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SESSÃO DE l DE FEVEREIRO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs. Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dá se conta de um officio do ministerio da guerra, remettendo documentos que tinham sido requisitados pela presidencia da camara. - O sr. Barbosa de Magalhães, em additamento á, proposta feita pelo sr. Pedro Monteiro em sessão de 25 de janeiro ultimo, propõe que sejam reconduzidas, com todos os seus aggregados, as commissões nomeadas pela mesa, por deliberação da camara, na sessão passada. Esta proposta é considerada urgente e logo approvada; o mesmo senhor apresenta um projecto de lei - O sr. Arroyo refere-se á ausencia dos srs. ministros, e chama a attenção do sr. ministro da justiça para um telegramma que um jornal da provincia transcreva, dizendo que fôra dirigido pelo sr. presidente do conselho ao governador civil de Braga; e justificou um requerimento de Zeferino José, da Cruz, ourives fabricante do Porto, pedindo ao sr. ministro da fazenda que tomasse, sobre o assumpto a que se referia, as providencias que julgasse necessarias. Responde, o sr. ministro da justiça com respeito á ausencia dos ministros e aos telegrammas, e responde o sr. ministro da fazenda com referencia ao requerimento apresentado. - O sr. Julio do Vilhena apresenta um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da justiça; e o sr. Izidro dos Reis a declaração de que teria approvado o projecto sobe as licenças, se estivesse presente no acto da votação. A mesma declaração faz o sr. Augusto Faustino dos Santos Crespo. - O sr. Franco Castello Branco refere-se ás respostas pouco claras do sr. ministro da justiça, quando envolviam certo melindre politico; e tambem aos despachos do governador civil de Braga, determinando que os fundos das irmandades, confrarias e outras corporações de beneficencia, que não tivessem applicação immediata, entrassem na caixa geral de depositos, e isto com prejuizo das mesma corporações, que pelos depositos nos bancos recebiam só 2 por cento, emquanto que na caixa recebiam só 2 por cento. Respondem-lhe os srs. ministros da justiça e da fazenda. - O sr. Franco Castello Branco volta a reforçar os seus argumentos com relação á exigencia do governador civil de Braga, e o sr. ministro da fazenda volta a responder-lhe.
Na ordem do dia continua a discussão do artigo l ° do projecto n.° 6, occupando a tribuna o sr. Elias Garcia, que apresenta differentes propostas. - Os srs. Barbosa de Magalhães e Eduardo Villaca declaram constituidas as commissões de administração publica e de obras publicas. - O sr. Vicente Monteiro apresenta o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta do governo, para que o pagamento da contribuição de repartição e lançamento em divida no districto do Funchal, um 31 de dezembro de 1887, possa ser feito em prestações.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada 65 srs. deputados. São os seguintes:- Albano de Mello, Alves da Fonseca, Oliveira Pacheco, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Jalles, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, José de Napoles, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Pinto Mascarenhas, Julio Graça, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Wenceslau de Lima.

Entraram durante à sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Francisco José de Medeiros Francisco José Machado Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade,, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Villa, Ribeiro Ferreira, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Góes Pinto, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soaires de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Dias Galias, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Oliveira Martins, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Oliveira Matos, Simões Dias, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Marcellos Ferraz, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Miranda Montenegro, Barão de Combarjua, Conde de Fonte Bella, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Scarnichia, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, José Maria dos Santos, Santos Reis, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel d'Assiimpção, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da guerra, remettendo o requerimento e documentos que dizem respeito ao capitão reformado Jorge Higgs.
A secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, me seja enviada copia das pastoriaes publicadas pelos bispos do continente do reino e ilhas adjacentes desde o 1.° de janeiro de 1887 até esta data.
Roqueiro que, pelo menino ministro e pelos do reino e estrangeiros, me seja enviada copia de quaesquer documentos relativos ao conflicto entre o bispo de Coimbra e a faculdade de theologia. = J. de Vilhena.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS PE INTERESSE PARTICULAR

Dos generaes de brigada reformados Silverio José Henrique Gamboa e José Gaspar da Silva Ville Lobo, do te-
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nente coronel reformado Clementino de Almeida Saraiva, dos majores reformados Anselmo Augusto Ferreira, Antonio Manuel Madureira, Francisco Rodrigues Pereira, João Roberto de Carvalho, José Maria Lopes Ribeiro, Elias Antonio Ferraz, Manuel Durão, João Manuel Pereira de Almeida e José Cardoso, do capitão reformado João Jorge do Figueiredo, do tenente reformado Manuel do Nascimento e do capitão de fragata reformado Fernando Pinto Ferreira, pedindo que seja approvado por esta camara o projecto de lei apresentado na camara dos dignos pares pelo ex.mo sr. D. Luiz da Camara Leme, em sessão de 9 do corrente, tendente a melhorar o soldo dos officiaes reformados anteriormente á lei de 22 de agosto do anno findo. Apresentados pelo sr. deputado D. Jorge de Mello e enviados á commissão de guerra, ouvida a da fazenda.

Dos officiaes inferiores Luiz Estellita Freitas, Antonio da Costa, Joaquim Manuel do Almeida, Julio Augusto Teixeira Pinto, Domingos Vaz, Julio Augusto Soromenho, Francisco Silvano, João Baptista Ferreira, João Silverio Correia Diniz, Francisco Pereira de Magalhães e José Luiz, pedindo que se mande dar execução ao artigo 312.° do regulamento geral para o serviu dos corpos do exercito, de modo que os supplicantes sejam promovidos a sargentos ajudantes, quando por antiguidade lhes pertença.
Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados á commissão de guerra.
De João Antonio Martins Coutinho, capellão do regimento de caçadores n.° 5, pedindo que para os effeitos da reforma lhe seja contado o tempo que serviu do administrador do santuario e mata do Bussaco.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado e enviado á commissão de guerra.

De Zeferino José da Cruz, ourives fabricante, estabelecido na cidade do Porto, pedindo providencias sobre o modo por que na repartição da contrastaria do Porto se passa recibo de entrega dos artefactos para ensaio.
Apresentado pelo sr. deputado João Arrayo, enviado á commissão de fazenda e mandado publicar no Diario do governo.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, quando se votou a generalidade do projecto de lei n.° 6, tel-a ía approvado. = Augusto Faustino dos Santos Crespo.

Declaro que teria approvado o projecto sobre as licenças, se estivesse presente no acto da votação. = Izidro dos Reis.
Para a acta.

CONSTITUIÇÃO DE COMMISSÕES

Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de obras publicas, tendo escolhido para presidente o sr. Manuel Affonso Espregueira, e a mim participante para secretario, havendo relatores especiaes. = O deputado, Eduardo Villaça.

Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão do administração publica, tendo dado para presidente O sr. Eduardo José Coelho, tendo-me dado a honra de me escolher para seu secretario, o havendo relatores especiaes. = O deputado, Barbosa de Magalhães.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta, que passo a ler.
"Em additamento á proposta feita pelo sr. deputado Pedro Monteiro, em sessão de 25 de janeiro ultimo, proponho que sejam reconduzidas, com todos os seus aggregados, as commissões nomeadas pela mesa, por deliberação da camara, na sessão passada. = O deputado, Barbosa de Magalhães."
Peço que se declare urgente.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para apresentar um projecto de lei que parece-me satisfazer por tal fórma as exigencias do paiz na occasião presente, que me dependeu de desenvolver-me em considerações, as quaes vêem no relatorio que procedo o projecto.
O projecto é o seguinte:
(Leu.)
Paço a v. exa. que consulto a camara para que, dispensado o regimento, entre desde já em discussão a primeira proposta.
Foi declarada urgente, e logo approvada.
O sr. Francisco José Machado: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento de João Antonio Monteiro Coutinho, capellão do exercito, que pede para que lhe seja contado para a reforma o tempo que serviu como administrador do santuario da mata do Bussaco.
Igualmente mando para a mesa alguns requerimentos de sargentos do exercito, que pedem para que seja revogado o artigo 181.° da ultima reforma do exercito.
O sr. Arroyo: - Não queria censurar a presidencia, mas lamentava uma demora que o sr. ministro da fazenda devia sr. o primeiro a desejar evitar.
Não podia deixar de estranhar o facto, que cada vez se ía repetindo mais, da ausencia dos srs. ministros na camara.
O sr. ministro do reino não podia vir por se estar discutindo na camara dos dignos pares a resposta ao discurso da corôa.
Não era, porém, só s. exa. que faltava; eram quasi todos os srs. ministros, especialmente o sr. ministro da guerra, que este anno ainda não compatecêra.
Este systema, facil para o governo, não satisfazia ás necessidades da discussão.
Pedia portanto ao sr. ministro da justiça, que acabava de ver entrar na sala, que comparecesse aos seus collegas o desejo, que lhe parecia que era de toda a camara, de que s. ex.as comparecessem, para só lhes dirigirem perguntas e se lhes pedirem informações.
Chamava a attenção do sr. ministro da justiça para um telegramma que um jornal da provincia transcrevia, dizendo que elle fôra dirigido pelo sr. presidente do conselho ao sr. governador civil de Braga.
Dizia se n´aquelle telegramma que o governo tomaria em consideração todos as reclamações que lhe fossem dirigida, e que, em vista da legislação existente, os comicios só podiam ser prohibidos por motivos de ordem publica.
A redacção d'aquelle telegramma era ambigua, e não dava a conhecer a doutrina do governo a este respeito.
Se o sr. presidente do conselho tinha a intenção de acatar o decreto de 1870, e rejeitar a doutrina de que um governador civil, só com o pretexto de manter a ordem publica, póde prohibir um comicio, a redacção devia ser mais clara.
Se aquella redacção significava que um governador civil, só com o pretexto de manter a ordem publica, póde prohibir um comicio, protestava contra tal doutrina.
Pedia, portanto, ao sr. ministro da justiça que desse algumas explicações ácerca d'este assumpto.
Apresentou um requerimento de Zeferino José da Cruz, ourives fabricante da cidade do Porto, reclamando contra a falta do garantia que para a sua classe resulta do facto da repartição de contrastaria d'aquelle cidade não designar nos talões dos recibos os objectos que lhe são entregues para ensaio e marca, com minuciosidade sufficiente e usada nos antigos talões.

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Disse que o signatario do requerimento já recorrêra para o director da casa da moeda e que aquelle funccionario dera um despacho de indeferimento.
Chamava a attenção do sr. ministro da fazenda, que estimava que já estivesse na camara, para este assumpto, e pedia a s. exa. que tomasse as providencias necessaria para remediar este mal, se essas providencias estivessem na alçada do executivo, ou que trouxesse á camara qualquer proposta de lei, se julgasse que era precisa a intervenção do parlamento.
Pediu a publicação do requerimento no Diario ao governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Está perfeitamente o illustre deputado no seu direito de pedir que assistam ás reuniões da camara, tanto quanto possivel, os ministros responsaveis pelos actos de administração publica. Mas devo dizer, que não tem rasão de ser uma especie de censura que o illustre deputado julgou dever dirigir ao ministerio.
Os srs. ministros que não têem assistido ás sessões d'esta camara, pelo menos antes da ordem do dia, estão empenhados n'uma discussão altamente politica na camara dos dignos pares, onde têem sido tratadas especialmente questões que dizem respeito ás suas pastas. E quanto ao sr. ministro da guerra, devo lembrar ao sr. deputado Arrayo, que s. exa. tem estado incommodado, mas que, apesar d'isto, já pôde, felizmente, assistir ás sessões da camara dos dignos pares. O sr. ministro da fazenda tem sempre assistido ás sessões, e ou os dias em que aqui faltei foi especialmente por se ter procedido ás provas do concurso para o provimento de logares de delegados e conservadores, em que, como s. ex. a sabe, foram muitos os concorrentes. E marcando decreto especial que estes concursos se não façam sem a presidencia do ministro da justiça, dentro de um praso marcado, eu não podia de modo algum deixar de comparecer e assistir a esses netos.
Comtudo, posso dizer que a não ser por causa do serviço publico, tenho estado presente para dar quaesquer explicações que me sejam pedidas.
Emquanto ao telegramma que s. exa. leu, communicarei ao sr. ministro do reino as observações que o illustre deputado fez, devendo dizer que o ministerio está na intenção de manter a liberdade do direito de reunião e de petição a todos que queiram reunir-se e peticionar, mas está tambem no firme proposito de manter, para todos, os principios de ordem publica que estão a cargo do governo.
Emquanto á parte especial para que o iilustre deputado chamou a presença do sr. ministro da fazenda, s. exa. está presente e de certo dará ao illustre deputado as explicações que pediu.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Já hontem me succedeu, contra minha vontade, chegar tarde á camara, e hoje cheguei tambem um pouco tarde; mas, para tranquillidade do illustre deputado o sr. Arroyo, devo dizer que o motivo principal da minha demora, alem do embaraço de umas carroças que andam pelas ruas da cidade vendendo saude engarrafada, (Riso.) foi porque estive á espera de uns documentos pedidos pelo sr. Ruivo Godinho e tambem pelo illustre deputado a quem estou respondendo, a fim de assignar os respectivos officios de remessa para a camara.
Quanto ao assumpto para que o illustre deputado chamou a minha attenção, não a isso dar explicações precisas á camara, porque, tendo visto os documentos que s. exa. mandou para a mesa, não encontrei o despacho do director da casa da moeda, e portanto não sei as rasões em que se funda o indeferimento d'este funccionario.
Entendeu o cidadão peticionario que do serviço da contrastaria do Porto devia recorrer para o director da caba da moeda.
Este indeferiu, e o recurso d'este indeferimento era para o ministro da fazenda e não para a camara dos deputados, porque esta camara não tem competencia para tomar uma decisão sobre este negocio.
O que acabo de dizer não é censura ao cidadão requerente, nem ao illustre deputado, é apenas um conselho, e se o requerimento tivesse seguido os tramites legaes, talvez o negocio já estivesse resolvido.
Embora eu encontre muita rasão da parte do requerente, não posso com tudo pôr um despacho n´este requerimento, por isso que elle vem dirigido á camara dos deputados e não ao ministro.
O sr. Arroyo: - Se v. exa. não póde lavrar um despacho, póde comtudo tomar em consideração as observações que fiz, e prover de remedio aos males que no requerimento se accusara.
O Orador: - Posso tomar em consideração as observações que fez o illustre deputado, mas posso tambem lembrar que o processo correcto, regular e prompto para este negocio ser resolvido era ter recorrido para o ministro da fazenda.
Não sei se haverá motivo para providencia geral; se houver está na minha alçada tomal-a independentemente, ou por despacho d'aquella repartição; mas se não houver para providencia geral e só por despacho individual, não posso fazer justiça ao reclamante, porque não apresentou o seu requerimento no ministerio da fazenda, como devia.
Para interesse d'elle, como satisfação ao illustre deputado, não faço censura, porque não tenho direito de censurar qualquer cidadão quando recorre a esta camara, digo que era mais simples o um processo mais correcto recorrer ao ministro da fazenda e não á camara dos senhores deputados.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Franco Castello Branco: - Disse que, antes de dirigir ao sr. ministro da fazenda a pergunta que o levou a pedir a palavra para quando s. exa. estivesse presente, via-se obrigado a fazer algumas considerações muito ligeiras e breves sobre a resposta que o sr. ministro da justiça, como membro do governo, entendeu dever dar a algumas considerações que tinham sido feitas pelo seu collega e amigo o sr. João Arroyo.
Era a segunda vez que o sr. ministro da justiça, e seu amigo, era interrogado n'esta camara sobre pontos que emfim podem envolver algum melindre politico, e s. exa. sempre tem tido a habilidade de responder por fórma que nenhum dos membros da opposição percebe, mas tambem não compromette o governo. (Apoiados.) S. exa., que é incontestavelmente a todos os respeitos uma pessoa muitissimo estimavel, vê-se que está sempre preoccupado em não esclarecer a camara com as suas respostas, e em não compremetter o governo.
Que outro dia, interrogado aqui sobre um ponto de direito, porque a nada mais se reduzia a pergunta, feita pelo seu collega e amigo o sr. José Novaes, s. exa. que é ministro da justiça e jurisconsulto distincto, disse que não podia responder, e depois interrogado pelo seu amigo o sr. João Arroyo qual era o pensamento do governo contido no telegramma que s. exa. chamou, e muitissimo bem, equivoco na sua interpretação, s. exa. deu-nos uma resposta que nos deixou na maior ambiguidade e duvida sobre qual era o pensamento do governo, ambiguidade e duvida em que já estâvamos pela simples leitura do telegramma, principalmente se se combinarem as palavras do sr. ministro da justiça na sessão de hoje com o que se passou na sessão de segunda feira passada e o que disse então o sr. presidente do conselho.
A camara, e suppunha que o paiz todo, sabe já qual é a theoria do s. exa. sobre o procedimento dos governadores civis em questões de ordem publicai é que podem fazer tudo, desde o momento em que entendam que isso é indispensavel para manter a ordem publica. (.Apoiados.) Era assina que s. exa. justificava o facto d'aquelle illua

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tre magistrado ter mandado apprehender os supplementos de dois jornaes devidamente habilitados, publicados na cidade de Braga, conforme as disposições da lei da imprensa; é pela mesma fórma que o sr. ministro da justiça parece indicar qual será o caminho que tem a tomar aquelle magistrado se ámanhã se fizer um meeting n'aquella cidade, se tiver um caracter manifestamente opposicionista.
Se da sua realisação poder resultar, não diz já uma difficuldade, mas um simples desgosto para qualquer dos membros do governo, o empregado inferior d'aquelle districto prohibirá esse meeting e dirá, quando for interrogado pelo seu chefe hierarchico, o sr. ministro do reino, que entendeu ser indispensavel aquelle acto para manter a ordem publica, e de certo que para manter a ordem publica. Com este chavão, que não é outra cousa, porque nem sophisma chega a ser, o governo julga-se auctorisado, e portanto auctorisará todos os seus delegados administrativos a apprehender jornaes, a prohibir meetings e a prender cidadãos, a fazer tudo emfim que elle entenda necessario para manter a ordem publica. (Apoiados.)
Que tambem já sabia qual era a theoria de responsabilidades, que segue o sr. presidente do conselho, e portanto qual será o seu modo de proceder para com quaesquer actos praticados pelos seus delegados na manutenção da chamada ordem publica (Apoiados.)
Que s. exa. disse tambem aqui, na celebro sessão de segunda feira, ensinando-nos tambem, o que fôra para todos os membros d'esta casa uma verdadeira novidade, que os actos praticados pelos governadores civis e administradores de concelho não têem como limite senão o abuso; que estes funccionarios só têem responsabilidade pelo excesso o pelo abuso de auctoridade que praticarem e que d'esse excesso e abuso conhece o governo ou condemnando ou absolvendo, vindo depois responder perante a camara por este acto!... O resto não o precisava dizer; o costume, o que se fez o anno passado, o que se tem repetido este anno; o isto sem querer por fórma alguma offender nenhum dos seus illustres collegas da maioria, pelo contrario, respeita profundamente a sua consciencia, a independencia com que votam e a confiança com que o fazem.
Nem tinha direito de os censurar, nem s. ex.as lhe attribuirão a intenção de o fazer; queria unica e simplesmente demonstrar praticamente, qual a liberdade que o governo pretende deixar a qualquer cidadão ou a qualquer grupo de cidadãos, que representem contra quaesquer actos do governo, manifestando as suas idéas e fazendo qualquer propaganda que desagrade ao governo, que vá contrariar os seus intentos, ou emfim que possa pôr em risco a sua conservação no poder. (Apoiados.)
Tudo o que se fizer e que possa ter algum valor politico, os governadores civis podem reprimir no sentido de manter a ordem publica, quem os ha de julgar por esses actos é o sr. ministro do reino! Que louvor, que approvação, elle não dará áquelles seus delegados, que tão interessados se mostram na conservação do governo! Parece-lhe que n'este ponto elles levam a palma ao sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Que portanto os governadores civis não terão duvida em suspender todas as garantias em favor do governo, desde que o seu julgamento tenha de ser feito unicamente pelo sr. ministro do reino!
É tambem esta a theoria que via afirmada pelo sr. ministro da justiça, d'onde conclue, que o illustre magistrado que dirige superiormente o districto de Braga, por aquelle telegramma recebeu um verdadeiro bill de indemnidade por tudo o que já fez e para tudo o que ainda ha de fazer. (Apoiados.)
Se se quizer fazer um meetng, s. exa. póde suspendel-o, se se publicarem jornaes com artigos que possam mais ou meus estabelecer uma corrente de opinião contraria ao governo, s. exa., para manter a ordem publica, apprehenderá esses jornaes; se qualquer cidadão emfim, praticar um acto de qualquer natureza, mas com caracter politico e manifestamente contrario ao governo, s. exa., para manter a ordem publica, praticará as arbitrariedades que entender convenientes, e será depois o sr. ministro do reino quem o absolva, e a camara dos deputados quem julgará do procedimento do sr. ministro !!
Ora, pergunta, quem é que provoca á agitação e á desordem ?!
É o governo, (Apoiados.) é o governo, que por esta maneira quer tolher a livre expansão dos sentimentos politicos de cada um.
E pergunta isto sem querer irritar o debate. Mas a verdade era esta. (Apoiados.)
Que o procedimento do governo é que faz com que a opposição se veja forçada a tomar um caminho de resistencia aberta e manifesta contra os actos que se estão praticando por parte dos seus agentes. (Apoiados.)
Então se amanhã se realisar um meeting combinado com quaesquer dos elementos da opposição, s. exa. não comprehendo que é muito natural que ali se desperte um verdadeiro movimento de indignação?
E, se esse sentimento, sendo compartilhado por um numero de individuos que só julgue sufficientemente forte para reagir violentamente contra as ordens despoticas e arbitrarias da auctoridade, se manifestar, podem-se evitar conflictos que tragam a perda de vidas, como muitos outros que tem havido?
O que acontece é que o sr. presidente do conselho diz depois que a força publica teve de se defender, e, para se defender, é que se viu obrigada a fazer victimas!.. .
Mas os governos não se fizeram para provocar desordens; fizeram-se para as evitar. E as desordens evitam-se deixando-se liberdade absoluta e completa ás opposições para livremente manifestarem os seus sentimentos contra o governo.
Deve-se peccar antes, se é possivel haver peccado n'este caso, pela tolerancia e pela brandura, do que pela repressão illegal e acintosa do direito de reunião, do direito da manifestação livre do pensamento, (Apoiados.) e outros, que são garantidos, não diz na carta constitucional, porque já ninguem faz caso d'ella, mas noa nossos usos e costumes. (Apoiados.)
Não acrescentará mais nada, porque se comprehende perfeitamente que, desde que o sr. ministro da justiça declara que este negocio não corre pela sua pasta, é claro que a responsabilidade se deve tomar principalmente ao sr. ministro do reino, que accumula a qualidade de chefe do gabinete.
Lavra apenas este seu protesto. Apenas põe em relevo as idéas reaccionarias, despoticas e absolutistas do actual governo. (Apoiados.)
Isto posto, ía agora fazer ao sr ministro da fazenda a pergunta que tinha tenção de lhe fazer, logo que s. exa. estivesse presente.
Que o illustre ministro da fazenda não ignorava que, especialmente no districto de Braga, a sua proposta de lei n.° 3, reorganisando, porque agora tudo se chama reorganisação, a caixa geral de depositos, levantou, principalmente pelo que respeita ás disposições que se referem ás irmandades, confrarias e outras instituições de beneficencia publica, grandes resistencias e reclamações.
O illustre ministro da fazenda já declarou que n'esse ponto estava disposto a fazer alterações nas disposições primitivas da proprosta de lei.
Não ignorava tambem o illustre ministro da fazenda que, por lei de l de julho de 1885, lei saída da iniciativa do sr. Hintze Ribeiro, e promulgada no consulado regenerador, se tomavam algumas disposições com relação a estas corporações.
Diz o artigo 3.º d'esta lei:
"As misericordias, hospitaes e quaesquer outros estabelecimentos de piedade ou beneficencia, que tenham admi-

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nistração nomeada ou tutelada pelo estado, depositarão na caixa geral de depositos os seus fundos em cofre, que não tiverem immediata applicação, ficando o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a effectiva execução das disposições d'este artigo."
Sabe tambem s. exa., que era membro d'esta camara, quaes foram os intuitos d'esta lei e d'esta disposição.
Julgou-se que, tanto para o estado como para as irmandades, confrarias e outras corporações de beneficencia, era mais conveniente que, em logar de estarem nos cofres d'essas instituições quaesquer dinheiros a que não tivessem que dar applicação immediata, esses dinheiros entrassem na caixa geral de depositos.
O governo obteria assim, por um preço mais barato, suprimentos para a divida fluctuante, e aquellas corporações recebiam o juro de 2 por cento das quantias em deposito, não havendo, como então não havia, a menor intenção de prohibir a essas associações religiosas o gosarem de seus direitos.
Que, no artigo 3.° da lei estabelece se muito terminante e positivamente, que só entrarão na caixa geral de deposisos, os fundos que estejam em cofre, e que não tenham immediata applicação. Com a execução d'esta lei não se tinham até agora despertado resistencias nem protestos entre as pessoas a que diz respeito. Succedia, porém, agora, chegar ao seu conhecimento um facto, relatado no Commercio de Guimarães. Que o governador civil de Braga, que, apesar de ser um cavalheiro muito distincto, a quem folga de prestar uma prova da sua consideração e homenagem pessoal, parece estar infelizmente destinado a dar mais desgostos ao governo, e a crear-lhe mais embaraços e difficuldades, determinara em um despacho seu, que os dinheiros, os fundos, as quantias das differentes associações de beneficencia e confrarias, que estivessem depositados no banco, em notas promissorias, vencendo o juro de 3 e 4 1/2 por cento, como succedia exactamente em Guimarães, que esses fundos entrassem na caixa geral de depositos.
Leva este facto ao conhecimento do sr. ministro da fazenda, que provavelmente o ignora. E dizendo isto, não levantava a suspeita de que o governador civil de Braga queira mandar ou ordenar, a despeito de s. exa., mandando e ordenando o que acabava de expor á camara.
Que, em primeiro logar, isto era manifestamente illegal; não se continha nem na letra da lei, nem no espirito do artigo 3.°, que acabara de ler á camara, que os fundos e os haveres não estavam em cofre; pelo contrario, estavam em poder do banco, em circulação; essa riqueza tem applicação, é productiva para as associações, especialmente em Guimarães, onde tinha mais conhecimento do facto.
As associações recebem 3 e 4 1/2 por cento por essas quantias depositadas nos bancos. O que vae succeder, se o sr. ministro da fazenda não se apressar a dar contra ordem áquelle delegado do governo, mostrando-lhe que nem está cumprindo a lei, nem mesmo praticando um acto, que possa favorecer a marcha politica do governo, constituindo, mas pelo contrario levantando difficuldades maiores do que aquellas que já tem; o que vae succeder é que as confrarias, sendo obrigadas, em virtude do despacho do governador civil de Braga, a entrar com as quantias na caixa geral de depositos, retirarão, em logar de 3 e 4 1/4 por cento, simplesmente, 2 por cento; quer dizer é um prejuizo para ellas, havendo só beneficio para o estado. E todos comprehendem, que, se ha interesses, que devam ser respeitados, principalmente pelo estado, são os interesses das associações de beneficencia.
Que não sabia se o sr. ministro da fazenda já tinha conhecimento d'este facto, que é verdadeiro, podendo affirmar a s. exa., que ha effectivamente um despacho do governador civil de Braga n'este sentido.
Que tambem de certo não ignorava s. exa., que já em Guimarães se fez havia pouco um meeting, motivado principalmente pela proposta de lei n.° 3. Reflicta, pois, no desgosto que ali produziria o procedimento do sr. governador civil, querendo impellir as differentes corporações a um acto, que lhes redundará em manifesto prejuizo.
E, portanto se ha ou não fundamento legal, por um lado, ou urgencia por outro, de s. exa. insinuar áquelle magistrado, que não está procedendo em cumprimento da lei, nem no interesse das corporações de beneficencia. (Apoiados.)
Pedia que se lhe reservasse a palavra.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - O illustre deputado que acaba de fallar, a quem primeiro que tudo me cumpre agradecer as palavras benevolas que acaba de me dirigir, devidas á sua antiga amisade, arguiu-me de que, nem na resposta que tinha dado á camara dos senhores deputados na segunda feira, nem hoje, logrou perceber-me.
Não posso, por maior que seja o meu desejo de agradar ao illustre deputado, vencer aquillo que do certo é uma falta minha. Se não posso fazer-me perceber pelo illustre deputado, de ceito a falta é minha, mas não tenho outro recurso; é um defeito meu que não posso corrigir?
Mas o que disse eu? O illustre deputado o sr. Arroyo chagou a minha attenção para um telegramma que s. exa. teve a bondade de ler a fim de eu communicar as considerações por s. exa. feitas ao meu collega do reino; prometti que assim o faria, e n'essa occasião disse por parte do ministerio, que este governo, e não só este, posso acrescentar, mas todos os governos, têem o firme proposito de manter a todo e qualquer cidadão o direito de livre reunião e de peticionar aos poderes constituidos dentro das normas legaes e segundo as leis que nos regem, e acrescentei que impendia ao governo, a este, acrescento, como a todos, a obrigação de manter, ao mesmo tempo, a ordem publica, não só em relação a esses cidadãos, mas para todos. E eu creio que isto é clarissimo. (Apoiados.)
Se o illustre deputado não percebeu, não posso ser mais claro.
Quanto a dizer o sr. Arroyo qual era a interpretação que o governo dava a uma ou outra disposição da lei, eu podia responder que não era ao poder executivo que cumpria interpretar as leis, mas sim executal as; esta disposição está na carta, que, apesar do que disse o illustre deputado, se acha em vigor; a interpretação das leis é uma faculdade que pertence ao poder legislativo.
O que me parece n'este ponto é que não é proprio discutir no parlamento theses; aqui não se discutem senão hypotheses. É claro que o governo, tendo de cumprir a lei, ha de cumpria como a entende, e pela applicação que fizer d'ella é que tem de responder perante o parlamento. (Apoiados.) É isso da indole do systema representativo, é é isso o que sempre se tem feito. Allega o illustre deputado que isso não serve de nada, e que não é garantia efficaz, porque, se um governador civil ou outro qualquer empregado de confiança do governo, entender applicar uma lei de certa maneira, o ministro do reino toma a respectiva responsabilidade, e a maioria ha de absolvel-o.
Eu não sou tão pessimista como o illustre deputado. Pelo systema parlamentar que nos rege, se ámanhã o governo exorbitar das suas attribuições, a maioria será a primeira a accusal-o. Isto não só com relação a esta maioria, mas a todas as maiorias.
É esta a explicação que tenho a dar ao illustre deputado. Confio na lealdade com que a maioria tem acompanhado o governo, e por isso confio que ha de continuar a acompanhar emquanto elle não faltar ao respeito á lei. Mas, se o governo entrar n'aquelle caminho que o illustre deputado apontou, de reaccionario, despotico, intolerante, eu que acredito ao systema parlamentar, faço justiça á maioria e estou certo que ella encontraria meio de se oppor a esse procedimento, a que, seja dito de passagem, eu só por hypothese de momento, mo refiro.
Terminou o illustre deputado perguntando "quem é que

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provocava a agitação no paiz?" e respondeu, como entendeu, a essa pergunta.

Digo ao illustre deputado, que eu é que não posso responder a essa pergunta senão declarando, como membro do poder executivo, que perante o poder judicial, que é independente, se ha de apurar, se lia alguem que provoca criminosamente a agitação, e, se houver, de certo ha de responder perante os tribunaes.
Esta é a resposta que posso dar ao illustre deputado, sentindo muito se mais uma vez não lograr ser percebido por s. exa.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pelo ministerio da fazenda têem sido expedidas, desde que tenho a honra de gerir a pasta da mesma denominação, repetidas ordens ás juntas geraes de districto e ás camaras municipaes para que cumpram a lei, que manda entrar na caixa geral de depositos os fundos de viação districtal e municipal; tenho instado, e se não tenho conseguido no todo, tenho conseguido em grandissima parte.
A respeito de estabelecimentos de piedade e beneficencia não tenho a minima idéa de ter expedido qualquer ordem n'esse sentido.
Disse o illustre deputado, que o sr. governador civil de Braga, no uso das suas attribuições tutelares, mandou por despachos seus entrar na caixa geral de depositos os fundos pertencentes a irmandades o confrarias de Guimarães e outras partes do districto.
Não tenho conhecimento do facto, mas devo dizer a s. exa. que, se da entrada dos fundos disponiveis das irmandades e confrarias na caixa geral de depositos poder resultar algum inconveniente, é necessario então revogar o artigo 3.° da lei de l de julho de 1880; mas n'aquillo em que me não conformo com s. exa. é na interpretação que s. exa. dá ao que significa fundos disponiveis.
A lei diz claramente isto, que entrarão na caixa geral de depositos:
" Os fundos em cofre, que não tiverem immediata applicação. "
Ora se as corporações de piedade e beneficencia foram depositar os seus fundos em bancos, em troca de notas promissorias, é porque tinham fundos disponiveis em cofre, que deveriam ter depositado na caixa geral de depositos; se não tivessem fundos disponiveis, ou que não tivessem immediata applicação, apenas tinham os fundos necessarios para os pagamentos de cada dia, em epochas muito curtas, e n'esse caso não os depositavam.
Não me quero alongar n'esta discussão; mas quero fazer notar a s. exa., que se o sr. governador civil do Braga interpretou assim a lei, póde o seu acto ser criticado sob o ponto de vista politico, mas nada sob o ponto de vista legal.
Vou indagar o que ha a este respeito, se ha alguma ordem remettida do ministerio da fazenda ou algum despacho do governador civil de Braga a esse respeito, e, se como o sr. deputado affirma, d'ahi resultar qualquer inconveniente que torne necessarias, providencias do poder legislativo, apressar-me-hei em trazel-as ao parlamento. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - O sr. Franco Castello Branco pediu para lhe ser concedida a palavra em seguida ao sr. ministro da fazenda; mas preciso consultar a camara a esse respeito.
A camara permettiu que se concedesse a palavra.
O sr. Franco Castello Branco: - Disse que pela resposta dada pelo sr. ministro da fazenda com respeito á resolução que s. exa. dará á reclamação de que se fez echo, viu a camara que é um negocio pendente.
S. exa. vae-se informar, e conforme a informação que tiver assim resolverá.
Esperava, portanto, as informações que s. exa. ía pedir ao delegado do governo, em Braga, e d'aqui a alguns dias voltará a perguntar-lhe se já está informado e qual e o seu modo de resolver a questão.
Que com relação, porém, ao seu modo de pensar, havia de s. exa. permittir-lhe que, admirando-se muito dos recursos sempre larguissimos do seu espirito, para embrulhar e desembrulhar todas as questões, conforme lhe convém embrulhal-as ou desembrulhar as, ponha bem em evidencia que a verdade, permitta s. exa. que se exprima assim, do que se contém no artigo 3.° da lei de l de julho de 1885 não é nada do que o sr. ministro disse á camara.
S. exa. leu a lei e não reparou, ou antes reparou muito bem e fingiu que não reparou, que não se falla ahi em fundos disponiveis, mas em fundos em cofre.
Bem sabia que com um homem de um espirito fertilissimo, como é s. exa., podia manter se, durante uns poucos de dias, uma discussão sobre se fundos em cofre e fundos disponiveis eram, ou não, a mesma cousa. Mas como não estava aqui para sophismar e levantára se apenas para dirigir a s. exa. uma reclamação, em que eram interessadas corporações do beneficencia, cuja tutela e protecção devia merecer principal cuidado ao governo e aos membros do parlamento, diria unica e simplesmente ao sr. ministro da fazenda que a lei de l de julho de 1880 foi sempre interpretada no sentido das reclamações das corporações de beneficencia, de que se fez echo na camara, e que ninguem ainda a sophismára, como o estava fazendo o sr. governador civil de Braga, e, ao que parecia, com applauso do sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)

ue a lei estava publicada e em execução havia mais de dois annos.
O sr. ministro da fazenda tem empregado todos os esforços, disse-o aqui, e já outro dia o tinha dito, para que os fundos disponiveis das juntas geraes e das camaras municipaes entrem na caixa geral de depositos.
Que em relação ás corporações de beneficencia, que s. exa. não tinha dado ordem absolutamente alguma, e que a lei estava-se executando por fórma que eram respeitados os interesses reciprocos do estado e d'essas corporações, em vez de serem prejudicados uns em proveito do outros.
S. exa. disse á camara qual era manifestamente o espirito da lei de l de julho de 1885, no artigo 3.° O que se não queria por fórma alguma era que as corporações, a que se estava referindo, tivessem os seus capitaes improductivos; mas que por um lado se tomassem productivos para ellas, e por outro lado tambem para o estado; por isto se ordenou que entrassem na caixa geral de depositos, recebendo 2 por cento. Era pouco, mas era melhor do que nada, o era bom para o estado que ainda até hoje não conseguiu essa taxa de juro para a divida fluctuante, não ignorando s. exa. que o estado está constantemente precisando fazer supprimentos para essa divida.
Este foi o fim da lei; mas desde o momento em que os fundos não estão em cofre, mas depositados em bancos por meio de notas promissorias e as corporações recebem uma taxa superior á taxa de deposito, qualquer que fosse a interpretação que se quizesse dar á lei, e ninguem lhe daria a que s. exa. lhe quer dar agora, o dever do estado, que exerce ou devia exercer a sua tutela e protecção sobre aquelles corporações, era ensinar aos seus delegados o caminho mais conveniente para ellas, e não o mais conveniente para o estado. (Apoiados.)
Que um dos motivos por que, no districto de Braga principalmente, a proposta n.° 3 do sr. ministro da fazenda produziu desgosto e levantava reclamações, era porque nas provincias se começava a estar mal disposto em relação a estas tendencias do poder central para absorver todos os capitães que n'ellas existem.
Que s. exa. comprehende que n'um paiz com uma circulação fiduciaria imperfeita e incompleta, que quasi não existe fóra de algumas cidades do reino e principalmente fóra de Lisboa e Porto, as provincias precisavam dos ca-

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pitaes, que eram por assim dizer filhos das economias dos seus habitantes, e naturalmente viam com maus olhos qualquer acto do governo que tenda a tirar lhes esses capitaes para os absorver nas finanças do estado.
Mas que, emfim, isto era uma quentão secundaria para se tratar quando se discutir a proposta n.° 3.
O fim para que tinha pedido a palavra era unicamente para perguntar ao sr. ministro da fazenda se o sr. governador civil de Braga estava procedido por ordem do governo e se o governo approvava. o seu procedimento.
Se o sr. ministro se conforma ou não com o procedimento d'aquelle funccionario é um facto para posteriormente se discutir, mas declarava que não levantaria mão d'este incidente, que não era politico mas que pelo contrario tinha intuitos, philantropicos e beneficentes, e lisonjeava se de os defender na camara. (Vozes: - Muito bem )
Esquecêra-se de pedir a qualquer dos srs. ministros o favor de prevenir o seu collega das obras publicas, de que ou precisava que elle viesse aqui antes da ordem do dia para lhe dirigir algumas perguntas, mas fazia-o agora.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu encarrego me do communicar ao sr. ministro das obras publicas o pedido do illustre deputado.
Quanto ao ponto da questão, eu já disso que não tinha idéa de ter sido expedida nenhuma ordem especial para fazer entrar na caixa geral de depositos fundos das corporações de beneficencia; não sabia quaes os despachos expedidos pelos sr. governador civil de Braga, nem em que circumstancias. Examinarei esses despachos; existindo, como o illustre deputado diz que existem, tomarei as providencias que julgar necessarias. (Apoiados.)
Mas acrescentei qual a maneira como interpretaria a lei de 1885, e ouvi com prazer o illustre deputado combater essa lei, que não é da minha iniciativa nem da iniciativa do gabinete progressista.
O sr. Franco Castello Branco: - Eu não combato essa lei.
O Orador: - S. exa. disse que os povos da provincia estão manifestando má vontade contra a tendencia que tem o poder central de absorver os capitães que deviam estar espalhados por todo o reino.
O effeito e o pensamento da lei de 1885 foi manifestamente este.
(Interrupção do sr. Franco Castello Branco.)
É opinião do illustre deputado muito respeitavel, que poderemos discutir a proposito da proposta n.° 3.
Mas, sendo uma proposta do partido a que o illustre deputado pertence aquella que manda entrar na caixa geral de depósitos os fundos das camaras municipaes e outras corporações, não centraliza em Lisboa os dinheiros que deviam estar espalhados nas provincias? Podemos discutir se é bom ou mau, mas o que se não póde discutir é que é isto.
(Interrupção do sr. Franco Castello Branco.)
Não posso perceber a distincção feita pelo illustre deputado. O dinheiro das camaras municipaes applicado á viação municipal é tanto do estado como é das corporações de piedade o beneficencia.
O sr. Franco Castello Branco: - Pergunto á s. exa. se as camaras municipaes ou as juntas geraes podem emprestar o seu dinheiro. Sobre isto é que eu fallava. Tenho pena que, tendo levantado esta questão com tão boa fé e com tanta sinceridade, s. exa. queira sophismal a.
O Orador: - Bem vê o illustre deputado que, quando se está a sangue frio e se trata com pessoas com quem se tem boas relações, não se costuma dizer que está sophismando.
Eu não admitto a theoria de que um deputado póde empregar sophismas para defender a sua causa, como ouvi dizer ha pouco tempo n'esta casa. Espero que o illustre deputado mo trate do mesmo modo que eu o trato. Eu estava mostrando a interpretação que dou á lei, o que póde ser boa ou má, mas não se póde dizer que estava sophismando.
Dizia eu que o fim da lei é fazer entrar na caixa geral de depositos, bem ou mal não discuto agora, os fundos das camaras municipaes, destinados á viação municipal; o resultado d´esta lei foi evidentemente centralisar em Lisboa os fundos que andassem espalhados pelas provincias. Se foi bom ou mau em occasião opportuna o direi. Similhantemente o resultado da lei que mandou entrar na caixa geral de depositos os fundos das corporações de piedade e beneficencia é centralisar em Lisboa, bem ou mal, não discuto agora, os fundos disponiveis d'essas corporações.
Diz o illustre deputado: "a lei diz que não são fundos disponiveis".
Peço licença para ler o que está na lei:
A lei diz: "fundos em cofre, que não tiverem immediata applicação".
Immediata applicação a que? Aos fins d´estas instituições. (Apoiados.) Evidentemente não póde ser outra cousa.
Pois as corporações de piedade e beneficencia têem fundos para depositar nos bancos? Não; mas para os applicar aos fins das suas instituições.
São fundos disponiveis todos aquelles que entram como rendimentos d´essas instituições e que n´um momento dado não podem ser aplicados para o fim d d´ellas. Isto é o que são fundos disponíveis. Fundos em cofre que não tenham applicação e fundos disponiveis são a mesma cousa.
Admittida a interpretação do illustre deputado, uma misericordia recebia 10:000$000 réis, emprestava-os ámanhã a um particular sobre uma letra, e dizia que não entrava este dinheiro na caixa geral de depositos porque o não tinha em cofie, tinha-o eu prestado a F. sobre uma letra. Acontece isto muitas vezes na provincia; umas vezes é bom, outras vezes é mau. Uma misericordia ou irmandade recebe os seus rendimentos no principio do anno, entrega os a um banco, que póde estar muito solido, mas que póde estar muito pouco n'uma determinada occasião, e depois de feito um deposito d'essa maneira, vem dizer-se que os fundos não são disponiveis; não póde ser.
Repito não quiz com isto dizer ao illustre deputado senão que vou examinar a questão. Se o mal resultar da interpretação da lei não ser correcta, procurarei fazer com que essa interpretação se torne correcta, se o mal resultar da propria letra e espirito da lei, n'esse caso proporei ás côrtes a modificação d'ella.
Eis o que tinha a dizer a s. exa. e á camara, e não valia a pena o illustre deputado ter-se irritado.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas das explicações que deu n'esta sessão.)
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.
O sr. Franco Castello Branco: - Eu tinha pedido a palavra a v. exa.
O sr. Presidente: - Eu já tinha annunciado que se passava á ordem do dia.
O sr. Pinheiro Chagas: - Nem com auctorisação da camara ?
O sr. Franco Castello Branco: - Eu tinha pedido a palavra a v. exa.
O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao sr. deputado sem uma resolução da camará.
O sr. Franco Castello Branco: - N'esse caso peço a v. exa. que consulte a camará.
Consultada a camara resolveu, afirmativamente.
O sr. Franco Castello Branco: - Parecia-lhe que a maioria, ou pelo menos os membros da maioria que voltaram juntamente com a opposição para que usasse da palavra iniciaram o verdadeiro caminho que é necessario seguir nos debates parlamentares. (Apoiados.)
Que a presidencia comprehende perfeitamente que recusar a palavra a um deputado é querer encerrar a discus-

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são do incidente sobre a palavra do ministro, contra a disposição da regimento.
Uma voz: - la a entrar-se na ordem do dia.
O Orador: - Ia entrar-se na ordem do dia; mas o que demonstra este facto é que, por uma disposição do regimento, os debates nunca devem acabar quando os ministros usam da palavra. (Apoiados.)
Que se este principio é justo e conveniente, e se o proprio sr. ministro é quem reconhece este facto, realmente parecia-lhe que, para evitar uma sessão tumultuosa e violenta, como estão pintando os jornaes affectos á situação, sessões tumultuosas e violentas que eram um pallido reflexo dos tumultos e violencias que aqui se presencearam em 1885-1886 (Muitos apoiados.) e do que póde dar testemunho um dos antecessores de s. exa. n'esse logar; parecia-lhe que a fórma mais conveniente para evitar esta accusação, porque é uma accusação, (Apoiados.) era permittir aos deputados da opposição que possam usar da palavra para discutir os actos do governo com liberdade e independencia. (Apoiados.)
Que alem d'isto era facil comprehender que um incidente d'esta ordem não podia levar muito tempo á camara, desde que o sr. ministro diz que vão pedir informações ao governador civil e que sobre ellas tomará uma resolução, resolução que tinha direito de discutir opportunamente, (Apoiados.)
Pedia a palavra unicamente para responder a um ou outro ponto do discurso do sr. ministro em que ha manifestamente intuitos politicos. (Apoiados.)
Insistíra para que lhe desse novamente a palavra para pôr bem em relevo que se o sr. ministro deu a este debate maior calor do que elle, orador, esporava, e elle não merecia porque não podia desde já ser resolvido definitivamente, unicamente por uma questão politica.
Que, s. exa. em logar de estranhar, como era proprio dos principios do interesse publico e da justiça, que o sr. governador civil de Braga exorbitasse, aproveitou a occasião para lançar a responsabilidade dos abusos d'aquelle funccionario ao partido regenerador. (Apoiados.)
Este é que era o motivo da discordia entre elle, orador, e s. ex.ª; não havia outro; no fundo s. exa. concorda com elle, nem podia deixar de concordar.
S. exa. ignora que o congresso de beneficencia tem 18:000$000 réis dos seus fundos disponiveis depositados no monto pio?
Isto dava-se aqui em Lisboa, nas barbas da auctoridade.
Se s. exa. não teve conhecimento d'este facto, dou-lhe conhecimento d'elle.
O que se determina na lei de l de julho de 1885, visto que s. exa. quer lançar sobre o partido regenerador a responsabilidade de um facto, que elle, orador, não lançava ao governo, mas sim aos seus delegados?
Ha de permittir que diga que s. ex.ªs têem plena liberdade de procederem como entenderem, e de fazerem o que quizerem; mas aos deputados fica-lhes o direito da critica do seu procedimento. Acha que s. ex.as tanto querem cobrir os actos dos seus subordinados quando elles interpetam a lei bem, como quando a interpretam mal.
Não era essa a missão dos governos, e era até um mau principio de administração, porque os anima a fazerem tudo o que querem, visto que sabem que o governo os defende o absolve.
Que a lei de l de julho de 1880, no seu artigo 3.°, o que tinha em vista era crear um rendimento para essas associações, pelos capitães que ellas tivessem em cofre, improductivos, mortos para a circulação e para a riqueza publica.
Com relação ás corporações administrativas, era uma cousa inteiramente differente.
Que estava posto, pois, em evidencia que fôra o intuito politico e não outra cousa o que provocou as palavras do sr. ministro da fazenda, que deu a este incidente uma extensão que não esperava que s. exa. lhe desse.
Terminava por aqui as suas considerações, pedindo de novo a s. exa. que se apresente em breve á camara informado dos factos, com uma resolução já tomada e que seja em harmonia com os interesses das corporações de beneficencia; que em logar de o censurar estimará muito poder applaudil-o por essa resolução, se ella poder concorrer para a prosperidade d'aquellas associações.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do artigo 1.º do projecto n.° 6, relativo à contribuição industrial

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Continua em discussão o projecto de lei n.° 6.

Foi admittida á discussão a proposta do sr. Avellar Machado que tinha ficado sobre á mesa na sessão anterior.
É a seguinte:

Proposta

A camara, reconhecendo que é necessario proceder a um largo estudo, que proveja ás necessidades e satisfaça ás condições de vida das classes operarias e aos pequenos industriaes, continua na ordem do dia. = Avellar Machado.

O sr. Elias Garcia: - Sr. presidente, o meu collega o sr. Avellar Machado já hontem teve occasião de responder ás considerações apresentadas pelo sr. relator da commissão, e não serei eu que me occupe agora especialmente de dar resposta ao mesmo sr. relator; mas não posso deixar de notar que por parte do governo, ou da commissão não só respondesse ao illustre deputado o sr. Avellar Machado. Talvez que o sr. relator entendesse que o não devia fazer, porque as considerações que o meu collega apresentou não eram bastante valiosas para merecerem a sua resposta.
Não sei se me succederá o mesmo...
O sr. Alves da Fonseca: - Tendo-se o sr. Avellar Machado referido principalmente aos negocios relativos ao Sardoal e Mação, pareceu me que não tinha, por parto da commissão de dar resposta alguma. Não foi por nenhuma outra consideração que deixei de responder.
O Orador: - Como ía dizendo, não sei so me acontecerá o mesmo, mas quer aconteça, quer não, não será isso motivo para eu deixar de apresentar as considerações que entendo dever fazer a respeito d'este projecto.
E como não usei da palavra na discussão da generalidade, peço licença para na discussão do artigo 1.° fazer algumas considerações a respeito da materia dos outros artigos, e para apresentar algumas propostas e substituições a cada um d´esses artigos. Assim poupo-me ao trabalho de ter de pedir mais vezes a palavra.
Sr. presidente a historia d'este projecto é curiosa, edificante, e, digamol-o incarno, consoladora, porque emfim, quando na sessão passada, o sr. ministro da fazenda apresentou a proposta que foi transformada na carta de lei de l5 de julho de 1887, não tinha em mente occupar-se do reformar a contribuição industrial, e mal suppunha o que havia do succeder depois, porque, como mais de um dos meus collegas da opposição teve occasião de dizer, o sr. ministro no seu relatorio, referindo-se á contribuição industrial, deixou apenas caír ali algumas linhas nas quaes se limitava a dizer que as modificações que propunha eram de muito pequeno valor.
S. exa. apenas suppunha que podia ser avolumada a verba da contribuição industrial, comprehendendo os louvados judiciarios.
No entanto, aquella proposta foi transformada na lei de 15 de julho, e no artigo 4.º d'esta lei foi o governo auctorisado a transformar a cobrança, e o lançamento do im-

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posto industrial por fórma que em vez de continuar a ser como até então, o fosse na conformidade d'aquella auctorisação, e quando o governo assim o entendesse, por meio de licença.
Apesar da carta de lei ter a data de 15 de julho, só foi publicada nos fins d'esse mez.
Passou o mez de agosto, e só em setembro é que o governo organisou o regulamento para o lançamento e cobrança do imposto; mas apesar de ser o regulamento datado do 8 de setembro, só viu a luz publica no Diario do governo de 14 de novembro, o que quer dizer que o governo não teve muita pressa em dar á luz o regulamento da carta de lei de 15 de julho.
Ora, nota-se n'este regulamento uma cousa, que não acontece com todos os regulamentos, e é o estar assignado por todos os ministros.
Não é facil achar a rasão d'isto.
Mas o regulamento está assignado por todos os ministros, e mais tarde, ao usar da auctorisação parlamentar concedida na lei de 15 de julho, e em conformidade com as disposições de um dos artigos do regulamento, o governo publicou outro decreto em 30 de novembro, só publicado no Diario de 6 de dezembro, e n'esse decreto em que só designam as profissões a que se applica a cobrança na fórma de licença, decreto fundado na auctorisação parlamentar, não se encontra já a assignatura do todos os ministros, e apenas a de tres.
Do maneira que usando da auctorisação parlamentar, suppõe o governo que não é preciso que todos os ministros venham firmar é uso d'essa auctorisação, e tratando-se do regulamento com respeito a assumpto exclusivamente do ministerio da fazenda, entende que é necessario ser o regulamento assignado por todos os ministros.
Este processo não era conhecido na nossa administração, e por isso disse que a respeito d'esta lei ha cousas curiosa.
Podiamos ver se em casos analogos o governo procedia do mesmo modo.
Pela publicação da carta de lei não se manifestou nenhuma commoção no publico, e só depois, não da publicação do regulamento, más do decreto de 30 de novembro, é que começou a manifestar-se, porque foi só então se soube quaes eram as industrias ás quaes o governo applicava a fórma de licenças para substituir o, imposto industrial; mas essa agitação foi tal que o sr. ministro, passado pouco tempo, isto é, o que decorre de 6 de dezembro a 24 do mesmo mez, se viu Abrigado a publicar uma portaria explicativa do regulamento que aqui foi denominada de "portaria de urbanidade por um collega que não vejo presente.
Folgo immenso que um documento official seja urbano, louvo o governo e a nossa burocracia por serem urbanos.
Estou, tão habituado a encontrar nos documentos que emanam dos differentes ministerios, a ver tão pouco respeitadas as regras da cortezia, da delicadeza e da urbanidade, que em vez de condemnar um documento denominando-o urbano, porque se porventura elle tem essa qualidade, é para mim mais apreciavel.
Isto provém, talvez, da divergencia no modo de ver as questões entre mim e o meu collega, que deu á portaria essa denominação.
Uma expressão já foi aqui empregada "bridão", e essa effectivamente é pouco urbana. Para quem tem uns certos assomos de auctoridade, o emprego de phrases urbanas deve destoar do seu sentir.
Não é por ser urbana que eu condemno a portaria, antes muito folgarei e estimarei que todas as portarias do governo, todas as suas circulares e todos os officios que elle expedir pelas diversas repartições do estado, primem principalmente pela urbanidade.
Felizmente o governo não foi violentado a ser urbano; creio que o foi espontaneamente. Mas tambem, creio que influiu no seu espirito a disposição do animo publico, disposição que provocou os seus olhares para ver sê podia levar por diante o seu proposito de por em execução a auctorisação concedida por aquella carta de lei.
Esta idéa de transformar a contribuição industrial em licença não é nova, não acudiu simplesmente á mente do illustre ministro da fazenda; e não é, digamol-o tambem, peculiar ou especial, do partido progressista.
O partido regenerador tem tambem parte na lembrança de recorrer á licença para substituir o lançamento e a cobrança do imposto industrial.
Antes, do partido progressista apresentar n'esta camara a auctorisação de que surgiu o regulamento a que nos estamos referindo, já em 1879 o sr. Antonio de Serpa, que era ministro de uma situação regeneradora, trouxe aqui entre as suas medidas de fazenda uma para transformar parte do imposto industrial em licença. Portanto esta idéa não é de hoje, é antiga, e se porventura ha n'isto um crime, delicto, falta, mau pensar, ou seja o que for, existiu na mente dos estadistas, quer progressistas, quer regeneradores, porque uns e outros se lembraram de fazer o mesmo.
Se o sr. Serpa não logrou ver convertida em lei a sua proposta, tambem o sr. Marianno de Carvalho não logrou ver executada a sua.
A proposta do sr. Serpa não obteve a sancção parlamentar, a do sr. Marianno de Carvalho, alcançando-a, para o seu projecto não conseguiu, esta é a verdade, levar por diante o seu proposito.
Ora eu não culpo, nem o sr. ministro da fazenda actual, nem o da situação regeneradora, por se lembrarem de apresentar á camara uma proposta para a substituição, pela fórma de licença, a cobrança do imposto industrial; não os culpo, porque emfim é uma idéa que alguns financeiros têem, e o de que se carecia principalmente era ver-se poderia realisar se sem difficuldades e se poderia ser bem acceita pelo publico.
E devo confessar que a proposta apresentada ao parlamento pelo sr. Serpa Pimentel era incontestavelmente mais suave do que o regulamento apresentado pelo actual governo.
Digo isto, porque sou justo; porque o actual governo dissimulou na auctorisação o que pretendia fazer, e o sr. Serpa Pimentel não dissimulou, disse-o claramente na sua proposta, e por consequencia todos ficariam sabendo, que não se votasse aquella proposta, qual o alcance della.
O actual governo entendeu que devia cobrir-se com uma auctorisação e fazer depois o que julgasse conveniente. Poderia fazer uma cousa, e era, para realisar o seu pensamento e em virtude d'essa auctorisação, proceder como procedeu o sr. Serpa Pimentel; porque o que este estadista propunha em 1879 era o seguinte:
"Os officiaes de quaesquer officios ou artes ficam isentos da contribuição industrial; pagarão porém, a titulo de licença:

Nas terras de 1.ª e 2.ª ordem 1$000 réis
Nas terras de 3.ª e 4.ª ordem $800 réis
Nas terras de 5.ª e 6.ª ordem $400 réis

Estando estes contribuintes na 8.ª classe, examinando a 8.ª classe da tabella de lei de 3 de junho, vemos que em todas as terras ficavam mais favorecidos do que por essa tabella, porque n'essa tabella de 3 de junho de 1880 lê-se:
N.° 366. Officiaes de quaesquer officios.
Taxas nas terras de ordem:

1.ª 2$240
2.ª 1$960
3.ª 1$400
4.ª 1$050
5.ª $770
6.ª $560

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Acresce mais, e é que o sr. Serpa Pimentel, com respeito ás multas legalmente impostas em virtude d'esta contribuição industrial, tinha uma disposição que dizia:
"As multas legalmente impostas a que o serviço da contribuição industrial der logar em todas ou quaesquer das suas partes, serão lançadas na respectiva matriz e conhecimento, para serem cobradas com a mesma contribuição."
Quer dizer, que as reluctancias e os clamores que se têem levantado com respeito á fórma da cobrança das multas e da contribuição, podiam ser feitas, têem rasão de ser, tem entrar agora, na questão, se é a contravenção do regulamento, se é propriamente a falta do pagamento da contribuição industrial, que envolvo uma certa penalidade, mas o que é certo, é que a disposição apresentada pelo sr. Serpa Pimentel era incontestavelmente mais suave.
O actual governo, no uso da auctorisação, quis pôr em pratica uma idéa que já tinha sido aqui apresentada pelo sr. Serpa Pimentel, mas entendeu que devia aggraval a, não é em relação á verba, mas em relação tambem ao modo da cobrança.
Já se vê que o sr. ministro da fazenda não foi feliz na sua innovação e não sendo feliz, não admira que solevantassem as resistencias, que folgo que fossem exclusivamente legaes, que fossem mantidas e conservadas dentro dos limites das leis; porque é d'esse modo e por essa fórma que as nações podem mais facilmente adiantar as suas instituições livres e mostrar que sabem usar d'ellas para conseguirem tudo o que póde contribuir para o seu bem estar e prosperidade.
Por consequencia, folgo muito com que taes manifestações se mantivessem n'esse terreno, e entendo que o governo fez bem em attendel-as, em inclinar-se diante d'ellas, porque não são os governos constituidos para se oppôrem ás reclamações legitimas da opinião publica.
Elles devem estar ali unicamente para ajustarem os dictames da sua consciencia com os dictames da opinião do paiz.
Se podem conservar-se, conservam-se; se não podem conservar-se, retiram-se. Em qualquer dos casos não deixam de ajustar os dictames da opinião publica com os dictames da sua consciencia.
Evidentemente o sr. ministro da fazenda, na minha opinião, desde o primeiro acto até ao ultimo, não lançou os olhos, apesar do seu esclarecido espirito e do seu grande talento, para este projecto, que é naturalmente obra de accessores que se incumbiram de cuidar d'elle.
As difficuldades e embaraços em que s. exa se tem encontrado provem principalmente d'essa coadjuvação, que, n'este caso, em vez de auxiliar o sr. ministro, o comprometteu.
O sr. ministro tinha considerado primeiro que a modificação era de pouco valor.
Depois, quando se levantaram as reclamações, s. exa. soccorreu-se, para justificar esta nova proposta, a uma argumentação que está inquestionavelmente em situação bem pouco consoante com os recursos do seu talento.
Quando s. exa. se viu forçado a apresentar, não digo lima modificação á lei, porque no fundo isto não e uma modificação, mas um projecto que suavisa os rigores do, regulamento, os rigores provenientes do uso da auctorisação parlamentar, começou por invocar o estado anarchico em que se encontrava o lançamento e a cobrança da contribuição industrial.
Como é que s. exa podia soccorrer se a um unico e simples facto, se o não quiz estudar minuciosamente, para ver o que n'elle havia de verdadeiro e de apparento?
Um ministro da fazenda, de ordinario, para que olha a fim de conhecer se um imposto vae bem ou vae mal?
Olha muito naturalmente para o rendimento d'esse imposto.
Ora, o que é que se observa em relação ao rendimento
d'este imposto, segundo o Annuario estatistico ultimamente publicado?
É que desde 1830-1881 o rendimento da contribuição industrial (o cobrado e não o lançado) tem sucecssivamente crescido.
A contribuição industrial cobrada no continente, tem sido:

1880-1881 l 059:088$451
1881-1882 1.093:994$535
1882-1883 1.126:709$176
1883-1884 1.107:713$714
1884-1835 1.119:701$910

Bastava que o illustre ministro lançasse as suas vistas para os elementos que forçosamente tem á sua disposição, embora nós não os tenhamos senão quando o Annuario estatistico se publica, para immediatamente reconhecer que o imposto industrial, em vez de estar em más condições, ia successivamente crescendo.
E se por ventura, o sr. ministro da fazenda, por voltar as suas attenções para o assumpto, entendesse que deviam fazer-se modificações nos impostos, em que sentido devia ser a modificação? Havia de ir buscar, naturalmente, alguns elementos ou indicações, para que, apesar do imposto crescer, s. exa. justificasse essa alteração. O mal é reformar sem rasão, e mesmo sem criterio.
Poderia tambem o sr. ministro da fazenda ver pelas estatisticas, se a população industrial crescia ou não; o só effectivamente s. exa. visse que a população industrial crescia, e que o importo crescia pouco, podia dizer: ha vicio; se o numero de industriaes cresce tanto e a contribuição não, ha vicio.
Se por acaso s. exa. visse, que o numero de industriaes decrescia e a contribuição crescia, diria: ha vicio, mas é de outra ordem.
Ora, quando nós consultâmos as estatisticas, vemos que o numero dos contribuintes, em 1880, era de 236:682, e em 1881 de 234:019. Quer dizer, que o numero dos contribuintes da contribuição industrial decresceu; quer dizer que, decrescendo o numero de contribuintes, o sr. ministro da fazenda devia observar: se cresce a contribuição e não o numero de contribuintes, parece que ha alguns contribuintes mais lesados.
Mas para quem se voltou principalmente o sr. ministro da fazenda, quando tratou da transformação do imposto industrial em licença? Voltou se evidentemente para as classes menos favorecidas da fortuna; foi para essas que s. exa. se voltou, e porquê? S. exa. já disse n'uma occasião, que lhe parecia que os salarios d'essa população estavam mais elevados, e que por consequencia as condições d'essa população eram melhores. E possivel que s. exa. tenha rasão. Como eu não tenho estatisticas á minha disposição, ouço a uns dizer que os salarios estão altos, e a outros que estão baixos; e sem ter elementos seguros para apreciar, não sou capaz de dizer nem sim nem não.
O que posso é ir aos dados estatisticos seguros, e dizer o que outro dia disse é sr. ministro da fazenda a um dos meus illustres collegas d'aquelle lado da camara. Disse s. exa. que tinha intenção de reduzir os direitos da carne, por isso que a carne, deixando de ser, pelo seu elevado preço, o principal alimento das classes populares, era de grande conveniencia reduzir o imposto, para que effectivamente aquellas classes podessem usar d'esse alimento.
Ora, se o sr. ministro da fazenda olhasse tambem para as estatisticas, veria um facto verdadeiramente lastimoso, e que deve impressionar altamente o espirito de s. exa. Com relação ao imposto da carne, vê-se que desde 1881 até 1884, houve ligeiras alterações; mas de 1884 para 1885 o decrescimento é enorme, pois passou de 20 a 15 milhões, como se vê em seguida, segundo o Annuario estatistico:
Imposto do real de agua no continente.

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Generos manifestados:
Carne:

1880-1881 19.901:298;555
1881-1882 20.801:405;754
1882-1833 20.054:703;909
1883-1884 20.602:312;100
1884-1835 10.997:901;700

Quer dizer, quando em 1880 era de 19 milhões, era em 188 de 20, mantendo-se assim n'essa altura; quando porém passou de 1884 para 1885, desceu de 20 a 15 milhões. É um decrescimento enorme no consumo da carne.
Aqui está um facto a accusar o mau estar das classes populares, se é que as estatisticas têem valor, e é para isso que ellas são; se não têem valor não servem para nada.
Estas estatisticas referem-se a todo o continente, aonde só cobra o real de agua; mas, mesmo na cidade de Lisboa não havia nenhum facto que indicasse crescimento notavel de rendimento do imposto de consumo. Aqui não é o real de agua, é imposto de consumo, e por consequencia é escusado atender á quantidade de kilogrammas, basta attender ao rendimento, e esse, segundo o Animaria é:

1880-1881 453:214$313 réis
1881-1882 465:077$708 "
1882-1883 487:959$093 "
1883-1884 483:138$285 "
1884-1880 491:820$877 "

Quer dizer que o crescimento é muito lento, não accusa um grande bem estar nas classes populares, quer dizer que o governo devia reparar que na medida que ía tomar principalmente feria estas classes. E todas as indicações que elle tinha á sua disposição estavam a mostrar-lhe que em vez d'ellas se acharem em boas condições se achavam em condições apertadas.
Não admira, portanto, por isso que foi pouco cauteloso, que não usou da prudencia que é indispensavel para quem governa, que se levantassem as resistências com que s. exa. não contava. No que s. exa. fez bem foi em inclinar-se perante essa resistencia; não o crimino por isso, antes o louvo, porque não lucrariamos nada com a pertinacia e insistencia do governo em resistir a esses justissimos clamores; por que d'essa resistencia do governo não podem resultar senão consequencias funestas para todos.
O sr. ministro da fazenda teve a longanimidade de vir á camara pedir que emendasse a sua obra; pois que, embora s. exa. não nol-o disse de uma maneira clara, bem escusado era que nos dissesse que tinha errado.
E para que ámanhã nos não aconteça o mesmo, tendo de arrepender-nos do que fizermos, e sendo forçados a curvarmo-nos diante da opinião publica, proponho substituições, aos artigos d'este projecto.
Já vê v. exa. e vê a camara que os meus propositos são pacificos; não lagrarão convencer os meus collegas da maioria; mas se não lograr convencel-os, pelo menos não ha de acontecer mais tarde o que succedeu com a lei de 15 de julho.
O sr. ministro estranhou que a opposição não combatesse aquella auctorisação. S. exa. sabe que de ordinario as opposições não costumam votar auctorisações ao governo; quanto a mira não as tenho votado; e não as tenho votado porque são uma arma perigosa para quem as recebe.
Não trato de sabor se confio ou não confio, entendo que podo haver quem peça auctorisação e votos de confiança, e póde haver quem os dê, mas quem os recebe fica em peior situação do que quem os dá, e como não quero comprometter ninguem, abstenho-me de os dar, não quero arriscar nenhum homem publico a collocar-se em uma situação, que considero verdadeiramente dolorosa, por uma rasão muito simples: porque eu posso dar ou posso não dar um voto de confiança, mas quando der um voto de confiança, não digo nem mais uma palavra, cerrei os labios immediatamente e sujeito-me a todas as consequencias do voto que dei. Todos os votos que tenho dado nunca foram de outra fórma, sou muito cauteloso em dal-os e portanto de ordinario nego me a dal os para não comprometter as pessoas e não ter do lastimar-me de ser forçado a guardar silencio.
Sr. presidente, expostos estes meus desejos com respeito ás disposições da lei, quero ainda fazer uma observação ao sr. ministro da fazenda para lhe mostrar a pouca reflexão, digamos assim, com que s. exa. procedeu para vir justificar este novo projecto de lei. S. exa., para mostrar o estado lastimoso da contribuição industrial, soccorreu-se a dizer-nos o que succedeu em Lisboa com relação a certas classes, em que o numero de conhecimentos de contribuição industrial era enorme e a cobrança muitissimo pequena! Ora sobre este facto o sr. ministro da fazenda, talvez não reparasse para uma cousa; s. exa. entende que ha algumas classes que não têem pago a contribuição e por isso insurge-se contra ellas e trata as pouco meigamente. S. exa. lastima-se de que haja nas repartições de fazenda volumosos maços de conhecimentos de contribuição industrial, por se não encontrarem os individuos a que respeitam; não sei o que se passa pelo paiz todo, mas isso induzir de alguma maneira o que por lá acontecerá desde que conheço exactamente o que se tem dado em Lisboa.
V. exa. sabe, que para organisar os recenseamentos eleitoraes a nossa lei eleitoral estatue, que se tenha presente a matriz para sobre ella se organisar o primeiro trabalho ou o dos verbetes proprios para se saber quaes são os individuos que estão no caso de serem recenseados.
Posso assegurar a v. exa., porque é facto observado por mira, de que em um dos bairros de Lisboa e em certo atino se encontraram dois a tres mil individuos que não exibiam, e estavam na matriz. E mais uma fraude das muitas que se insinuam na organisação do recenseamento eleitoral.
Podo, pois, dizer-se que a classe industrial deixa de pagar por se não encontrarem aquelles dois ou tres mil individuos? Não é justo dizei-o.
O que ha é um certo numero de individuos, verdadeiros mandões, que fazem recensear individuos que não existem, e com esses ganham as eleições.
Sabem a rasão por que os fazem figurar?
É porque quando se apresentam perante as, commissões de recenseamento individuos que sabem, ler e escrever, ellas têem difficuldade em acceital-os; mas quando se vê o nome na matriz diz se que é individuo que paga e immediatamente é acceito. Como isto é sabido pelos individuos que usam de fraudes por todos os modos nos recenseamentos inserem nas matrizes muitos individuos que nunca existiram, e depois porque estão ali os introduzem no recenseamento, e como não existem, vão outros votar por elles. Este facto é bem conhecido.
Tem-se diligenciado, principalmente em Lisboa, evitar esses abusos, mas ainda não se evitaram. Tão evidente e claro é o alcance d'estes abusos que alguns individuos por tal motivo lograram ter, durante alguns annos, uma grande influencia em Lisboa, e desde o momento em que não tiveram estes eleitores falsos nunca mais conseguiram ganhar uma eleição.
Isto é o que acontece em Lisboa. Posso asseverai o porque se deu, e não tenho rasão para suppôr que hoje isso esteja completamente mudado; antes tenho observado que se tem diligenciado proceder no sentido que digo.
Portanto o sr. ministro da fazenda, que me parece que sabe tão bem como eu d'estes factos, devia tambem impressionar-se com elles, e não attribuil-os á negligencia dos contribuintes, mas principalmente ao empenho que muitos têm de fazer figurar na matriz individuos que lá não deviam estar. Se s. exa. quizesse olhar para este assumpto com a devida attenção, devia inquirir e investigar o que

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havia de verdade em tudo isto, e o alcance que tinham estas fraudes praticadas no recenseamento.
Ora quando eu vejo o que succede em Lisboa, não sei o que succederá no resto do paiz; mas posso conjectural-o por meios indirectos, porque são os unicos que tenho á minha disposição.
Na estatistica ultimamente publicada vejo que, sendo a população de Portugal de 4.698:984 habitantes, e sendo o numero dos eleitores em todo o paiz de 863:280, ou em numeros redondos 4.700:000 habitantes e 870:000 eleitores, isto é, o numero de eleitores está para o de habitantes como l para 5,4, o se se quizer como l para 6.
Vamos ver se aqui em Lisboa se mantem esta relação como se devia esperar.
Lisboa não é a terra do paiz onde se paga menos, nem onde menos sabem ler, nem onde escasseiem outras condições que habilitem para ser eleitor. Pois querem saber o que acontece? Acontece que nos recenseamentos na capital, os de 1885 e 1887, e faço a comparação exactamente para a mesma area da cidade, depois de augmentada com a parto annexada em 1880; em 1885 o recenseamento tinha 26:082 eleitores e em 1887 29:071 eleitores.
Houve pois de 1885 para 1887 o augmento de 2:989 eleitores; e se o numero dos eleitores para o de habitantes é l: 5,4 o augmento da população seria de 16:140 habitantes, e sendo de l:6 o augmento seria de 17:934 habitantes.
Se isto fôra assim, o crescimento da população em Lisboa era immenso. Mas aqui cresce mais o numero dos eleitores do que o dos habitantes.
Eis mais uma rasão para se dizer que não nos devemos fiar no numero dos contribuintes que figuram na matriz, suppondo o numero verdadeiro, porque está aqui uma prova de que augmenta o numero dos eleitores ficticios e não dos verdadeiros.
Mas vejamos ainda se mantendo-se a relação indicada pela estatistica, em todo o paiz, entre o numero de eleitores e do habitantes, qual seria a população de Lisboa. Sendo a relação de l:5,4 a população seria de 156:983 habitantes, e sondo l:6 a população seria do 174:546 habitantes, e comtudo o Annuario dá á cidade de Lisboa segundo a arca de 1885 a população de 224:346 almas.
Quer dizer, se por um lado ha fraudes no recenseamento eleitoral a que me referi, ainda assim Lisboa está desfavorecida no numero dos eleitores, em relação ao que se dá no resto do paiz, ou então, o que por lá vae!
Quer dizer, Lisboa é vilipendiada, o opprimida por todas as fórmas. Lisboa paga mais que nenhuma outra terra. E dizem que Lisboa não paga, que é ella que se eximo ao imposto, quando é exactamente o contrario. E em vez de ser respeitada nos seus direitos, é mais que nenhuma outra terra espoliada, para o que contribuem as camaras legislativas e os governos, e n'um futuro mais proximo, ou mais remoto, estes factos não podem deixar de produzir uma situação verdadeiramente desastrosa, para todos. Para este assumpto é que eu desejaria que os talentos o merecimentos do sr. ministro da fazenda se voltassem, que se servisse para isso das altas qualidades de espirito de que dispõe e não para dirigir umas phrases pouco delicadas n'este caso, porque se foi cortez na celebre portaria de recommendação aos funccionarios, foi descortez no relatorio para com a cidade de Lisboa.
Estes vicios, estes defeitos nas contribuições, quer seja na exageração, quer seja na desigualdade d'ellas, provém principalmente do habito, em virtude do qual os governos, as auctoridades, os seus agentes e os partidos que estão ao lado dos governos primam era falsear por todos os modos o regimen eleitoral. Em vez do empregarem todas as diligencias para tornarem successivamente mais puras as fontes do nosso viver nacional, estão as camaras collaborando os governos para que essas fontes sejam cada vez mais impuras e dêem productos mais perniciosos para esse viver.
É contra isto que eu me insurjo, e não o faço era termos descommedidos e arrebatados, porque basta apenas expor os factos em toda a sua nudez, para que os espirites verdadeiramente imparciaes reconheçam que tudo que tenho dito tem, se não toda a verdade que eu julgo ter, pelo menos uma grandissima parte da verdade, que todos podem reconhecer immediatamente.
Dito isto, vou em poucas palavras dizer quaes são as propostas que apresento.
Ao governo não accudiu favorecer nenhuma classe, quando pensou na reforma da contribuição industrial, porque na auctorisação dada pela lei de 15 de julho de 1887, nenhuma indicação apparece pela qual se mostre que o governo se empenhou em favorecer qualquer classe da sociedade Quando publicou o regulamento, tambem não lhe accudiu ao espirito favorecer ninguem, porque até passava por cima do principio justissimo e verdadeiramente democratico da lei de 1860, para transformar o imposto que era distribuido por meio dos gremios em um imposto em fórma de licença. E no proprio regulamento de 8 de setembro se viu bem que a tendencia do governo não era para favorecer, pois que basta ver as disposições que n'elle se encontram.
O governo publicando o regulamento da lei que auctorisava a transformação em imposto do licença, dizia no artigo 8.°:
"O governo applicará por decretos especiaes, a todas ou só a algumas terras, industrias, profissões, artes ou officios, o systema de lançamento de cobrança da contribuição industrial por meio de licenças."
Induz alguem d'aqui que o governo tivesse desejos de favorecer as classes operarias?
Por consequencia quando viesse o decreto especial é que se saberia.
Mas diz mais no artigo 9.º:
"A cobrança da contribuição correspondente ás industrias e profissões incluidas na tabella A, junta ao regulamento de 28 de agosto de 1872, modificada pelo decreto de 3 de junho do 1880, é feita em relação á importancia total das taxas que serão divididas em partes proporcionaes ao tempo por que as licenças forem concedidas."
Isto é para o caso da taxa fixa; roas quando a taxa não é fixa diz-se no artigo 10.°:
a Quando o governo applicar o systema de lançamento e cobrança da contribuição industrial por meio de licenças, a algumas das industrias, profissões, arte" ou officios da tabella B, junta ao regulamento de 28 de agosto de 1872, igualmente modificado pelo decreto de 3 de junho de 1880, poderá converter em taxas fixas, no todo ou em parte, as taxas da mesma tabella."
Por consequencia, transformando a taxa variavel em taxa fixa, não favoreceu. E querem ver como não favoreceu?
Diz mais ainda o § unico do artigo 10.°:
"Em quanto se não operar esta conversão, regulará para o pagamento da contribuição, por meio de licença, a importancia repartida a cada contribuinte no anno immediatamente anterior; succedendo, porém, não ter sido o contribuinte collectado, regulará a correspondente taxa da tabella."
Isto é o mesmo que dizer que o individuo paga exactamente n'um anno o mesmo que pagar no antecedente.
Isto é um principio inacceitavel na contribuição, porque a contribuição é de natureza variavel, e não permanente.
Por consequencia, o governo não tinha o proposito de favorecer as classes populares quando publicou o regulamento: e parece que só tinha principalmente o proposito de acabar pelo menos com relação a algumas profissões, artes ou officios desde logo, e quem sabe se mais tarde em todas, com os gremios.
O primeiro diploma da contribuição industrial é o de 1860.

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Os que são d'aquella epocha lembram-se bem dos clamores e da celeuma que levantou aquella reforma; mas eu, que já n'esse tempo estava na imprensa, apesar de estar em opposição ao governo que, a decretava, em vez de ser contrario a essa reforma, não o era porque ella tinha em si o principio democratico da instituição dos gremios, e considerava o principio como uma conquista democratica operada n'aquelle tempo e que não podia deixar de redundar em beneficio dos individuos, quando fossem cuidadosos em vigiar o modo como o imposto era distribuido.
Eu não era contrario a essa reforma, e vi que aquelles que a combateram a acceitaram depois.
E foi o marquez d'Avila, um conservador de primeira ordem, que fez passar o partido progressista pelas forcas caudinas. E pouco me importa que os homens fossem inconsequentes se d'essas inconsequencias resultaram beneficios para a nossa legislação; a inconsequencia passa e o beneficio fica.
Já se vê, portanto, que o governo não tinha a disposição de favorecer as classes operarias, mas acudiu-lhe, embora tarde, a lembrança de favorecer essas classes e eu não o censuro por isso: aproveito essa feliz disposição do governo e d'esta camara.
O governo vem aqui e diz, que pretende alliviar os contribuintes correspondentes aos n.os 303, 306 e 483 da tabella de 1880; pediu depois a palavra o sr. Julio de Vilhena, e acrescentou mais algumas isenções; em seguida veiu o sr. Fuschini e acrescentou mais; venho eu, e digo, faça-se o que pediu o sr. Fuschini. A minha proposta é para que sejam isentos da contribuição industrial as indus-trias, artes e officios que estejam comprehendidas na classe 8.ª
Como disse; eu pedi licença ao sr. presidente e á camara para não usar da palavra outra vez e em ligeiras observações concluir agora o que tenho a dizer em relação ao resto do projecto.
O 2.° artigo diz: " são igualmente isentos d'esta contribuição os individuos, que não tiverem lucros ou salarios medios de 600 réis por dia util nas terras do primeira e segunda ordem, de 500 réis nas de terceira e quarta e de 400 réis nas de quinta e sexta ordem, os quaes estão mencionados nos seguintes numeros da referida tabella que faz parte da lei de 15 de julho de 1887."
Eu acho que é muito saudavel esta disposição.
Voto-a, mas não com as restricções que aqui estão, por que se diz, que é só applicavel aos n.os 159, 192, 322, 366, 388, 404, 462 da tabella de 1880, e mais duas da tabella de 15 de julho de 1887.
Aqui consigna-se a isenção para estos contribuintes, e eu não, consigno-a para todos que estejam nos mesmos casos.
Pois há de dizer-se que os pintores que têem 400, 500 ou 600 réis segundo a ordem de terra, sejam isentos; e se houver outras industrias que não estão aqui e que estejam no mesmo caso, não hão de ser favorecidas?
A gradação dos interesses de uma industria não está perfeitamente accentuada pelas classes, nem o está pela disposição da taxa em relação á ordem das terras.
Evidentemente quando se diz a 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, ou 5.ª até á 8.ª os interesses d'essas classes vão crescendo ou decrescendo da l.ª para a 8.ª e da 8.ª para a 1.ª conforme a ordem é ascendente ou descendente.
Esta é a regra, mas até o sr. Casal Ribeiro quando fez essa proposta, no seu relatorio disse que isto era cousa muito difficil e não lhe era dado a elle acertar logo, deixando ao tempo que fizesse o melhor.
E o que devem fazer os poderes publicos; empregar toda a diligencia para que se aproveite o tempo melhorando.
E o que se faz e o que se tem feito? Têem se mudado as industrias de uma para outra classe por se suppor que a taxa correspondente a umas classes era superior aos redditos das industrias n'ella comprehendidos.
Vejo tambem que certas profissões, se as considerâmos em relação á ordem de terias, não se póde dizer logo que sejam mais rendosas em terras de ordem mais elevada.
Tambem já aqui se disse que não sabemos o que é salario medio; mas se formos ao Annuario estatistico achâmos ahi alguma luz, porque, por exemplo, para os trabalhos de obras publicas e para diversos officios encontra-se o salario medio, e podia suppor-se que o salario em Lisboa é maior, o não o é. Ha terras que têem o salario mais alto de que em Lisboa; estes são os factos.
Logo, o que quer isto dizer? E que nem a classe nem a ordem de terras, é sufficiente para marcar bem se os interesses de uma classe são mais elevados ou menos elevados.
Portanto, evitemos quanto podermos o subordinar nos ás terras ou ás profissões. Nós entendemos que todas as profissões que não tiverem lucros ou salarios medios de 600 réis por dia util nas terras de primeira e de segunda ordem, de 500 réis nas de terceira o quarta ordem e de 400 réis nas de quinta e sexta ordem, devem ser isentas do contribuição, e faço a distincção pelas terras porque, em geral, os encargos da vida são maiores n'umas terras do que n'outras.
Portanto, isentemos todas as classes, que estiverem n'estas condições, sem nos importar com as profissões.
Quer dizer, ao principio que o governo iniciou, que a commissão applaudiu, que o sr. Julio de Vilhena alargou, e que o sr. Fuschini tambem melhora de algum modo, eu apresento a minha substituição, consignando que sejam isentos d'esta contribuição todos os individuos que não tiverem lucros de 600 réis por dia util nas terras de primeira e do segunda ordem, de 500 réis nas terras de terceira e quarta ordem e de 400 réis nas de quinta e sexta ordem.
Eu quereria ir mais longe, mas não posso porque não tenho elementos para isto, e realmente custa-me muito a fazer uma indicação sem ter elementos para a sustentar.
Não posso propor alterações na legislação sem ter os elementos e informações necessarias para o fazer, porque por capricho não se deve legislar. Não se deve legislar ás cegas. Póde-se ainda legislar com passo pouco firme, porque muitas vezes os elementos que temos são escassos; mas legislar sem esclarecimento algum, sem informações e só por imaginação, acho que é mau, porque a imaginação não deve entrar aqui.
O artigo 3.° proponho que seja eliminado: é o mais simples. Diz o artigo:
As disposições do artigo 228.° do regulamento da contribuição industrial de 28 de agosto de 1872 e as do artigo 2.° da carta de lei de 15 de julho de 1877 são tambem applicaveis aos officiaes de officios não isentos da contribuição industrial pelo artigo antecedente.
"§ unico. Ficam unicamente sujeitos ás responsabilidades estatuidas n'este artigo os donos dos estabelecimentos, fabricas ou officinas, quando os collectados ali sirvam por mais de um mez."
Quer dizer, o principio da nossa legislação já faz responsavel o dono de certos estabelecimentos por alguns doa seus empregados.
O sr. ministro da fazenda disse que o sr. Hintze Ribeiro, quando apresentou as suas reformas ia fazer dissimuladamente o que elle faz. Mas s. exa vem agora clara e nitidamente propor que as fabricas quando tenham operarios ao seu serviço, sejam responsaveis pela contribuição d'esses operarios.
Voto contra isto, e voto contra porque é uma fonte de desordens e de perturbações, porque o governo com isto vae tornar cada vez menos cordiaes as relações entre as emprezas e os operarios, e eu entendo que os governos, o parlamento e todos devemos trabalhar para que essas relações sejam cada vez mais cordiaes, e em vez de nós estarmos aqui a lançar uma semente de desordem, façamos desapparecer tudo que possa originar essa desordem, em

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vez de estarmos a fazer com que os operarios estejam todos os dias a olhar mal para a empreza em que elles estão trabalhando, façamos toda a diligencia para que elles se empenhem cada vez mais na prosperidade d'essa empreza.
Se isto for bom não é preciso que o sr. ministro da fazenda o decrete, e é possivel que as emprezas o os proprios operarios entre si se conciliem de tal modo que paguem essa contribuição ou quaesquer outras por esse modo. Mas deixemos isso ás emprezas e aos operarios e não venha o governo impor ás emprezas essa obrigação porque hào de reagir contra ella e principalmente os operarios.
O sr. ministro da fazenda disso que succede em relação a muitas deposições acceitaveis. reage-se contra ellas, ao passo que muitas disposições iniquas passam em silencio. Isto provém de que o que á velho passa, porque já estamos habituados a isso, emquanto que o que é novo não se insinua com tanta facilidade.
Evitemos portanto um motivo de relações desagradaveis entre o trabalho e o capital. Não vamos contribuir pela nossa parte para que essas relações sejam cada vez menos agradaveis, deixando ficar no projecto de lei uma disposição que, na minha opinião, não trará beneficio absolutamente nenhum para o thesouro e póde trazer graves perturbações. Se a disposição for boa, confio plenamente em que se poderá chegar ao mesmo resultado, tornando a facultativa.
Deixemos aos outros a faculdade de escolher o melhor modo do pagar as suas contribuições, e não estejamos a toda a hora a dizer aos individuos que façam as cousas de uma certa e determinada maneira. Succede muitas vezes termos vontade de fazer uma cousa, e apenas se nos impõe a obrigação de a fazer, surge logo uma grande repugnancia da nossa parte.
Esta é a deposição do nosso espirito, e se é a disposição dos espiritos mais illustrados, o que acontecerá a outra; classes onde a illustração não está tão desenvolvida?
Quanto ao artigo 4.° proponho tambem que seja eliminado, porque, o artigo 4.° tem exactamente os mesmos defeitos que tem o artigo 3.° O artigo 4.° é aqui introduzido para que fique subsistente de algum modo o artigo 4.° da lei de 15 de julho de 1887.
Como as licenças são abolidas por isso que não são obrigatorias, para que é ficar ainda uma sombra das licenças dizendo que ellas serão facultativas?
Diz se que as licenças são facultativas e que ninguem é obrigado a tiral-as; mas julgo melhor supprimir o artigo. e deixar que a contribuição industrial seja cobrada pelo systema até agora seguido.
diz o sr. ministro da fazenda que o systema das licenças é bom, e que está convencido de que tal systema mais cedo ou mais tarde ha de vir a ser acceito por todos os contribuintes.
Isto parece ao sr. ministro muito concludente. Mas aqui diz se que as licenças são facultativas, e pelo § 1.° diz-se que, aos que tirarem licenças faz-se abatimento do 2 por cento na totalidade da collecta annual.
Depois vem o § 2.º e diz o seguinte:
"Os contribuintes que, tendo optado pelas licenças, não as tirarem nos prasos legaes ficam sujeitos ás comminações do artigo 219.° § 2.° e 3.º do regulamento de 28 de agosto de 1872."
Portanto, o individuo vae com boa vontade tirar a licença porque é facultativa, o porque, de mais a mais tem a vantagem de diminuir a contribuição. E eu não sei ainda como esta diminuição se lhe ha de tornar effectiva.
Mais depois vem uma comminação, para o individuo que tendo feito a declaração de que quer tirar licença, não a for tirar.
V exa sabe que nas classes operativas acontece muitas vezes despezas, certos pagamentos, na occasião em que têem mais trabalho; n'uma epocha boa em que elles julgam que o trabalho dura muito tempo, e então podem dispôr-se a tirar as licenças porque ganham 2 por cento.
Mas a camara sabe bem que as crises apparecem quando menos se esperam; acontece tambem que muitas vezes uma industria que contava com um certo trabalho não o tem, de modo que o operario não póde com certeza contar com os ganhos. O operario pediu para tirar a licença, mas depois sobrevem lhe um transtorno e o operario vè-se em uma situação difficil, por que tem de carregar com maiores onus.
Portanto, digo ao sr. ministro que mantenha a sua boa disposição com respeito ás classes operarias; que assim como retirou as licenças obrigatorias, retire as facultativas, que deixe que o tempo e a propaganda façam o resto, porque se a doutrina é boa, e se ella for acceita pela classe operaria, então se poderá introduzir na legislação.
D'este modo s. exa, em vez de favorecer, sobrecarrega. Sá s. exa tem desejo de que este systema venha a implantar-se, não tente o implantal-o por este modo, porque assim não o consegue.
No artigo 5.° tambem proponho uma alteração, porque está redigido de fórma que parece que se pretende fazer applicar esta Lei n'uma epocha em que effectivamente ella não existe. Parece que a illustre commissão se achou embaraçada, por isso que havia isenções, o tratava se do permittir que fosse restituido o imposto áquelles que já o tivessem pago.
Eu proponho a seguinte redacção, que me parece mais clara:
"Artigo 5.° O imposto industrial, pago pela fórma de licenças, será restituido ás pessoas que o requeiram, por terem já effectuado o pagamento, ou em vista das isenções concedidas."
Resta o ultimo artigo, que é o artigo 6.°
O artigo 6.° é aquelle em que são alteradas as taxas, segundo a ordem das terras, para as diversas classes.
Com respeito a estas taxas apresentaram-se diversas propostas; eu não apresento proposta nenhuma, mas entendo, que uma vez modificada a legislação no sentido que apresento, é conveniente que volte o projecto á commissão para modificar esta tabella como entender melhor, e servindo-se dos subsidios que tenha á sua disposição para fazer essa alterações justificadamente, porque estar a alterar mais 10 por cento, mais 4 por cento, mais 5 porcento e proceder com arbitrio.
Não tenho elementos á minha disposição para propor uma alteração justa, mas desde que todos dizem que esta tabella deve ser alterada. reconheço que seria bom estudar este assumpto, e, portanto, o que proponho é que o projecto volte á
Commissão.
São estas as considerações que faço a este projecto, e peça desculpa á camara de a ter fatigado, faltando em todos os artigos, mas usei d'este meio com o firme proposito de não usar mais, sobre elles, da palavra.
Tenho dito.
Leram te na mesa as seguintes:

Propostas

Em substituição ao artigo 1.° proponho:

Artigo 1.º Ficam isentos da contribuição industrial os individuos inscriptos como collectarios na tabella de 3 de junho de 1880 e correspondente* aos numeros da tabella B, primara parte, classe 8.ª, e bem assim os da mesma classe 8.ª, in criptos na tabella annexa á lei de l5 de julho de 1887.
Em substituição ao artigo 2. ° proponho:
Artigo 2.° são igualmente isentos d'esta contribuição os individuos que não tiverem lucros ou salarios medios de 600 réis por dia, util, nas terras de provincia e segunda ordem, de 500 réis nas de terceiras, a quantia de 400 réis

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SESSÃO DE l DE FEVEREIRO DE 1888 297

nas de quinta e sexta ordem, mencionadas nas referida" tabellas. = José Elias Garcia.

Proponho que seja eliminado o artigo 3.º= J. E. Garcia.

Proponho que seja eliminado o artigo 4.° = J. E. Garcia.

Proponho, em substituição ao artigo 5.º:
Artigo 5.° O imposto industrial, pago pela fórma de licença, será restituido ás pessoas que o requeiram, por terem já effectuado o pagamento, ou em vista das isenções concedidas. = J. E. Garcia.

Proponho que volte á commissão o artigo 6.º do projecto. = J. E. Garcia.
Foram admittidas.

O sr. Vicente Monteiro : - Por parto da commisão de fazenda mando para a mesa o parecer sobre a proposta do governo n ° 90.
O sr. Barbosa de Magalhães : - Participo a v. exa.
e a camara, que se acha constituida a commissão de administração publica, tendo nomeado para seu presidente o sr. Eduardo José Coelho, a mim para secretario havendo relatores especiaes.
O sr. Villaça : - Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida, a commissão de obras publicas, tendo nomeado seu presidente o sr. Manuel Affonso Espregueira, a mini para secretario, havendo relatores especiaes.
O sr. Presidente : - Como a hora está muito adiantada, darei a palavra ao sr. Baptista de Sousa na proxima sessão.
A ordem do dia para sexta feira é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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