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SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota

Secretarios os exmos. srs.:
João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Tres officios do ministerio da marinha, acompanhando diversos documentos requeridos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida, e um officio do sr. Agostinho Fevereiro, participando ter sido approvada a sua eleição de par do reino. - Segunda leitura de um projecto de lei do sr. Reis Torgal. - São lidas na mesa as sete propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas na sessão anterior. - Mandam para a mesa requerimentos de interesse publico os srs. Teixeira Sampaio e Castro Mattoso. - Justificações de faltas dos srs. Fuschini, Lourenço Malheiro, Ferreira Freire, Pereira dos Santos, Ferrão de Castello Branco, A. Pequito, Barbosa Centeno, Rocha Pixoto, Arthur Seguier e Correia de Oliveira. - Declarações de voto dos srs. Barbosa Centeno e Pereira dos Santos. - Apresentam notas de interpellação os srs. Carlos Lobo d'Avila e Mattoso Côrte Real. - O sr. Elvino de Brito insta pela comparencia do sr. ministro das obras publicas a quem deseja dirigir algumas perguntas. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha, que depois troca algumas explicações com o sr. Consiglieri sobre o nosso protectorado em Dahomey. - O sr. Pereira Leite apresenta um parecer da commissão de verificação de poderes, que é declarado urgente e approvado. - Trocam-se explicações entre os srs. Eduardo Coelho e ministro do reino sobre os acontecimentos de Valle Passos. - O sr. Elvino de Brito dirige diversas perguntas ao sr. ministro da marinha, que lhe responde em seguida. - Renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Pedro Diniz.
Na ordem do dia continúa e, termina o seu discurso, começado na sessão anterior, sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, o sr. Elias Garcia. - Responde-lhe o sr. mininistro do reino. - Novamente usa da palavra sobre o assumpto o sr. Elias Garcia, replicando-lha ainda o sr. ministro. - É approvada sem discussão uma proposta do sr. ministro das obras publicas para accumulação das funcções legislativas do sr. Moraes Sarmento com as do emprego que exerce, depcendente d'aquelle ministerio.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Garcia da Lima, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Antonio-Candido, Pereira Côrte Real. Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Moraes Sarmento, Moraes Machado, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Augusto Poppe, Fuschini, Pereira Leite, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, E. Coelho, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Silveira da Mota, Baima de Bastos, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Joaquim do Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Barbosa Centeno, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs,: - Adolpho Pimentel, Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Kibeiro, Urbano de Castro, Neves Carneiro, Barão da Viamonte, Sanches de Castro, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito; Emygdio Navarro, Fernando Caldeira, Vieira das Neves, Correia Barata, Frederico Arouca, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, J. C. Valente, Melicio, Scarnichia, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde do Alentem, Visconde do Balsemão, Visconde do Reguengos e Visconde do Rio Sado,

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Antonio Ennes, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Augusto Barjona de Freitas, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. A. Neves, Avellar Machado, Correia de Bairos, Borges de Faria, Lobo Lamare, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Luiz Ferreira, Bivar, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Martiano Montenegro, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Roberto, Dantas Baracho e Wenceslau do Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da marinha, satisfazendo ao requerimento em que o sr. deputado Ferreira de Almeida pede a nota das despesas feitas com o pessoal estrangeiro que veiu montar as machinas das canhoneiras Tejo, Douro e Quanza.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento no sr. Ferreira de Almeida, nota das contas dos responsaveis da fazenda naval que foram enviadas ao tribunal de contas nos termos do titulo 4.° capitulo 5.° do regulamento geral da contabilidade publica, de 31 de agosto de 1881.
Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Ferreira de Almeida, nota dos alcances dos differentes exactores da fazenda naval.
Á secretaria.

4.° Illmo. exmo. sr. - Tendo sido approvada a minha eleição de par do reino pelo districto de Portalegre, e optando por este logar, não podendo continuar a ter a honra de

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funccionar como deputado, participo a v. exa. para os devidos effeitos.
Deus guarde a v. exa. Fundão 27 de janeiro do 1886. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação, Agostinho Nunes da Silva Fevereiro.
Á secretaria.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal de S. Vicente da Beira, não podendo pelos recursos ordinarios occorrer á urgente necessidade de edificar uma casa para as escolas de ensino primario existentes na cabeça do concelho, vem pedir
auctorisação para desviar do fundo de viação a quantia de 1:584$164 réis para esse fim. Considerando que a auctorisação pedida representa um acto de protecção ao ensino primario, cuja difusão constituo a mais salutar garantia da prosperidade nacional, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de S. Vicente da Beira a desviar do fundo de viação a quantia de 1:584$164 réis para a construcção de um edificio em que se accomodem as duas escolas de ensino primario, existentes na sede do referido concelho.
§ unico. A referida camara poderá levantar já do fundo de viação a quantia de 884$164 réis, existentes na caixa geral de depositos, ficando auctorisada a levantar os restantes 700$000 réis, logo que esta quantia se liquide.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado, Reis Torjal.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Propostas de lei mandadas para a mesa, na sessão anterior, pelo sr. ministro das obras publicas e que por falta do tempo não foram lidas n'essa sessão.

Senhores. - Pelo ministerio a meu cargo, seja dito em honra dos meus antecessores e dos parlamentos que lhe comprehenderam a utilidade e lhe concederam os meios extraordinarios de que se têem servido, completaram-se e prepararam-se no decurso de trinta e tres annos trabalhos de uma importancia que não é licito desconhecer e que não é justo negar. Esses trabalhos, ha muito reclamados, como impreteriveis, por todos os interesses sociaes, estudados e annunciados pelas diversas administrações liberaes que successivamente presidiram aos destinos da nação, eram quasi todos fatalmente adiados em quanto a paz não póde firmar-se no seio da familia liberal ou emquanto as nossas mais caras liberdades eram chamadas a litigio.
Nem se diga que os melhoramentos publicos que foi preciso emprehender em grande escala para nos approximarmos dos que nos levaram longa dianteira, absorviam os cuidados que por este ministerio se davam ao commercio, á industria, á agricultura. A viação publica não se faz para embellezamento da terra, proporciona-se entre a producção e o mercado, restituindo em offertas e barateza ao consumidor e em procura e commodidade ao productor muito mais do que a um e outro exige de encargos. A telegraphia e o correio servem todos os interesses sociaes e ser vem a industria e a agricultura, servindo principalmente o commercio. O melhoramento dos portos, o alumiamento das costas fazem-se principalmente para o commercio que é o grande commissario ,da agricultura e das industrias fabris. Para mais especialmente favorecer a industria por vezes se tem inquerido das suas difficuldades; infelizmente a industria retrahe-se quando a interrogam e prefere viver doente e queixar-se, a deixar ver e curar as suas enfermidades. Alem d'isso o governo prepara-lhe pautas favoraveis
e tem-lhe fornecido ensinamento especial, superior, secundario e elementar.
A agricultura prefere continuar, em grande parte, com os seus processos tradicionaes, já hoje proveitosamente substituidos nos outros paizes cultos, a aproveitar-se dos inventos que dia a dia se multiplicam, a estudar nas escolas theoricas e praticas, já hoje creadas, ou para aproveitar as suas lições ou para noticiar os seus defeitos.
Até mesmo para concorrerem a exposições que se lhes proporcionam ou para responderem a consultas que se lhes dirigem, se recusam os nossos lavradores, tomados de uma descrença tanto mais lamentavel, quanto é certo que os poderes publicos difficilmente podem intentar melhoramentos proficuos quando encontram a resistencia ou a inercia d'aquelles que por utilidade propria deviam ser os seus melhores auxiliares.
O esmorecimento, porém, que póde tomar um individuo ou uma classe, matar uma aspiração ou um interesse não póde nunca justificar a inacção dos poderes publicos no estudo da doença e na applicação dos remedios; mais precisos quanto maiores forem as resistencias, a inercia que se lhes opponha.
Não somos nem desejâmos parecer pessimistas na apreciação das nossas riquezas industriaes e agricolas, mas não occultemos que lhes falta muito para se considerarem prosperas.
Conta-se, quanto á agricultura, que augmenta a nossa producção vinicola, mas será porque augmenta em larguissima escala a plantação dos vinhedos. Não passe desappercebido a ninguem que a vinha tem sido, e continua a ser, combatida por doenças que talvez só a reconstituição do solo por meio de uma cultura nutriente poderá curar radicalmente.
Estão visivelmente depauperados os terrenos que ha longos annos produzem, a exigencias de uma cultura pouco próvida.
Um dos meus illustres antecessores affimava ha poucos annos, advogando a protecção official aos adubos artificiaes, que, exhaustas como se acham as terras cerealiferas entre nós, a custo se conseguem obter de trigo 8 a 11 hectolitros em media por hectare, 11 a 14 de milho, 6 a 9 de centeio, 10 a 12 de cevada, e que de vinho dificilmente se podem esperar 15 a 20 hectolitros.
Este quadro, senhores, não é extremamente lisonjeiro, porque em confronto achâmos que a França produz hoje em trigo 20 a 30 hectolitros por hectare, e a Inglaterra 30 a 40. Não fallando em alguns paizes da America.
Se quizessemos soccorrer-nos de estatisticas especiaes, organisadas sobre as notas dos governos civis achariamos que a producção do trigo no continente e nas ilhas adjacentes nos annos de 1882, 1883, 1884, se conservou estacionaria, a de milho teve um pequeno augmento, bem como a de aveia, decrescendo a producção do centeio. É certo porém que os direitos cobrados nas alfandegas no ultimo anno economico accusam um augmento de producção muito consideravel.
Mas se estas estatisticas não merecem toda a fé que muito convinha podessem merecer (refiro-me ás notas dos governos civis) e não merecem, por culpa dos lavradores, o que não póde negar-se é a grande importação de cereaes estrangeiros em parte devida ao augmento crescente do consumo, e em parte a que o actual processo das moagens faz perder muito ás qualidades superiores dos nossos trigos, e principalmente prejudicar a sua apparencia na comparação com os estrangeiros.
Se da agricultura passarmos á estatistica da nossa industria fabril, tanto quanto essa estatistica se póde fazer, e se tem conseguido com louvaveis esforços realisar, encontramos epochas distinctas de relativa prosperidade, separadas por periodos extremamente escuros, intervalando tentativas de estudos e esforços de renascimento mais ou menos bem succedidos.

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A ninguem é desconhecido que â iniciativa poderosa do marquez de Pombal succederam os desastres dos primeiros decennios deste seculo e que as fabricas portuguezas foram presa simultaneamente a começar de 1808 de inimigos e aluados.
Para, porém, se avaliarem de longe, ao menos, os esforços que se têem devido aos poderes publicos no sentido da manutenção e progresso da industria, não serão descabidas as seguintes notas historico-estatisticas, que vamos sumariar.
Quando em junho de 1788 foi creada a «real junta do commercio, agricultura, fabricas e navegação destes reinos», em substituição da antiga «junta da administração de todas as fabricas», que fora instituida em julho de 1777, apresentou a junta extincta um balanço a contar de 1755, do qual se vê que para o estabelecimento e exploração das fabricas tinham saído do erário régio, sem contar vários supprimentos, a verba de 590:291$787 réis, sendo a fabrica de sedas e as de galões de oiro e prata as que mais haviam prosperado. Do respectivo balanço se vê que o activo das fabricas montava a 1.516:182$176 réis e o passivo a reis 1.394:585$238, importando o saldo em 121:596$238 réis.
Como é sabido, segundo as doutrinas economicas d'aquella epocha, o estado, feito industrial, fundava e explorava fabricas, por conta própria, com o fim de estimular, pelo exemplo, a iniciativa particular.
Por noticias não officiaes mas dignas de fé, e como taes havidas, consta que em 1805 havia em Lisboa 4:185 lojas de mestres de officios, que exploravam 62 industrias differentes.
Ao mesmo tempo que se fundava a real junta do commercio instituia-se a sociedade das reaes fabricas de lanifícios da Covilhã e Fundão, á qual se deveu o impulso que entre nós teve o fabrico de pannos, tendo-se elevado o numero de teares a 126, de 37 que eram, e elevando se o valor dos laniticios da Covilhã a 600:000$000 réis, cifra importante em relação áquella epocha.
Foi por então que prosperaram tambem as fabricas de Portalegre, que era um centro industrial importante já desde o século XVII.
Após os acontecimentos politicos do principio do século, que nos levaram a maior parte da nossa industria nascente, procedeu-se em 1814 ao primeiro inquérito às industrias portuguezas, isto é, às fabricas do reino (pela maior parte casas de officios e misteres). É o primeiro trabalho estatístico existente, se bem que deficientissimo sob todos os pontos de vista. Em 34 comarcas havia 511 fabricas, das quaes 7 estavam fechadas, 240 em estado decadente, 130 estacionarias e 134 em estado progressivo.
O inquerito de 1814 nada esclarece ácerca do regimen do trabalho industrial; nem sobre importancia de capitães, nem quanto ao valor dos productos, nem ao menos ao numero de operarios.
De 1814 a 1833 póde dizer-se que a industria nacional não mereceu a attenção dos poderes publicos.
Nesse intervallo apenas figuram algumas leis de pequeno alcance decretadas pelo congresso constituinte sobre transito de matérias primas estrangeiras e entrada em nossas alfândegas, elevação de direitos sobre os pannos de lã alliviados em 1814, e algumas disposições prohibitivas da entrada de certos géneros, para favorecer os nacionaes.
Por esse tempo um ultimo golpe feria de morte as industrias portuguezas: - a separação do Brazil.
Em 1833 publicaram-se alguns decretos e portarias isentando de direitos as matérias primas empregadas nas manufacturas e na construcção de navios, e adoptando outras medidas protectoras.
Em 1834 foi extincta a real junta, passando para o ministerio do reino as attribuições que lhe competiam.
Victoriosa a revolução liberal, foram promulgadas varias providencias legislativas accentuadamente protectoras.
Por decretos de 18 de novembro de 1836 e 5 de janeiro de 1837 foram creados conservatórios de artes e officios em Lisboa e Porto, e lançaram-se as bases para o ensino profissional em todo o paiz, e entre outras providencias, que directa ou indirectamente tendiam a proteger a industria, figura a pauta aduaneira decretada em 10 de janeiro de 1837.
Em 1839 tentou-se um segundo inquérito às industrias nacionaes, inquerito que não deu resultado. Os dados recolhidos, por deficientes e contradictorios, nem chegaram a ser colleccionados e publicados officialmente.
O tratado de commercio e navegação com a Inglaterra, de junho de 1842, quasi não influira no estado das nossas industrias. São dignos de nota os esforços empregados pelo governo em ampliar as providencias decretadas ácerca do ensino profissional, em 1836 e 1837.
Em 1852 creou-se o ministerio das obras publicas e uma repartição especial de manufacturas. A viação publica, condição essencial á existencia das industrias, recebeu desde então grande desenvolvimento e impulso; tanto que podêmos contar em pouco mais de trinta annos com 1.500:000 metros construídos de caminho de ferro de via larga, 250:000 em construcção, perto de 100:000 já construídos de via estreita e 54:000 em construção, mais de 4.200:000 metros de estradas reaes construídas e 300:000 em construcção, não contando estradas districtaes e reaes quasi todas subvencionadas pelo governo que ascendem a muito mais de 5.000:000 metros construidos e mais de 1.200:000 em construcção.
Também por então se crearam institutos industriaes em Lisboa e Porto, e, pela vez primeira, se cuidou de dar-se começo a uma estatistica propriamente industrial.
Procedeu-se a um terceiro inquérito e delle pode apurar-se: 1.°, que o numero de operários, maiores de 16 annos, empregados nas fabricas, era de 12:750, e o numero de menores de 16 annos, 3:147; total, 15:897; 2.°, que o numero de fabricas, em todos os districtos, era de 302.
O numero das machinas a vapor existentes era 31 de dezembro de 1852 era de 70, e a força de cavallos, 983. Em 1835 havia uma só machina a vapor; em 1838, 2; em 1840, 4; em 1841, 6; em 1842, 12; em 1843, 13; em 1844, 18; em 1845, 25; em 1846, 29; em 1847, 33; em 1848, 38; em 1849, 43; era 1850, 45; em 1851, 50; em 1852, 70. Donde se vê que data da nossa resurreição liberal a exposição da nossa industria, o que é justo e grato recordar.
Em 1860 procedeu-se a um novo inquérito industrial; mas em vez de um apuramento geral e completo, que servisse de confronto e exame comparativo com relação aos anteriores, publicaram-se apenas trabalhos parciaes, sendo o primeiro em 1861, relativo ao districto de Coimbra, e o ultimo em 1867, relativo ao districto de Aveiro, tendo sido nesse intervallo publicadas algumas estatísticas mais ou menos completas, relativas aos districtos de Leiria, Funchal, Beja, Évora, Portalegre, Vizeu, Castello Branco e Guarda. Muitos destes trabalhos, apesar de imperfeitos e incompletos, serviram de valioso subsidio aos trabalhos preliminares do tratado de commercio com a Franca em 1866.
Era 1881 fez se o ultimo inquérito industrial para servir de base á renovação do tratado do commercio com a França. As fabricas e officinas inquiridas sobem a 3:776, representadas em 1:350 installações fabris, tomando-se por uma só installação grupos de officinas ou industrias em domicilio, com referencia a uma mesma espécie de industria.
O movimento industrial em todo o paiz, nas suas diversas Índoles, manifestou-se pela seguinte forma: No que se refere á industria fabril, verificou-se a existência de 338 fabricas; no que respeita a industria em officina, a existência de 907 officinas; e no tocante á industria em domicilio, a de 105 grupos de indivíduos; sendo o valor da produccão, manifestado, 15.482:416$504 réis para as fabricas; 9.679:059$765 réis para as officinas, e 2.167:000$000 réis. Total 27.328:476$269 réis.

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As industrias, que o inquerito abrangeu, foram: carpintaria, cera, ceramica, construcção de alvenaria, cortiças, cortumes, distillação, industrias alimentícias, metallurgica, moagens, papel, pyrotechnica, sabão, tabacos, tecelagem de algodão e linho, tecelagem de ia, tecelagem de seda, typographia, vestuário, vidraria, industrias diversas (um grupo distincto de industrias não mencionadas).
Em todo o paiz, o regimen economico se patenteou do seguinte modo: o capital inicial é representado por réis 18.144:989$550. Com relação ao fabrico em materias primas 8.876:68$693 réis; mão de obra e despezas geraes em 5.550:679$741 réis; o valor da producção em réis 27.328:476$279; a importancia do salario em 14:104$210 réis.
Eis-aqui, senhores, uma idéa resumida de quanto a estatística, e mais resumidamente a legislação, nos diz do estado das nossas industrias e das vicissitudes por que tem passado. Mostra-se que os poderes públicos as não têem esquecido e mais ainda que não têem por ellas passado indifferentes as evoluções benéficas da política liberal.
Mas poderão cilas prescindir dos cuidados do governo e terá o governo feito por ellas quanto em sua alçada caberá?
Longe d'isso; nem o que vamos propor é bastante. O que porém é preciso é instar, é caminhar, é progredir sem esmorecimentos e tambem sem pretensões a concluir, porque a evolução social prossegue em todos os ramos da actividade humana sem ver, nem prever sequer, termo ao seu trabalho, limites á sua acção.
As propostas que tenho a honra de vos apresentar n'este momento e algumas que subsequentemente vos apresentarei, obedecem a uma condição que as domina: -proporcionar braços, meios e commodos às industrias sem aggravar a situação do thesouro.
A questão financeira é a maxima questão do governo; os grandes gastos extraordinários toem sido indispensaveis e será mal avisado quem asseverar que pode prescindir-se d'elles permanentemente; o que porém é preciso é regular a administração de modo a podermos chegar ao equilibrio das nossas finanças. Feito isto está conseguido para as industrias e para a agricultura o melhoramento supremo.
Creêmos aos capitães a necessidade de procurarem emprego em especulações a que o estado não seja concorrente, e elle irá fecundar o commercio, creando e alimentando empregas industriaes e agrícolas.
Da falta de capitães fáceis de obter por juros rascaveis, e da falta de instrucção especial, se queixou, como de seus maiores inimigos, unanime a industria no inquérito de 1881.
O ministro, pois, do commercio e da industria que pela sua parcimonia em gastos do thesouro concorrer para este resultado, que o governo sinceramente deseja, terá feito aos interesses entregues á sua mais directa responsabilidade o supremo beneficio.
Subordinadas a este pensamento modesto mas profícuo, a esta esperança paciente mas infallivel, rediji as minhas propostas.
Carecemos, até para as necessidades exclusivas do consumo nacional, de augmentar as nossas industrias, e de successivamente as aperfeiçoar.
Para as augmentar carecemos do braços e de capitães; preciso é, tambem proporcionar-lhes mercados, abrindo para elles accesso fácil e barato, especialmente nas províncias ultramarinas.
Para as aperfeiçoarmos é preciso proporcionar-lhes instrucção especial.
Deixemos de parte a questão dos mercados coloniaes, questão lhe não escapa á competência do sr. ministro da marinha, mas que tem de entrar e ser ponderada no estudo, muito complexo, da organisação das finanças do ultramar e da harmonia de toda a sua administração.
Quando tive a honra de gerir negócios do ministerio do reino, na proposta, que fiz ao parlamento para reformar a instrucção secundaria, foi minha intenção encaminhar para as industrias e para o commercio, quanto possível, as tendencias da mocidade estudiosa, os homens do futuro. Attrahiam-me as escolas reaes allemãs.
Não repetirei o que disse e escrevi então, porque só como referencia me é preciso lembrai-o, e para recordar as difficuldades que encontrei quando quiz, não combater as- nossas tendências patrícias e tradicionaes para os estudos classicos, mas aconselhar e proporcionar aos estudiosso uma direcção diversa, mais profícua, mais necessitada, mais exigida pelas necessidades actuaes e até, em meu parecer, mais patriotica.
Temos, é certo, institutos industriaes como temos um instituto agricola e cursos commerciaes, mas vem para elles poucos dos que deviam frequental-os, e parecia-me que no ensino geral dos lyceus é que devia abrir-se uma entrada para estes institutos, para os cursos especiaes donde devem sair em grande parte as hostes do presente, que illustram, engrandecem e fortificam os destinos e os fastos das nações modernas.
Um meu illustre antecessor abriu o caminho ao ensinamento profissional, proporcionando-o aos principaes centros industriaes do paiz, e esses modestos institutos hão de multiplicar-se com a propagação da industria.
Ali far-se-hão operarios, o que já é muito; e seja-me licito lembrar que no artigo 2.° da proposta de lei a que mo referi, algumas escolas profissionaes eram creadas, apesar de tal creação destoar da índole geral da lei e das incumbencias especiaes d'aquelle ministerio. Tão reconhecida era já por mim a urgência da creacão desses populares institutos.
Esta necessidade já era tambem reconhecida no artigo 7.° da lei de 14 de junho de 1880.
Ali, nas escolas profissionaes, educam-se operários, mas crear industriaes e industrias só lei geral que dirija a instrucção publica o póde lentamente conseguir, destruindo preconceitos inveterados, hábitos tradicionaes, muito difficeis de vencer, pricipalmentte nos paizes do meio dia.
E preciso na instrucção secundaria ir encontrar as aptidões nascentes e ahi, apontando-lhes diversos caminhos, creando na convivência a fraternidade do estudo e do trabalho, assistir á livre formação das vocações e amparal-as nas suas manifestações, honrando-as por igual.
Tenho fé que esta aspiração, embora se demore, ha de vingar, porque a justiça prevalece tarde ou cedo, e as grandes, necessidades chegam sempre a fazer-se ouvir.
Trato nas minhas propostas de proporcionar braços á industria e á agricultura; não pedindo-os emprestados á emigração estrangeira, mas diligenciando que a emigração nacional que vae sendo já uma doença endemica, e cada vez mais aclimada, lhes roube os menos que seja possível.
Tenho sobre este assumpto as mesmas apprehensões que tinha quando ministro do reino, e se não posso hoje propor todas as medidas que havia preparado então, insisto n'aquellas que têem igualmente cabida nas attribuições do meu ministerio. A população do reino augmenta se compararmos a estatística dos óbitos com a dos nascimentos, mas a ultima estatística da população dava-nos apenas 4.300:664 habitantes no reino e ilhas, 400:000 ausentes, e as listas da emigração annual accusam-nos um desfalque enorme de braços que o estrangeiro nos leva, ficando aqui e nas colónias portuguezas de pousio ou de charneca enormes tratos de terreno.
O territorio do continente avaliado em 8.960:270 hectares mostra-nos uma superfície approximadamente, 3.000:000 de hectares incultos; mais da terça parte do solo. E se procurarmos esta proporção no Alemtejo o que achâmos envergonha a nossa actividade agricola.
Ahi a percentagem da charneca sobe a 50 por cento.
Nos concelhos de Beja, Cuba, Alvito e Vidigueira (sendo este dos quatro o mais cultivado), a charneca occupa 065:789 hectares.

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A avaliação feita em 1878 dava á província de superfície 2.439:130 hectares, sendo de terrenos incultos 1.233:130 hectares.
Um enorme despovoado.
Não fallo das fabricas, que essas têem por agora a população de que precisam, em numero, se não em aptidões; mas quando houver capitães que se lhes destinem e industriaes que se lhes consagrem, hão de faltar braços, como faltam, e tanto, â agricultura.
Ao passo que as nossas estatísticas noa dão um pequeno augmento gradual na população do reino a emigração augmenta progressivamente e delia se resente já a agricultura de algumas regiões que eram das mais populosas do reino. - Alem da emigração clandestina diz a estatística official que foram procurar trabalho a terras estrangeiras:
Em 1880, 12:597 trabalhadores;
Era 1881, 14:637;
Em 1882, 18:272;
Em 1883, 19:251;
Em 1884, 17:518.
Se em 1884 ha uma diminuição que em nada affecta a grande cifra da emigração e a constância do seu progressivo augmento, consta que em 1885 a emigração foi muito alem dos limites dos anteriores.
Em cinco annos perdemos 82:275 trabalhadores.
E que meios ha de conservar os braços, que trabalham para nos furtar, ou que forcejam por nos fugir? Coarctar a liberdade individual? De certo não; condemnal-o ia a consciência como o condemnam as instituições que nos regem.
Esses braços vão procurar trabalho devidamente remunerado? Proporcioneremos-lh'o nós. Assim acrescentaremos a riqueza publica e não daremos ao mundo documentos vivos, mas não verdadeiros, de sermos um paiz depauperado, que felizmente não somos.
Todos sabem, e demonstrado fica a todas as luzes que não temos uma população superior às necessidades do trabalho nacional, se houvesse, explicada estava a emigração portugueza sem deslustre para nós. Os grandes tratos de terrenos incultos e desaproveitados em muitos pontos do reino, e a notável importação annual de cereaes que se manifestou em 1874 no valor de 2.010:600$000 réis, chagando em 1884, dez annos depois, á cifra de 5.973:300:$000 réis, bem mostram a necessidade de acudir a este desequilíbrio com medidas adequadas e multíplices, que successivamente se decretem suppriudo umas a deficiencia de outras.
D'este pensamento fundamental nasceram como experiencia de attenuação ao mal que aponto as propostas de lei de que vou dar-vos idéa especial e sumaria.

I

A primeira tem por fim promover, por meio de concessões temporárias, más em meu entender valiosas, a colonisação agrícola em Portugal, nos pontos onde ella naturalmente deve estabelecer-se. A isenção por alguns annos de contribuições para o estado não é idéa nem preceito novo na legislação portugueza, mas como pouco de si tem dado entendi que era preciso amplial-a e fazel-a acompanhar doutras concessões, que tornando mais profícuos os emprehendimentos do proprietário ou das emprezas que se formarem, realisem o empenho do legislador. Com este fim proponho também, temporariamente, conduções gratuitas, pelos caminhos de ferro e transportes do estado, do colonos, adubos, sementes, instrumentos de trabalho e, para os mercados próximos, abaixamento temporário nas tarifas, pela producção de productos da exploração agrícola.
Deve notar-se que não são de todo gratuitas estas concessões, porque os emprehendedores são obrigados a receberem um certo numero de menores abandonados, ou entregues ao governo, para correcção, por pequenas faltas; a terem escolas primarias; a proporcionarem aos seus colonos habitações bens acondicionadas, e a facilitarem-lhes meios de adquirirem, dentro de um certo tempo, casa e horta. O fim da proposta, como se vê, não e só de desbravar a terra, é de fixar a população.
Tambem a proposta lhes promette constituir parochia a colonia, e conceder-lhes uma estação te1egrapho-postal dadas certas condições, o que tudo tende a firmar e assegurar a proficuidade do emprehendimento.
É facil calcular que n'estas concessões o governo, ou antes o paiz tem tudo a ganhar economica e politicamente, nem é preciso demostral-o, que seria duvidar da vossa muita illustração.
Esta lei, se como tal for votada, fixará dentro do paiz uma grande parte dos nossos emigrantes, e acrescentará notavelmente a nossa producção agricola.

II

Ha pouco tempo ainda o modo do ser da propriedade rural soffreu uma profunda modificação com a extincção dos vinculos.
A essa transformação económica resistiram os prazes, mas profundamente modificados na forma e na essencia.
O vinculo e o prazo foram no seu tempo formulas providenciaes de colonisação agrícola. O vinculo, a palavra o diz, prendia a propriedade á família e prendia a família á terra. As doações regias, quando o direito publico atribuía ao governante o domínio territorial, pleno, doações condicionaes ou incondicionaes, doações em premio de serviços ou a titulo de honras, doações a indivíduos, a mosteiros, a collegiadas; coutos, isenções e privilegios, toda esta nomenclatura, que mais não resta d'esse passado laborioso, todos esses termos, tão mal soantes a ouvidos educados na phraseologia liberal, significam outros tantos esforços empregados por uma politica altamente patriotica em pró de uma administração sabia e prudente, quando era honra maxima para os imperantes chamarem-se lavradores e povoadores. Se o systema deixou de ser preciso, se nas vesperas da nossa regeneração liberal estava abusivamente sophismo, se, no correr dos o que fôra garantia era impedimento, se as leis feitas para produzirem agricultura faziam agora charneca, não é justiça nem rasão fundar nas circumstancias accidentaes do presente a condemnação do passado.
Os grandes senhorios, não sufficientemente servidos por simples cultivadores assalariados, muitas vezes nomadas e sempre sem interesse directo na colheita dos proprietarios, crearam, por seu alvedrio, formulas de interesses territoriaes que mais tarde as leis acceitaram e sanccionaram, tendentes a fixar população nos seus dominios. Para isso inventaram as percentagens na producção: os terços, os quartos, os quintos, os oitavos, o que interessava os trabalhadores na colheita, fazendo, passados annos de experiência, arrendamentos a pensão fixa. E para mais e melhor conseguirem os seus fins, esclarecidamente económicos, fizeram os prazos e aforamentos, termos que nem sempre tiveram significação idêntica.
D'este modo grandes porções de terreno inculto acharam cultivadores, e muitos desbordados da fortuna conseguiram um patrimonio, diversamente vinculado, que seria transmittiuo á sua família, perpetua ou temporariamente; que tambem havia prazos de vidas ou gerações.
Acabados todos os privilegios pessoaes e nobiliarios pela constituição de 1821 e depois pela caria constitucional, vieram a declarar-se allodiaes todos os bens vinculados, como tambem foram mandados desamortisar os bens das corporações de mão-morta.
Os prazos ficaram.
Em 1867 o código civil tornou todos os prazos hereditários, como os bens aliodiaes, só divisíveis por estimação, e encabeçados num só herdeiro.
Antes, havia prazos de vidas; de nomeação livro ou restricta, e esta familiar pura ou mixta, conforme as condições da investidura.

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Que rasões levaram o legislador a reformar assim profundamente a legislação sobre prazos e a conservar-lhes a existencia?
Quiz, tornando-os divisíveis, evitar os meios de desigualar as heranças na família, alem da terça, o que facilmente se illudia com a nomeação de prazos ou com a existência dos de vidas; e quiz deixar subsistente ainda um meio poderoso e fácil de adquirir bens territoriaes.
A experiencia, porém, diz-nos que se não escolheu porventura a melhor formula de conseguir-se o fim desejado.
A prisão que se quiz desatar no vinculo e na transformação dos prazos de vidas e de nomeação está no phatcusim perpetuo, mas está nas peiores condições para adquirir e para cultivar.
Em primeiro logar digamos de passagem que já hoje raro só mantêm o modo primitivo de constituir emprazamentos. Antes, procurava-se obter do senhorio directo um campo para desbravar; hoje, o credor achou meio de obter o domínio directo de bens alheios, já desbravados e cultivados, dos quaes se lhe constituo emphytenta o próprio senhorio, deste modo transformando juros em pensões perpetuas, abusivamente chamadas foros; hoje o credor achou meio de com um credito usurariamente explorado mais tarde adquirir fatalmente as propriedades que lhe ficaram sujeitas em pleno direito, as quaes o verdadeiro senhorio não póde beneficiar pelos ónus que o extenuam, e muito menos libertar total nem parcialmente, porque o senhorio não consente na alienação de uma parte do prazo para mais facilmente estar segura a sua preza.
Estão, pois, numa grande parte dos prazos trocados os papeis: a emphyteuse creou-se para o lavrador adquirir terrenos incultos do senhorio, hoje mantêm-se principalmente para a usura, representando de senhorio directo, adquirir por baixo preço, os prédios do seu devedor, que prefere chamar-se emphyteuta. Um artificio arteiro e ruinoso da agiotagem, explorando o decoro do senhorio.
Não era nesta previsão que o artigo 1:653.° do codigo civil se redigiu assim : «Dá-se o contrato de emprazamento, aforamento ou emphyteuse quando o proprietario de qualquer prédio transfere o seu domínio útil para outra pessoa.» Não era; aqui o que se transfere é o dominio directo.
Mas suppondo que ainda hoje se pretende adquirir por emphyteuse um terreno para explorar; o prazo phateosim perpetuo e hereditário é o menos tentador, e por isso a menos profícua dos formas das emprazamentos.
Uma propriedade imperfeita, coberta de encargos e sempre divisível por estimação, dá de si, que havendo muitos herdeiros, com direito ao prazo, os que recebem em dinheiro a sua parte da herança, parte ordinariamente insufficiente para adquirirem um prédio em que radiquem a existencia, malbaratam o seu dinheiro, e, lisongeados por aquella curta epocha de relativa e ephemera opulência, desertam do trabalho util e deixam o reino pela espectativa quasi sempre enganadora das fabulosas riquezas da emigração.
E o que fica? Póde elle prosperar com a phantasmagoria do seu prazo, hypothecado pela quasi totalidade do seu valor? Dois annos de más colheitas, e aquelle proprietario de ruínas achar-se-ha esmagado debaixo d'ellas.
Estes vínculos perpétuos que não têem por encargo manter memorias de nobreza histórica, nem chegam a proteger a manutenção da família, que. aliás poderiam alimentar e radicar divididos em glebas, tendem hoje a esterelisar muitos mil hectares do solo de Portugal. E comtudo não venho propor o acabamento da emphyteuse. Entendo que, por meio do emprazamento se póde ainda obter propriedade; entendo que, por meio d'elle se póde ainda muito ajudar a agricultura.
Dando na minha primeira proposta aos emprehendedores agrícolas obrigação de proporcionarem aos seus trabalhadores meios de haverem terrenos, por seus próprios, seria contradictorio excluindo este meio de os adquirirem,
que é popular e que é fácil. O que proponho é que se torne o emprazamento temporário; vinte annos a contar da data do contrato dentro dos quaes o campo deve ter dado ao emphyteuta lucros remuneradores do seu trabalho.
Findos elles começa para cada um dos senhorios o direito da remissão, ou a dinheiro ou em glebas do mesmo prazo. Se por convenio tácito ou expresso querem continuar a emphyteuse, ninguem lh'o impede; se quizerem libertar aquelles prédios, libertando-se, ambos têem a lucrar: um adquiriu a plena propriedade na parte que lhe resta do terreno que cultivava, outro, um predio bemfeitorisado e valendo mais nas suas menores dimensões, do que o extenso e inculto que tinha confiado ao emphyteuta.
Fica sendo emprazamento temporario em vez de phateosim perpetuo; e que outra cousa eram os prazos de vidas no seu modo de ser primitivo? Ha a differença de ser o tempo mais definido, e de que os prazos de vidas eram destinados, no seu primeiro modo de ser, a reverterem precipuos ao senhorio directo, estes a serem remuneradores do trabalho do foreiro e da confiança do directo senhorio.
A perpetuidade é o vinculo, mas vinculo estatuído sobre dois direitos que reciprocamente se tolhem depois de temporariamente se ajudarem.
O prazo phateosim perpetuo está condemnado pela experiência de quasi vinte annos, como formula obnoxia jurídica e como erro económico e social.
O codigo decretou para a emphyteuse perpetua, acommodada á igualdade das heranças, um prazo de experiencia; a experiência está feita.
Se na primeira proposta intentei chamar colonisação e trabalho á terra inculta, nesta intento favorecer a libertação da propriedade.
O vinculo foi primitivamente um meio de povoar e cultivar. No decorrer dos tempos a instituição degenerou. Quando o morgado empobreceu o vinculo esterilisou-se; ao prazo phateosim prepetuo divisível por estimação succede fatalmente o mesmo.»
A instituição da emphyteuse com as imposições legaes a que a sujeitaram e com inversão manifesta, quasi peral, da sua hodierna constituição, não póde subsistir.
A economia agrícola reclama a libertação desta propriedade como tambem a reclamam os interesses da família.

III

Não basta, porém, proporcionar aos homens de boa vontade methodos para emprehenderem explorações agrícolas, ou disposições que modifiquem liberalmente a emphyteuse, libertando-a da sua obnoxia perpetuidade; é essencial preparar aos emprehendimentos agrícolas como aos industriaes, meios pecuniários.
Difficil é na verdade a resolução d'este problema, emquanto o governo tiver de procurar no credito os capitães que têem de crear e alimentar industrias.
Temos, é certo, uma instituição vigorosamente constituída em favor da agricultura - o credito hypothecario, mas este banco pela sua mesma constituição não lhe póde acudir às pequenas e frequentes necessidades, como são a compra de sementes e adubos, gado e utensílios de lavoura, e outra maior, qual é, - a de preservar as colheitas de vendas depreciadoras; emfim às mil necessidades urgentes, embora passageiras, que assoberbam a vida agrícola.
No intuito de ao menos attenuar os males que resultam desta falta, redigi a minha terceira proposta, e tanto em favor da agricultura como da industria fabril.
A lei de 22 de junho de 1866 deixa às misericórdias, hospitaes, confrarias e irmandades a faculdade de constirem com os seus fundos bancos agrícolas e industriaes. A lei de 22 de junho de 1867 estabeleceu as normas para a organisação desses bancos.
Pois a este appello, quasi ninguem acudiu. Comtudo a

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indole d'aquellas corporações era nessas leis respeitada, e o emprego dos seus fundos era ou devia ter sido sempre, naturalmente, proteger a industria e a agricultura; o que se alterava e regulamentava era principalmente a forma do processo com que taes fundos se promptificassem, garantindo devidamente aquellas corporações.
Não ouso accusar em geral a sua administração. Os seus fundos andam emprestados e não se póde negar que muitos d'elles servem a agricultura 5 fazem-no porém de uma forma demasiado estacionaria; não podendo desconhecer-se que muitas vezes formam verdadeiros monopólios em beneficio de especuladores, que os transformam em agencia usurária, com que mais se explora e definha do que se auxilia a agricultura ou a industria.
Tornando-se, pois, obrigatória a creação dos bancos agrícolas e industriaes, com estatutos formados, segundo as disposições da lei de 22 de junho de 1867, em nada se contrariam os fins peculiares de taes instituições, e assegura-se às industrias agrícola e fabril um auxilio valioso de que ellas muito carecem.

IV

Tratando agora mais especialmente da industria fabril, ao desenvolvimento da qual servem já os meios que poderem proporcionar-lhe os bancos agricolas e industriaes, lembrados na proposta a que acabo de referir-me, auxílios que incessantemente se acham reclamados no ultimo inquérito industrial a que se procedeu, reconheçamos que muito falta ainda para a collocarmos na situação prospera que ella requer e merece.
Todas as nações olham attentamente para este assumpto, que, se é importantíssimo sob o ponto de vista económico, não o é menos pelo lado político ou social.
Não me accusem de querer fazer socialismo, que eu não vejo a necessidade nem a conveniência da intervenção directa do estado nas questões da industria; quanto porém & sua intervenção indirecta, entendo que o estado deve ir até onde lhe seja possível. N'este caminho encontrâmos excellente companhia, porque nos encorporâmos e ou os governos de todas as nações civilisadas, novas e velhas, desde a Italia á Inglaterra desde a Suissa á Allemanha.
Fôra longo enumerar-vos os trabalhos que neste sentido têem sido emprehendidos por todos os povos cultos, desde o principio deste século, na Gran-Bretanha, na Áustria, na Franca, na Bélgica, nos Estados Unidos, na Russia, em toda a parte onde ha e onde se quer aclimatar a industria fabril. Em toda a parte encontramos legisladas ou em via de decretamento: - regulamentações e protecção do trabalho dos menores; - reconhecimento jurídico das sociedades do soccorros mútuos em beneficio de operarios; tribunaes mixtos para se occuparem de assumptos relativos ao trabalho fabril, como avindores e como árbitros, eleitos reciprocamente por operários e industriaes; - leis de repressão contra as greves; responsabilidade civil por desastres causados no trabalho; -caixas nacionaes de seguros para o caso desses desastres; - caixas económicas da industria; caixas nacionaes de pensões em caso de invalidez, por desastre ou por velhice; - habitações commodas e baratas; - quantos cuidados podem dispensar se ao trabalho industrial, sem fallarmos da protecção nas pautas e no alargamento dos mercados, tudo se tem excogitado, estudado e reduzido a leis humanitárias, que são tambem patrióticas e economicas.
Aqui mesmo estes assumptos não têem sido esquecidos, e ministros e legisladores têem já por vezes illustrado os nossos annaes parlamentares, pondo ao serviço das sagradas necessidades do trabalho a sua generosa iniciativa.
Para poupar a modéstia dos vivos, que todos aliás conhecem e apreciam, mencionarei só o nome de um morto illustre por muitos títulos, o sr. conselheiro Saraiva de Carvalho, um dos meus antecessores, no ministerio das obras publicas, commercio e industria.
Seguindo o seu exemplo, venho offerecer á vossa illustrada consideração uma proposta do lei sobre o trabalho dos menores.
Devo dizer-vos, senhores, que esta lei não é para mim uma arma de combate contra os industriaes; é essencialmente uma lei humanitaria. Ás nações incumbe proteger o desenvolvimento physico e moral das gerações que se vão succedendo. O estado, que deixa, em nome da liberdade hypocrita e obnoxiamente invocada, atrophiar, num trabalho incomportável as suas gerações nascentes, póde ser accusado de cúmplice, ao menos, em crime de lesa-humanidade o em crime de lesa-nação. Não sei nem careço de saber só a industria por cúpida ou se a paternidade por cega ou desamoravel, contribuem para esta miséria; vejo não rica a industria, e carecida a família obreira; tanto me basta para as desculpar; quem dificilmente se póde absolver, são os poderes públicos, de continuarem a cobrir com a sua indiferença este infanticídio collectivo e lento.
Offereço á vossa consideração e ao vosso estudo o relatorio e documentos lucidissimos que acompanharam as propostas de lei apresentadas já nesta camara e publicadas nos seus annaes; o se não renovo, pura e simplesmente a iniciativa de alguma dessas propostas, é principalmente porque em parte divirjo de urna ou de outra das suas prescripções, aliás de secundaria importância, e em parte mo parecem mais regulamentadas do que convém á lei propriamente dita. Entre os vários modelos que me offerecia a legislação especial de diversos paizes, inclinei-me á proposta do ministro da agricultura, industria e commercio na Italia (Berti) em 1884, coincidindo essencialmente com o projecto da commissão do senado no mesmo anno.
Na proposta que vou ler encontrareis salvaguardado o trabalho dos menores conforme as idades e a sua aptidão physica; indicados e prescriptos os preceitos para a execução da lei; estabelecidas penas contra os seus contraventores, e creada uma inspecção geral das diversas auctoridades que n'ella devem intervir.
Alem d'isto são creados inspectores especiaes que, sobre terem de vigiar tambem o trabalho dos menores, têem por especial missão exercerem inquérito permanente sobre as necessidades da industria.
Na creação destes inspectores desvio-me do modelo que adoptei, para seguir mais a legislação ingleza e ainda as propostas portuguezas a que já me referi.
A Italia não cria para esta lei uma vigilância especial, confia que ella será cumprida pelos meios ordinários por que se cumprem todas as leis. Na verdade crear vigilâncias especiaes para uma lei repressiva leva a pensar na necessidade de multiplicar as vigilâncias. Como, porém, aos inspectores que se criam a propósito desta lei, e que são mais uma garantia do seu cumprimento, cabem as importantíssimas funcções de inquiridores e participantes das prosperidades e das necessidades das industrias, creando esta inspecção teremos conseguido uma lei duplamente protectora, porque o será ao mesmo tempo dos menores e dos industriaes.
Serão poucos os inspectores que proponho? Mas tambem a nossa industria infelizmente nem é muita nem é grande, e em dez mezes de visita por anno visitam-se muitos estabelecimentos em cada uma das respectivas circumscripções.
Serão menos bem retribuídos ? Talvez, e nesta parte só duas considerações me dictam a parcimoniosa proposta: o propósito em que está o governo de restringir quanto possível a despeza e a tradicional modéstia de todos os vencimentos dos nossos funccionarios, a começar nos mais graduados. A não ser isto mais me inclinava a remunerações verdadeiramente convidativas, do que ao alargamento do quadro dos inspectores.
Eis em esboço a idéa da proposta que formulei; para seu estudo offereço-vos, repito, os relatórios muito illustra-

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tivos do propostas idênticas apresentadas nesta camara, e a que já me referi com elogio inferior ao que merecem.

V

Não raro vemos hoje perturbada a harmonia que deve reinar entre os industriaes e os operários 5 a sua desharmonia toma, por vezes, serias proporções, vindo quasi sempre a restabelecer-se a paz, o que prova que a divergência se não fundava em questões essenciaes.
Comtudo estas divergencias, locaes, parciaes e ephemeras mais ou menos, conforme a prudência do quem tenta concilial-as, abalam sempre, com maior, ou menor intensidade a industria, no seu conjuncto. E isto que muito convém notar, para se ver que estas questões da industria assumem habitualmente um tal aspecto de generalidade, que mal podem recair sob a sancção das leis que regulam os direitos individuaes.
Por isso nas ultimas discussões das camarás italianas era doutrina assente entre os jurisconsultos1 que tomaram parte nos debates sobre a responsabilidade civil dos patrões, que estas controvérsias eram de direito publico, e nesse campo e deviam tratar.
Ao contrario das outras questões reaes, que se aggravam quando se tornam pessoaes, para o que têem a maxima tendencia, estas, por muito pessoaes que tenham nascido, por muito occasionaes e restrictas, aggravam-se pela tendencia a generalisarem-se e porque, em logar dos nomes dos dissidentes e das fabricas ou officinas onde se originaram, tomam logo a denominação impessoal de - capital e de - trabalho. Pronunciados estes nomes na greve, a proclamação de guerra está lançada entre os dois elementos essenciaes á industria; e quando o trabalho ameaça, o capital retrahe-se.
A frequencia d'estes desaccordos é funesta pois á industria, e, comquanto poucos tenha havido em Portugal, e esses de pequenas consequencias, basta que alguns tenha havido e saber-se que são inevitáveis, multiplicando-se quando se multiplicarem os estabelecimentos industriaes, para lhes procurarmos remedio.
Dois meios principalmente se têem procurado nos paizes industriaes, um directo, procedendo contra os grevistas e principalmente contra os promotores do levantamento; outro indirecto, por meio de tribunaes de arbitros e de avindores escolhidos de entre os interessados - industriaes e operários, constituidos sob uma presidencia estranha aos interesses que se debatem, e que se tenta conciliar ou regular.
Estes tribunaes verdadeiramente familiares, têem dado de si excellentes resultados, e sente-se uma expansão de alivio nas industrias que adoptam para si esta garantia salutar.
O conhecimento perfeito das causas peculiares que são submettidas ao seu julgamento, o processo summario e expedito a que são sujeitos os litigios; os objectos, os mais familiares da industria que caem na sua alçada e fazem objecto das suas decisões, o pequeno valor real que muitas vezes motiva o desaccordo, tudo isto approximado da estatistica favorável das suas decisões e conciliações, está aconselhando a creação em Portugal d'estes beneficos tribunaes.
A França gosa desde 1806 do seu benefício, tendo a lei que primeiro os creou a data de IV de marco. A instituição foi modificada, sim, ora em favor dos patrões, ora em favor do equilíbrio entre os dois elementos componentes do tribunal, mas conservada e mantida sob todas as formas de governo, sendo de 1 de fevereiro de 1880 a ultima que regulou o assumpto.
Também sobre o modo de nomear ou eleger a presidencia houve diversos preceitos, dando-se uma vez á eleição outra á nomeação do governo.
A Belgica adoptou estes tribunaes por lei de 7 de fevereiro de 1859.
Na Allemanha existem desde 1809; e ainda para a Alsacia e Lorena se promulgou sobre o mesmo assumpto a lei de 23 de março de 1882.
A Austria creou estes tribunaes em 1869 (lei de 14 de maio); e na Hungria uma lei de 1872 os creou, chamando lhes - commissões especiaes.
Na Inglaterra podo encontrar-se em 1747, ao menos o conselho conciliador, sendo de 1867 a sua ultima lei sobre o assumpto, havendo alguma differença entre a legislação ingleza e a das outras nações citadas, principalmente em serem ali mais limitados vos poderes concedidos a estes julgadores quando têem do decidir como árbitros, e só se constituem quando haja o consenso expresso das partes.
Lá não se consentem, nestes litigios, nem advogados nem procuradores, e a decisão do tribunal tem força executiva desde que é proferida, não se admittindo appellação.
A Italia, depois de um inquerito especial sobre este assumpto, redigiu em 1883 a sua proposta de lei creando tribuuaes de varões probos (probi viri).
Visto o conhecido como universalmente se adoptam os tribunaes dos homens bons ou dos varões prudentes, que aliás se encontram nas mais afastadas tradições da velha Europa e nas ainda mais velhas da índia, encontrando-se intactos hoje mesmo no regimen das suas communidades, convém patentear os seguintes dados estatísticos, mais eloquentes que todas as rasões a priori em favor desta8 instituições.
Em França publicava-se em 1842 o resultado de doze annos de experiencia, e achavam-se estes resultados: de 184:514 questões levadas ao conselho dos homens bons (Prud'Hommes), 174:847 acabaram por conciliação; 4:849 foram abandonadas, e só 0:178 foram resolvidas por sentença. De 1:904 sentenças que por excederem a alçada dos respectivos tribunaes podiam appellar-se, só houve 190 appellações; tanta foi a confiança dos contendores na rectidão dos juizes.
Em 1880 foram sujeitas ao juizo avindor 30:867 contendas, e d'ellas 20:784 sairam conciliadas. Das 10:083 que subiram aos árbitros, 6:233 terminaram ainda por conciliação, e só 3:830 por sentença.
Na Belgica não é menos animadora a estatistica. Em 1880 levantaram-se nas fabricas 2:958 controversias, das quaes 2:414 acabaram por conciliação.
Na Prussia, no decennio de 1864 a 1874, de 47:798 contendas apenas 13:749 subiram á decisão arbitrai.
Calcule-se quantas greves se terão evitado com a profícua intervenção destes tribunaes.
Justificada a conveniencia da sua creação, digamos onde, corno, e com que attribuições devem ser instituidos.
Á similhança do que, vejo praticado em todos os paizes, entendo que o legislador deve deixar aos centros industriaes a iniciativa na creação destas jurisdicções. Cada tribunal deve servir para os grupos de industrias idênticas, similhantes ou affins, na phrase e no conceito das leis estrangeiras. Naturalmente Lisboa e Porto, e depois destes grandes centros manufactureiros, a Covilhã, Portalegre o Guimarães, no continente, Funchal, Ponta Delgada, nas ilhas, acharão conveniente ou necessario a creação destes conselhos.
Quando as industrias, singular ou collectivamente, representarem pedindo a creação destes conselhos, ou quando as camaras municipaes ou jantas geraes os requererem, o governo tem auctorisação de os decretar. O modo de os constituir é quasi o adoptado por todos os povos; methodo experimentado já por mais de cem annos em Inglaterra, e ha oitenta annos na Franca e na Prussia; methodo que a Itália adoptou integralmente nas suas disposições fundamentaes.
Simultaneamente elegem, os industriaes chamados a votar, um certo numero de operários, parte dos quaes para servirem no conselho de conciliação, e parte no dos árbitros, visto que o tribunal tem estas duas attribuições, e os operários eleitores, elegem para os mesmos fins igual

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numero de industriaes. Eu proponho um só grupo para simultaneamente servirem de avindores e de árbitros.
Quanto á presidencia, têem sido dois principalmente, os methodos empregados para a constituir; nomeação do governo, livre ou sobre lista de vários nomes, escolha dos interessados, sendo por vezes alternativamente exercida por um industrial o por um operário, este, escolhido pelos industriaes, aquelle pelos artífices. O que parece assentado, onde ha experiencia destas jurisdicções, é que muito convém que a presidencia seja exercida por estranhos á industria.
As attribuições d'estes tribunaes são de conciliação e de judicatura, para todas as causas que disserem respeito a: salários ajustadas; preço de trabalho em via de execução; horas ajustadas de trabalho; observância dos contratos especiaes de laborações; imperfeições de mão de obra; compensações por alteração na qualidade das matérias primas, ou modificação de trabalho; indemnisações por abandono da industria ou por licenceamento ou despedida antes da terminação do ajuste, e pelo não cumprimento de contratos de aprendizagem; annullações de quaesquer pactos ou contratos relativos ao exercício da respectiva industria, entre industrias e operarios; quaesquer contendas que industrias ou operários da respectiva circumscripção e ainda estranhos a ella quizerem submetter ao seu juizo.
Alem d'isto deve pertencer a estes conselhos vigiar pela execução das leis relativas á industria; entre outras os que disserem respeito ao trabalho dos menores e á responsabilidade civil por accidentes no trabalho, segundo as mesmas leis ou respectivos regulamentos.
Do tribunal dos arbitros ha ou não appellações, conforme o valor da causa exceder ou não a sua alçada.
Eis-aqui, senhores, os pontos principaes sobre que assenta a proposta de lei que vou ler e as rasões que mo aconselharam a redigil-a. Tem uma a recommendal-a e a dar-lhe auctoridade, o ser modelada nos trabalhos e nas leis das nações mais adiantadas da Europa.
E para mim de fé que, produzindo-se por este meio uma convivencia mais íntima, entre patrões e operarios, a tensão prejudicialissima de reciprocas animosidades, affrouxa, e que os pretextos das greves diminuem extraordinariamente. Offerecer às pendências de pouca valia uma tentativa de conciliação e uma judicatura familiar, breve e gratuita, é lançar bases largas ao desenvolvimento desassombrado da industria. Assim os interessados se compenetrem da utilidade destes tribunaes e os reclamem.

VI

É frequente nos trabalhos das nossas fabricas, especialmente das que são movidas a vapor, haver desastres de que resultam a morte ou a mutilação de um ou mais operarios.
Não é menos frequente que rios trabalhos mineiros, na exploração de pedreiras e sabreiras, haja desabamentos que custam a vida a muitos trabalhadores.
Também não é raro, infelizmente, que nas construcções de prédios urbanos ou nas suas reparações occorram desastres em que haja victimas a lamentar. E como estos outros exemplos podia referir de damnos pessoaes nas explorações das industrias.
Podem ser filhos do acaso ou da menos cautela dos operarios, mas, em regra, são filhos da má direcção dos que superintendem ou dirigem esses trabalhos. O operario entra confiadamente na officina ou na fabrica, desce ao subterrâneo ou sobe aos andaimes, afronta a massa de pedra que lhe mandam deslocar, sem inquirir das condições de segurança do sitio onde lhe destinam trabalho, e morre ou inutilisa-se por culpa dos que o convidaram a trabalhar. Ajustara em troca do seu trabalho o sustento seu diário e o de seus filhos. Obrigára-se a empregar ali uma parte das suas forças, mas não alienou a sua vida nem os seus braços, que são o seu património e o da sua familia.
Quando perde esse patrimonio por culpa dos que o contrataram, quem o indemnisa? Quem açodo á sua familia, que não tem outro ganha-pão?
Tão pouco vale uma vida que resume tantas vidas? Um trabalhador que tantos valores representa? A anima vilis, o illota, o escravo e o servo da gleba, essas cousas que tinham alma tão desprezada nas antigas republicas como nos antigos imperios, são homens hoje, á luz da civilisação, da liberdade da religião e da philosophia. As modernas instituições, na sua linguagem fraternal e maternal, chamam-lhes cidadãos. É preciso que a legislação civil lho chame tambem e se não esqueça de que o são.
A responsabilidade civil por estes desastres, filhos quasi sempre do nenhum cuidado dos que os chamam e os collocam sobre ou sob o perigo que não acautelaram, onde está?
No codigo civil portugues não a encontrâmos; as hypotheses designadas no codigo penal estão fora da esphera d'estes desastres, e se não estivessem careciam de provas que se não podem produzir.
Esta lei que proponho, só o parlamento a votar, preenche uma lacuna, importante na legislação portugueza, e, longe de prejudicar os interesses da industria, tende a fortalecel-os e a promovel-os.
O operario, sabendo que, por seu proprio interesse, o industrial olhou por todas as seguranças que possam proteger o trabalho, entra n'elle com mais afonteza e emprega n'elle sem receio as forças de que póde dispor. O receio e a incerteza roubam horas e forcas às producções da industria.
Não vos occultarei que ha uma objecção contra as disposições da lei que vos proponho, uma, principalmente; é uma objecção juridica: partir-se do principio de que o desastre procede da culpa dos donmos ou directores do trabalho. Quanto á justiça da indeinnisação ninguém a contesta.
Aos donos e directores incumbe a prova de que o desastre se deu por culpa do trabalhador, caso fortuito ou força maior; pois, como em regra não é isto o que acontece, a presumpção é sempre a favor do operário.
Assim o toem entendido todos os governos, todas as nações cultas que olham para estas questões como é de justiça.
Podiamos propor uma lei de seguro obrigatorio para os operarios, lei que teria por modelo a que hoje rego na Allemanha, e que tem a data de 6 de julho de 1884; parece porém que não é preciso ir tão longe, e que talvez esta que tenho a honra de propor-vos concorra indirecta, mas proficuamente, para a organisação do associações com esse fim.
Antes, porém, da lei citada já na Allemanha vigorava a lei de 7 de junho de 1871, relativa á obrigação de indemnisações por desastres em caminhos de ferro, minas, etc.
Visto que me referi ás leis da Allemanha, não será descabido lembrar-vos que 33a Suissa ha sobre este assumpto, e no mesmo sentido d'esta proposta, as leis de 1 de julho de 1875, de 23 de marco de 1817 e de 23 de junho de 1881.
Na Inglaterra encontramos a lei do 7 de setembro de 1880.
No imperio austro-hungaro a de 5 de março de 1369, recentemente modificada mais no sentido da proposta que formulei.
Na França a doutrina do codigo civil tem sido sufficiente, principalmente pelo modo por que os tribunaes a têem entendido e applicado.
Assim, auctorisada a nossa proposta, cabia fallar-vos ainda dos projectos de lei da Italia e das suas notaveis discussões parlamentares sobre o assumpto. Mais cumpria fallar dos diversos artigos da proposta, mas enunciadoso seu ponto fundamental, e dada, ainda que profunctoriamente, a rasão d'ella, os diversos artigos em que vae formulada

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explicarão sufficientemente a sua contestura, e não cansarei sem motivo a vossa, já longamente molestada.

VII

Com estas disposições, com a lei proposta pelo meu antecessor o sr. presidente do conselho sobre a construcção de casas baratas, proposta que adopto com pouquissimas alterações, que se approximam das aspirações manifestadas por um membro illustre d'esta camara n'um projecto sabiamente estudado, modificações pelas quaes não vale a pena apresentar nova proposta, bastando communical-as á commissão respectiva, que as tomará na consideração que merecerem; com as propostas de lei sobre protecção a companhias que preparem em abundancia adubos para as terras depauperadas e para a creação das escolas praticas de agricutura, que tenho por utillissimas, poderia por agora fechar o quadro modesto das minhas proposições.
Poderia; e por muito feliz me dava se o parlamento n'esta sessão mas podesse melhorar o approvar. Teriamos dado um passo afoito, se não largo, no caminho da nossa prosperidade agrícola e industrial.
Falta-me, porém, como complemento d'estas medidas e como providencia economica essencialmente ligada ao seu pensamento fundamental propor o que tencionava propor quando ministro do reino; então, como providencia policial; hoje, como regularisação da industria promotora da emigração. Industria até hoje anormal; algumas vezes secreta e como tal perigosa; industria creada á sombra da liberdade, mas obrando á mercê dos seus menos justos interesses e sem o preceito do uma lei especial que a reconheça ou de um regulamento que a dirija; industria que faz contrabando e contrabando da mais lamentavel especie; industria que se tem servido de documentos falsos, que depaupera os serviços nacionaes, roubando á patria o sou trabalho e a sua dcfeza; industria de largos proventos, dos quaes não paga direitos, porque não está inscripta na matricula das reconhecidas e legaes.
Como industria, pois, a venho apresentar e dando-lhe existencia regular, pedir a sua collecta; que nenhuma outra a deve tanto ao paiz.
Disse no principio da minha exposição que não queria pedir sacrificios ao chefe do estado, e comtudo, na proposta de lei que se refere ao trabalho dos menores peço 6:000$000 réis; desejo obter mais 20:000$000 réis para ajudar exposições industriaes e agricolas dentro e fóra do paiz.
O commercio dos nessos vinhos animou-se é verdade nas ultimas colheitas; mas, não nos illudamos, a deficiencia das producções estrangeiras vae passando e os nossas vinhos chegam lá fóra muitas vezes adulterados, e quasi sempre modificados.
É essencial que o vinho portuguez de todas as procedencias, por lá appareça genuino, para o apreciarem tal qual é, e verem bem o que vale; ao menos para estudarem as modificações a que se presta, de modo a poder servir ao paladar estrangeiro, quando genuino lhe não agrade. Esta será a melhor garantia dos nossos lavradores, e, talvez, o seu melhor contraste. Fallo sódos vinhos portuguezes, como exemplo, e por ser o nosso genero de maior exportação.
Careço de meios com que possa ocorrer á despeza impreterivel com as escolas agricolas, sem desfalcar os subsidios quese devem ás juntas geraes de districto e ás camaras municipaes, que na esperança de os obterem têem multiplicado, em beneficio da viação os seus proprios encargos; desejo auxiliar com premios ou ajudas de custo quaesquer emprezas industriaes que mais directamente sirvam a agricultura, de quantos auxilios o governo lhe possa dispensar. Pois bem: n'esta proposta um tributo sobre uma rica, tributo justo a todos os respeitos e que largamente ha de cobrir as, aliás pequenas, despezas que tenho urgentemente de crear no ministerio a meu cargo: o tributo que proponho deve-as ultrapassar muito.
O emigrado porque seja emigrado é cidadão do paiz que abandona. A nossa lei fundamental não isentou ninguém de contribuir para as despezas do estado; no paiz estrangeiro dá-se-lhe ainda a protecção de que precisa; nada mais justo do que pedir a cada emigrante uma pequena contribuição, e paga por uma só vez, em favor da pátria que deixa desprovida do seu trabalho, da sua intelligencia, da sua defeza; e á qual não sabemos se voltará, porque não raro adoptam outra, por meio de naturalisação.
No tributo que pedimos não ha só a justiça da contribuição para as necessidades do estado, ha o intuito político e económico de facilitar o caminho para terras portuguezas, no continente ou nas provincias ultramarinas; tambem julgamos conveniente não exigir um tributo igual a todos os que vão procurar trabalho no estrangeiro; pedimos menos aos que se destinam ao Brazil. Ali a nossa colonia tem-nos dado proveito e honra e é quasi terra de irmãos, aquella, que ainda ha pouco foi nossa. Os hábitos, as tradições, o parentesco, são grandes motivos de attracção e devem ser respeitados. Alem de que muitíssimos capitães nos advém annualmente d'aquelle império, sendo certo que os portuguezes que ali vão buscar trabalho levam intuito de voltar. Se nem sempre as forças lhes resistem á dureza do clima, se nem sempre a fortuna lhes propicia o trabalho, o coração de todos, ou desafortunados ou enriquecidos, obedece á direcção magnética da pátria, onde muitos vêem trazer o fructo dos seus trabalhos.
Eis era resumo a rasão da minha sétima proposta.
Conjunctamente com as que se referem á construcção de casas baratas, á protecção às companhias fertilisadoras por moio da fabricação de adubos, e ao estabelecimento das escolas agrícolas, venho, pois, offerecer á vossa consideração as seguintes:

I

N.° 5-D

Artigo 1.° As explorações agricolas fendentes ao aproveitamento ou melhoramento de terrenos incultos ou paludosos e ao desenvolvimento da colonisação rural, serão isentas pôr vinte annos de todas as contribuições para o estado se satisfizerem às seguintes condições:
1.ª Arrotear e cultivar pelo menos 2:000 hectares;
2.ª Ter no fim do segundo anno, a datar da fundação, cem familias, pelo menos, casa para escola mixta de instrucção primaria, capella, cemitério e casa para estação telegrapho-postal;
3.ª Ter assegurados soccorros medicos a enfermos;
4.ª Ter agua abundante para as necessidades ruraes e para consumo da população exploradora;
5.ª Ter casa adequada para recolher menores abandonados ou filhos de pessoas miseráveis, em numero, pelo menos, de vinte e cinco e de idade de sete a quatorze annos, na epocha da admissão;
6.ª Ter uma casa de detenção para doze menores, pelo menos, dos que forem entregues ao governo por sentença do poder judicial, para lhes ser dado trabalho.
§ 1.° As casas a que se referem as condições 5.ª e 6.ª ficarão sob a vigilancia de uma commissão de beneficencia pupillar, da qual façam parte o capellão, o professor e o medico; e os menores recolhidos n'ellas terão tres horas por dia de frequência escolar.
§ 2.° Os menores confiados pelo estado aos emprezarios ou directores da exploração, podem ser empregados livremente nos diversos trabalhos de campo, ou de officinas annexas, mas sempre nos termos das providencias, estabelecidas por lei ou decretadas pelo governo, para regularem o trabalho dos menores, e do accordo com a commissão pupillar e com a empreza.

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§ 3.° O governo fará inspeccionar frequentemente o ensino, educação e trabalho dos menores. O encarregado da inspecção terá, durante ella, morada gratuita nos estabelecimentos agricolas.
Art. 2.° Alem da isenção de contribuições, de que trata o artigo antecedente, concederá o governo ás emprezas exploradoras:
1.° Passagem gratuita durante os primeiros cinco annos, a datar da fundação da colónia, nos transportes marítimos ou nos caminhos de ferro do estado, até á estação mais proxima, da exploração, aos colonos devidamente contratados e para receber os quaes houver construidas as necessarias habitações;
2.° Transporte gratuito nos mesmos transportes, ou caminhos de ferro do estado, de adubos; sementes e instrumentos de exploração agricola, por tempo de tres annos, bem como de material para construcções, que será isento de direitos, o que for importado do estrangeiro;
3.° Passagem gratuita nos caminhos de ferro do estado nos dois primeiros annos a vinte colonos que pretenderem ir aos mercados mais proximos; e bem assim a reducção de 50 por cento no preço de conducção de productos d'aquella exploração nos mesmos caminhos de ferro por espaço de cinco annos;
4.° Pessoal technico para o levantamento de plantas e organisação de projectos necessarios para as edificações e obras indispensaveis para a exploração agricola;
5.° Nomeação de um regedor privativo e de um escrivão com as attribuições que pertencem aos dos juizes ordinarios, no que respeita a citações ou intimações;
6.° O estabelecimento de uma estação telegrapho-postal.
Art. 3.° Poderá ser concedida por mais cinco annos a isenção de contribuições a que se refere o artigo 1.°, se a exploração contar, no fim dos primeiros dez annos, mais de trezentos fogos; se tiver mais de uma escola de instrucção primaria; se houver officinas de artes auxiliares da agricultura; se existir alguma associação de soccorros mutuos ou caixa económica em proveito dos colonos, e se a sessenta familias, pelo menos, das que tiverem trabalhado na exploração, se proporcionarem meios de adquirir terreno para horta e casa de habitação proprias.
Art. 4.° Alem da isenção de que trata o artigo antecedente, poderá o governo, por tempo não superior a cinco annos mais, repetir, completas ou não, todas ou algumas das concessões mencionadas no artigo 2.°, nos seus n.ºs 1.°, 2.° e 3.°, se passados quinze annos houver na colónia um curso theorico e pratico de agricultura com todos os modelos, instrumentos e apparelhos necessarios a estudos, experiencias e demonstrações de um estudo agrícola devidamente professado.
Art. 5.° Quando a exploração tiver realisado os melhoramentos enumerados no artigo 3.°, o governo elevará a parochia a povoação ou grupo de povoações que constituirem a colonia.
Art. 6.° A isenção de contribuições, a que se refere a presente lei, entende-se restrictamente a quanto respeite á nova exploração, e cessará se passados dois annos depois da fundação não estiverem realisadas as condições do artigo 1.°, ou se a empreza ou individuo fundador deixar de cumprir os demais encargos d'esta lei.
§ unico. Considera-se data da fundação da exploração agricola aquella em que principiaram os trabalhos de cultura, existindo já os abrigos indispensaveis para o numero de trabalhadores exigido pelo n.° 2.° do artigo 1.°
Art. 6.° Serão submettidos á approvação do governo, no que respeita a condições hygienicas e de segurança, os projectos das edificações para habitação, enfermaria e escolas.
Art. 7.° O governo decretará os regulamentos necessários para a execução d'esta lei.
Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de agricultura e de fazenda.

II

N.° 5-E

Artigo 1.° É permittida a remissão dos foros passados vinte annos da data do emprazamento, a dinheiro ou em glebas do prédio ou prédios emprazados, em valor equivalente ao do dominio directo.
§ 1.° Para o effeito da remissão o dominio directo é calculado em vinte pensões e no laudemio estipulado; as pensões em géneros serão avaliadas pelos preços das tarifas camarárias.
§ 2.° Cabe tanto ao senhorio directo como ao emphyteuta o direito de exigir a remissão nos termos d'esta lei.
§ 3.° Quando a remissão se fizer dando o emphyteuta em vez de dinheiro parte da propriedade ou propriedades emprazadas, feita a divisão em partes que correspondam ao valor do dominio directo, o senhorio directo escolherá a parte do prazo que mais lhe convém.
§ 4.° Se no decurso dos vinte annos morrer o emphyteuta, o prazo cabe ao legitimo herdeiro mais velho, se elle o não nomear a outro, e só fica sujeito a pensões ou alimentos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de agricultura, de legislação civil e fazenda.

III

N.º 5-F

Artigo 1.° As disposições facultativas dos artigos 12.° e 13.° da lei de 22 de junho do 1866, relativamente aos fundos de misericordias, hospitaes, confrarias e irmandades, ficara sendo obrigatórias, regulando-se pelas disposições da lei de 22 de junho de 1867.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de agricultura e de commercio e artes.

IV

N.° 5-G

Artigo 1.° Em trabalhos industriaes só podem ser admittidos menores de vinte o um annos, ou antes da sua emancipação, nas seguintes condições:
1.° Que tenham completado dez annos de idade;
2.° Que tenham consentimento expresso de seus pães ou de quem legalmente os represente;
3.° Que tenham sido vaccinados;
4.° Que não padeçam molestia contagiosa;
5.° Que por attestado de dois facultativos se prove terem a robustez necessaria para o genero de trabalho a que são destinados.
§ 1.° Dos dez aos doze annos completos de idade, os menores só poderão trabalhar seis horas por dia, alternadas com as obrigações escolares, conforme for marcado em regulamentos especiaes.
§ 2.° Completos os doze annos, poderão, até findar os quatorze, trabalhar oito horas por dia, cortados pelo descanso de uma hora ao menos.
§ 3.º Dos quatorze aos dezoito poderá ser o trabalho de dez horas, não consecutivas.
§ 4.° Dos dezoito aos vinte e um poderão ser empregados como os maiores, se dois facultativos attestarem a sua robustez.

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§ 5.° Os menores que não tenham completado dezoito annos não poderão ser empregados em qualquer trabalho nocturno, e os menores de dezeseis não trabalharão no domingos e dias santificados.
Exceptuam-se casos de força maior, devidamente prova dos, sempre temporariamente, e com as cautelas e limitações que o governo estatuir sobre proposta da repartição respectiva e informação, sendo possível, do respectivo inspector.
§ 5.° Nos trabalhos subterraneos, nos perigosos ou no insalubres que os regulamentos especificarão, sómente podem ser admittidos menores que tenham completado quinze annos, isto para determinados serviços em limitado numero de horas, o que tudo os regulamentos especificarão, sendo absolutamente excluidos dos primeiros, menores do sexo feminino.
Art. 2.° Todos os que empregarem menores de vinte e um annos, e ainda não emancipados, terão, em livro se parado, o registo respectivo, com as especificações a que se refere o artigo 1.°
Este livro será processado, segundo o modelo que acompanhar o respectivo regulamento, e estará patente durante as horas do trabalho.
§ 1.° Será dada uma copia fiel do assento que no registo se referir a cada menor, á pessoa que o representar, no caso de ser exigida; e á camara municipal respectiva um duplicado do registo, e de seis em seis mezes a nota das alterações que n'elle forem occorrendo.
§ 2.° As camaras enviarão ao inspector do circulo uma copia de cada registo, e consecutivamente das alterações que se forem dando. Estas copias devem ser devidamente authenticadas.
Art. 3.° Quando para o exercicio de alguma industria que exija trabalhos simples e emprego de poucas forças, se pretender assalariar menores de menos de dez annos de idade, especialmente do sexo feminino, juntando a aprendizagem com a idéa do ganho, o horario do trabalho será marcado segundo as leis e regulamentos da instrucção primaria elementar.
§ 1.° Quem pretenda estabelecer ou manter industria nestas condições, requer, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, mencionando o genero de industria que exerce ou pretende exercer, mencionando os menores de que precisa, a relação dos que tem ajustado, o nome e qualidade da pessoa com quem fez o ajuste, o sexo, a idade, os nomes e filiações respectivas.
§ 2.° O governo, mandando inspeccionar esses menores, bem como as condições hygienicas do logar destinado ao exercido da industria, ouvindo ajunta consultiva de saúde e a repartição de industria do ministerio das obras publicas, concederá ou não a licença pedida.
Art. 4.° Os menores n'estas condições são sempre representados, em relação ao ajuste com o fabricante, industrial ou quem suas vezes fizer, por seus pães, tutores ou curadores e pela auctoridade orphanologica da comarca da sua naturalidade ou residencia, ou d'aquella onde se exerce a industria.
Art. 5.° Compete ás corporações e auctoridades administrativas, ao ministerio publico e a todos os empregados dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, a cada um dos membros do tribunal de arbitros-avindores, e aos inspectores, vigiar pela execução desta lei, fazendo punir as contravenções que averiguarem, enviando immediatamente ao governo, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, copia das participações que dirigirem ao poder judicial, ou dos autos que levantarem.
Art. 6.° O governo promoverá a creação de commissões de protecção dos menores nos diversos centros fabris do reino e d'ellas farão parte os funccionarios dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria.
Art. 7.° Para o fim de vigiarem pelo cumprimento d'esta lei, de estudarem nas suas inspecções as deficiencias e necessidades de producção e de consumo dos objectos manipulados pela industria portugueza, a escolha de novos mercados, as imperfeições do machinismo ou da laboração os meios de ajudar o desenvolvimento das industrias, haverá tres inspectores de circumscripção e um de districto, tendo as circumscripções as suas respectivas sedes em Lisboa, no Porto e em Ponta Delgada, e tendo a inspecção de districto a sua sede no Funchal.
Art. 8.° A primeira divisão comprehende os districtos administrativos de Lisboa, Leiria, Santarém, Castello Branco, Portalegre, Evora, Beja e Faro. A segunda os do Porto, Aveiro, Vianna, Braga, Villa Real, Bragança, Guarda, Vizeu e Coimbra. A terceira os de Ponta Delgada, Angra do Heroismo e Horta.
O inspector do districto do Funchal tem a seu cargo a circumscripção do seu districto.
Art. 9.º Cada inspector de divisão no continente terá de ordenado 1:000$000 réis, 700$000 réis o de Ponta Delgada, e 500$000 réis o inspector do districto do Funchal; competindo-lhes também, quando visitarem estabelecimentos industriaes da sua circumscripção, a mais de 10 kilometros da sede respectiva, uma ajuda de custo diária de 2$000 réis, alem do transporte em caminho de ferro e navios do estado. Nunca, porém, esta ajuda de custo excederá a cento e cincoenta dias em cada anno.
Art. 10.° Até o fim de outubro terão dado entrada na repartição de industria os relatórios e estatísticas especiaes elaborados pelos inspectores, que no mez de novembro, reunidos em Lisboa, formarão com os membros da repartição de industria e presididos pelo ministro das obras publicas, commercio e industria, ou, no seu impedimento, pelo respectivo director geral, uma junta central, onde serão lidos e discutidos os trabalhos singulares dos inspectores, e organisado um relatório geral, para sor presente ao governo, que o poderá fazer publicar na folha official.
Art. 11.° Á junta central compete lembrar quaesquer medidas legislativas ou regulamentares, que devam tomar-se em beneficio da industria ou dos menores.
Art. 12.° As reuniões da junta central são ordinárias, no mez de novembro de cada anno; e extraordinarias quando ao governo pareça conveniente reunil-a para tratar de assumptos industriaes.
Art. 13.° Para quaesquer despezas especiaes com os inspectores, taes como visitas extraordinarias a fabricas, premios por zelo de serviço e esmero de relatórios, vindas á capital por chamamento de qualquer dos inspectores e despezas de expediente na junta central, poderá a junta despender em cada anno até 1:600$000 réis.
Art. 14.° A divulgação de qualquer segredo surprehendido pelos inspectores nas suas visitas ás fabricas obriga, alem da responsabilidade pessoal a que estão sujeitos, a indemnisação por perdas e damnos.
Art. 15.° Os industriaes que por qualquer modo se oppozerem ás visitas das auctoridades e funccionarios a quem compete vigiar pela execução d'esta lei, e os que não cumprirem qualquer das suas disposições, serão punidos correccionalmente e condemnados em multa pecuniaria de réis 5$000 a 100$000 réis, podendo elevar-se até 200$000 réis na proporção das reincidencias.
Art. 16.° As multas a que se refere o artigo antecedente revertem em beneficio da caixa geral de seguros contra os desastres no trabalho, logo que esteja constituida.
Art. 17.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de l886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
As commissões de commercio e artes e á de fazenda.

V

N.° 5-H

Artigo 1.° É o governo auctorisado a crear tribunaes de arbitros-avindores nos centros industriaes que os requere-

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rem, ou quando represente em favor de sua creação algum dos respectivos corpos administrativos do districto, e sempre com informação de algum d'elles.
Art. 2.° O decreto pelo qual se crearem estes tribunaes determinará a circumscripção e a industria ou industrias affins, a respeito de cujos interessados tenha de exercer a sua jurisdicção. Também designará o numero dos seus componentes, que nunca poderá ser de mais de dez nem de menos de quatro, sendo metade da classe de industriaes, eleitos pelos operários, metade da classe dos operários eleitos pelos industriaes.
§ 1.° O tribunal será presidido por pessoa estranha ás classes cujos interesses ali se pleiteiem, e será da nomeação do governo, sobre proposta em lista quintupla, formulada pela camara municipal e approvada pelo conselho de districto; de entre os propostos, tambem será nomeado um vice-presidente, durando por um anno o encargo da presidência, mas podendo os nomeados ser reconduzidos.
§ 2.° Na falta ou impedimento simultaneo do presidente ou vice-presidente o juiz da comarca ou vara designará quem presida, até que cesse o impedimento, ou que o governo nomeie de novo pelo processo estabelecido.
Art. 3.° O tribunal póde, tanto para conciliar como para julgar, nas questões mais graves, convidar mais dois substitutos, os primeiros, não impedidos, um industrial e um operário, para assistirem, discutirem e votarem; o que especificadamente será mencionado na acta.
Art. 4.° Nenhuma controversia póde ser julgada pelos árbitros sem se haver tentado conciliação previa, tentativa, que, aliás, póde ainda repetir-se no acto de julgamento e em qualquer estado do processo.
Art. 5.° São da competencia do tribunal de arbitros-avindores, qualquer que seja o seu valor, todas as controversias que dizem respeito ao trabalho das industrias mencionadas no decreto da sua creação, dentro da circumscripção respectiva, incluindo as dos operários, que para essas industrias trabalhem em domicilio; dizendo respeito a:
1.° Salarios ajustados;
2.° Preços de mão de obra em via de execução;
3.° Horas de trabalho contratadas ou devidas;
4.° Observância de estipulações especiaes de trabalho;
5.° Imperfeição na mão de obra;
6.° Compensações de salarios por alteração na qualidade da materia prima fornecida, ou por modificação nas indicações do trabalho;
7.° Gastos feitos pelos operarios, em objectos da fabrica, ou com a fabrica, transportes, ou damnos pessoaes;
8.° Indemnisação pelo abandono da fabrica, ou por licenceamento antes de findar, o trabalho ajustado;
9.° Indemnisação por não cumprimento do contrato de trabalho ou de aprendizagem.
Em geral todas as contestações que se levantem por causa de regularisações de trabalho, no que respeita a convenções feitas entre patrões, mestres e operarios, ou entre directores, mestres e operários ou aprendizes.
Art. 6.° Das decisões do tribunal só ha recurso para p tribunal do commercio ou civil de 1.ª instancia, quando o valor da causa exceda 30$000 réis, ou por incompetencia.
§ 1.ª A incompetencia deve ser allegada antes de começar a audiencia de julgamento.
§ 2.° É livre ás partes, seja qual for a causa industrial que se debata, reconhecer previamente competência no tribunal e sujeitar-se á sua decisão.
Art. 7.° O valor da causa deve sempre mencionar-se no pedido; omissa esta circumstancia o tribunal a julgará como questão previa, e do seu laudo não ha recurso.
Art. 8.° Alem das attribuições de conciliação e de judicatura do tribunal, mencionadas no artigo 5.°, compete-lhe vigiar sobre o modo por que se executam as leis e regulamentos que respeitam á industria, e reprimir disciplinarmente maus tratamentos, actos de insubordinação, pouca limpeza de mãos, informações falsas que produzem damno ou sejam habituaes, principalmente em algum menor, quaesquer actos immoraes ou tentativas de malefício, podendo impor as penas de reprehensão até á perda de tres dias de salario, que reverterá em favor da caixa nacional de seguros contra os accidentes no trabalho.
Art. 9.° Compete ás camaras municipaes da respectiva circumscripção, formar o recenseamento dos que hão de eleger os arbitros-avindores, havendo os esclarecimentos precisos das fabricas, officinas, associações ou companhias, conforme os regulamentos que forem decretados.
§ 1.° Os recenseamentos estarão patentes por oito dias, depois que os interessados forem convidados a examinal-os.
§ 2.° Durante os oito dias subsequentes as camarás deliberam sobre quaesquer reclamações, e da sua decisão, que será patente por mais oito dias, improrogaveis, ainda haverá recurso para o conselho de districto, que as resolverá com urgencia, de modo que no praso de um mez o recenseamento esteja definitivamente organisado.
§ 3.° Os recenseamentos são revistos em cada anno e nos prasos que os regulamentos determinarem.
§ 4.° Nos decretos concedendo a creação dos tribunaes, o governo marcará os prasos para a primeira organisação dos recenseamentos, e depois para a sua regular revisão, de modo que as eleições coincidam sempre com o principio dos annos civis.
Art. 10.° Os recenseamentos contêem em listas separadas o nome, qualidade industrial, estado, idade e annos de exercício na industria de cada um dos eleitores.
Art. 11.° Na classe dos industriaes entram individualmente ou pelos seus legitimes representantes, como eleitores, todos os que se provar que exercem a industria como capitalistas; ou ainda os que a exercem como directores technicos, quando sob a sua direcção haja pelo menos cincoenta operarios.
§ 1.° As sociedades ou companhias industriaes são representados na eleição pelos seus corpos gerentes ou responsaveis legaes.
§ 2.° Os proprietarios ou compartes de fabricas que forem menores ou do sexo feminino exercem o seu direita eleitoral por via de quem legalmente os represente.
Art. 12.° Na classe dos operarios são inscriptos como eleitores os que, tendo completado vinte e um annos, saibam ler e escrever e tenham completado um anno de trabalho industrial dentro da circumscripção.
§ unico. Os operarios maiores de dezoito annos podem fazer-se representar na eleição por procuradores, nenhum dos quaes, porém, votará por mais de cinco recenseados.
Art. 13.° Não podem ser considerados eleitores os que tiverem sido condemnados por fallencia fraudulenta, ou por furto, roubo, falsificação, juramento falso, fraude, ou por ameaças, violencias, desobediencia ás auctoridades ou vias de facto contra operarios ou patrões, em occasião de greves.
Art. 14.° São elegiveis todos os eleitores do sexo masculino que tiverem completado vinte e cinco annos e contarem cinco annos de exercicio na industria dentro da respectiva circumscripção.
Art. 15.° O eleitores votam em urnas separadas, cada um duas listas, contendo uma os nomes dos vogaes effectivos, outra os do outros tantos substitutos. As listas dos industriaes conterão nomes de operarios, as dos operarios nomes de industriaes, não sendo apuradas as listas que contravierem esta disposição, nem se contando os nomes estranhos á classe de entre a qual têem de eleger.
Art. 16.° Não é valida a eleição a que não concorrerem dois terços ao menos dos eleitores recenseados em cada classe, e não se consideram eleitos os que não obtiverem maioria absoluta de votos.
Art. 17.° Se no primeiro escrutinio não ficarem eleitos todos os membros do tribunal e os seus substitutos, em numero igual, proceder-se-ha a segundo escrutinio, do

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qual serão apurados os que obtiverem os votos exigidos no artigo antecedente.
Art. 18.° Depois do segundo escrutínio, se a votação tiver de continuar-se, basta para ser eleito a maioria relativa de votos.
Art. 19.° Ao acto eleitoral presidem os presidentes das camaras ou vereadores por elles nomeados, e é ás respectivas camarás municipaes que sobe o apuramento dos votos no dia immediato ao da eleição.
Art. 20.° Se ainda não estiver eleito numero sufficiente de vogaes e substitutos, a camara marcará um domingo proximo para a eleição dos vogaes que faltar eleger; bastará que á eleição concorra maioria absoluta de recenseados de ambas as classes.
Art. 21.° Quando houver irregularidades taes no acto eleitoral, que possam pôr em duvida a validade da eleição, a camara, por seu arbítrio ou a reclamação de quaesquer interessados, submetterá o processo á deliberação do conselho de districto, que decidirá na sua primeira sessão e em única instancia, mandando o governador civil que se proceda a nova eleição, se o conselho a annullar.
Art. 22.° Não podem fazer parte do tribunal conjunctamente, pae, filho, irmão, sogro e genro. Quando forem simultaneamente eleitos prevalece a eleição dos mais votados; em igualdade de votos a dos mais antigos na industria; em condições iguaes de antiguidade, a do mais velho.
Art. 23.° O tribunal renova-se por metade de cada uma das classes em cada anno, sendo permittidas as reeleições.
Art. 24.° No decurso de quinze dias, depois de approvadas as eleições, constitue-se o tribunal, tendo o presidente e vice-presidente prestado juramento de bem servir, perante o presidente da relação ou do juiz de direito em exercicio na comarca, e prestando igual juramento, perante o presidente ou vice-presidente, os vogaes do tribunal.
Art. 25.° As partes interessados pleiteiam pessoalmente ante o tribunal, onde não é admittido advogado nem procurador; e quando por doença, bem provada, alguma das partes não possa comparecer, ou se addia a conciliação ou julgamento, ou se admitte excepcionalmente como procurador algum industrial ou operário estranho á causa que se agita, á fabrica ou officina onde se deu a pendência e que tenha sido sempre estranho a litigios judiciaes.
§ unico. O tribunal decide como questão previa e em conferencia secreta se deve admittir o procurador ou adiar a causa.
Art. 26.° O tribunal ao constituir-se fixará o logar e os dias e horas das suas audiencias ordinarias.
§ 1.° Estas providencias podem alterar-se successivamente conforme as exigências do serviço.
§ 2.° O presidente póde determinar que haja reuniões do tribunal extraordinarias em negocios urgentes, ou quando as auctoridades administrativas o reclamem ou os inspectores industriaes, ou para inquirirem, providenciarem, ou reclamarem providencias superiores; o que tambem o presidente por si só póde fazer, sobre o modo por que se executam as leis e regulamentos relativos á industria, segundo o prescripto no artigo 8.° da presente lei.
§ 3.° Haverá audiências ordinárias ao menos uma em cada mez.
Art. 27.° Não podem intervir como julgadores na decisão de qualquer causa:
1.° Os que n'ella forem interessados;
2.° Os parentes ou affins até ao quarto grau de algum dos contendores ou que tragam com elles causa ou litígio noutros tribunaes;
3.° Os patrões ou operarios de algum dos litigantes;
4.° Os que por motivos não especificados o tribunal entenda que não devem intervir.
Quando alguma das partes allegar motivo de suspeição, se o vogal designado a não acceita, o respectivo substituto vota na questão previa em seu logar.
Art. 28.° As sentenças que podem ser appelladas nos termos do artigo 6.°, sel-o-hão no praso de um mez a contar da data em que forem proferidas; findo este praso sem que se interponha o recurso, a decisão torna-se executoria.
Art. 29.° As decisões de que não couber recurso podem executar-se dois dias depois de proferidas.
Art. 30.º Os membros do tribunal de arbitros-avindores são para todos os effeitos, no exercicio das suas funcções, equiparados aos membros dos tribunaes de justiça.
Art. 31.° As funcções dos arbitros-avindores são gratuitas, exceptuando as dos operarios que vencerão o seu salario de um dia por cada audiencia a que assistirem.
Art. 32.° Todas as despezas com a manutenção do tribunal pertencem às camarás municipaes da circumscripção, devendo, quando haja mais de uma, dividir por ellas a despeza o conselho de districto.
Art. 33.° São isentos de sêllo todos os livros necessarios ás actas do tribunal, e bem assim os requerimentos, queixas, sentenças ou procurações dos referidos no artigo 25. °, se a causa couber na alçada do tribunal; todos os mais actos e documentos são sujeitos ao sêllo da lei e o seu montante entra na receita das camaras que são obrigadas ás despezas.
Art. 34.° Os casos omissos n'esta lei serão regulados pelo decreto commum no que poder ser applicado.
Art. 35.º O governo publicará as instrucções necessárias para a execução desta lei, regulando as operações eleitoraes, estabelecendo as formulas para a constituição do tribunal, marcando os termos do processo summario a seguir ante elle, o modo de proceder nos casos de recusa de algum dos vogaes eleitos ou dos presidentes nomeados, e o mais que offerecer obscuridade ou demandar regulamentação.
Art. 36.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de commercio e artes, de administração publica e de legislação civil.

VI

N.º 5-I

Artigo 1.° São responsaveis insolidum pelos damnos que resultem aos operarios que empregarem em seus respectivos trabalhos, por desastre havido nos mesmos trabalhos alem dos proprietarios ou concessionarios, todos os que tiverem a seu cargo dirigir ou vigiar superiormente ou especialmente, trabalhos subterraneos, explorações de pedreiras ou saibreiras, construcções ou reparações de prédios urbanos, ou officinas de motores mechanicos, quaesquer outros trabalhos ou explorações industriaes, sempre que se não prove que o desastre foi devido exclusivamente a culpa ou desleixo dos operários, a caso fortuito ou força maior.
§ unico. Fica salva aos solidariamente responsáveis a competente acção contra aquelle ou aquelles que se provar terem sido causa única do desastre.
Art. 2.° A indemnisação devida por estes desastres comprehende, segundo a natureza dos damnos e a duração e gravidade das suas consequencias:
1.° Despezas com a doença;
2.° Gastos com o funeral em caso de morte;
3.° Equivalencia a lucros cessantes, durante a impossibilidade de trabalhar;
4.° Indemnisação às pessoas a quem devia alimentos o operario fallecido, impossibilitado ou enfermo.
Art. 3.° O poder judicial, promovendo os termos do processo, ex officio, o ministerio publico, por parte d'aquelles sobre quem recaiu o desastre, determinará a responsabilidade civil dos seus causadores, tendo em attenção: a idade, o salario, as aptidões, e todas as circumstancias que

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SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1886 245

concorram n'aquelles que soffrem o damno, podendo estabelecer uma pensão temporaria aos prejudicados ou o capital cujo rendimento sirva a essas pensões.
§ 1.° Concordando as partes sobre o quantum e a fórma da indemnisação, o juiz acceitará e decretará o que entre elles se convencionar, não havendo menores interessados, ou, havendo-os, se o ministerio publico se não oppozer.
§ 2.° A indemnisação, em caso de morte do operario, áquelles a quem devia alimentos, nunca será inferior a um terço do seu salario, nem superior á totalidade d'elle, pelo tempo que parecer de justiça.
§ 3.° Em caso de doença prolongada ou impossibilidade permanente a indemnisação deve assentar sobre a base de dois terços até mais um terço do salário total.
Art. 4.° O processo para julgar do direito ás indemnisações de que trata esta lei e a respectiva liquidação é summario e gratuito para os damnificados.
Art. 5.° Quando, durante elle, se não poderem determinar todas as consequencias do desastre, o juiz destinará uma indemnisação proporcional às circumstancias que se derem á data da sentença, reservando-se fixal-a definitivamente dentro de um anno, improrogavelmente, quando circumstancias posteriores o determinarem.
Art. 6.° Estas pensões ou indemnisações são creditos privilegiados e não podem penhorar-se.
Art. 7.° Se o damnificado ou seus herdeiros tiverem direito a beneficio ou pensões de algumas associações de soccorros por desastres no trabalho, tendo para esse fim contribuido tambem os responsaveis pelo damno julgado por sentença, as quotas com que tiverem contribuído entram por inteiro na indemnisação devida.
Art. 8.° Os responsaveis de que trata o artigo 1.° d'esta lei são obrigados a participar o desastre á auctoridade judicial em vinte e quatro horas, sob pena de multa de 20$000 a 50$000 réis.
Art. 9.° Os recursos das sentenças condemnatorias, proferidos n'estes processos, não têem effeito suspensivo.
Art. 10.º É nulla e de nenhum effeito a renuncia previa á totalidade ou a parte dos beneficios da presente lei.
Art. 11.° Nos casos não previstos n'esta lei são applicaveis os preceitos de direito commum.
Art. 12.° Prescrevem no praso de um anno as acções para indemnisação por desastres no trabalho, a contar da data em que o desastre occorreu, ou, em caso de morte, da data em que ella teve logar.
Art. 13.° Prescreve no praso de cinco annos o direito a haver as multas a que se refere o artigo 8.°, e serão do maximo estatuido no mesmo artigo se os responsaveis tiverem deixado passar o tempo da prescripção marcado no artigo 12.°, sem fazerem a participação devida.
§ unico. Estas multas entrarão na caixa nacional desde que for constituida.
Art. 14.° Se os interessados concordarem, prescindindo de appellação, póde a causa ser entregue aos arbitros avindores. Neste caso as custas serão contadas como se o processo corresse no tribunal civil, salvo a disposição do artigo 4,°, e essas custas reverterão em beneficio da camara a cujo cargo estão as despezas com o tribunal.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de commercio e artes « de legislação civil.

VII

N.° 5-J

Artigo 1.° Todos os que se occupam por qualquer modo em promover a emigração ou em contratar emigrantes para paizes estrangeiros, são obrigados a munir-se de um alvará de licença, que sómente lhes poderá ser concedido, quando tenham justificado perante o governo civil do destricto da sua residencia:
1.° Que são cidadãos portugnezes no goso pleno dos seus direitos;
2.° Que depositaram na caixa geral dos depositos a quantia de 2:000$000 réis como garantia e caução das muitas em que incorrerem e das indemnisações que tenham de pagar pela infracção dos regulamentos a que estiverem sujeitos e dos contratos que fizerem no exercicio da sua industria.
§ 1.° O alvará de licença será passado pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, em vista do documento que prove ter pago o respectivo sêllo, e só pelo praso de um anno, podendo ser successivamente revalidado por prasos iguaes, se o individuo em favor do qual for passado tiver cumprido os regulamentos e contra elle não houver queixa fundamentada ou processo pendente por dolo, infracção ou irregularidade no exercício da respectiva industria.
§ 2.° O individuo possuidor de um alvará de licença fal-o-ha registar nos governos civis em cuja circumscripção tiver de exercer a sua industria, e poderá substabelecer em outros agentes, sob sua responsabilidade e sem prejuizo da que pertencer áquelles, as faculdades que por esse alvará lhe são conferidas e que lhe não sejam expressa e exclusivamente reservadas.
§ 3.° Este substabelecimento será feito em procuração especial, visada e registada tambem no respectivo governo civil, em vista do documento que prove o pagamento do sêllo respectivo.
§. 4.° Os agentes de emigração para paizes estrangeiros pagarão de sêllo de alvará e matricula 40$000 réis cada um, e 20$000 réis por cada um dos seus procuradores ou representantes.
Art. 2.° Os contratos de locação de serviços, de empreitada e de colonia, de emigrantes, serão feitos nas notas de tabellião, com assistencia pessoal do emigrante contratado e do agente ou agentes de emigração devidamente auctorisados.
§ 1.° O emigrante contratado receberá uma copia authentica do seu contrato, que será visada e registada no governo civil por onde se expedir o passaporte respectivo e revisada e novamente registada na repartição consular portugueza da terra de destino, sob pena de nullidade.
§ 2.° Haverá um sêllo especial para cada contrato, para fora do territorio portuguez, alem do sêllo que por outra lei lhe competir. Este sêllo será, por cada emigrante contratado, sem distincção de sexo ou idade, de 3$000 réis quando elle se destinar ao Brazil, e de 6$000 réis quando a qualquer outro paiz estrangeiro.
§ 3.° Por cada annuncio affixado, publicado em jornaes ou distribuído avulso, que se referir á emigração, se pagará de sêllo 500 réis, sob pena de pagarem do multa, os annunciantes 5$000 réis pela primeira vez e successivamente mais 5$000 réis por cada transgressão.
Art. 3.° Os agentes de emigração que se não habilitarem com o respectivo alvará ou procuração, ou que infringirem as disposições legaes relativas á sua industria e ao contrato e transporte dos emigrantes, serão julgados correccionalmente e condemnados, pela primeira vez, á pena de tres a seis mezes de prisão ou a uma multa correspondente, na rasão de 1$000 réis por dia, e a três mezes a mais ou multa equivalente em caso de reincidencia, salvo qualquer outra acção que contra elles possa deva instaurar-se.
Art. 4.° O producto de sellos e multas a que se refere esta lei será destinado a occorrer a despezas com exposições agrícolas e industriaes dentro e fóra do paiz, a ajudar o estabelecimento de escolas praticas de agricultura, a premiar quaesquer industrias que tendam directamente a melhoral-a ou no augmento da sua producção ou no aproveitamento dos seus productos.
Art. 5.° Os emolumentos que actualmente se cobram nos

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governos civis por passaportes serão encorporados na receita do estado e respectivas taxas de sêllo, ficando o governo auctorisado a gratificar, proporcionalmente, segundo a media dos ultimos seis annos, os funccionarios pelos quaes aquelles emolumentos são actualmente divididos.
Art. 6.° Fica o governo auctorisado a codificar todas as disposições legaes relativas a emigração, a regulamentar os serviços correlativos, o transporte de emigrantes, o contrato d'estes, a policia dos portos por onde a emigração se fizer, e bem assim a fazer os mais regulamentos necessários para a execução d'esta lei.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 29 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Ás commissões de commercio e artes, de administração publica e de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Roqueiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam com a máxima brevidade, enviados a esta camara os seguintes documentos:
I. Copia de quaesquer alterações ou modificações feitas no projecto que serviu de base ao concurso para a adjudicação do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella, pedidas pelo concessionário primitivo ou pela companhia constructora, pareceres da junta consultiva ácerca dos mesmos e diplomas do governo que os approvou;
II. Copia da correspondencia trocada entre o concessionario ou companhia constructora ao fiscal do governo e entre este e aquelle, a respeito da execução dos trabalhos de construcção;
III. Copia de quaesquer autos levantados pelo fiscal do governo contra a irregular execução dos referidos trabalhos. = O deputado por Alijo, Joaquim Teixeira Sampaio.

2.° Roqueiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviadas:
I. Copia da correspondencia trocada entre o governo civil do Aveiro e a administração do concelho de Agueda, sobre prestação de contas das irmandades e confrarias d'aquelle concelho nos ultimos dois annos;
II. Copia do officio em que, no ultimo anno, pediu a demissão de administrador do concelho de Agueda, o bacharel Jayme da Silva Ribeiro;
III. Informação sobre quem, desde a data do officio, em que aquella demissão foi pedida, tem exercido o cargo de administrador do concelho de Agueda, e de quem tem recebido a respectiva camara municipal o competente ordenado, e em que proporção esse ordenado tem sido recebido pelos indivíduos que serviam o cargo até ao presente, e se o bacharel Jayme da Silva Ribeiro recebeu, desde que pediu a sua demissão, alguma parte do ordenado do administrador do concelho. -Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgência a esta camara a nota da despeza feita com as obras da barra de Aveiro, desde o anno de 1834 até ao fim de 1885. = Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado = Fuschini.

2.ª Declaro que faltei á sessão do dia 2 e a todas as outras por motivo justificado. = O deputado, Lourenço Malheiro.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que por incommodo de saude tenho faltado ás ultimas sessões.
Participo tambem que o sr. deputado José Luiz Ferreira Freire, tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões por motivo justificado. = Pereira dos Santos.

4.ª Declaro que tenho faltado ás sessões por estar doente. = O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.

5.ª Participo a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = R. A. Pequito.

6.ª Declaro que por motivo de doença não tenho com parecido ás ultimas sessões d'esta camara. = O deputado, Barbosa Centeno.

7.ª O meu illustre collega e amigo o sr. Manuel Bento da Rocha Peixoto encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que não tem podido comparecer ás sessões por grave incommodo de saude, e que pelo mesmo motivo, não comparecerá ainda a mais algumas. = Guilherme de Abreu.

8.ª Por motivo de serviço publico faltei a algumas das sessões d'esta camara, o que justifico por este meio. = Arthur de Seguier.

DECLARAÇÕES DE VOTO

1.ª Declaro que, se estivesse presente às sessões do 20 a 26 do corrente mez, teria approvado as moções de confiança ao governo apresentadas pelos srs. Franco Castello Branco e José Novaes, e teria rejeitado as de censura apresentadas pelos srs. Mariano de Carvalho e Alves Matheus. = O deputado, Barbosa Centeno.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que, se estivesse presente quando se votaram as moções relativas aos acontecimentos de Braga e Guimarães, teria approvado a moção do sr. José Novaes e rejeitado a do sr. Alves Matheus. = Pereira dos Santos.
Para a acta.

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda sobre a legalidade do decreto de 28 de novembro de 1885, relativo ao ex-director da alfandega do Porto, conselheiro Bento do Freitas Soares. = O deputado, Carlos Lobo d'Avila.

2.ª Pretendo interpellar o sr. ministro dos negocios da fazenda ácerca da legalidade do decreto n.º 5 de 17 de setembro de 1885, sobre contrabando, descaminho e transgressão dos regulamentos. = Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real.
Mandaram-se expedir.

O sr. Elvino de Brito: - Pedi a palavra para perguntar ao illustre ministro da marinha, se s. exa. communicou ao sr. ministro das obras publicas o desejo que eu manifestei de chamar a attenção de s. exa. para o assumpto sobre que fallei na ultima sessão.
Aguardo a resposta de s. exa.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O meu collega das obras publicas sabe já que o illustre deputado deseja dirigir-lhe algumas perguntas, e de certo virá a esta camara hoje, ou proximamente, responder a s. exa.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Em diversas sessões insisti eu aqui pela presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque desejava dirigir-lhe algumas perguntas sobre assumptos que reputo importantes e urgentes.

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SESSÃO DE 29 DE JANEIRO DE 1886 247

Não compareceu s. exa. durante algumas das sessões que se seguiram, mas veiu exactamente no dia em que se tratava do incidente levantado ácerca da fiscalisação externa das alfandegas, e eu disse n'essa occasião que me abstinha de fazer, n'esse momento, as perguntas que tencionava, para não interromper a questão de que nos occupavamos, reservando-as para a primeira occasião em que o sr. ministro tornasse a comparecer.
Terminou, porém, a discussão relativa á guarda fiscal o s. exa. não mais se apresentou n'esta casa antes da ordem do dia. Por isso, vendo eu agora presente o sr. ministro da marinha, que se comprometteu a transmittir ao seu collega os desejos por mim manifestados, não me furtarei ao ensejo de accentuar um dos assumptos a que pretendo referir-me, porque talvez s. exa., embora o negocio não pertença á sua pasta, esteja habilitado a informar-me.
Como v. exa. sabe, ha um documento da mais alta importancia para a nossa politica, não só colonial, mas internacional; é o tratado do Dahomey.
Desejava eu que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me dissesse, e de certo o póde fazer, com a auctoridade official que o distingue, se porventura o governo está na intenção de submetter ao parlamento esse tratado.
E esta a minha pergunta.
Aguardo a resposta do sr. ministro da marinha, se a póde dar completa; e no caso contrario peço que de novo insto com o seu collega dos negócios estrangeiros para vir a esta camara dar explicações sobre tão grave assumpto.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O sr. ministro dos negocios estrangeiros virá brevemente á camara responder ás perguntas do illustre deputado, e posso affiançar-lhe que elle já aqui se acharia, se infelizmente não tivesse estado adoentado, e por isso impedido de comparecer n'esta camara ás horas em que desejava, embora não tenha deixado de satisfazer a outros deveres do seu cargo.
Pela minha parte, o que peço ao illustre deputado é que me dispense agora de responder á pergunta que me dirigiu, porque, a meu ver, se o parlamento tem incontestavelmente o direito de discutir os actos do governo o exigir-lhe as responsabilidades, não sei se ao governo cabe, pela sua parte, a obrigação de responder pelas suas intenções. (Apoiados.)
O governo apresentará ao parlamento o tratado a que s. exa. se referiu, para ser discutido e approvado ou rejeitado, ou não o apresentará e n'esse caso a camara poderá censural-o ou não, como entender.
Digo, pois, ao illustre deputado que melhor será reservar as suas perguntas para quando o sr. ministro dos negócios estrangeiros lhe possa responder desenvolvidamente e dizer o que pensa a este respeito.
E é isto o que peço ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Pereira Leite: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes declarando vagos os círculos de Figueiró dos Vinhos, Cabo Verde, Braga e Belem.
Peço a v. exa. consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que este parecer entre desde já em discussão.
Leu-se na mesa o seguinte

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foram presentes os officios da exma. presidencia da camara dos dignos pares, participando haverem tomado assento n'aquella casa do parlamento, na qualidade de pares electivos, os srs. Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado ás côrtes pelo circulo n.° 67 (Figueiró dos Vinhos), Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado ás cortes por Cabo Verde (Sotavento, 1.°), Lopo Vaz de Sampaio e Mello, deputado ás côrtes pelo circulo n.° 5 (Braga) e Pedro Augusto Franco, deputado ás cortes pelo circulo n.° 76 (Belem), pelo que é a vossa commissão de parecer que sejam declarados vagos os Jogares de deputados que eram occupados pelos cidadãos acima mencionados.
Sala da commissão, em 29 de janeiro de 1886. = Luiz de Lencastre = Moraes Carvalho = Firmino João Lopes = Moraes Machado = Pereira Leite, relator.
Dispensado o regimento, foi approvado sem discussão.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo diversos documentos pelo ministerio das obras publicas. Peço a v. exa. se digne mandar dar-lhe o conveniente destino com a maxima brevidade.
Vae publicado a pag. 246.
O sr. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda. Peço a v. exa. se digne mandal-a expedir com urgencia.
Vae publicada a pag. 246.
O sr. Eduardo Coelho: - Pedi a palavra para novamente chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre o estado lamentavel do concelho de Valle Passos, porque ainda hoje recebi um telegramma que annuncia factos gravissimos ali occorridos.
Não podendo de fórma alguma pôr em duvida a palavra do sr. ministro do reino, que disse ter dado ordens terminantes, no sentido de pacificar aquelle concelho, devo concluir que os seus agentes não cumpriram essas ordens.
Os factos que este telegramma revela são de tal importancia, fazem-se n'elle accusações tão graves, que eu não me atrevo a ler á camara todo o telegramma, embora o signatario seja digno da maior confiança e credito.
Que o estado d'aquelle concelho continua gravissimo, não é preciso grande esforço para o acreditar; é sufficiente reflectir que, começando o acto eleitoral no dia 24, ainda hontem não estava concluído em algumas assembléas ruraes.
Este facto só podo dar-se por ter sido alterada a ordem repetidas vezes, e assim interrompido o acto eleitoral. (Apoiados.)
Consta-me que se dão por lá factos que não chego a comprehender como são possiveis. Em Villarandello foi suspenso o acto eleitoral por ordem da auctoridade. Não comprehendo. Talvez haja equivoco, no entretanto as noticias repetidas affirmam o facto.
O presidente da assembléa de Fiães foi preso, tendo de abandonar a urna. A urna foi sellada e entregue ao commandante da força, que passou recibo, sendo depois aberta tumultuariamente pelo regedor da parochia, que ao mesmo tempo foi escrutinador. Isto parece phantastico! (Apoiados.)
Sr. presidente, parece-me que eu já tive a honra de dizer nesta casa que os partidos metam, suppondo que a lei lhes dá garantias, disputam as victorias parciaes e preparatorias da victoria definitiva, para adquirirem força moral, e terem garantias de legalidade. Não é para outra cousa que disputam as eleições das commissões recenseadoras. (Apoiados.)
Achada, porém, a formula de que os presidentes das assembléas eleitoraes podem ser presos no exercicio das suas funcções, e a urna violentamente arrebatada pela força publica, os partidos ficam sabendo que é inutil luctar e disputar os suffragios populares. (Apoiados.)
Não se póde duvidar que criminosos sem fiança dirigem o acto eleitoral, e que a força publica, não só os não prende, mas é d'elles que recebe as indicações e as ordens. (Apoiados.)
Não julgue o governo e a camara que pretendo tornar-me importuno ou impertinente n'este assumpto. Não posso deixar de levantar a phrase, de que tudo isto é questão de campanario, de que só ha interesses locaes irritados. Não

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é exacto. Aonde houver uma liberdade ferida, uma garantia eleitoral atacada, ahi está uma verdadeira questão de interesse publico, uma questão verdadeiramente política. (Apoiados.)
Não se illuda o governo. Também os espingardeamentos de Alvarães e Porto de Moz eram locaes, e todavia acharam echo em todo o paiz. (Apoiados.)
Desejo finalmente saber do nobre ministro do reino, se já recebeu communicação do seu delegado relativamente ás occorrencias ultimas de Valle Passos, se já foi substituido o administrador d'aquelle concelho, e por quem.
Devo dizer ao illustre ministro que se a substituição recahiu no presidente da camara ou no substituto, o mal aggravou-se, e era preferível não ter feito a substituição. As circumstancias especiaes d'aquelle concelho exigem que a auctoridado local seja estranha ás paixões locaea, serena e pacificadora. (Apoiados.) Restitua o illustre ministro a tranquillidade ao concelho de Valle Passos, e o socego ás familias em sobresalto. É o que agora sobretudo interessa. Mais tarde discutiremos a tudo e a todos. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Não estranho que o illustre deputado, por mais de uma vez, tenha chamado a attenção do governo sobre os acontecimentos de Valle Passos. Quaesquer que sejam as paixões politicas que n'elles andem envolvidas, é certo, como disse s. exa., que esses acontecimentos são importantes, não só porque se têem dado irregularidades manifestas, não sei por quem causadas, nem trato agora de averiguar esse ponto, abusos e talvez crimes, mas porque, evidentemente, as circumstancias são de tal gravidade que de um momento para o outro podem até converter-se em questão de ordem publica.
Não desconheço, portanto, que é melindroso o estado das cousas n'aquelle concelho e n'esta conformidade, para que elle cesse, tenho dado as ordens mais terminantes. Até já depois do telegramma em que mandei suspender o administrador do concelho, enviei outro dizendo: Cumpra-se immediatamente a ordem expedida.
Sei que a auctoridade superior do districto se vê embaraçada na escolha do individuo que ha de substituto o administrador suspenso, porque creio que não tem confiança no substituto legal; mas esta difficuldade não deixará de ser removida; e já vê o illustre deputado que nas circumstancias em que se encontra Valle Passos, a situação não é de modo algum agradavel. O que posso, porém, asseverar a s. exa. é que as minhas ordens têem sido terminantes e continuarão a sel-o no sentido que já indiquei.
Pareceu-me tambem conveniente requisitar ao ministerio da guerra mais força para aquella localidade; e quanto ás instrucções que tenho a dar á pessoa, completamente estranha ao concelho, que for ali syndicar, eu devo declarar ao illustre deputado, que não tenho duvida alguma em acceitar os telegrammas que s. exa. tem em seu poder, ou qualquer outra indicação de factos para que sobre ella, possa tambem recahir a syndicancia.
O que desejo é que todos, sem distincção de partidos, me apontem os factos que têem de ser averiguados e que constituem attentados contra os direitos dos cidadãos, para que a syndicancia, revestida de toda a imparcialidade, comprehenda tambem uma averiguação especial sobre esses factos. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Mattoso Côrte Real: - Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda.
Peço a v. exa. que a faça expedir com urgencia.
Mando mais para a mesa dois requerimentos, pedindo diversos documentos, pelos ministerios do reino e das obras publicas. V. exa. se servirá dar andamento a estes requerimentos para que com brevidade sejam satisfeitos, pois que necessito dos esclarecimentos que peço para fazer algumas perguntas ao governo,
A nota de interpellação vae publicada a pag. 246; os requerimentos a pag. 246.
O sr. Sebastião Centeno: - Mando para a mesa uma justificação de faltas e uma declaração de roto.
Vão publicados nos logares competentes.
O sr. Guilherme de Abreu: - O meu collega e amigo o sr. Rocha Peixoto encarregou-me de mandar para a mesa a justificação das suas faltas.
Vae na secção competente.
O sr. Elvino de Brito: - Dirigiu algumas perguntas ao sr. ministro da marinha.
(S. exa. não restituiu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado disse muito sensatamente, como sempre é costume seu, que não desejava antecipar a discussão do assumpto; e fundamentou as suas duvidas no facto, que confessou, de não conhecer o tratado. Pois em vindo o, tratado á camara, essas duvidas, e quaesquer outras ficarão perfeitamente elucidadas. (Apoiados.) E alem d'isso, pelos documentos que foram requeridos por esta camara, e que, se ainda não chegaram, virão amanhã, ou depois, com certeza o illustre deputado poderá amplamente esclarecer-se e habilitar-se a entrar no debate, que s. exa. aliás não quer antecipar, e para o qual eu estou prompto, como já declarei.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Tendo o sr. ministro da marinha dito que não tratava agora da questão sobre o tratado de Dahomey, e se reservava para quando estivesse presente o seu collega dos estrangeiros, eu tambem me reservo para essa occasião.
O sr. Pedro Diniz: - Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 42, da sessão legislativa de 1883.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Pereira dos Santos: - Mando para a mesa uma declaração de voto.
Vae publicada na secção competente.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto n.° 2, e com a palavra, que lhe ficou reservada da ultima sessão, o sr. deputado Elias Garcia.
O sr. Elias Garcia (na tribuna): - Sr. presidente, vou continuar na ordem de observações que tinha começado na ultima sessão, mas para não me desviar do assumpto que ia tratar, e por ver presente o sr. ministro da marinha vou chamar a attenção de s. exa. para um ponto.
Dá-nos noticia o nobre ministro, no discurso da coroa, de que se tomaram diversas providencias soccorrendo-se ás disposições do artigo 15.° do primeiro acto addicional. Creio que s. exa. considerou, por certo, estas providencias como urgentes, mas tem-se dito tantas vezes, e, em verdade, é tão para estranhar que nas vesperas da abertura do parlamento os ministros legislem, que não posso deixar de perguntar a s. exa. se já não tem a opinião de outros tempos, e se ainda não se compenetrou da necessidade e conveniencia de não imitar os seus antecessores, e de se differençar d'elles substituindo aos processos usados o de submetter ao exame e apreciação do parlamento as providencias que o governo decreta á sombra do artigo 15.°
Como entendo que este procedimento do governo é menos regular, limito-me a consignar aqui a minha desapprovação.
Voltemos ao ponto que começara a tratar na ultima sessão.
Tinha notado que o governo, com a maior cautela, dando noticia ao parlamento de que se tinham verificado as elei-

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ções para pares do reino na conformidade da lei, e as eleições para as corporações administrativas na conformidade das disposições legaes, só abstivera de dizer que a lei fôra cumprida com respeito á eleição da municipalidade de Lisboa.
Dizia, por isso, que o governo fallava verdade, referindo que a eleição se tinha verificado, mas não dizia toda a verdade, porque se a quizesse dizer necessariamente se condemnava.
Naturalmente quiz esquivar-se a dizer que se tinha feito a eleição esquecendo e infringindo a lei. Mas, sr. presidente, quer a eleição das corporações administrativas em todo o resto do paiz, quer as eleições dos pares, não tinham passado em verdade tão serenamente como o illustre ministro parece querer dizer, porque temos ouvido aqui muitas vezes o sr. Eduardo José Coelho referir-se ao que se passou com relação á eleição no concelho de Valpassos, que desde então até hoje tem estado constantemente num estado anarchico e revolto; e até mesmo um deputado da maioria pediu ao sr. ministro da justiça que pozesse termo ao estado anarchico em que estava a justiça n'aquelle concelho.
Com relação á eleição dos pares de reino tambem succede que no collegio eleitoral de Braga não compareceram os delegados por parte do concelho de Guimarães.
Devia ter chegado ao governo noticia d'este caso, mas n'esse tempo ainda o governo não se preoccupava com o conflicto entre Guimarães e Braga; n'esse tempo estava-mos ainda n'aquelle primeiro periodo a que se referiram o sr. presidente do conselho e o sr. ministro do reino em que tudo parecia correr serenamente. Guimarães, ferida nos seus melindres, procurava separar-se de Braga, e a cidade de Braga, continuando ainda no desvario em que se encontrara em 28 de novembro, applaudia essa desaggregação.
Por parte de Guimarães ninguem pedia n'essa occasião a destituição do governador civil de Braga, e então dizia o sr. ministro do reino até certo ponto com uma tal ou qual plausibilidade que tudo parecia correr admiravelmente bem.
Quando se notava ao governo a sua persistencia na conservação da auctoridade superior do districto de Braga contra a vontade da junta geral, da camara municipal e dos deputados, tudo parecia mostrar a necessidade de suspender, transferir, demittir, ou proceder por qualquer modo para com essa auctoridade superior, porque se o governo procedesse assim mataria á nascença o conflicto.
E de facto, assim parece, pois se só Braga reclamava a destituição do governador civil, é natural que embora manifestasse dor pela mutilação, ao menos encontrava uma compensação ao soffrimento da mutilação pelo alivio de se libertar de uma auctoridade que a vexava.
O sr. ministro do reino por isso, ao referir-se no discurso da corôa ao que se passára nas outras eleições dos districtos do reino devia sentir o quer que fosse de pesar porque as cousas não corriam tão bem como fôra para desejar.
Vamos, porém, ao que aconteceu com respeito á eleição municipal de Lisboa, que é incontestavelmente a primeira do paiz.
O decreto em virtude do qual se devia proceder á eleição municipal de Lisboa não foi um decreto que dimanasse da vontade ou do arbítrio do governo.
O sr. ministro do reino que se empenhara em que a lei de que tomara a iniciativa passasse com toda a rapidez no parlamento, s. exa. que forçara, digamos assim, a maioria a vir aqui às sessões diurnas e nocturnas, collocando uma parte da opposição, a opposição progressista, na situação de não poder comparecer a todas essas sessões por causa do trabalho constante a que era obrigada, o sr. ministro do reino, que devia ter procedido de modo que podesse responder triumphantemente aos que lhe notavam que a lei não era exequivel, mostrando que os reparos que se haviam feito não tinham fundamento; o que fez? Deixou correr os mezes de julho, agosto e uma, parte de setembro, o quando já não chegava a faltar um mez para a eleição, publicou um decreto em que a lei era infringida e desacatada de um modo verdadeiramente insolito.
Comprehendo que um ministro que tem de executar leis da iniciativa do seu antecessor se veja embaraçado; mas que um ministro que foi o auctor de uma lei, que veiu defendel-a, e que tanto se empenhou para que ella passasse, venha depois provar que não foi capaz de cumpril-a, é realmente insolito.
Depois de promulgada a lei, publicou-se um decreto em que a lei foi infringida pelo governo com uma serenidade que só é propria doestes tempos, em que os governos sem pestanejar infringem as leis, não sei se seguros de que toem cumplices n'essa infracção, se por qualquer outro motivo.
E porque infringiu o governo a lei?
Porque ella marcava perceptivamente que a eleição só devia realisar n'um certo e determinado dia, e o governo adiou-a para outro dia.
Não sei se o nosso illustre collega, o sr. Arroyo, virá dizer-nos, como já disse com respeito á prorogação do praso para o alistamento dos guardas fiscaes, que este artigo é d'aquelles que podem ser alterados á vontade do executivo; mas, folgarei que não diga, e deixe ao sr. ministro todas as glorias que lhe possam caber n'esta obra.
A lei diz perceptivamente o seguinte:
«A primeira eleição geral de vereadores da camara municipal de Lisboa, nos termos d'esta lei, realisar-se-ha no terceiro domingo do mez do outubro do corrente anno de 1885.»
Por consequencia a lei foi infringida. A lei diz o que acabo de ler, e fez-se outra cousa; portanto não foi observada.
O illustre ministro póde desculpar-se; mas com que? Com as suas proprias culpas, porque s. exa. foi o auctor da lei.
Quando a opposição dizia que esta lei era inexequivel, o governo persistia e a maioria approvava, e entretanto os factos vieram demonstrar que quem tinha rasão era quem mostrava ao governo que elle devia ser mais reflectido e mais cuidadoso na redacção das leis, que devia em todas as circumstancias e em todos os actos mostrar sempre a mesma compostura, porque é assim que devem mostrar-se os homens de governo.
Eu comprehendo que o sr. ministro tivesse grande difficuldade em demittir uma auctoridade superior, mesmo quando essa auctoridade estivesse a solicitar a sua demissão durante vinte dias, porque s. exa. mais de uma vez tem dito que deseja proceder depois de conhecer a verdade, para não proceder irreflectidamente. Comprehendo isto; mas um ministro que procede assim e depois vem dizei que por ter visto um telegramma que lhe apresentou um collega nosso, expediu outro telegramma para demittir uma auctoridade, tal ministro não tem sempre a mesma opinião.
Ha occasiões em que, por maiores que sejam as solicitações, não resolve, e ha outras em que, sem proceder a averiguações previas, resolve immediatamente. Este procedimento só tem uma explicação, e é a que alguem dava com relação ao telegrapho, dizendo que o telegrapho parecia ter sido inventado para supprimir a reflexão, e pôr de Darte a prudencia.
Vinham as solicitações, vinham as communicações de que eram portadoras as commissões, e o sr. ministro não procedia, nem acudia á solicitação da propria auctoridade que pedia a demissão.
Mas chega um telegramma; passou de ali para aqui; s. exa. vae para casa, dirige uma pergunta á auctoridade superior, não obtém resposta, e expede logo um telegramma para suspender uma auctoridade.

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O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Hão foi assim.
O Orador: - O sr. ministro diz-nos que não foi assim, e eu não duvido, porque ha muita cousa que se passa no ministerio do reino e que ninguem sabe senão elle. (Riso.) Basta uma. Aqui está este decreto que s. exa. publicou, infringindo a lei n'um ponto que eu já notei, e noutros que eu vou notar.
Este decreto refere-se a outro com relação á divisão dos bairros. Lê-o a gente e pasma! Não se sabe em que paiz estamos! Diz este decreto de 17 de setembro de 1885:
«Ordenando o § 2.° do artigo 222.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, approvada por carta de lei de 18 do julho de 1885, que o governo mande determinar no terreno o traçado rigoroso da nova linha da circumvallação, e estando actualmente realisado este trabalho, sem o qual seria impossível usar da auctorisação concedida pelo artigo 227.° da referida reforma, para a divisão dos novos bairros e das suas respectivas parochias civis... hei por bem approvar a divisão dos bairros e das parochias civis do futuro municipio de Lisboa, na conformidade do mappa que acompanha este decreto...»
Ora este mappa não diz cousa alguma.
Ninguem é capaz de conhecer por elle os limites da circumvallação.
Por exemplo, o Beato é aqui incluido, e comtudo é atravessado pela linha de circumvallação, ficando assim parte do Beato dentro, e parte fora da cidade. Olivaes, aqui incluído, não fica toda a freguezia dentro da cidade, Ameixoeira igualmente.
Por consequencia o traçado da circumvallação conhece-o o ministro, o paiz é que o não conhece, porque por este mappa ninguem o fica sabendo.
E s. exa. nem sequer se referiu neste decreto a um mappa que existisse em qualquer parte, onde podesse ser examinado.
Ficâmos assim como succedeu com respeito aos planos de remodelação da cidade de Lisboa no tempo do marquez de Pombal; mas ahi ao menos fazia-se referencia a plantas, embora não se encontrem, nem na Torre do Tombo, nem no ministerio do reino, nem na camara municipal, nem na antiga intendência das obras publicas.
É preciso, porém, confessar uma cousa e é que a lei dizia no § 2.° do artigo 222.°:
«... para este effeito, logo depois da promulgação desta lei, o governo, mandará determinar no terreno o traçado rigoroso d'aquella estrada» (da circumvallação).
Este logo é muito conhecido nos nossos ministérios, porque a maneira de fazer com que um officio chegue mais depressa ao seu destino é escrever logo, logo.
Aqui está a presteza das providencias do sr. ministro do reino.
O governo dividiu os bairros, e incumbiu ás commissões de recenseamento dos tres bairros de Lisboa e do concelho de Belém, o trabalho do recenseamento que devia fazer-se segundo a lei de 18 de julho de 1885. Mas é preciso notar que a lei incumbia o trabalho não ás commissões designadas pelo governo, mas ás dos bairros de Lisboa e ás dos concelhos de Belem e dos Olivaes.
Por consequencia o sr. ministro deixou de cumprir os §§ 1.° e 2.° do artigo 222.° da lei de 18 do julho, que diziam:
«§ 1.° Para os effeitos d'este artigo as commissões do bairro de Lisboa e as commissões de recenseamento de Belém e Olivaes...
«§ 2.° As commissões do recenseamento de Belem e dos Olivaes...»
Infringindo a lei n'este artigo, o sr. ministro ordenou que os recenseamentos passassem só por vontade sua e segundo as suas ordens de umas commissões para outras, quando um artigo da carta de lei eleitoral de 1884 prohibia expressamente que os cadastros do recenseamento saissem do poder dos secretarios das commissões.
Esta lei impõe a obrigação, e communica multas aos secretarios das commissões só elles deixarem sair os recenseamentos da sua mão
Assim o governo, infringindo a lei de 18 de julho de 1885, infringiu, ou recommendou a inobservancia da lei de 1884, e desacatou ainda a legislação eleitoral vigente, que define a competencia das commissões de recenseamento, porque são as commissões de cada concelho ou bairro as que têem direito de conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos do respectivo bairro.
O sr. ministro alterou os bairros, e portanto ao mesmo tempo feriu não só a lei da reforma do municipio que tinha proposto, mas duas outras leis, uma para que tinha cooperado, e outra que estava em execução ha muito tempo.
Ora se estas illegalidades se praticam aqui em Lisboa, na sede do governo e do parlamento, pergunto, como nos havemos de admirar do que acontece em outras terras do paiz?
Quando isto acontece aqui, não devemos surprehender-nos, com o que se passa nas provincias; e comtudo, o governo está sereno e descançado, e nem se quer se lembrou de submetter á camara um projecto que o absolvesse da falta commettida pela inobservancia da lei.
Mas vamos a ver como as cousas se passaram, para fazer sentir á camara e áquelles que me ouvirem ou lerem as minhas observações se nós temos nas leis as seguranças necessárias para evitar que o governo atropelle os nossos direitos e commetta illegalidades.
O governo decretou illegalmente, e as commissões reuniram-se, trocaram os recenseamentos das freguezias de uns para outros bairros, e começaram a conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos em os novos bairros, para o que não tinham competencia.
Assim as commissões ás quaes foi incumbido o dever de velar pelos direitos dos cidadãos, inclinaram-se perante as illegalidades commettidas pelo governo, vergaram todas.
N'aquellas em que o partido regenerador tinha a maioria, ainda se comprehendia que a minoria fosse vencida; mas vergaram tambem aquellas em que a maioria não era regeneradora e sim progressista.
Quer dizer a maioria progressista vergou igualmente, tornou-se cumplice n'este attentado contra as leis, contribuiu igualmente pela sua parte para que a illegalidade produzisse os seus effeitos.
Ainda ha dois dias nós ouvimos dizer aqui a um dos oradores d'aquelle partido que muitas das scenas verdadeiramente desagradáveis a que assistimos hoje, provinham de se ter estabelecido a politica dos nossos amigos.
Foi talvez por causa dos nossos amigos, que as commissões de recenseamento, em que a maioria era regeneradora, se inclinaram perante o governo. Mas porque se inclinaram as commissões, em que a maioria era do partido progressista? Seria por causa dos nossos amigos, ou por causa dos nossos adversarios amigos? (Riso.}
Tanto um como outro partido são igualmente cumplices n'este attentado contra as leis; um o outro se uniram para que os direitos dos cidadãos não fossem respeitados; ambos se congraçaram para evitar que fosse mantida a genuidade do suffragio.
Estou prompto a acompanhar constantemente o partido progressista sempre que solte a sua voz para condemnar os arbítrios do governo; entretanto permittam-me que lhes diga que hão de ter muito pouca auctoridade para condemnar as arbitrariedades do governo, se contribuem para que ellas se pratiquem diante de nós, aqui mesmo na cidade de Lisboa.
Não peço aos meus collegas da opposição que me respondam, ou que guardem silencio. Isso é para mim absolutamente indifferente.

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Eu já tive a honra de enviar para a mesa um projecto de lei, tendente a acabar com estas irregularidades, pedindo á presidencia em particular que o remettesse á commissão, logo que estivesse constituida, porque é absolutamente indispensavel restaurar o imperio da lei. No relatorio que precede esse projecto disse eu, o repito, que é tempo de acabar de vez com os desatinos e desvarios que se praticam.
A camara estará lembrada do que houve relativamente ao recenseamento da cidade do Porto. Lembra-se da syndicancia que a este respeito se nomeou; lembra-se do movimento que houve na cidade de Lisboa nas vesperas da eleição camararia, no sentido de se pedir que não se fizesse a eleição pelos recenseamentos viciados; e lembra-se commissão que veiu a Lisboa. Comtudo, o que aconteceu?
O sr. ministro do reino disse que não podia acceder aos seus rogos, porque a lei não lho permittia, porque tendo terminado os prasos nada podia fazer. Apoio esta doutrina (Apoiados.) Eu estou prompto a apoiar o governo, quando elle se contém nos limites prescriptos pela lei. Mas é preciso que elle não seja o primeiro a contribuir para que estes vicios e fraudes se pratiquem; e o sr. ministro do reino não póde ignorar que esses vícios se praticaram no Porto. Ainda não tenho conhecimento do relatorio, mas hontem num telegramma vindo da cidade do Porto, e n'este caso seja-me permittido usar dos telegrammas, porque, emfim, ha menos risco em que eu use d'elles do que o srs. ministros.
N'esse telegramma da cidade do Porto, diz-se:

Que foram illegalmente excluidos do recenseamento .... 2:678 eleitores
E illegalmente incluidos .... 1:380 eleitores

Veja v. exa.; 4:000 votos numa votação de cerca de 10:000 votantes, que é o que costuma haver n'aquella cidade, e creio que posso dizer que esta votação é das maiores, já é alguma cousa.
É não é só estarem privados do voto ou votarem indevidamente 4:000 cidadãos; é mais alguma cousa.
É que este facto faz grassar entre os nossos concidadãos, entre os eleitores, a opinião de que não póde haver confiança, absolutamente nenhuma, nos actos eleitoraes.
Isto faz com que os nossos concidadãos não queiram fazer valer os seus direitos, não queiram ir á urna para ahi pesar com a sua opinião.
Entendem que não vale a pena, porque os recenseamentos estão falsificados, estão viciados, dizendo ainda que isto é feito por todos os partidos, os que governam e os que querem governar.
Para que não aconteça isto com respeito aos recenseamentos da cidade de Lisboa, é que eu apresentei aquelle projecto de lei, porque, estamos em janeiro e por consequencia muito a tempo de providenciar sem risco algum de que deixem de correr os prasos, e de que deixe de se fazer tudo o que é necessario para assegurar a genuidade dos recenseamentos.
E hei de pasmar, se o governo não esposar, não acceitar, com as modificações que julgar conveniente, o meu projecto de lei.
Eu disse, quando o apresentei, que já contava para elle com o a poio do partido progressista; e, quando o disse, não era será motivo.
Era-me licito dizer isto, porque, se não tinha a meu favor o partido progressista todo, pelo menos tinha uma importante parte d'elle.
Vou mostral-o.
Alguns dos srs. ministros, como o sr. presidente do conselho, o sr. ministro do reino e o sr. ministro da fazenda, têem dito por varias vezes que não lêem os jornaes.
O sr. ministro da marinha é que não tem esse habito; e eu gosto de fazer as excepções taes quaes são.
O que me parece é que s. exas. umas vezes lêem os jornaes, e outras vezes não lêem. Lêem quando lhes agradam; não lêem quando não lhes agradam.
Eu leio os jornaes todos que posso. Sempre que posso leio os jornaes e leio os livros; e ainda acho pouco o que leio, porque vejo que ainda fico ignorando muito.
Aqui está com respeito ao assumpto a opinião de um publicista do partido progressista.
Não sei se s. exa. está presente; mas não importa que não esteja, porque eu não vou fazer senão a sua glorificação.
Se não está presente, é porque talvez não possa com tanta gloria. (Riso.)
Diz esse publicista, referindo-se ás providencias ordenadas pelo governo no decreto de 17 de setembro, que tinha mandado fazer os recenseamentos, deslocando as freguesias dos antigos bairros, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto bairros novos:
«Mas quem ha de fazel-os. E como se hão de fazer?
«Não se podem fazer porque já passaram os prasos em que a lei os mandou fazer; não ha quem os faça, porque as actuaes commissões têem competencia para os antigos bairros, mas não a têem para os futuros. Não ha quem possa eleger novas commissões, porque não ha recenseamento dos eleitores d'ellas.»
Esta doutrina é perfeitamente verdadeira.
Depois dizia elle ainda:
«O decreto dictatorial ainda determina, para maior exactidão e celeridade das operações de recenseamento a que se vae proceder, que as commissões dos tres bairros de Lisboa e as de Belém o Olivaes enviem umas às outras os recenseamentos em vigor em relação às freguezias que passam de uns para outros bairros. O decreto, porém, não determina cousa alguma em relação aos elementos que são indispensaveis para organisar as listas dos maiores contribuintes, porque os que agora estão apurados, como taes, podem não rir a ser exactamente os mesmos pela nova divisão dos bairros. E os actuaes recenseamentos não são elementos sufficientes para esta parte dos trabalhos eleitoraes.»
«Vê-se, pois, que o governo, quando pretende resolver uma dificuldade, envolve-se em outra que não é inferior á primeira. E ainda outras difficuldades e não monos graves terão de apparecer, quando haja de se proceder aos trabalhos da distribuição da contribuição industrial.»
Mas não fica aqui. Ha mais. Agora é a critica do procedimento do governo.
Dizia elle:
«Haveria absoluta impossibilidade em conciliar a doutrina dos §§ 1.° e 2.° do artigo 222.° mandando o primeiro que as commissões se reunissem e precedessem a trabalhos no domingo immediato ao da promulgação da lei, e determinando o segundo que as commissões de Belem e Olivaes fizessem a distribuição dos eleitores em relação ás freguezias que fossem cortadas pela estrada da circumvallação, nos termos do traçado rigoroso a que se devia proceder? Não nos parece.»
«Bastava que o sr. ministro do reino demorasse alguns dias a promulgação da lei, e que mandasse fazer estudos previos no terreno para lixar o traçado da nova circumvallação, de modo que no dia immediato ou dois dias depois da promulgação da lei, podesse apparecer a divisão do novo municipio, e assim as commissões, tanto as da bairros de Lisboa, como as dos concelhos de Belem e Olivaes, poderiam dar plena execução no que dispunham os §§ 1.º e 2.° do citado artigo 222.°»
E diz ainda este publicista:
«E ainda, para terminar, diremos que os trabalhos que são chamadas a desempenhar agora as commissões de recenseamento não são regulares nem legaes. E é facil proval-o.»
«As futuras commissões foram eleitas em janeiro, nos

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termos da lei, pelos quarenta maiores contribuintes de cada um dos tres bairros - oriental, central e occidental. A sua competência era para organisar os recenseamentos relativamente ás freguezias que compunham cada um dos mesmos tres bairros. Ora estes, passando a ser quatro, aggregando-se-lhes freguezias que eram estranhas á cidade, e passando outras freguezias que são da cidade de uma para outra circumscripção, resulta que as commissões passam a ter attribuições mais largas, e é possivel, e é mesmo certo que alguns, ou mesmo muitos, dos que foram eleitores das commissões de recenseamento não tivessem actualmente a mesma capacidade legal.»
Não sei se o partido progressista esposa esta doutrina.
Tudo isto, sr. presidente, era com respeito á eleição que se havia de fazer. Mas que aconteceu mais? É que mesmo sem o proprio decreto de 17 de setembro fallar em outra irregularidade, foi ella suggerida por qualquer modo ás commissões, a de fazerem a seu talante e a seu capricho, um apuramento dos quarentas maiores contribuintes da contribuição predial para poderem ser chamados em janeiro d'este anno a eleger a commissão de recenseamento.
Não podia nenhuma commissão fazer isto nos bairros novos, nem o sr. ministro o ousou marear no seu decreto; mas ensinou-o provavelmente por meio de algum dos nossos amigos! Pois que para com aquelles que estão dispostos a inclinar-se perante as vontades do ministro ou perante os seus caprichos, temos visto sempre que o governo é excessivamente benevolente; e se ha alguma auctoridade não digo já que reaja, mas que murmure da illegalidade que se pratica, é immediatamente victimada, como aconteceu aqui mesmo na cidade de Lisboa.
De forma que temos um governo, que deve ter os seus agentes em diversos pontos para manter a lei; mas apenas um agente a quer manter, é destituído! Recommenda o governo aos seus agentes, que infrinjam a lei!
E o que é lastima, é que não haja cidadãos que resistam! Eu não me admirava de que os cavalheiros do partido regenerador se inclinassem, como amigos do governo, perante o seu arbitrio; mas que a opposição fizesse o mesmo, é o que é para estranhar. Depois d'estas violencias, veiu, como acontece sempre, a fraqueza.
Todos os governos violentos são fracos. (Apoiados.) E eu não tenho absolutamente receio nenhum dos governos que se levantam com grandes violencias.
Se vejo os poderes levantarem-se com grandes violencias, não tenho receio algum d'elles; esses poderes são fraquissimos.
Todo o governo violento é fraco e por isso se ha tyrannetes que ameçam alguem, riu-me, porque a taes ameaças outra resposta não ha, senão rir a bandeiras despregadas.
Haviam de fazer o que? Nada, haviam de calar-se ou fugir. (Riso.)
Aqui está como o governo procedeu, aqui está como por infelicidade minha, tenho de referir aqui, como procedeu, uma parte da opposição progressista.
O que é certo, porém, é que não escapou mesmo ao publicista a que me referi, o indicar o remedio para a situação irregular em que nos encontrâmos.
Dizia elle:
«Sabemos que não ha meio perfeitamente legal de eleger as commissões de recenseamento em janeiro, mas constituindo-se rapidamente as camaras legislativas poder-se-ha vencer a difficuldade por uma lei de expediente.»
Ora eu adoptei exactamente este conselho, esta doutrina, perfilhei-a e vim aqui apresentar um projecto para isso, e foi por essa rasão que ao apresental-o logo disse, que contava com o apoio de uma parte do partido progressista. Não sei se deva contar ou não, em todo o caso o que direi, é que bem o prega frei Thomás. (Riso.)
Mas o que resulta de tudo isto?
Resulta, que as commissões de recenseamento que estão eleitas ou que foram eleitas, foram-no por collegios eleitoraes illegalmente constituidos; porque não se sabe, se os eleitores que os elegeram eram ou não os que deviam ser, porque em vez de serem apurados na conformidade da lei, foram-no na conformidade do arbitrio das proprias commissões.
E pergunto agora ao illustre chefe do partido progressista, que é membro de uma dessas commissões, se s. exa. não se sente n'uma má posição porque lhe podem lançar em rosto o não estar n'aquelle logar legitimamente eleito; porque o collegio que o elegeu não era legitimo para o eleger.
Pergunto a s. exa., que tantas vezes aqui se levanta, e applaudo-o por isso, para fulminar os que atacam as leis, e para pugnar pela liberdade do suffragio, pergunto a s. exa., repito, se agora com esta pecha g. exa. se póde manter e conservar em uma commissão, sabendo que os que o elegeram para essa commissão se constituiram illegalmente?
E quer a camara saber o que resulta de serem constituídas as commissões por este modo, por esta fórma?
Começando por não saberem se os que as elegeram eram ou não os legitimos eleitores, essas commissões, apenas se constituíram, deram logo prova de desconhecimento da lei; não só não correspondem ao pensamento benefico da lei, nem o comprehendem, mas até desconhecem completamente as disposições legislativas.
Essas commissões, illegalmente eleitas, reuniram-se no dia 25 de janeiro, e estão hoje constituidas. A lei marca que para a cidade de Lisboa e para a cidade do Porto haja em cada bairro um certo numero de secções.
Para que creou a lei estas secções? Qual foi o pensamento que o legislador teve? Evidentemente foi o pensamento de descentralisar os trabalhos, de tornar mais facil aos eleitores o fazerem-se inscrever no livro do recenseamento, de verificarem se eram ou não garantidos os seus direitos. Não podia ter sido outro o pensamento do legislador.
Pois quer v. exa. saber o que acontece? As commissões de secção, uma d'ellas só diz que ha de começar os trabalhos, portanto não sabemos como ella os regulará. E n'este ponto eu ponho de parte a secção a que pertence o illustre chefe do partido progressista, porque essa annunciou que trabalharia, mas ainda não disse quando. As secções do primeiro bairro, essas já annunciaram.
Ora, o primeiro bairro comprehende desde Soccorro, S. Lourenço e S. Thiago até ao Beato, Charneca e Olivaes.
Pois as secções reunem-se todas na rua da Mouraria, e realmente, para commodidade dos cidadãos que habitam no Beato, na Charneca ou nos Olivaes não ha nada melhor de que reunirem-se commissões de secção na rua da Mouraria. Mas ha mais: a commissão reune-se das onze horas da manhã ás tres da tarde, nem mais cedo nem mais tarde; e nos dias santificados não se reúne. Quer dizer que o jornaleiro, o homem que trabalha de sol a sol, que mais facilmente podia vir á commissão no dia santificado, nesse dia a commissão vae repousar.
Será isto comprehender o pensamento da lei? Será isto executar a lei no sentido benefico, que ella parece ter tido? Não é.
Mas querem ver ainda como é que esta commissão comprehende a lei? Diz que o recenseamento ha de estar concluído até 15 de fevereiro. Porque lei se estará regulando? Pela lei de 1878, quando nós temos a lei de 1884, pela qual os prasos vão até 25 de fevereiro. Quer dizer que as commissões, em vez de elucidarem os cidadãos, estão a confundil-os. Não sei se está presente algum membro d'essas commissões; mas esta é a verdade.
Quanto ás commissões de secção do segundo bairro, tambem não posso deixar de apontar o modo como ellas comprehendem a lei. Pertencem ao segundo bairro, o Campo Grande, Lumiar, Ameixoeira e Carnide; pois o eleitor tem do vir aos paços do concelho.
Aqui, ao menos, não se diz que nos dias santificados a

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casa está fechada, annuncia-se que todos os dias se recebem esclarecimentos, mas é de receiar que se for alguém ao domingo não ache a porta aberta.
No terceiro bairro aconteceu o mesmo, ali ha freguezias que estão em boas condições para que os cidadãos possam ir á rua de S. Bento, mas ha outras que não estão.
Benifica, por exemplo. E, n'este ponto, não posso deixar de prestar homenagema uma secção; á que comprehen-deu bem a lei, e eu luto sei quem são os indivíduos que a compõem, não tomei os nomes d'elles, mas essa entendeu que devia reunir-se na casa do despacho da irmandade do Santíssimo de S. Sebastião da Pedreira.
É logar mais apropriado do que obrigar-os cidadãos a irem até á rua de S. Bento.
De maneira que as commissões, ou não comprehendem o pensamento da lei, ou então ignoram a propria lei, e referem-se a disposições que não estuo na lei vigente, enganando os cidadãos, ou porque estão enganadas ou porque não sabem.
Ora se isto é assim, se as cousas se passam por este modo e por esta fórma, qual deve ser o procedimento a seguir?
Não póde ser outro senão collocar as cousas no logar em que devem estar.
A eleição da camara que se fez não se poderá desmanchar. Por isso eu censuro o governo pela illegalidade com que procedeu, alterando o dia da eleição, que não é cousa indifferente, que não póde nunca ser indifferente o que está designado na lei; e tambem o censuro pelas irregularidades praticadas para a formação do recenseamento dos quarenta maiores contribuintes para elegerem as commissões especiaes, e proceder á destrinça dos eleitores a que se refere a lei.
Mas isso não é hoje facil de remediar; e não chego mesmo a pedir ao governo para repor as cousas onde deviam estar; mas com respeito ás commissões de recenseamento, que hão de funccionar este anno, o que mostram comprehender tão pouco e tão mal a lei, quando é sabido e notorio que em alguns pontos da cidade de Lisboa se viciam por habito os recenseamentos, quando é sabido e notório que em muitas povoações hoje annexadas a Lisboa, ora dito por todos que os recenseamentos estavam viciados, e por conseguinte que os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial que elegeram aquellas commissões não eram os que legitimamente deviam ser, quando se sabe isto, entendo que o governo para proceder com decoro e dignidade não póde fazer outra cousa senão acceitar a doutrina do projecto que apresentei, que de mais a mais está de accordo com o que foi praticado em 1859, e com a doutrina estabelecida em 1852.
Para convencer os meus collegas não apresentei novidade; fui buscar aos nossos legisladores, que não tinham sido tão esquecidos como os do anno passado, o remedio para as illegalidades praticadas.
Não é possivel que o partido progressista se levante contra similhante resolução do governo.
Não póde o governo ter opposição de ninguée; não a tem do partido republicano, porque em vez do ter opposição, tem o applauso se proceder d'este modo, por isso que não faz outra cousa senão cumprir a lei.
Por consequencia, o governo que. queria um accordo entre todos para a eleição municipal, estou a ver se o não quer para esto ponto, que salvaguarda os direitos de todos.
Aqui está um ponto em que todos podem estar de accordo. E todos o estão com certeza; não haverá aqui uma nota discordante.
Eu não sei se o governo fará ou não o que lhe proponho. Se o não fizer pratica mal, e, se o fizer, ao menos mostra vontade de acertar.
O que está feito é ou não é uma illegalidade? Ninguem o duvida; e é uma illegalidade que vae alastrando successivamente, porque, quando a illegalidade foi praticada, os cidadãos reclamaram perante as commissões, estas desattenderam as reclamações, e elles, recorreram depois para o poder judicial e não encontraram tambem no poder judicial a justiça a que tinham direito.
Já v. exa. e a camara voem o estado em que estâmos. Nem já o poder judicial nos offereço as garantias que deviamos encontrar n'elle.
Que futuro nos prepara, sr. presidente do conselho? S. exa. veiu aqui dizer que em certo dia tudo estava sereno em Braga.
Peço a s. exa. que reflicta e considere que é mil vezes melhor prevenir do que remediar. E melhor prevenir com o applauso de todos, do que ter de remediar depois, quando será já difficil encontrar o applauso unanime.
Agora tem s. exa. certa a opinião de todos; a opinião do partido republicano e a do partido progressista. E n'este caso qual póde ser e receio do governo? Dizer que se enganou? Um dos collegas de s. exa. que é, digâmos assim, o mais assomado no poder, talvez pela verdura doe seus annos, o sr. ministro da fazenda, disse ha poucos dias que o governo entendeu que era muito melhor alargar o praso de alistamentos dos guardas fiscaes para evitar embaraços e difficuldades.
Ora se até os mais novos nos annos e na vida publica manifestam a sua boa vontade para que se não perturbe o andamento dos negocios publicos e os tempos continuem serenos, porque não hão de estar os outros cavalheiros que se sentam ao lado de s. exa., que são mais velhos, sem com isto querer fazer injuria ao sr. ministro da justiça que, embora seja mais novo, estou convencido de que s. exa., como disse, está disposto a manter a justiça, e por isso conto desde já com o seu voto.
Um collega nosso, que não vejo presente, diste aqui ha poucos dias, ao apreciar as illegalidades praticadas pelo governo, que por causa d'essas illegalidades crescia um partido, que não era o de s. exa., nem o do sr. ministro do reino.
Não digo a esse collega que por se praticarem illegalidades e irregularidades, principalmente nos recenseamentos, viciando-os, as hostes regeneradoras ou progressistas deixem da sor mais numerosas. O que tenho direito de lhes dizer é que cumpram a sua missão se a podem cumprir, representem o seu papel se o podem representar, mas cumpram essa missão e representem esse papel de modo que, quando tiverem de retirar-se da scena, porque ha de chegar a todos a hora ultima, não sejam perseguidos pelas maldições de um povo inteiro atravez da historia.
Espero ouvir a resposta da parte do sr. ministro do reino com respeito á sua acquiescencia ou não acquiescencia em repor as cousas no seu verdadeiro logar e reservo-me para responder a s. exa., se porventura contestar alguns pontos que apontei, e que são a historia veridica do que se tem passado até hoje com respeito á eleição camarária em Lisboa.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Vou responder ao illustre deputado, referindo-me principalmente ás suas observações com respeito á execução da lei do anno passado que reformou a administração municipal de Lisboa.
Não contesto ao illustre deputado o direito que tem de discutir a resposta ao discurso da coroa, e, nesse terreno, apreciar os pontos de politica que entenda, dever discutir. Não confronto mesmo o procedimento de s. exa., com o procedimento do partido progressista, porque reconheço ás opposições, qualquer que seja a sua origem, o direito de tomarem n'este campo a posição que lhes convenha.
Ao contrario da opposição progressista, entendeu o illustre deputado que era melhor concentrar na discussão da resposta ao discurso da corôa todas as accusações que julga poder dirigir ao governo, do que fazer politica do incidentes e discutir a retalho o seu procedimento nos diver-

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sos ramos de administração sobre que pode incidir a apreciação do parlamento.
Está s. exa. no pleno uso do seu direito, procedendo assim e eu cumpro o meu dever acceitando a discussão no terreno em que é collocada.
Notou o illustre deputado que no discurso da corôa se fallava em propostas de lei, destinadas a resolver necessidades urgentes, mas que não se designavam quaes eram as propostas.
Peço licença para dizer que a apresentação dessas propostas é que ha de indicar as necessidades a que o governo procura satisfazer.
O illustre deputado dirigiu se principalmente ao ministro do reino; foi elle o objecto principal das suas accusações, e apenas em algumas das divagações com que adornou o seu discurso, se referiu a alguns dos outros ministros, mas tanto de passagem, tão ao de leve que me pareço que n'esta parte não vale a pena responder-lhe.
Referindo-se ao sr. ministro da fazenda, achou-o muito digno de louvor por ter apresentado uma proposta de lei para o encerramento das contas de varios exercicios; mas estranhou que n'essa proposta haja urna novidade, os créditos complementares, de que o regulamento de contabilidade não faz menção, sem notar que se trata de uma proposta de lei que ha de ser discutida e que tem por fim a legalisação de despezas em que tenham sido excedidas as respectivas auctoriyações, por terem sido insufficientes as verbas votadas; e que esses creditos complementares foram o meio de satisfazer a essas despezas.
Sendo isto assim, onde está aqui o perigo da innovação?
Referiu-se tambem o illustre deputado ao sr. ministro da marinha, e perguntou se continuava no systema de legislar na vespera da abertura do parlamento.
S. exa. não carece da minha defeza, porque tem voz n'esta casa e na primeira occasião, se não agora, ha de responder a esta observação do illustre deputado; mesmo talvez lhe aponto alguns precedentes que hão de ser verdadeiramente insuspeitos para o illustre deputado.
Mas, como já disse, o sr. Elias Garcia dirigiu-se especialmente ao ministro do reino e começou por notar que elle se preocupava tão pouco com a instrucção publica que, tendo firmado um decreto com a data de 30 de dezembro, só o veiu a publicar em 25 de janeiro.
E aqui está o grande crime de que me accusa o illustre deputado, no tocante a instrucção publica.
Mas eu não sei bem do que é que s. exa. argue o governo; se é de se ter antecipado o decreto, ou de se ter demorado na publicação porque póde haver delicto em qualquer d'estes casos.
Sabe o illustre deputado para que era esse decreto?
Desde que a reforma administrativa tinha alterado a competencia das juntas geraes neste assumpto e tinha dado ao governo mais attribuições do que ellas tinham, principalmente no que diz respeito á inspecção das escolas normaes, é claro que a lei auctorisava o governo a alterar as respectivas bases. Foi por isto que se publicou o decreto a que alludiu o illustre deputado. E como n'esse decreto se diz que os membros da inspecção devem ser eleitos pelas commissões de instrucção e de saude que funccionam junto da camara municipal, é claro que era preciso esperar que estas commissões estivessem eleitas para BC poder executar aquelle decreto.
Aqui está a rasão porque o governo por um lado se deu pressa em alterar o que estava estabelecido, em relação á inspecção das escolas normaes, e por outro lado teve de esperar que se fizessem as eleições da camara municipal e das commissões para que o decreto tivesse execução.
Ha mais alguma cousa. A má vontade do illustre deputado contra o ministro do reino foi a tal ponto que, apresentando um relatorio do conselho superior, exclamou: «aqui está um relatório que em nada se deve ao ministro, e que se o temos, é por effeito de uma emenda votada n'esta casa sobre o conselho superior de instrucção publica.» Vejamos o valor d'esta observação.
Na proposta apresentada pelo governo dizia-se que o conselho superior apresentaria no fim dos seus trabalhos, depois da reunião da parte electiva, um relatorio ao governo. Por occasião da discussão nesta casa foi apresentada uma proposta, não sei se pelo illustre deputado, para que este relatorio fosse publicado na folha official, e o governo concordou com ella.
Por consequencia o illustre deputado, que attribue ao auctor da proposta o ter hoje na mão o relatorio do conselho superior, devia ter prodigalisado, por igual, os seus agradecimentos á camara que votou essa proposta, e ao ministro que concordou com ella. Seria isto um acto de justiça; mas s. exa. é que não quiz pratical-o.
Ora, o que está determinado é que o relatório seja publicado na folha official; mas o illustre deputado não apresentou aqui o Diario do governo; o que apresentou foi um folheto contendo esse relatorio, que foi distribuído ás camaras e que por certo não caiu do céu... e eu não lhe peço que me agradeça, mas apenas que me faça justiça.
Mas entremos mais especialmente no que diz respeito á execução da reforma administrativa, porque foi sobre este ponto que o illustre deputado mais insistiu, accusando o governo de haver praticado illegalidades.
Devo dizer a s. exa. que se eu estivesse convencido de que o governo tinha excedido as faculdades legaes, acceitava o seu projecto ou outro qualquer no mesmo sentido; mas não estou convencido do ter violado a lei, nem o illustre deputado o provou, e portanto, não vejo necessidade de o acceitar.
Direi as rasões que tenho para assim pensar.
O § 1.° do artigo 222.° da reforma administrativa municipal mandou que as commissões de recenseamento se reunissem no primeiro domingo immediato ao da sua promulgação para apurar os collegios eleitoraes dos 160 maiores contribuintes, assim como dos professores, dos individuos habilitados com cursos superiores e dos médicos que tinham de proceder á eleição das commissões que, nos termos da lei, fazem parte da camara municipal.
É verdade que o illustre deputado se referiu aos trabalhos preparatorios, e disse que o governo não tinha mandado nada a este respeito...
O sr. Elias Garcia: - Eu não vi.
O Orador: - Pois digo-lhe que mandou.
O sr. Elias Garcia: - Estando marcado na lei não era necessario que o governo mandasse.
O Orador: - Ha muita cousa que está marcada na lei e que para ter execução é necessario que alguém intervenha. As leis executam-se por meio de funccionarios, e no caso sujeito o governo deu as ordens precisas para se proceder aos trabalhos preparatorios.
Declaro ao illustre deputado que estou argumentando de boa fé. O governo não tinha interesse algum em proceder deste ou d'aquelle modo: tinha, sim, obrigação de executar a lei e foi o que fez, estudando previamente o melhor modo de o fazer. Executou-a assim. Errou? É necessario provar que errou, e o illustre deputado ainda não provou que a rasão esteja do seu lado. Os cidadãos tinham direito de reclamar; mas creio que não reclamaram na sua grande maioria e se algum reclamou, o poder judicial não lhe deu rasão.
Insurge-se agora contra isto o illustre deputado e vem clamar contra o poder judicial, dizendo que elle não entendeu bem a lei! O poder judicial é independente e pela minha parte devo dizer que, no caso de duvida, inclino-me para o lado d'esse poder.
É necessario notar que a lei da reforma municipal comprehende uma tabella de prasos para as operações de recenseamento, e que a somma d'esses prasos é de setenta dias. As diversas operações do recenseamento e o praso do recurso preenchiam talvez esses setenta dias.

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É preciso tambem saber que a lei determinou que o governo dividisse o município de Lisboa em quatro bairros; e tudo isto tinha de ser leito antes da eleição.
Alem d'isto, s. exa. comprehende muito bem que desde que a lei mandava eleger as commissões de instrucção, de saúde e de beneficencia, para as quaes era preciso fazer um apuramento especial, e desde que ella dizia que em relação aos maiores contribuintes se havia de tomar em conta, para o municipio de Lisboa, não só as colectas da contribuição industrial, mas tambem as da contribuição predial. é claro que havia de haver previamente um recenseamento, e na organisação d'esse recenseamento gastavam-se os setenta dias marcados na lei.
Por outro lado ainda, a lei estabelecia que o município seria dividido em quatro bairros, e assim o governo tinha de proceder a essa divisão para que a eleição se podesse fazer.
Também na lei é expresso que hão de ser 160 os maiores contribuintes apurados; quer dizer, 40 por cada bairro, visto que estes são quatro. Logo o governo não podia proceder á eleição camararia sem primeiro ter feito a divisão dos bairros, e essa divisão não podia ser feita senão na conformidade da tabella que faz parte da lei.
Podia haver um remedio; era encurtar os prasos estabelecidos na mesma tabella, mas eu pergunto ao illustre deputado o que achava peior, se adiar a eleição municipal, que não era urgente, visto que só em janeiro a camara tinha de funccionar; se encurtar o praso, encurtando assim as garantias dos cidadãos em matéria tão importante como aquella de que se trata, e que s. exa. tem em tanta consideração.
Não ha que sair daqui. O governo ou havia de adiar a eleição municipal, ou havia de fazer uma nova tabella para as operações do recenseamento, encurtando os prasos que se acham estabelecidos.
Portanto, uma vez demonstrado, como demonstrei ao illustre deputado, em primeiro logar, que era preciso fazer O traçado do terreno para a destrinça dos eleitores, como manda a lei; em segundo logar dividir os bairros de Lisboa, e depois dar tempo para que as com missões do recenseamento nos quatro bairros procedessem ás suas operações, observando os prasos da tabella, parece-me de toda a evidencia que era absolutamente impossível fazer tudo isto sem se adiar a eleição.
Para se poder fazer a eleição no primeiro domingo de outubro só havia um meio, que era encurtar o praso para as operações do recenseamento; mas como essa diminuição equivalia a uma suppressão de garantias, entendeu o governo que não devia lançar mão desse meio, visto não haver inconveniente no adiamento da eleição.
Onde está, pois, aqui a violação da lei? O governo é obrigado a cumprir as leis, mas não é obrigado a fazer impossiveis; e se eu mostro ao illustre deputado que se cumpriu a lei da unica maneira possivel, e da maneira que dava maiores garantias aos cidadãos, s. exa. não tem de que se queixar do governo.
Entendeu tambem o illustre deputado que o governo violou a lei noutro ponto; foi. quando mandou fazer a eleição das commissões de recenseamento pela fórma a que se referiu...
(Áparte do sr. Elias Garcia.)
Havia o que as commissões fizeram....
(Áparte do sr. Elias Garcia.)
O illustre deputado sustentou que este procedimento era illegal.
Ora, vejamos e discutamos o que ha, porque nenhum de nós é infallivel.
Eu digo que não acho nenhuma illegalidade n'este procedimento.
O que aconteceu? Quaes foram as commissões de recenseamento que funccionaram nos tres bairros anteriormente estabelecidos?
Funccionaram as commissões que estavam legalmente eleitas.
(Áparte do sr. Elias Garcia.)
Perdoe-mo o illustre deputado. Eu vou respondendo a todas as suas objecções.
Se deixar de responder a alguma, peco-lhe o favor de ma indicar; o que não posso é responder a todas ao mesmo tempo.
As tres commissões de recenseamento que existiam nos tres bairros de Lisboa fizeram as operações de recenseamento relativas a esses bairros. E quem fez as do quarto? A commissão que existia no concelho de Belem, porque, como se sabe, foi com uma grande parto do concelho do Belém que se constituiu o quarto bairro,
O que queria o illustre deputado que se fizesse?
Que ficassem os quarenta maiores contribuintes recenseados pelas commissões anteriores?
Não. Quem havia então de fazer o recenseamento dos quarenta maiores contribuintes?
Ninguem?
Mas n'esse caso passava o praso legal, sem se fazer a eleição das commissões.
Era isto que s. exa. queria? Era isto o que achava legal?
O illustre deputado adia extraordinario que o governo adiasse o praso da eleição municipal, mas não entende o mesmo com respeito ao praso para a eleição das commissões de recenseamento.
O dia da eleição da camara, que era indifferente que fosse em outubro, em novembro ou dezembro, porque ella só tinha de reunir-se em janeiro, esse é que prooccupava o illustre deputado, mas não se importava cem o praso para a eleição das commissões recenseadoras, que tinham de installar-se para começar os seus trabalhos!
Pois eu confesso que este ultimo assumpto me deu muito cuidado.
Mas, no dizer do illustre deputado, as commissões de recenseamento fizeram os seus trabalhos illegalmente, por não terem competência em relação a algumas freguezias, em resultado da alteração que soffreram os bairros.
Não me parece que isto seja rasão sufficiente para se concluir que se praticou uma illegalidade.
As commissões de recenseamento tinham sido legalmente eleitas, e portanto funccionavam legalmente. Continuando a fazer as operações do recenseamento, exerciam os seus direitos na maior parte dos respectivos bairros, isto é, nos mesmos bairros, com excepção de uma ou outra freguezia que tinha sido mudada.
Os proprios recenseamentos d'essas freguezias foram remettidos, como base de trabalho, para os bairros para onde ellas tinham sido mudadas.
Onde ha aqui a incompetencia?
Pois o illustre deputado não sabe que, quando teve execução o decreto de 1869 que auctorisava a desannexar freguezias, não só para os effeitos administrativos mas elei-toraes, muitas vezes as commissões de recenseamento ficaram a funccionar, apesar da desannexação de algumas das freguezias? E nunca ninguem reconheceu, que pelo facto da desannexação ficava, em parte, alterada a competencia das commissões. É um exemplo que não pode esquecer a s. exa.
O illustre deputado sabe que essa lei auctorisava o governo a desannexar freguezias para todos os effeitos; foram muitas desannexadas em differentes epochas, e todavia as commissões continuaram a considerar-se competentes para o recenseamento.
Mas ha mais alguma cousa.
Não só contra a inscripção ou não inscripção de eleitores no caderno do recenseamento, mas contra todas as illegalidades na constituição da commissão recenseadora ha recurso para os tribunaes competentes.
Por consequencia todos aquelles que entendiam que a

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lei tinha sido executada indevidamente ou que negavam a competência da commissão de recenseamento, podiam recorrer para esses tribunaes.
Porque o não fizeram? (Muitos apoiados.)
E, sr. presidente, devo dizer mais uma vez, que não comprehendo esta doutrina liberal, em que os illustres deputados republicanos andam sempre a fallar. Descentralisação constante para tudo, mas ao mesmo tempo querem ver a mão do governo metida em todos os negocios! (Muitos apoiados.)
O meu desejo é diverso. Sustento, como a melhor doutrina liberal, pelo que respeita ao exercicio dos direitos politicos, que o governo deve intervir o menos possivel em negocios d'essa natureza.
Na lei ha recursos para os tribunaes, que hão de decidir, se houver reclamações, a favor ou contra essas reclamações.
É, pois, obrigado o illustre deputado a reconhecer a competencia legal das commissões de que se traia e que ellas têem mesmo a sancção dos tribunaes. (Apoiados.)
Sr. presidente, n'esta ordem de idéas respondo eu tambem a umas arguições que o illustre deputado fez ao governo, de camaradagem com outro partido, a respeito do modo porque procederam as commissões de recenseamento.
Desde que estão estabelecidos recursos para os tribunaes, o governo abstem-se de intervir.
É esta mesma doutrina a que se applicou em relação á commissão do recenseamento do Porto. Sabem todos que esta commissão era partidária da actual situação; e que fez o governo? Declarou nada poder fazer, visto que os prasos estavam fixados na lei e todos podiam reclamar e recorrer.
Por consequencia o facto do governo, em nome da lei, deixar de intervir, demonstra a sua imparcialidade. (Muitos apoiados)
Devo ainda dizer ao illustre deputado, que do mais a mais a lei eleitoral, como s. exa. sabe, manda que cada bairro de Lisboa e Porto, para os effeitos do recenseamento, seja divido em cinco secções.
Note bem o illustre deputado que a lei não diz: «os tres bairros de Lisboa e os dois do Porto.»
Ora desde que a reforma administrativa mandava juntar um quarto bairro, claro está, que era absolutamente necessario, que a esse quarto bairro, se applicasse a mesma doutrina estabelecida na lei de 1884. Só assim se daria cumprimento á lei.
Como queria o illustre deputado, que aparecessem três bairros divididos em cinco secções, cada um, e um quarto bairro só, sem a divisão de secções, nos termos da lei de 1884?!
Era evidente, que o governo percisava de harmonisar todas as leis em vigor sobre o assumpto e de lhe dar a melhor execução possivel; e foi exactamente o que fez. (Apoiados.)
Não desejo tomar mais tempo á camara, nem fatigar-lhe a sua attenção; mas precisamos ver o que pretendia o projecto apresentado pelo illustre deputado, qual era a sua intenção.
Creia s. exa. que eu tambem leio, porque gosto de ouvir a todos e gosto de ler tudo quanto me é possivel ler; mas o que faço sempre é uma escolha nas minhas leituras. O illustre deputado diz que lê tudo e que tem pena de não poder ler mais; tambem eu, mas repito, o que costumo é escolher o que hei de ler e n'essa escolha prefiro, com muito prazer, os trabalhos do illustre deputado, especialmente quando se referem a assumptos que respeitam á pasta dos negocios do reino, que estou gerindo. Li portanto o seu projecto de lei.
Em que consiste elle?
Para evitar uma supposta violação da lei, s. exa. diz: «A camara municipal reune-se com o escrivão de fazenda e trata de apurar os quarenta maiores contribuintes em tres listas, que são, uma para a commissão do recenseamento politico, outra para o recenseamento dos pares, e a outra para o recenseamento do municipio de Lisboa.»!!
E fazia-se tudo isto, sem poder haver, uma só reclamação! Tudo se fazia, segundo o seu projecto, ex equo et bono! (Riso.)
Aqui está o remedio heroico que o illustre deputado descobrio para sanar as difficuldades e as irregularidades, que lhe parece ver n'esta parte da reforma administrativa!
Ora eu sei que se o seu projecto fosse convertido era lei, podia ser accusado de tudo, menos de illegal, porque era lei ; mas o que é preciso saber, é se elle está em condições de poder ser convertido em lei, e que melhorias, que vantagens trazia para a situação actual.
Vejamos o que aconteceu. Aconteceu que as commissões que se achavam legalmente eleitas para os tres bairros de Lisboa, e a que já se achava, tambem legalmente eleita, para o concelho de Belém, com o qual se constituiu quasi todo o quarto bairro, fizeram o actual recenseamento, abrindo e facilitando todos os recursos, contra todos aquelles que fossem indevidamente inscriptos, ou que o não tivessem sido, recursos, que se os houve, deviam ter seguido os seus tramites, recahindo sobre elles o julgamento dos tribunaes competentes.
Depois de tudo isto, é que os quarenta maiores contribuintes apurados n'um recenseamento elegeram as actuaes commissões recenseadoras que estão funccionando.
O que queria o illustre deputado que se fizesse em vez disto? Lá está no seu projecto: reunia-se a camara municipal com o escrivão de fazenda, e á porta fechada, fazia-se tudo, como que em segredo, sem poder haver recurso algum para os tribunaes; e dali sabiam as commissões de recenseamento! E eram essas commissões de recenseamento que, no entender do illustre deputado, ficavam revestidas de toda a auctoridade e que davam todas as garantias aos cidadãos!
Peço desculpa ao illustre deputado, mas não posso concordar com o seu systema. (Apoiados.) E permitta-me dizer-lhe que, apesar de ser legal o que se fizesse em virtude do seu projecto, depois de approvado e convertido em lei, nem por isso a commissão, que fosse eleita teria mais auctoridade do que aquella que está funccionando actualmente.
Eu creio que tenho explicado claramente o meu pensamento. A commissão de recenseamento foi eleita pelos 40 maiores contribuintes apurados pela outra commissão que havia sido eleita no anno passado com todas as garantias legaes.
Quando se fez o apuramento desses 40 maiores contribuintes, abriu-se o recurso para os tribunaes contra qualquer irregularidade praticada por essa commissão; e é depois de decididos esses recursos, se os houve, que a commissão está funccionando.
Pelo projecto do illustre deputado, se elle fosse convertido em lei, a commissão do recenseamento era sem duvida legalmente escolhida pelos contribuintes; mas esses contribuintes tinham, sido apurados pela camara municipal e pelo escrivão de fazenda, sem se abrir recurso contra qualquer irregularidade; e eu confesso francamente á camara que não só acho legal o que se fez até aqui, mas prefiro, pelo lado das garantias, o systema actual, ao que offerece o illustre deputado no seu projecto, que não teria, senão o mérito de ser legal.
E não basta isto, para se dizer que offerece todas as garantias aos cidadãos.
Era legal, mas eu sustento que o que se fez era legal tambem, com a differença de que se fez com todas as garantias, ao passo que, pelo projecto do illustre deputado, nenhumas haveria.
Creio ter respondido aos principaes argumentos do illustre deputado, e se for preciso dar de novo algumas expli-

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cações, nenhuma duvida terei nisso. Por agora não quero fatigar mais a attenção da camara.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elias Garcia: - Uso novamente da palavra porque careço não só de rectificar o que disse, mas ao mesmo tempo pedir tambem ao sr. ministro do reino que rectifique algumas das suas asseverações. S. exa. sustentou que era legal o adiamento da eleição; eu digo que estava prescripto na lei o dia da eleição, e portanto s. exa. não podia adiar. Não se cumpriu a lei adiando a eleição; d'aqui não ha saída: ou sim, ou não. Se a lei diz que a eleição se deve fazer em um certo dia, e a eleição se não fez, não se cumpriu a lei, o governo procedeu illegalmente. Póde o illustre ministro do reino recorrer ás subtilezas que quizer; póde lançar mão dos argumentos que entender, mas d'aqui é que não póde sair, nem eu o deixo sair.
Mas s. exa. não só não cumpriu a lei, mas vem ainda explicar, de uma maneira insolita, que outro nome não tem, ou dar a rasão porque não a cumpriu. Porque? Porque precisava fazer a divisão dos bairros. Nego. S. exa. não precisava fazer a divisão dos bairros, nem a lei obrigava a isso. Para se cumprir a lei, não se carecia absolutamente para nada, de proceder á divisão dos bairros. Pois s. exa. nem sabe ao menos cumprir as leis que faz? Um meu illustre collega disse em outro dia que os ministros vinham para aqui para declarar que não podiam responder ao que se lhes perguntava.
Pois eu digo mais; os ministros nem sabem comprehender as leis, que elles mesmos fazem.
O sr. Marçal Pacheco: - Os ministros não fazem as leis.
O Orador: - Os ministros, que propõem as leis, que as discutem, que as recebem do parlamento, não as comprehendem.
E é para lastimar que um ministro assigne uma lei sem a entender.
Mas vem dizer-se que não se podia proceder á eleição, sem fazer a divisão dos bairros! No mez de junho ao discutir-se a lei não passava pela mente do sr. ministro o trabalho que havia de dar e o tempo que levaria a fazer o traçado da linha da circumvallação?
S. exa. ignorava isso? Não sabia o que isso custava? Quando eu pedia uma planta para conhecer a linha da circumvallação, para entender o projecto, s. exa. dizia «não é preciso»; foi aprender depois. Pois é preciso que os ministros saibam antes, e não venham depois desculpar-se com a sua falta de conhecimento dos negocios e das cousas, dando como rasão do não poderem cumprir uma lei não saberem interpretal-a.
Isto é que é indispensavel que a camara saiba. A maioria da camara póde applaudir o sr. ministro, mas o que não póde negar é que o sr. ministro não soube cumprir a lei. O proprio publicista a que me referi disse que bastava demorar alguns dias a promulgação da lei para se saber por onde passava a estrada da circumvallaeão e fazer-se a destrinça dos eleitores que era absolutamente necessaria. Por consequencia, e sr. ministro não podia ignorar, não lhe era licito ignorar; e se o sabia e não preveniu, é duplamente culpado. A obrigação de um ministro é cumprir a lei; não se póde desculpar com subtilezas e artificios de qualquer ordem, dizendo que cumpriu a lei pelo modo possivel, quer dizer, rasgando-a.
Pasmo de que haja uma camara que ouça dizer ao ministro: «rasguei a lei porque só rasgando-a é que a cumpria». Não me admiro já de que o ministro proceda com arbitrio; o que me admira é que a camara o apoie; lamento e lastimo isso; pela minha parte não acompanharei nunca neste caminho os meus collegas. A prescripção legal não admitte interpretações, não admitte subtilezas; pelo monos a auctoridade não deve recorrer a essas subtilezas, esse recurso é para os advogados. Por isso já disse um publicista que é preciso acabar com os advogados, porque não precisamos de advogados, do que precisámos é de homens. (Riso.) Os que trabalham, os que se batem, os obreiros, esses é que são os homens. (Riso.)
E esse publicista dizia muito bem.
Não ha artificio nem talento que seja capaz de encarar o ponto de que tratâmos de outro modo.
Foi illegal o procedimento do governo, e a desculpa que elle dá, condemna-o.
E dizia-nos o illustre ministro: «achei-me com esta lei.» (diga antes «com este trambolho.») (Riso.) «e não sabia como havia de a executar. Tinha este artigo, quase havia de executar em tal dia, tinha que fazer outras cousas, não sabia o tempo que levaria a fazel-as, e por consequência não tive outro remedio, rasguei a lei e adiei a eleição.»
Eu digo como procederia outro homem no caso de s. exa.
Esta lei cumpria-se em todas as suas disposições dentro do praso. Só não se podia cumprir a disposição .que era inexequível, porque o que é inexequivel ninguem póde executar.
A lei dizia:
«As commissões de bairro de Lisboa e as commissões de recenseamento de Belem e dos Olivaes reunir-se-hão... a fim de apurar... cento e sessenta maiores contribuintes.»
Eram tres os bairros de Lisboa, dois os concelhos, isto é, cinco commissões a apurar cada uma d'ellas quarenta maiores contribuintes; apuravam duzentos e não cento e sessenta.
Por consequencia s. exa. podia dizer que cumpria a lei fielmente fazendo-se a eleição em 18 de outubro, como está designado na lei.
Fazia-se a destrinça dos eleitores correspondentes á nova circumscripção, em relação á parte annexada, na conformidade da lei; o recenseamento dos professores e dos medicos fazia-se na conformidade da lei; só se não podiam apurar os cento e sessenta maiores contribuintes para elegerem as commissões de fazenda e de beneficencia da camara municipal.
Mas esta ultima parte não se executava, porque os governos têem obrigação de executar as leis, mas só o que é exequivel, e quando s. exa. viesse aqui dizer que não executára, porque era inexequivel, ninguem o podia condemnar por isso. Mas, em vez de proceder d'este modo, o que seria um procedimento legitimo, correcto e de observador da lei, procedeu de modo differente.
S. exa. diz-nos constantemente que quer a descentralisação e não quer a interferencia do governo. Também eu não a quero, mas não a posso evitar, porque é o governo que vae bater a todas as portas para influir por todos os modos; e apesar disso não consegue tudo. Ainda bem.
Eu não sou menos partidario da descentralização do que s. exa.; o que quero é que ella seja effectiva, e que as corporações, os tribunaes tenham força bastante para resistir aos actos de prepotencia do poder.
Diz s. exa.: «appellem para os tribunaes». Oh sr. presidente, appello, mas na minha appellação vae tambem o meu juizo ácerca do que é a independencia d'elles. O que importa appellar para os tribunaes? S. exa. não sabe que ha tribunaes, assim como ha juizes, que não têem independencia?
Em muitas epochas, e em muitas sociedades o proprio poder judicial não foi capaz de se manter na altura em que se devia conservar. De sobejo o devem saber. Se eu appellando primeiro, segunda e terceira vez para os tribunaes, vejo que a justiça me é negada; o que significa appellar para os tribunaes?
Diz-nos s. exa. appellemos para os tribunaes. Quaes são os tribunaes? Nalguns casos é o do contencioso administrativo. Este tribunal é uma instituição contra a qual se

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tem levantado muita gente, e que póde ter prós e contras, o contra é ser constituido á vontade do governo.
E é notavel que em certas cousas cada vez andamos mais para traz.
Já por vezes esteve cerceada um pouco a escolha do governo com respeito a algumas commissões, porque se designava perceptivamente quaes os individuos que haviam de fazer parte d'ellas o as corporações que as nomeavam. Agora, porém, parece que por voto do conselho superior de instrucção publica, voto que eu hei de pedir, as commissões inspectoras das escolas normaes serão formadas, elegendo as commissões consultivas especiaes da camara de Lisboa em lista triplice, para o governo escolher um. Já o governo não quer menos de três para escolher um.
O governo póde dizer o que quizer, mas não poderá dizer nunca que procedeu legalmente.
Vamos agora ás com missões nomeadas em janeiro. Diz o sr. ministro do reino: «Pois então queriam que eu deixasse que as commissões de recenseamento não se reunissem?»
Eu não queria que s. exa. obstasse á reunião das commissões do recenseamento, o que queria era que não se intromettesse nas eleições, mas infelizmente no nosso paiz, desde o regedor de parochia até ao ministro do reino, todas as auctoridades cuidam principalmente de eleições.
Acuso pensava o sr. ministro do reino que cairia Lisboa, se não se reunissem aã commissões em 7 de janeiro porque não podiam reunir-se legalmente?
Pois não estava o parlamento aberto para resolver sobre o caso, já que a lei o não prevenira?
Se não havia collegios eleitoraes que podessem eleger essas commissões, ellas se reuniriam em outro qualquer dia, porque o parlamento estava aberto e o sr. ministro podia apresentar uma proposta do lei de expediente para se tomar uma deliberação sobre o assumpto, como o projecto que eu apresentei, e a que s. exa. já notou a pecha de não ter recurso. Para mim pouco importa o recurso porque confio mais nos homens do que nos recursos. Confio mais no que deve ser feito pelos homens de todos os partidos, do que no que tom de ser resolvido pelas auctoridades que são de um unico partido.
Modifiquem o projecto como quizerem, mas adoptem-n'o porque é legal, e se a pecha que tem é a falta de recurso, consigne-se ahi o recurso como se entender.
O illustre ministro do reino citou o que se tem praticado no paiz á sombra do decreto de 1869, mas como s. exa. e advogado, e como es advogados muitas vezes citam disposições de lei que estão apenas na sua mente, não sei se effectivamente aconteceria assim.
Não tenho aqui á mão os apontamentos necessarios para mostrar o que tem acontecido por esse paiz, mas todos os dias collegas nossos nos dão novidades que nos maravilham.
Mas o que não desejava e que isto se passasse aqui, na capital; o que não desejava é que s. exa. tivesse a resolução de vir dizer que o que fez e uma cousa corrente, e que não valia nada, assim como dizia ha poucos dias o sr. ministro da fazenda com respeito aos clamores que só levantaram por causa da guarda fiscal.
Isso tambem era uma questão que não valia nada, uma questão de continencias e de galões.
Não se póde admittir similhante doutrina; não se póde admittir a doutrina de que o governo tem o direito de faltar á lei, por que assim lhe pareceu melhor.
As leis são para se cumprirem e não para os srs. ministros as atropellarem á sua vontade.
A lei diz que as commissões de recenseamento são eleitas em cada bairro pelos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, e estas commissões e que apuram os quarenta maiores contribuintes que elegem as commissões do anno seguinte; assim foi estabelecido na lei de 1859.
As commissões, ao decretar-se esta lei de 1859, que então existiam, não tinham faculdade se não para conhecer da capacidade dos eleitores e elegiveis; não tinham faculdade para conhecer do eleitor que é maior contribuinte. E a lei de 1859 foi tão previdente e cautelosa que não alargou as faculdades das commissões então existentes, faculdades que se limitavam a conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos, mas não d'esta capacidade especial do maior contribuinte; e por isso disse que n'esse anno não se podia fazer como se decretava, mas que se procedesse transitoriamente de outro modo.
O legislador em 1859 tinha um justo melindre em dar faculdades para conhecer da capacidade eleitoral áquelles que não as tinham. Mas o sr. ministro não se importou com isso. Disse: o cidadão que tem faculdade para conhecer dos eleitores da Conceição Nova passe por arbitrio meu a ter faculdade para conhecer da capacidade dos eleitores da Ameixoeira, do Lumiar ou de Carnide.
Diz o sr. ministro que é uma cousa natural e facil; é aquelle não vale nada de que nos fallava o sr. ministro da fazenda a proposito das continências. (Apoiados.)
Não quero tomar mais tempo á camará. O que digo ao sr. ministro do reino é que o que fez foi illegalmente feito. Podia ter pelo seu lado a justiça, embora não tivesse a rasão; mas nem a justiça, nem a rasão tem.
O meu projecto tem por fim pôr as cousas no seu verdadeiro, pé; e embora s. exa. diga que o não acceita, hei de pedir que elle se discuta, porque ao menos desejo que esta camara o rejeite. Hei de sollicitar que se tome uma resolução a este respeito. Desejo que se corrija tudo o que possa ser origem de vicios, de defeitos ou concorrer para a falta do genuidade do acto eleitoral.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Sinto ter de fatigar novamente aattenção da camara n'este debate; mas o illustre deputado, voltando á questão, fel-o de tal modo irado, e não direi que não foi tambem facundo, que pelo tom da sua voz e pelo azedo das suas observações, obriga-me novamente a responder-lhe, sendo certo, todavia, que não fez senão repetir os argumentos que já tinha apresentado e a que eu já havia dado resposta.
Queixa-se o illustre deputado de que, adiando a eleição, o governo violou a lei.
Estava marcado um dia, e na opinião de s. exa., ou a eleição nesse dia ou nada; o governo não podia adiar.
Já provei ao illustre deputado que o governo podia adiar.
O sr. Elias Garcia: - Provou?!... Disse.
O Orador: - Creio que provei. (Apoiados.) De resto o illustre deputado póde ouvir e entender como quizer. (Apoiados.)
Provei ao illustre deputado que era impossível, absolutamente impossivel, fazer a eleição no dia marcado.
O sr. Elias Garcia: - E eu provei que era possivel.
O Orador: - Decididamente o illustre deputado está confundido.
A lei de que tratâmos manda que os collegios dos professores e dos medicos, e a commissão de beneficencia sejam escolhidos pelos quarenta maiores contribuintes das contribuições predial e industrial.
Esses precisam ser recenseados.
E por quem hão de sel-o?
É preciso para isso que se proceda a certas operações.
Na tabella annexa á lei estão marcados todos os prasos para essas operações, e esses prasos perfazem setenta dias.
O sr. Elias Garcia: - Já ainda agora disse o mesmo. Isso não vale nada.
O Orador: - Não vale nada?!...
Pois tudo o que tenho indicado era preciso para se executar a lei e isto não vale nada?! (Apoiados.)
O illustre deputado, engenheiro e professor, o que, apesar de se insurgir contra os advogados, se constituiu advogado

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da lei, póde dizer que isto não vale nada para a sua execução?! (Apoiados.)
A lei declara precisos setenta dias para a execução de uma parte d'ella, e isto não vale nada?!
Pois a lei não diz que são 160 maiores contribuintes, 40 por cada bairro, que hão de fazer a escolha d'aquelles corpos a que me referi? Não é evidente que se ha de fazer a divisão por bairros, e que, portanto, antes dos prasos marcados ella se não póde executar? (Apoiados.)
(Áparte do sr. Elias Garcia.)
Peço licença para dizer que não sou da opinião do illustre deputado, mas não lhe respondo com o azedume com que s. exa. me agrediu.
Não está isso nos meus habitos, nem ha de estar nunca, porque não quero que esteja.
Posso apresentar as minhas opiniões com calor, mas respeitando sempre as dos meus adversários. Hei de continuar a manter-me n'este terreno em que me tenho mantido sempre. Nunca sairei para fora d'elle, e digo-o, porque tenho a certeza disto; o illustre deputado é que talvez não possa responder assim por si.
O sr. Elias Garcia: - Posso, posso.
O Orador: - Em vista do que lhe ouvimos, não me parece que possa estar muito seguro disso. (Apoiados.)
No entanto, consola-me que o illustre deputado no meio das suas iras contra o ministro do reino, se enfurecesse tambem não só contra os advogados em geral, mas até contra os tribuuaes constituidos.
Creio que s. exa. sustentou que a independencia dos tribunaes, como tudo mais, parecia estar nas mãos do governo.
Chegáramos á situação, no seu entender, de se achar tudo nas mãos do governo, e assim já não só sabe do que se ha de cuidar para a organisação deste paiz. Quasi que é inutil fallar-se n'esta camara, e dirigirem-se os deputados ao governo!
Na opinião do illustre deputado, não ha senão que lamentar as desgraças da patria, e velar a estatua da liberdade. É a unica cousa que ha a fazer!
Mas o illustre deputado já viu que está infallivelmente demonstrado...
O sr. Elias Garcia: - Infallivelmente é de mais. (Riso.)
O Orador: - Direi a s. exa. que não o deixo saír d'aqui...
O sr. Elias Garcia: - Não saio, não senhor. (Riso.)
O Orador: - De certo que não o deixo sair d'este ponto.
A lei manda proceder a uma certa ordem de operações, marcando os prasos em que taes operações se devem fazer.
Esses prasos devem correr, quando não viola-se a lei. Mas observados esses prasos não se podia fazer a eleição no dia que a lei designa.
Se a eleição só não podia fazer n'esse dia, o que queria o illustre deputado que se fizesse?
Que não se fizesse eleição alguma? Mas isso era tambem violar a lei.
(Interrupção do sr. Elias Gorda.)
Fez-se n'outro dia, sem inconveniente nenhum para ninguem; o se não se fizesse não era tambem violada a lei?
O sr. Elias Garcia: - Se uma lei diz que se faça uma cousa impossivel de fazer-se, ninguem é capaz de a fazer; e se v. exa. o fez, é porque rasgou a lei.
O Orador: - O governo não a fez de certo nesse dia, mas fel-a noutro e cumpriu-se a lei, sem inconveniente nenhum para a causa publica; (Apoiados.) e ainda bem que o illustre deputado chegou com os seus raciocínios a apoiar a opinião que sustento.
Noto ao illustre deputado que este projecto foi apresentado em 10 de abril; e se tivesse sido discutido rapidamente, podia muito bem ter-se cumprido aquelle preceito legai; mas foi exactamente noa dos últimos e resultou d'ahi a dificuldade que apontou.
O sr. Elias Garcia: - Por culpa de quem?
O Orador: - Aqui não ha culpa de ninguem; os trabalhos parlamentares hão de fazer-se uns primeiro do que os outros. Não me parece que se haja ainda descoberto o processo de discutir tudo ao mesmo tempo, a não ser á maneira do illustre deputado quando queria que a camara, com o escrivão de fazenda, elegesse os 40 maiores contribuintes, sem recurso nenhum e, ao mesmo tempo, sem processos! (Riso.)
Os trabalhos parlamentares têem o seu andamento regular, segundo as prescripções do regimento, e evidentemente algumas das providencias legislativas hão de ter as ultimas a discutir-se.
Não admira nada, por consequencia, que a reforma municipal fosse a ultima a ser approvada, e que tendo duzentos e tantos artigos, que alteravam o systema constituido, levantasse algumas dificuldades, por isso que ia ferir um certo numero de interesses.
Mas voltemos ás commissões eleitoraes, o chamo a attenção da camara para esto ponto.
O municipio do Lisboa foi dividido em quatro bairros, os tres existentes e mais um que só lhe acrescentou.
Como é que são constituidos esses bairros?
A divisão d'elles está publicada, e o illustre deputado sabe que o extincto concelho de Belem e que na sua maioria constituo o quarto bairro de Lisboa.
Nos tres bairros anteriores havia já commissões eleitas, funccionando legalmente, e no concelho de Belém tambem havia uma commissão de recenseamento.
Se, pois, todos os quatro bairros tinham já as suas commissões de recenseamento legalmente eleitas, e se a alteração foi apenas de algumas freguezias, porque é que s. exa. duvida da competencia d'essas commissões? É em virtude da mudança de alguma d'essas freguezias de um bairro para outro, que ao illustre deputado só afigura que as commissões do recenseamento não podiam funccionar legalmente?
O sr. Elias Garcia: - É o que se deduz da nossa legislação eleitoral.
O Orador: - A nossa legislação não declara nada disso. (Apoiados.) Diz como se hão do eleger as diversas commissões e como só ha de eleger a do recenseamento, o nada mais.
Ora essas commissões de recenseamento tinham sido legalmente eleitas para os três bairros, e do mesmo modo existia a do Belém. Houve, é certo, alguma mudança do freguezias, mas, torno a dizer, isso não altera em nada a competencia dessas commissões. (Apoiados.) Não vejo portanto nenhuma illegalidade. A lei cumpriu-se.
Já citei ao illustre deputado a legislação de 1869; s. exa. não soube responder a este ponto, e por não o saber, duvidou da competencia dos advogados e até imaginou citações falsas! Ora essa lei conhece-a o illustre deputado muito bem, porque era de um governo que s. exa. apoiava nesse tempo; e sabe igualmente que ella auctorisava a desannexar as freguezias para todos os effeitos politicos e administrativos, quando duas terças partes dos eleitores assim o quizessem; o illustre deputado sabe muito bem isto, e, para o caso, não precisa de saber mais nada; e eu pouco mais sei.
Ora, se s. exa. sabe, que se faziam essas desannexações para todos os effeitos políticos e administrativos, sem que houvesse praso marcado na lei, está claro, que pela theoria do illustre deputado, as commissões de recenseamento deviam ser alteradas para poderem ter competencia legal. Pois nunca foram e não me consta que houvesse reclamações de alguem para que se elegessem novas commissões de recenseamento; nem me consta tambem, que alguém trouxesse aqui um projecto de lei com o fim de corrigir esses defeitos.
Em todo o caso veja bem a camara e o illustre depu-

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tado, confrontando os dois systemas, qual d'elles é preferivel.
E s. exa., segundo notei, ficou muito contente por eu lhe ter dito, que ao menos, o seu projecto era legal!
Está visto, que era legal o seu projecto, disse eu, mas era se chegasse a ser convertido em lei, como são igualmente legaes todos os projectos que se apresentam n'esta casa e que passam em ambas as camaras.
Mas o que é certo é que offereço muitas mais garantias com o meu systema, do que o illustre deputado offerece com o que apresenta no seu projecto.
S. exa. parece que se contenta só com a legalidade; mas eu quero que haja tambem garantias; porque a legalidade póde envolver muitas vezes o despotismo e encobrir a tyrannia; e eu admiro que não pense do mesmo modo e se contente com a simples legalidade o illustre deputado que caminha na frente dos partidos avançados. (Apoiados.)
Vou terminar, pedindo licença a. s. exa. para lhe dizer que eu quero que a lei seja liberal e que no seu projecto falta exactamente esta qualidade, porque manda reunir a camara municipal com o escrivão de fazenda, como que em segredo, sem que haja recurso algum para os tribunaes. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede auctorisação á camara dos senhores deputados para que o sr. deputado Antonio Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento, capitão do estado maior de infanteria em serviço na direcção geral dos trabalhos geodesicos, possa accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o da commissão que exerce n'este ministerio.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 29 de janeiro de 1880. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Lida na mesa, foi approvada sem discussão.

O sr. Presidente: - Como faltam poucos minutos para dar a hora, vou levantar a sessão, dando para ordem do dia de amanha a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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