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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ainda que limitaria a tempo certo, com quanta maicr força não são cilas appiicaveis ao sysíema era que se consagra a perpetuidade da prisão em nome do Fupposío imoi\sso que se lhe attribueV

E todavia este é o sy^tema adoptado pela lei de 1848, d'onde passou para a legislação subsequente.

Pela providencia d'essa lei a prisão do exaetor alcançado, embora julgado isento de íuda a responsabilidade criminal perante os tribunaes competentes, só pôde terminar, ou pelo effectivo pagamento á fazenda, ou pela amortização do alcance operada por meio do abono de l $000 réis por cada dia de prisão sofFrido.

Ao lado d'este abono, manda-se-lhe porém carregar o juro de 6 por cento sobre o valor do alcance, e o resultado é que sempre que o juro absorva o valor do abono, e para isso basta que o alcance seja igual a 6:000$000 réis, a prisão assume o caracter de perpetuidade; e a liberdade do exaetor fica para sempre sequestrada, ainda quando a vida não tivesse para elle limites.

Acresce, que n'este regimen se considera a simples in-solyabilidade do devedor,'como o equivalente da culpa de um ladrão, o perverso e o desgraçado ficam confundidos ante o direito para o effeito de serem tratados com igual rigor, e em muitos casos mesmo com maior para este do que para aquelle.

Sempre que a cifra do alcance der á prisão o caracter de perpetuidade, o tratamento a que fica sujeito o exaetor, em que apenas haja a responsabilidade civil, é incomparavelmente mais penoso do que o que compete ao réu dos mais nefandos crimes.

O ladrão ou o assassino, por exemplo, ainda quando con-demnados a pena perpetua, podem sempre alimentar a esperança de que o poder moderador venha ern seu auxilio, perdoando-lhes ou modificando-lhes a pena, e restituindo-lhes a liberdade e a faoailia.

O desgraçado exaetor, porém, isento de toda a culpa criminalmente imputável, c apenas victima de um acontecimento que não pôde prevenir, nem essa esperança pôde ter, porque a carta constitucional, artigo 74.°, § 7.°, estabeleceu que o direito de graça se exerce perdoando e moderando as penas impostas aos réus condemnados por sentença, nem a prisão que soffre lhe é imposta com o caracter de pena.

Para elle não ha meio de quebrar a inflexibilidade da lei, e nem ao menos só lhe concede o que aliás se não recusa aos maiores criminosos, a esperança de rehabilitacão perante a sociedade.

Se do campo do direito passarmos a examinar a questão no terreno económico, verificaremos ainda que a prisão do exaetor, longe de ser útil, é antes contraria ao interesse do thesouro.

Já o assento citado de 18 de agosto de 1774 dissia que: «a prisão por divida só servia aos credores para cevarem o ódio e a vingança contra os devedores, e de osopprimi-rem contra todas as rasões de humanidade, até darem a vida nos horrorosos cárceres, onde os têem detidos, ao mesmo passo que, ee consultassem as regras de interesse particular e publico, deviam consentir na soltura, porque, postos em liberdade os devedores, poderiam adquirir meios com que satisfazer as suas dividas».

E assim é. O interesse do estado não pôde estar em impedir os seus devedores de alcançar pelo trabalho os meios de fortuna e de vida, que no futuro poderiam servir para solverem os seus débitos á fazenda.

Condemnar á immobilidade de uma prisão um homem, embaraçando-o de trabalhar e de aproveitar a sua actividade e o seu credito, em ordem a recompor e melhorar a sua situação económica, é o mesmo que supprimir uma capacidade productiva, contrariando o próprio interesse, ligado á existência, e o desenvolvimento d'essa capacidade.

O estado desserve, por esse modo, em vez de proteger, a sua causa.

Em resultado das ponder.icôes que acabo de fazer, o mí:u e?r. rito seria naturalmenlo levado a propor vos a eup-pr v-fão Absoluta e sem reserva da prisco civil, imposta aos exaetorcs tiscaes alcançados, acabando de uma vez com o sy-tcina inqualificável, que faz da liberdade do homem um penhor cia sua responsabilidade pecuniária, mas receio que uma refcima tão radical encontre menos favorável acolhi-nu-n to da parte d'aquelles que, embora convictos da profunda Injustiça consagrada pela legislação actual, entendem, com tudo, que seria imprudente acabar da chofre com el!e, gerri lhe substituir alguma providencia que deixe ainda armado o fisco com uru meio de coacção contra os seus exactore-i.
E por isso que, em vez de propor-vos a suppresíão pura e simples da prisão decretada contra oa exactores encontrado? CPJ alcance, me limito a propor-vos a substituição do sytt^ina actual, em que se consagra a perpetuidade da prisão, pelo de simples prisão temporária, limitada a um praso que reputo sufficiente para produzir os effeitos que o interesse fiscal lhe attribue.
A;-si u: acaba o grande e inqualificável absurdo da perpetuidade da prisão por dividas, que é a parte mais odiosa e repugrante do systema adoptado pela lei de 1848. e mentias na legislação posterior, e concilia-se do modo pos-sivel a homenagem devida á civilisaçào, ao direito e á liberdade humana, com o interesse fiscal, que porventura se suppunha ligado á faculdade de empregar aquelle meio de coacção contra os responsáveis da fazenda.
Por estes motivos, e pelot que a vossa profunda illus-traçã;> achará para justificar o pensamento que tenho enunciado ; e
Considerando que o artigo 33.° da lei de 26 de agosto de 184^, e a legislação subsequente que a tem conservada, é insustentável em face d >s princípios, da civilisação, do direito politico moderno, e dos próprios interesses do i thísourc ;
Considerando que os direitos do estado merecem especial prctecção, não podo esta ser lhe concedida por meios que a rasão e a justiça condemnam e que o próprio interesse fiscal repelle;
Considerando que a má fé e a fraude, tem'a sua necessária repressão na lei penal;
Considerando que, ainda quando se admitia a utilidade de armar o fisco com o direito de prisão sobre os seus exactores, não pôde em caso algum conceder-se-lhe com os effeitos de perpetuidade, corno repugnantes e inconciliáveis com o direito e bom senso :
Tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A prisão civil decretada pela legislação actual contra os exactores fiscaes encontrados em alcance, não poderá em caso algum exceder a um anno depois de excu-tidos os bens que o executado possuir.
Art. 2.° Os individuos actualmente presos por virtude da legislação vigente, em nome da responsabilidade civil ein que se achem para com a fazenda, serão immediata-mente postos em liberdade, se já tiver decorrido o praso de um anno depois da excuísão dos seus bens, ou logo que elle finde, se ainda não tiver decorrido.
Art. 3.° Fica extracto o abono de 1^000 réis por cada dia de prisão soffrida pelo exaotor alcançado.
Art. 4.° Tanto a responsabilidade civil como a criminal, que compete aos exactores alcançados, fica inteiramente gjilva, e em pleno vigor, nos termos das leis, para poder ser-lhes imposta pelos meios e perante os tribuuaes competentes.
Art. õ.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das eessoes da camará dos deputados, 4 de abril d« 1873. = O deputado, Jacinto Augusto Perdigão.