr. Miranda: - Tinha pedido a palavra para faltar contra o Additamento apresentado pelo Sr. Derramado, no caso de que elle fosse sustentado; e como alguns Senhores tem fallado a favor delle, agora me alevanto para o combater. Propõe o Sr. Derramado: que só possâo ser eleitos Vereadores aquelles, que, nos Concelhos de menos de mil e quinhentos fogos, tiverem ao menos cem mil réis de renda; nos Concelhos de mil e quinhentos, até tres mil fogos, somente aquelles, que tiverem duzentos mil réis, ou mais de renda, e aquelles somente que, pelo menos tiverem quatrocentos mil réis de renda, em os Concelhos da tres mil fogos, ou dahi para cima. Esta Proposição não pode sustentar-se, nem admittir-se. Ella he contra a Carta; he contra a natureza, e principios dos Corpos Municipaes; he impraticavel, e contraria ao que já se acha vencido nos Artigos antecedentes.
He contraria á Carta, e o provarei, não por argumento a contraria sensu, deduzido da doutrina da Artigo 66, como tem feito alguns dos meus Collegas, que tem combalido o Additamento; mas por um argumento directo, tirado dos principios estabelecidos na Carta. No §. 13 do Artigo 145 se acha estabelecido, que todos os Cidadãos Portugueses podem ser admittidos aos Cargos Publicos sem outra differença, que não seja a dos seus talentos, e virtudes. Em consequencia deste Artigo todos os Cidadãos Portuguesas poderão ser eleitos Vereadores, se os Artigos 65, e 66 não viessem pôr algumas excepções a esta regra, geral. A unica relativa á riqueza he a de terem pelo menos cem mil réis de renda liquida, e salva esta excepção fica em todo o vigor o direito garantido pelo §. 13 do Artigo 145, em que acabo de fallar. Ora: sendo este direita um dos mais preciosos estabelecidos na Carta, e um direito Constitucional, na conformidade do Artigo 144, não pode ter outras restricções agora, senão aquellas, e somente aquellas, que na Carta se achão consignadas. Por conseguinte: toda, e qualquer outra restricção, como as que propõe o Sr. Derramado aos Cidadãos moradores em os Concelhos de mais de mil e quinhentos fogos, he anti-constitucional, o por tanto inadmissivel. Poderá talvez dizer-se agora, que por estes mesmos principios não podem, nem devera ser excluidos os Militares de Primeira Linha, nem os Ecclesiasticos de Ordens Sacras, nem, geralmente fallando, aquelles, cujos Empregos são incompativeis com as Funcções de Vereador. Mas esta consequencia não tem lugar; porque incompativel,

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na accepção em que presentemente se toma, quer dizer o mesmo que impossivel, e o que he impossivel não pode nunca realisar-se. Por tanto: todos os que exercem os Empregos, e Funcções de que acabo de fallar, são excluidos de serem Vereadores, não por violencia, ou espolição de direitos, que lhes faça esta Lei regulamentar, mas sim pela qualidade, e natureza de seus Empregos, e Funcções.

Vamos agora ver como esta Proposição he contra a natureza, e principios organicos dos Corpos Municipaes. Os Corpos Municipaes são, por assim dizer, os primeiros anneis da cadèa, que une os Povos com o Governo. Pelo interesse, que elles tomão na Administração Municipal, pelo exemplo de bom regimen, que esta Administração continuamente lhes offerece, não só adquirem um habitual espirito de ordem, mas tambem uma profunda, e viva affeição ao Systema Representativo de Governo, do qual tem continuamente diante dos olhos a imagem clara, distincta, e comprehensivel, porisso que ella fica mui ao alcance do Povo. Por outra parte o Poder Municipal he o complemento do Poder Executivo: o Poder Executivo obra em consequencia de Leis geraes; e são tão geraes as suas Ordens, quanto he vasta a esfera da sua Authoridade, e seria impossivel que na sua necessariamente limitada comprehensão podesse attender ás muito particulares, e minuciosas circumstancias, que dependem de usos, costumes, necessidades e accidentes locaes. O que por si não pode fazer o Governo, confia-se ás Municipalidades, ás quaes por isto mesmo se deve dar toda a importancia politica, que he compativel com a Authoridade do Governo, e com os principios da boa ordem, e administração geral. Exercendo as Municipalidades um Poder tão immediato sobre os moradores do seus Districtos, e sendo conveniente que os Povos pelo exemplo de um bom regimen, se affeiçoem aos Governos Representativos, e que nelles se despertem, e radiquem os sentimentos proprios dos Povos livres, faz-se necessario que se lhes deixe toda a amplitude possivel na escolha daquelles, que de tão perto devem governa-los. Alem disto: devemos considerar que para estabelecer, e consolidar as Instituições, que o Senhor D. Pedro IV. dèo á Nação Portugueza com tanta generosidade, e sabedoria he preciso crear novos interesses, não os interesses do egoismo, mas aquelles, que tem por objecto a distincção, e considerarão publica, de que só podem ser credores os talentos, e virtudes; he preciso igualmente dilatar quanto for possivel a esfera da concorrencia, porque da maior concorrencia resulta o augmento do interesse, que os Cidadãos tomão pela Causa Publica. A Proposição do Sr. Derramado, bem longe de se conformar com estes principios, he inteiramente contraria, e opposta a elles; pois que nos Concelhos de mil e quinhentos ale tres mil fogos estabelece uma Ochlocracia Municipal formada dos que tem pelo menos duzentos mil réis de renda liquida, e nos Concelhos de mais de tres mil fogos outra Ochlocracia ainda mais restricta daquelles, que tiverem de renda quatrocentos mil réis. Não me alargarei tambem em mostrar a incoherencia, que ha em se estabelecer para os Camaristas dos Conselhos de mais de tres mil fogos a mesma condição de elegibilidade, que na Carta se acha declarada para os Deputados, quando a esfera de um Camarista he o
limitado espaço de um Concelho, e a de um Deputado he, por assim dizer, o Mundo inteiro, não fallando nas qualidades moraes de probidade, e independencia, que um Deputado deve ter em um grão muito mais eminente.

Disse tambem que o Additamento em questão he impraticavel, e contrario ao que se acha já vencido. Peço a attenção da Camara sobre esta parte do meu discurso; porque as razões, que vou expor por si sós bastarião para aquelle Additamento ser rejeitado. No Artigo 2.º deste Projecto estabelecêo-se que nos Concelhos, cuja população não exceder a mil fogos, haja tres Vereadores, incluso o Procurador, e que as Camaras deixassem de ser electivas aonde o numero dos eleitores não chegasse ao triplo do numero dos Cargos Municipaes. Por esta maneira a Camara que ampliar, quanto lhe era possivel, o numero das Camaras electivas, e na conformidade do que se acha vencido só em muito pequenos, e mui raros Concelhos deixará de havê-las. Porem se adoptarmos a Proposição do Sr. Derramado acontecerá que em muitos Concelhos, e mesmo em os mais populosos deixarião as Camaras de ser electivas, o que seguramente não he da intenção da Camara, nem da intenção do illustre Auctor do Additamento. Com effeito nos Concelhos de dous mil até tres mil fogos ha, pelo Artigo 2.° do Projecto, cinco Vereadores com o Procurador, e dous Substitutos, que por todos fazem sete. O triplo deste numero he vinte e um; e não haverá muitos destes Concelhos, em que não haja vinte e um moradores com duzentos mil réis de renda liquida, mormente exceptuando aquelles, que pelo Artigo 4.º he provável sejão excluidos? Nos Concelhos da mais de tres mil fogos, pelo que está vencido, deva haver sete Vereadores com o Procurador, e tres Substitutos, dez por todos. E não haverá em todo o Reino muitos Concelhos de mais de tres mil fogos, que não tenhão trinta moradores com quatrocentos mil réis de renda? Não só digo que haverá muitos, porem, pelo conhecimento que tenho das Províncias, atrevo-me a affirmar que muito raros serão aquelles de hes até quatro mil fogos, que tenhão trinta moradores com aquella renda, e com mais razão excluindo as pessoas, de que se fez menção em o Artigo 4.º Sendo exacto o que acabo de dizer, a consequencia necessaria admittindo-se o Additamento, de que tenho fallado , era ficarem sem Camaras electivas muitos Concelhos, aonde, segundo o que está vencido, deve have-las. Este argumento por si só bastaria para se rejeitar o Additameto, e concluirei reflectindo que, ainda mesmo quando foste admissivel, era sempre arriscado em uma Lei de Eleições estabelecer uma serie de excepções fundadas na renda, ou contribuição, sem os dados estatisticos necessarios, e de que tanto ao presente carecemos.

Julgada a materia sufficientemente discutida, disse o Sr. Presidente que entregaria á votação separadamente cada uma das quatro partes do Artigo com as suas respectivas Emendas; a saber: 1.ª parte, que pessoas poderão ser eleitas para os Cargos mencionados nos Artigos 1 e 2: 2.ª parte, que pessoas serão excluidas: 3.ª parte, que pessoas poderão escusar-se, e de que modo: 4ª e ultima parte, que tempo deverá haver de intervallo, dentro do qual os novamente nomeados não sejão constrangidos a acceitar. Nes-

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sa conformidade propoz:» 1.° Se se approvava a Emenda do Sr. Derramado, que diz = só podem ser votados para Vereadores os Cidadãos activos , que tem voto nas Assembléas primarios, segundo os Artigos 64 e 65 da Carta, e que tiverem de renda liquida, procedente de Bens de raiz, Industria, Commercio, ou Emprego; a saber: nos Conselhos até mil e quinhentos Fogos, 100$000 réis; nos de mil e quinhentos até tres mil, 200$000 réis; e nos mais populosos 400$000 réis? Não foi approvada.

Propoz então o Sr. Presidente: Se se approvava a primeira parte do Artigo debaixo da seguinte Proposição = podem ser eleitos para os Cargos mencionados nos Artigos l, e 2 todos os que podem votar nas Assembléas primarias de Parochia na forma dos Artigos 64, 65, e 66 da Carta? E foi approvada.
Propuz: Se se approvava a Emenda do Sr. Marciano d' Azevedo em quanto ao que diz respeito á segunda parte do Artigo, dizendo: = são porem excluidos todos os prohibidos nos cinco paragraphos do Artigo 65 da Carta, bem como não poderão ser eleitos aquelles, que pelo exercicio dos seus Empregos não poderem desempenhar as Funcções da Camara? Não foi approvada.

E por isso propoz: Se se approvava a segunda porte do Artigo, em quanto exclue os de Ordens Sacras? E foi approvada com grande maioria.

Propor: Se se approvava igualmente a exclusão dos Militares não reformados da primeira Linha, e da Armada? E se vencêo affirmativamente.
E propondo mais: Se igualmente se devião exceptuar todos os Empregados Publicos, cujo exercicio for incompativel com o exercicio nas Camaras? Só vencêo affirmativamente, assim como que igualmente serião excluidos os pronunciados em querela, ou devassa.

Seguidamente entregou o Sr. Presidente á votação a Emenda do Sr. Paiva Pereira, que diz respeito á terceira parte do Artigo, na qual propõe = comminação de penas, e que as escusas se alleguem perante o Juiz de Direito do Districto? =

Não foi approvada.

Pelo que propoz o Sr. Presidente: Se se approvava a terceira parte do Artigo até á palavra = votos? = Foi approvada.

Propoz mais: Se poderão escusar-se, alem dos que tem impossibilidade absoluta, os Privilegiados por Contracto oneroso anterior? E se vencêo que sim.
Se igualmente se poderão escusar os que tiverem para isso Privilegio por Tractados existentes? E Se vencêo que sim.

Propoz ultimamente o Sr. Presidente: Se se approvava a Emenda do Sr. Novaes, que diz respeito á quarta, e ultima parte do Artigo, dizendo: em lugar das palavras: dentro de tres annos, etc. = se dirá. == não serão re-eleitos senão passados dous annos de intervallo? = Foi approvada, e ficou assim prejudicada a respectiva parte do Artigo.

Pedio o Sr. Deputado Magalhães que se prolongasse a Sessão por uma hora; e se vencêo negativamente. E igualmente não foi attendida a Indicação do Sr. Miranda, para que houvesse segunda Sessão á noite.

Dèo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da Sessão de 29 do corrente o Artigo 5.°, e seguimos do Projecto N.° 100. Para Ordem do Dia da Secções Geraes, em que a Camara ha de dividir se na Sessão seguinte, os Projectos Numeros 88, 92 102, e 103.

E, sendo duas horas e meia, disse que estava fechada a Sessão.

OFFICIOS.

Para o Excellentissimo Duque, do Cadaval, Presidente da Camara das Pares.

Illustrissimo e Excellentissimo Sr.- Tenho a honra de remetter a V. Exca., para ser presente á Camara dos Dignos Pares do Reino, a Proposição junta sobre a Liquidação da Divida Publica. Deos, guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Duque do Cadaval, Presidente da Camara dos Dignos Pares - Fr. Francisco, Bispo Titular de Coimbra, Presidente.

A Camara dos Deputados envia á Camara dos Dignos Pares a Proposição junta sobre a Liquidação da Divida Publica, e pensa que tem lugar pedir-se a Sua Alteza a Serenissima Senhora Infanta Regente, em Nome d'ElRei, a sua Sancção. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Fr. Francisco, Bispo Titular de Coimbra, Presidente - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario - Antonio Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.

Proposição sobre Divida Publica.

Art. 1.° Para o estabelecimento das Operações de Credito será considerada como Divida Publica, a que sé mostrar liquidada até ao fim de 1826, e bem assim aquella, que nessa época ou estiveste em Processo de Liquidação, ou não tivesse começado a ser liquidada por impossibilidade involuntaria dos Credores.
Art. 2.º A todos os outros Credores do Estado, chamados á Liquidação pelas Leis, e Ordens existente, he garantido o direito de liquidar os seus Creditos até no ultimo de Dezembro de 1827, e no principio de Janeiro de 1828 o Ministro da Fazenda apresentará á Camara dos Deputados a importancia das Liquidações até então feitas, a fim de se discutirem os meios de pagamento.
Art. 3.° Além daquelle termo fica prescripto o direito de liquidar pelo methodo estabelecido, salvo os Credores do Estado, os meios ordinarios que o Direito lhes faculta. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Fr. Francisco, Bispo Titular de Coimbra, Presidente - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario - Antonio Ribeiro da Costa, Deputado Secretario.

Para o Bispo de Vizeu, Ministro Secretario d'Estado dos Negocios do Reino.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Em conformidade da Resolução da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, em a Sessão de hontem,

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sobre o Parecer da sua Commissão he Petições a respeito do Requerimento dos homens das Companhias das Chaminés, tenho a honra de passar ás mãos de V. Exca. o mesmo Requerimento original, para que o Governo possa dar-lhe a attenção, que lhe parecer. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Bispo de Vizeu, Par do Reino - F. B. Pereira.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Havendo a Camara dos Sr.. Deputados da Nação Portugueza approvado, em Sessão de hontem, o Parecer da respectiva Commissão de Petições, que remetto por Cópia conforme, sobre se pedirem ao Governo informações acerca de um Requerimento, em que Jacob Dorhman Herold e Companhia pedem se declare sem effeito o Decreto do 1.° de Setembro de 1826, e se lhes admitia no Terreiro Publico á venda, pelo preço então em vigor, a Cevada, de que tracta o mesmo Requerimento, tenho a honra de o remetter a V. Exca., a fim de poder dar á mesma Camara os esclarecimentos, e informações exigidas pela indicada Commissão. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Bispo de Vizeu, Par do Reino - F. B. Pereira.

Para o Barão do Sobral, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Tenho a honra de remetter a V. Exca., por Cópia conforme, a parte da Acta da Sessão da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza de hontem, relativa á Indicação do Deputado Francisco Joaquim Maya, a fim de que V. Exca. possa mandar remetter a mesma Camara a Consulta do Conselho da Fazenda sobre as Fabricas do Reino, de que ella carece para sua instrucção. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Barão do Sobral, Hermano - F. B. Pereira.

Para Luz Manoel de Moura Cabral, Ministro Secretario d'Estado dos Negocios Eccelesiasticos e de Justiça.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - Havendo a Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza approvado em Sessão de hontem o Parecer da sua Comissão de Petições, que remetto por Cópia conforme, sobre se pedirem no Governo informações ácerca de um Requerimento do Excellentissimo Conde de Cunha, Par do Reino, em que perde a revogação do Decreto de 8 de Setembro de 1824, que subtrahio do seu Patrio Poder a sua Filha menor, D. Maria do Carmo da Cunha: tenho a honra de enviar igualmente a V. Exca. o dicto Requerimento, a fim de que se sirva enviar á mesma Camara as informações exigidas pela indicada Commissão. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Deputados em 26 de Janeiro de 1827. - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Luiz Mancel de Moura Cabral - Francisco Barroso Pereira.

SESSÃO DE 27 DE JANEIRO.

Ás 9 horas e 55 minutos da manhã se achárão presentes á chamada 88 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentárão 13; a saber: os Srs. Lima Leitão - Barão do Sobral - Conde de Sampaio - Leite Pereira - D. Francisco de Almeida - Francisco Antonio de Campos - Bettencouri - Izidoro José dos Sanctos - Ferreira de Moura - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Gonçalves Ferreira - e Aliares Diniz - todos com causa motivada.

Disse o sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Pedio o Sr. Deputado F. J. Maio. se inserisse na Acta o seu voto em reparado, igualmente assignado pelos Srs. Sarmento - Pestanha - Cordeiro - Magalhães - Alberto Soares - e Moniz - o qual diz: - Declaro que na Sessão de hontem votei que podião ser Vereadores os Clerigos de Ordens Sacras, que não fossem Curas d'Almas.

O mesmo requerêo o Sr. Deputado Novaes para o seu voto em separado, que diz: - Declaro que na Sessão de 26 de Janeiro fui de voto que os Milicianos continuassem a gozar do Privilegio de não serem obrigados a servir os Cargos do Concelho contra sua vontade.

Déo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro da Costa da escusa, que por doente mandou o Sr. Deputado Conde de Sampaio.
Dèo mais conta o mesmo Sr. Deputado dos seguintes

Officios.

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor. - Passo ás mãos de V. Exca. a participação incluso, que a Camara das Pares envia á Camara dos Sr. Deputados da Nação Portugueza, para que V. Exca. nesta conformidade se sirva de a communicar á mesma Camara. Deos guarde a V. Exca. Palacio da Camara dos Pares em 26 de Janeiro de 1827. - Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Bispo Titular de Coimbra, Presidente da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza - Duque do Cadaval, Presidente.

A Camara dos Pares fora a remetter á Camara dos Deputados a Proposta junta, relativa ao Numero, e Ordenados dos Conselheiros d'Estado, á qual não tem pedido dar o seu consentimento. Palacio da Camara dos Pares em 26 de Janeiro de 1827. - Duque do Cadaval, Presidente. - Marquez de Tancos, Par do Reino, Secretario - Conde de Mesquitella, Par do Reino, Secretario.

A Camara dos Deputados envia á Camara dos Pares a Proposição junta sobre o Numero, e Ordenados dos Conselheiros d'Estado; e pensa que tem lugar

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