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N.º 24
SESSÃO DE 12 DE FEVEREIRO DE 1892
Presidência do exmo. sr. António de Azevedo Castello Branco
Secretários-os exmos. srs.
José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Amandio Eduardo da Motta Veiga
SUMMARIO
Approvada a acta, lê-se a correspondência. - O sr. Pereira Leite participa estai- constituída a commissão de infracções. - O sr. José Júlio Rodrigues faz algumas considerações sobre vários assumptos de interesse dos Açores e da Madeira. - Responde-lhe o sr. ministro das- obras publicas. - O sr. Ruivo Godinho renova um requerimento, e chama para diversos assumptos a attenção do sr. ministro das obras publicas, que responde. - O sr. Eduardo Abreu pede..para ser feita uma rectificação no extracto do seu discurso da sessão anterior.- O sr. António Costa? manda para a mesa uma representação, que foi enviada á commissão respectiva, e faz uma observação ao sr. ministro das obras publicas, que responde. - O sr. Franco Castello Branco manda para a mesa duas representações, que foram enviadas á commissão respectiva. - O sr. João Arroyo manda para a mesa uma representação, que foi enviada á respectiva commissão. - O sr. Castro Mattoso Corte Real chama a attenção do sr. ministro das obras publicas, que responde, para diversos assumptos da sua pasta. - O sr. Pereira dos Santos chama a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado do porto e barra da Figueira. - Responde-lhe s. exa.
Na ordem do dia continua a discussão na generalidade do projecto n.° 5, sobre medidas tributarias, fazendo uso da palavra os srs. João Pinto dos Santos, Abilio Lobo, ministro das obras publicas, para uma explicação, e Christovão Ayres, que fica com a palavra reservada.
Abertura da sessão - As duas horas e três quartos da tarde.
Presentes â chamada 48 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, António de Azevedo Castello Branco, António José Lopes Navarro, António Maria Cardoso, António Mendes Pedroso, António Sérgio da Silva e Castro, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Carlos Roma do Bocage, Conde do Covo, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo dê Jesus Teixeira, Eugênio Augusto Ribeiro de Castro, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Jacinto Cândido da Silva, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Germano de Sequeira, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Júlio Rodrigues, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Simões Dias, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Virgílio Teixeira, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Marcellino António da Silva Mesquita, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.
Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro. Agostinho Lúcio e Silva, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho,, Alfredo Mendes
da Silva, António Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Baptista de Sousa, António Eduardo Villaça, António Maria Jalles, António Maria Pereira Carrilho, António Máximo de Almeida Costa e Silva, António Ribeiro dos Santos Viegas, Aristides Moreira da Motta, Augusto César Elmano da Cunha e Costa, Augusto Maria Fuschini Bernardino Pereira Pinheiro, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão António de Oliveira Júnior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osório Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Correia Arouca, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho d P Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Alves Bebiano, João Eduardo Sotto Maior de Lencastre e Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Simões Pedroso de Lima, Juâo de Sousa Machado, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Paulo Monteiro Cancelia, José de Sampaio Torres Fevereiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Pinheiro Chagas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor da Costa Sequeira, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Tito Augusto de Carvalho.
Não compareceram d sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo César Brandão, António Jardim de Oliveira, António José Arroyo, António José Ennes, António José Pereira Borges, António Manuel da Costa Lereno, António Pessoa de Barros e Sá, António Teixeira de Sousa, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Vi ha Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Emygdio Júlio Navarro, Fernando Mattozo Santos, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Arellar, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João de Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José António de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, José Luiz Ferreira Freire, José
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Maria CLarters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Júlio António Luna de Moura, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Oliveira Araila e Costa, Manuel T boroas Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
Da venerável ordem terceira de S. Francisco da cidade, remettendo copias da representação das corporações de beneficência e caridade contra a hypothese da elevação da taxa do imposto do rendimento ser substituída pela reducção dos juros e conversão nos fundos do estado.
Mandaram-se distribuir.
O sr. Pereira Leite: - Participo a v. exa., que se acha constituída a commissão de infracções, tendo nomeado para presidente o sr. Germano de Sequeira e a mini para secretario.
O sr. José Júlio Rodrigues: - Tomando a palavra; disse que tinha incommodado o nobre ministro das obras publicas para expor a s. exa. assumptos de uma incontestável gravidade, referentes ao fomento da nossa riqueza publica, e que muito interessaram a vida económica e a fortuna das nossas populações insulares, por tantos títulos credoras de toda a protecção e carinho por parte do poder central. O primeiro assumpto de que trataria era o da suppressão da, escola industrial de Angra do Heroísmo e, portanto, da sua reconstituição, tão solidamente fundamentada. Esta escola, que deveria ser a ultima a ser supprimida, que representava uma pequena despeza annual, desappareceu na ultima reforma do ensino technico, sendo à única de todo o districto de Angra, sendo frequentada por uma dedicada população operaria, e tendo dado, por occasião do desastre official, que a devastara, largos documentos de moralidade sobre o ensino e devoção pelo trabalho da população artística terceirense e do professor digníssimo que, sacrificando os seus interesses â. elevada e patriótica missão do ensino, continuara professor della, sendo, porém, demasiado oneroso o encargo para; continuar a consentir um sacrifício que della repugnar, por immerecido, ao estado e á nação. Hoje mesmo, procurara fazer chegar às mãos de El-Rei uma representação do operariado terceirense, subscripta por mais de cem
assignaturas, não a tendo, ha mais tempo, feito chegar ao seu alto destino, por não desejar envolvel-a nas fundas preoccupações políticas que, ha bastantes semanas, impendem sobre todos os poderes do estado. Eis o que tinha que dizer sobre a escola industrial de Angra do Heroísmo; bem a merecia a ilha Terceira, riem era de mais nas terras açorianas, tão dignas do respeito da metrópole. Modesta, pois, quasi que se limitava ao ensino de desenho industrial, muito devia no entretanto contribuir para o progresso das industrias insulares, fomentando o goso publico, contribuindo para a belleza dos artefactos industriaes e espalhando a sua influencia benéfica e moralisadora sobre todo o trabalho industrial e fabril, para, cujo fomento ella fora constituída. Confiado, porém, este empenho, à quem tanto a fundo se dedicava, pelo exemplo, pelo estudo e pelo trabalho, ao desenvolvimento da riqueza publica, era quasi resolver, em bem, a triste situação, a que alludia. Despeitando ha largos, annos, e admirando o elevado caracter e o sensato critério do cavalheiro que actualmente preside ao commercio, á industria e á agricultura nacional, nada melhor podia fazer do que entregar-lhe nas mãos causa tão santa, empenho tão fundamentado.
Tratado este ponto, que era impreterivel, como obrigação inolvidável para elle, orador, visto terem-lhe sido confiados os interesses, a que alludíra, pela população operaria terceirense, que tanto o honrava com a sua confiança, passaria a occupar-se das estações chimico-agricolas insulares, que tão forçoso era crear ou restabelecer por motivos que, apenas ponderados pelo nobre ministro das obras publicas, seriam, estava certo disso, immediatamente acceitos pelo seu patriótico critério.
E tratava se agora da sua pátria, da ilha da Madeira, que se honrava de representar no parlamento, e cuja fortuna e prosperidade tão fundo lhe calavam na intelligencia e no espirito. Comprehendia-se que uma única estação
chimico-agricola existisse no reino, se a pesada fouce das economias tivesse de arrancar as restantes! A superfície, relativamente pequena, do continente portuguez, à facilidade de communicações, a rapidez dos transportes, a-.muito repetida similhança dos terrenos, e outros predicados, erafim, poderiam, até certo ponto, justificar similhante parcirnonia. Nas ilhas, porém, tão differentes da metrópole, cujo climíi era tão particular, cujo solo era tão diverso do nosso solo europeu, com culturas diversas, plantas sui generis, é -que se não comprehendia a falta de estações agrícolas, a sua eliminação absoluta, faltavam, como faltavam por inteiro, na Madeira e nos Açores.
Tratava-se de debellar presentemente uma crise terrível, e como que preparávamos novas e desoladoras crises! Era assim que, vivendo em completo sequestro do bom senso scientifico e das exigências do ensino technico, encastellavamos desastres sobre desastres:, que às vezes só eram remediados por lagrimas e lamentações. Um estudo agrícola a tempo e apropriado, teria evitado a crise da canna do assucar na ilha da Madeira; estudos ordenados, opportuna e perseverantemente, evitariam sem duvida futuras crises agrícolas nos Açores, nascidas do depauperamento das terras e da sua incompatibilidade com espécies constantemente nutridas, e como que envenenadas por ellas.
Citaria, por exemplo, a cultura actual da batata doce, que, vingando por ora, com proveito manifesto para as populações que a exploram, poderia mais tarde minguar ou desfallecer pelos motivos a que alludíra. É certo que estas estações, por vezes, não tinham saído do papel, onde germinaram, mas não deviam por isso ser cxtinctas, e antes realisadas e até engrandecidas. Estava exposto o segundo ponto, para que chamava, crente e solicito, o empenho do sr. visconde de Chancelleiros. Esperava que s. exa. não o olvidaria, cônscio do seu grande amor pela agricultura nacional e por todos os sensatos desenvolvimentos da riqueza publica.
Continuaria agora a tratar dos mais caros interesses da ilha da Madeira, e pedia ao nobre ministro, que lhe fazia a honra de o ouvir, lhe relevasse o reportar se a alguns que não eram matéria da pasta gerida por s. exa.
Referir-se-ía em primeiro logar às condições de salubridade do Funchal e á limpeza das valias e ribeiras madeirenses. Lembrasse-se a camara que a ilha era um posto de saúde, attrahindo numerosos estrangeiros, em regra acostumados a todos os confortos, que era mister que ella não fosse apenas formosa, dessa esplendida formosura que é filha da natureza, mas formosa também pelas obras e trabalhos, que tornando-a limpa e saudável, fizessem do Funchal uma cidade digna da esmerada convivência dos seus hospedes, possuidores, não raro, de grandes e avultadas fortunas. A creação de estradas, a navegação costeira da ilha, não interessava menos a fortuna económica do povo, que tinha a honra de representar. Era mister creal-as ou desenvolvel-as, evitar que productos agrícolas estagnassem por falta de transporte, que culturas fructiferas se não apro-
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veitassem por falta de escoante mercantil aos artigos d'ella derivados.
A reducção de direitos no milho e a creação de uma pauta especial afiguravam-se-lhe tambem pontos essenciaes. A industria dos bordados carecia de uma concessão e elucidação pautai. E não desejando alongar em demasia a sua exposição, fecharia com um assumpto fundamental. Era elle o da ultimação das levadas, indispensáveis á vida agricola madeirense.
Sem ellas a agricultura profícua e generalisada era impossível. Urgia, pois, resolver e liquidar este ponto fundamental. Para elle chamava ainda a attenção do nobre ministro. Era mister acabar em breve trecho com a canali-sação dás aguas mais essenciaes á lavra e amanho das terras. Sem isso o thesouro padeceria, a miséria não fugiria espavorida da ilha, onde se hospedara. Era problema á altura dos talentos e do coração do actual ministro da agricultura. Que s. exa. o tome entre mãos e 6 resolva, e áquelles povos agradecidos chámar-lhe-hão seu bemfeitor, classificando-o todos os portuguezes no numero dos seus cidadãos mais beneméritos.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Agradeço as palavras de benevolência que me dirigiu o illustre deputado, que acaba de fallar, e tenho-as como de grande valor para mina, por partirem de uma individualidade, que eu respeito muito, pois que sem que tenha tido a honra de ter relações pessoaes com s. exa., de ha muito o conheça e prezo pelo seu estudo, e sympathiso com as suas idéas porque as considero indispensáveis para a regeneração publica e para o restabelecimento immediato do desenvolvimento das forças productivas do paiz e de todos os elementos dê acção quê contribuem para este mesmo desenvolvimento.
Sr. presidente, eu não poderei responder tão cabalmente como desejava á interpellação do illustre deputado, porque ainda hontem recebi a respectiva nota, e n'essa nota não se me designavam os pontos de referencia da interpellação; mas soube pelos jornaes que s. exa. se queria reportar sobre tudo á questão da escola industrial de Angra do Heroísmo e tambem á questão dos laboratórios chimico-agricolas nas ilhas dos Açores.
Eu estou absolutamente de accordo com a opinião do illustre deputado, e tomo nota das suas declarações-com a reserva especial de que, quando digo tomo nota destas considerações é para que ellas influam no meu espirito no sentido de me acommodar tanto quanto possível às exigências da opinião do illustre deputado.
Todos nós reconhecemos que infelizmente o paiz está sob a pressão, que as circumstancias acarretaram sobre elle, e não é, quando se recorre ao imposto nas condições em que o fazemos, que podemos imaginar contar com o espirito publico não digo já para applaudir estas medidas, mas para pedir aos poderes públicos outras, de onde resulte o grande desenvolvimento da economia geral. Mas entendo que ha correctivo para este estado de cousas; e esse correctivo não póde vir se não da consciência que o paiz tenha de que dentro em pouco os poderes públicos se preoccuparão especial e particularmente com o desenvolvimento das riquezas publicas, estudando e procurando a solução das questões económicas, que nós desgraçadamente protrahimos e pozemos de lado, embargado o passo pelas questões políticas. (Apoiados.)
É-me permittido dizer n'esta occasião, - e folgo de o declarar ao illustre deputado, que protege tanto os interesses dos povos açorianos, - que dentro em poucos dias trarei a esta camara uma proposta de lei importante, porque se refere ao estabelecimento do cabo submarino, que nos põe em communicação directa e em muito curto espaço de tempo coto
Começando por me referir á questão da escola industrial de Angra, eu direi, que hontem numa conversa, por occasião de receber a nota de interpellação de s. exa., tive conhecimento de que com effeito fora supprimida pelo sr. João Franco a escola estabelecida naquella ilha pelo sr. Eduardo Coelho.
A rasão da suspensão não a conheço. Se s. exa. me perguntar quaes as rasões que justificam toda esta serie de successivas reformas com que se tem desorganisado os serviços, não poderei responder-lhe agora; talvez o diga no futuro, o que sei agora é que a escola que em 1889 fora creada em Angra pelo sr. Eduardo Coelho foi logo depois extincta pelo sr. João Franco.
Sei tambem que com effeito ha o pedido de um club artístico, - mais desejoso de proteger a arte industrial do que os próprios governos, - para lhe ser cedida a casa d'aquella escola com a respectiva mobília, encarregando-se da direcção do ensino um professor, demittido pela extincção do seu logar e que inspirado em santo zelo pela instrucção publica se promptificou a exercer o cargo de graça.
Esta situação parece-me dolorosa para aquelle empregado. Nós temos tido martyres é certo, mas creio que é aspirar ao impossível querer que sem a menor recompensa um homem se entregue á missão, aliás honrosa, de professor, quando não tem de onde lhe venham os meios de subsistência.
Eu não podia, nas circumstancias em que entrei no ministério, valer-lhe com alguma cousa.
Lembrei-me de mandar-lhe dizer que o facto de que tinha conhecimento era para num muito sympathico e digno do maior elogio, promptificando-me a, - por um acto de justiça, quando as circumstancias actuaes se modificassem, ou por outra reforma nas condições do ensino ella o permittisse, admittil-o novamente ao serviço publico.
Creio que estas palavras podem ao menos servir dó algum conforto para aquelle espirito, que apesar de inspirado no santo zelo pela instrucção, tem de supprir às difficuldades económicas da sua vida.
Não esquecerei nem faltarei á minha promessa.
Com respeito á estação chimico-agricola da ilha da Madeira eu direi que, por muito hospede que seja no assumpto, e não podendo medir-me em competência com o illustre deputado - ao qual direito direi que tinha no canto de uma província quem o ouvia e ha não só com attenção e recolhimento, mas com enthusiasmo, direi que, de certo se justificaria a. não existência de mais de uma estação
chimico-agricola-no paiz, pelas considerações que o illustre deputado apresentou. A natureza do solo e das industrias é quasi a mesma. Na ilha não acontece o, mesmo. A constituição geológica é differente, diversa a cultura. Portanto, para este ensinamento, são diversos estudos e as condições necessárias ao seu desenvolvimento.
Como o illustre deputado diz, e é verdade, sem mesmo trazermos como argumento para a questão as culturas exóticas, como as que s. exa. citou, basta reparar para aquellas que ha muito tempo têem sido acceitas pelos usos das ilhas, para provar que essas estações lhes podem prestar um grande serviço, porque a cultura, se definha se, não sendo conhecida a causa desse definhamento, não se lhe póder applicar o remédio.
Estou completamente nas idéas de s. exa., mas não sei ainda o que se poderá fazer com a reforma a este ensino.
E s. exa. comprehende que eu o não posso saber porque tenho estado absorvido com os cuidados de expediente aturado-e tão difficil que nem mesmo me tem permittido que eu tenha tido a honra de comparecer nesta e na minha camará.
Quem não conhecer as condições em que temos mantido os serviços dos differentes ministérios; quem, não poder imaginar a quantidade do trabalho material que, pela centralisação dos serviços, cáe sobre os ministros, mal poderá
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comprehender que eu não possa ter distraindo uns momentos para o exame de questões que não prendem directamente com o expediente regular a que se deve subordinar o serviço das secretarias.
E realmente triste ver adiar, qualquer que seja o rasão com que se pretenda justificar esse adiamento, a resolução de questões que interessam os próprios indivíduos que as apresentam, resolução que muitas vezes leva tambem compromettidos os interesses públicos. Mas a verdade é que não tenho tido tempo senão para resolver as questões pendentes, a meu cargo.
Uma outra questão a que já me referi. Mandei dar andamento rápido á questão do estabelecimento do cabo submarino para os Açores, porque importa um grandíssimo melhoramento para aquellas ilhas e é uma consolação que os poderes públicos enviam do continente áquella população, que tem sido tão dedicada pela nossa causa, que é a causa da pátria. De resto como o illustre deputado acaba de provar, de tal iniciativa provem uma verba importante para os cofres públicos.
Asseguro ao illustre deputado que, tomando em toda a consideração as suas reflexões, procurarei estudar os assumptos a que ellas se referem. Póde ter-me como consócio e collaborador n'esta lucta, em que está empenhado, lucta que póde trazer dias de risonha prosperidade ao paiz, em resultado do desenvolvimento das fontes de receita, não digo já das conhecidas, mas de muitas que têem estado cerradas para nós, porque o dedo da sciencia não nos tem indicado onde ellas nascera, lembrando áquella vara magica, que operou milagres, fazendo brotar agua de entre as pedras.
Creio que s. exa. ha de ser meu consócio e collaborador. Esperemos e pelo paiz que representámos, que sem distinção de partidos, todos concorreremos para se obter este fim digo sem distincção de partidos, porque quem resolver esta questão, tem de resolvel-a no campo neutro, que está aberto á iniciativa de todos. (S. exa. não reviu )
O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, quero aproveitar a occasião de estar presente o sr. ministro das obras publicas para chamar a sua attenção e
pedir-lhe providencias para um ramo importante de administração publica, pertencente á sua pasta; mas como s. exa. não póde agora dar attenção porque está attendendo a alguns srs. deputados, que se lhe dirigem, e emquanto ma não poder dar, aproveito o ensejo para perguntar a v. exa., sr. presidente, se já veiu a nota das cadeiras, que se acham fechadas na universidade de Coimbra por falta de lentes que as rejam, com indicação do motivo da ausência do lente, nota que eu pedi no principio de dezembro passado.
O sr. Presidente: - Ainda não veiu a nota pedida pelo sr., deputado.
O Orador: - Nesse caso renovo o meu requerimento a este respeito e peço a v. exa. a fineza de instar, por que seja satisfeito o meu pedido, pois que preciso disso para fazer algumas considerações sobre o que me consta está succedendo no que deve ser o primeiro estabelecimento de ensino do paiz, e pedir providencias para que cessem as irregularidades, que nunca se deviam dar na universidade de Coimbra, aonde se deviam ir buscar modelos de respeito pelo dever de cada um bem cumprido, e de seriedade e de sinceridade no modo de cumprir esse dever: às vezes procura-se cumprir um dever só na apparencia e por isso é que eu fallo em deveres bem cumpridos; mas deixemos isto para quando for mais opportuno, e voltemos ao assumpto para que hoje pedi principalmente a palavra.
E agora peço a attenção do sr. ministro das obras publica? visto que o assumpto pertence á sua pasta, e é digno de ser considerado.
Refiro-me ao péssimo serviço do correio para Castello Branco e em geral para todo o districto e província da Beira Baixa.
Desde que pelo desmoronamento de trincheiras na linha férrea da Beira Baixa foi preciso suspender o comboio de correio á noite, a cidade de Castello Branco, e em geral todo o districto e quasi toda a provinda da Beira Baixa, tem para com o resto do paiz communicações mais difficeis e mais demoradas do que tinha antes de se estabelecer para ali a viação accelerada, sem que por parte dos poderes públicos se tenha tratado de remediar este estado de cousas apesar de durar já ha bastante tempo e de eu ter já instado bastantes vezes nesse sentido, tanto no tempo deste ministerio como no do transacto.
Parece-me que não foi para isto que se fez o caminho de ferro da Beira Baixa; se os habitantes d'aquella província haviam de ficar peior de que estavam antes do caminho de ferro, era melhor não o terem feito.
E por que não foi para isto ; mas precisamente foi o contrario, que o caminho de ferro se fez, e porque é preciso que este estado de cousas não continue, é que eu chamo para elle a attenção do sr. ministro das obras publicas, na esperança de que s. exa. tomará as providencias que o caso reclama e com o fito de não compartilhar a respectiva responsabilidade, se, contra o que eu espero, taes providencias não forem tomadas.
Para a camara poder avaliar o estado deste serviço, basta dizer-lhe, que só no fim de quatro ou cinco dias é que aqui em Lisboa se póde ter resposta a uma carta, que de cá se envia para Castello Branco.
E para que a camara não julgue, que é phantasia ou imaginação minha, eu vou figurar a hypothese que se dá e a camara verá, que não exagero, e o sr. ministro reconhecerá que é, necessario providenciar sobre o caso.
Antigamente, antes da construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, ia o correio pela linha de leste até á estação do Peso, no ramal de Couros; dali seguia em carro e chegava a Castello Branco às dez horas da manhã, e ultimamente ao meio dia, pelo mau estado da estrada ordinária ; saía de lá às três horas da tarde; de sorte que ainda nesse dia se podia responder a qualquer carta recebida, e quem daqui escrevesse uma carta, por exemplo, na segunda feira á tarde, podia ter aqui a resposta na quarta, feira, de manhã.
Depois do caminho de ferro, emquanto houve comboio especial do correio, augmentou-se apenas o intervallo entre a chegada e saída do correio, pois que chegava a Castello Branco de madrugada e saía na noite do mesmo dia; tinha-se, portanto, mais tempo para se responder á correspondência recebida.
Mas quando o desabamento de trincheiras na linha férrea, deu logar á suspensão ou interrupção do comboio do correio, por não convir percorrer de noite a linha n'aquelle estado, ficou a cidade de Castello Branco e o resto do districto nas tristes condições que a camara vae ver.
Passou-se a conduzir o correio no comboio mixto que sáe de Lisboa às sete horas e meia da manhã, e chega a Castello Branco às sete horas e meia da noite. Para que uma carta siga neste comboio é necessário seja lançada, em muitas caixas, até às quatro horas, e noutras até às cinco e até às sete horas; de sorte que lança-se aqui uma carta na caixa na tarde de segunda feira, por exemplo, vae na terça feira e chega nesse dia á noite a Castello Branco; mas como á noite não ha distribuição, não é recebida senão na quarta feira, de manhã; mas á hora da distribuição já tem partido para Lisboa o comboio, não póde vir a resposta nesse comboio, não póde vir senão na quinta feira, de manhã; chega aqui às oito horas e meia da noite, mas como a essa hora tambem aqui não ha distribuição, não se recebe a resposta senão na sexta feira, de manhã!
Quasi uma semana completa para se trocar qualquer correspondência entre Lisboa e Castello Branco!
Na verdade, é muito tempo para uma distancia tão pequena, como, a que ha entre Lisboa e Castello Branco.
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E parece-me até uma vergonha que, entre dois pontos ligados por via férrea, se façam, as communicações menos rapidamente do que se faziam antes deste meio de communicação, e não posso attribuir o caso senão agrave descuido dos poderes públicos.
Isto não deve ser assim; este estado de cousas não póde continuar; por isso é que eu chamo para elle a attenção do nobre ministro das obras publicas, e porque desejo sinceramente que se proveja de remédio este mal, tomo a liberdade de lembrar um alvitre, que talvez possa servir, e é o seguinte:
Em vez do correio ir para a Beira Baixa, no comboio mixto que sáe de Lisboa às sete horas e meia da manhã, póde ir no comboio do correio do norte, que sáe daqui às nove horas e quarenta e cinco minutos da noite; em vez de se organisar o comboio da Beira Baixa, em Abrantes, organisa-se no entroncamento e sáe dali a horas taes e de modo que chegue de dia á linha da Beira Baixa, ou pelo menos á parte mais perigosa d'ella.
Desta forma, chegaria o correio a Castello Branco às nove ou dez horas da manha, e percorria-se de dia toda a linha da Beira Baixa, porque é preciso que se note que o comboio do correio foi suspenso por se julgar muito arriscado e perigoso andar de noite por aquella linha, e acontece que pelo systema até aqui seguido, percorre-se de noite quasi toda esta linha, e precisamente a parte mais perigosa, aquella em que tem havido mais desabamentos de trincheiras, que é entre Fratel e Castello Branco, e era que ha mais risco de continuarem, pela natureza do terreno:
Este systema ou alvitre ainda tem mais as seguintes vantagens - livra os passageiros dos inconvenientes que se dão na estação de Abrantes, sobre que tambem desejo chamar a attenção do sr. ministro, e ainda que fosse preciso fazer-se maior demora no entroncamento, com as commodidades que ali se têem, não era isso muito sensível, ao passo que em Abrantes não se póde estar; era fácil regular-se a saída do entroncamento, conforme o adiantamento da estação do anno e saír-se mais cedo, á proporção que fosse amanhecendo mais cedo, e evitava-se o grandíssimo incommodo que agora soffrem os passageiros do norte, que com O systema actualmente em vigor têem de esperar nove ou doze horas no entroncamento, para seguirem ou continuarem a sua jornada para o norte ou para a Beira Baixa.
Este systema é muito preferível ao actual e melhor era se o comboio da Beira Baixa fosse organisado em Lisboa; isto é, se logo em Lisboa se indicassem umas carruagens, que deviam seguir para a Beira Baixa. Isto era conveniente mesmo com o actual systema, ou melhor com o actual systema é indispensável, como logo farei ver ao sr. ministro. O meu alvitre figura só a hypothese da saída de Lisboa ou refere-se apenas ao comboio ascendente, mas quanto ao: descente não podiam ficar os serviços como estão, porque se percorre a linha da Beira Baixa sempre de dia, ao menos na parte mais perigosa, ou podia fazer se outro horário subordinado às circumstancias.
Tem se faltado em restabelecer o comboio do correio como estava anteriormente; eu não sou dessa opinião, porque a epocha das chuvas ainda não passou e póde haver necessidade de se suspender outra vez, e acho melhor seguir sempre o caminho mais seguro e menos perigoso, por isso é que eu, apesar de ouvir que se vae restabelecer o comboio correio, fiz as considerações que acabei de expor á camará, e até mesmo por isso, porque no estado em que se acha a linha da Beira Baixa, por emquanto acho muito perigoso e arriscado percorrel-a de noite emquanto não for verão.
Vou agora referir-me ao outro ponto sobre o qual disse tambem queria chamar a attenção o sr. ministro das obras publicas; eu acho digno de reparo o modo, por que a companhia real trata o publico e faz o serviço nas suas linhas, e hei de tratar este assumpto que me parece está a reclamar providencias; mas agora chamo a attenção do sr. ministro, simplesmente para o que acontece em Abrantes com os passageiros da linha da Beira Baixa. Vae-se daqui nos combois de leste às vezes debaixo de chuva e as vezes de noite quando havia ou houver comboio do correio; chega-se á Abrantes, obrigam-se os passageiros a atravessar com as suas malas ainda uma grande distancia desde a sua segunda linha até á estação; nestas circumstancias fica o estribo da carruagem tão distante do solo que principalmente a uma senhora é muito penoso e para algumas será impossível apear-se sem auxilio de alguem; depois segue-se para a estação, que é a mais ordinária que se póde imaginar, não tem a plataforma coberta e não offerece aos passageiros senão uma sala para os de 2.ª e 1.ª classe e outra para os de 3.ª e cada uma pouco maior do que ura compartimento de carruagem de 1.ª classe; e n'estas condições demoram-se ali os passageiros às vezes duas e três horas e sempre mais de uma até se organisar o comboio da Beira Baixa, que se organisa ali.
Ora, sr. presidente e sr. ministro, isto indica muita falta de consideração e até muito desprezo para com o publico, e tanto mais que podia reme4iar-se facilmente ou organisando o comboio da Beira Baixa no entroncamento como tinha de se fazer pelo meu alvitre, ou então levando daqui já as carruagens que haviam de seguir para a Beira Baixa e seguindo para aqui as que de lá vem.
Por esta forma já não havia necessidade de trasbordo em Abrantes e já os passageiros não eram obrigados a atravessar uma grande distancia para chegar á estação, e soffrer os mais incommodos que ali se soffrem, que são maiores do que póde imaginal-os quem ainda os não soffreu.
Imaginem uma noite ou um dia de chuva, molha-se o passageiro na passagem para a estação e vice-versa e depois tem de seguir com grave risco da sua saúde naquelle estado às vezes até á Covilhã, se vae para lá.
E não é, sr. presidente, um grande desprezo pelo publico obrigai-o a tantos incommodos, quando se podiam evitar tão facilmente?! !
E para que é tambem aquella grande demora em Abrantes, quando se podia evitar tão facilmente levando já o comboio organisado daqui ou do entroncamento?
Eu julgo que o governo ha de ter meios de obrigar a companhia a servir melhor o publico, e por isso espero que o sr. ministro das obras publicas tomará na devida conta as considerações que acabo de fazer e que julgo procedentes.
Tenho dito.
O sr. Ministro ,das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros); - Declaro ao illustre deputado, que tomo nota das suas considerações e especialmente do seu alvitre e que providenciarei em conformidade.
Posso assegurar ao illustre deputado, que tomo tanto a peito as questões desta ordem e natureza, que eu não estava em Lisboa, quando recebi por telegramma de seus conterrâneos o pedido para que providenciasse em resultado do desastre havido na linha, que impediu o regular andamento dos comboios. Providenciei, mandando manter a mala-posta, em condições tão rápidas, que cinco horas depois do telegramma tinha o agradecimento dos mesmos cavalheiros que se dirigiram a mim. Isto prova que tomei o assumpto na devida consideração, apesar de no momento não estar em Lisboa.
O sr. Eduardo Abreu: - Peço que se rectifique uma pbrase do extracto da sessão de hontem. Eu não me referi á liga liberal. Se alguém ouviu isso, houve engano. E esta pequena rectificação que tenho a fazer.
O sr. António Costa: - Mando para a mesa uma representação da, associação de soccorros mútuos de Cascaes, protestando contra os 30 por cento que incidem sobre os títulos de divida publica interna.
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Só hoje recebi esta representação e se já a tivesse recebido há mais tempo teria advogado o assumpto d'esta representação.
Agora limito-me a mandal-a para a mesa e a pedir a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.
Aproveito a occasião de estar com a palavra e de estar presente o sr. ministro das obras publicas para chamar a attenção de s. exa. para o mau estado em que se acha a esestrada de Cintra a Collares e de Cintra a Almoçageme. O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Já recommendei, com insistência, para que se providenciasse a esse respeito. A estrada não devia estar em más condições, se tivesse sido feita como devia ser.
O Orador: - O sr. Thomás Ribeiro mandou-a concertar, mas foi no verão e não havendo agua, não póde calcinar e não Se fez a revolução bem feita, o que deu em resultado gastar-se dinheiro, com prejuízo immenso para a fazenda publica.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa uma representação relativa á pauta, que está em discussão.
Peço a v. exa. que consulte a camara, se consente que ella seja mandada á commissão respectiva, como se fosse emenda, para ser considerada opportunamente, quando na Commissão forem estudadas as differentes propostas.
Também mando para a mesa uma representação da direcção da companhia de fiação e tecidos de Guimarães, pedindo que no projecto de lei da pauta se consigne uma providencia para resalvar os contratos feitos para os machinismos de que não poderam ser liquidados os direitos antes do dia 1 de fevereiro, e que o pagamento dos mesmos direitos seja feito conforme a legislação que vigorava ao tempo dos contratos realisados.
Foram enviadas á commissão especial de pautas.
O sr. João Arroyo: - Mando para a mesa uma representação da associação da industria de tanoaria em Gaia é Porto, e pedindo que no projecto das pautas seja estabelecido o direito de 70 por cento ad valorem para o vasilhame (madeira em obra).
foi enviada á commissão especial de pautas. O sr. Castro Mattoso Corte Real:-Chamava a attenção do sr. ministro das obras publicas para o facto de ter sido transferida para Santarém a coudelaria que fazia parte da escola pratica de agricultura em Coimbra.
Os terrenos destinados á creação do gado tinham sido arrendados em pequenas porções, e as obras ali feitas estavam-se perdendo.
Pedia ao sr. ministro que tomasse uma deliberação qualquer, para que se não perca completamente o que custou muito dinheiro.
Também pedia a s. exa. que attendesse ao estado em que se encontra a penitenciaria de Coimbra.
Desde que o estado comprara não se fizera ali a mais pequena obra.
Não pedia que ella fosse concluída; pedia que se lhe acudisse com alguns reparos, para que não Caísse em ruinas.
Igualmente chamava a attenção do governo para as obras do caes d'aquella cidade, cães que têm por fim conquistar! uma parte do areal, fazendo-se uma nova avenida.
Em tempo tinham sido diminuídos os trabalhos daquelle caes, e agora foram despedidos os trinta operários que lá trabalhavam.
Este abandono seria a ruina das obras já feitas. Comprehendia que não se encetassem obras novas; mas parecia-lhe um acto de má administração deixar arruinar as obras já em adiantado estado de construcção.
(O discursso será publicado na integra e em appendice a esta sessão guando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Ouvi com toda a attenção o illustre deputado e tomo nota das suas considerações. O mais breve possível, logo que tenha as devidas informações officiaes terei occasião de responder a s. exa. Entretanto, permitta-me s. exa. que lhe diga, a respeito da escola agrícola de Coimbra, que o ensino ali continua regularmente.
O que se retirou da escola foi a coudelaria. Se eu continuar no ministerio é meu propósito firme ir de visu verificar, não só aquillo que se propõe, mas o que sé executa.
Ora, eu lembro-me de que houve um tempo em que toda a gente pedia caudelarias; as coudelarias appareceram no orçamento e todos começaram a gritar contra ellas.
Eu não posso por agora dizer nada sobre o assumpto, senão que tomo na devida consideração as çonsiderações do illustre deputado. Quanto às obras que se estão fazendo, ou se estavam fazendo, na penitenciaria de Coimbra só direi que, se ellas estivessem concluídas, ao tempo que eu lá estive, muitos réus tinham podido cumprir a sua sentença.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Pereira dos Santos: - Eu pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado em que se encontram as obras do porto e barra da Figueira.
Conheço o estado da fazenda publica, e sei que não é occasião de pôr em pratica projectos de obras grandiosas; por isso o que desejo é que se tomem providencias para evitar que as marés levem os trabalhos já executados e que ultimamente foram suspensos.
Ha leis especiaes sobre o assumpto; o próprio commercio tem contribuído para concluir as obras do porto, para pagar as obras, e que infelizmente as urgências do thesouro obrigaram a encorporar nas receitas geraes do estado. Por conseguinte, essas obras são pagas pelo próprio commercio local com o fim expresso na lei e para seu próprio beneficio. Não me parece justo que sejam absolutamente suspensas essas obras, tanto mais que é o próprio commercio que até aqui tem concorrido para ellas.
Devo acrescentar ainda nesta occasião que existe ali crise violentíssima de trabalho e que para se conjurar essa crise se tem recorrido á caridade publica, abrindo bazares cujo producto é destinado á população operaria da cidade. Por todas estas considerações desejo chamar a attenção de s. exa., esperando que neste ponto procederá como for de justiça.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Declaro ao illustre deputado, e escusado seria dizel-o, que tomo na devida consideração as reflexões apresentadas por s. exa.
Com respeito, ao caminho traçado por mira, fácil é dizer qual é; são três as linhas rectas e como taes marcam o caminho mais curto entra a consciência e o dever e o cumprimento dellas. Correm parallelas todas três e definem a minha posição com referencia áquellas do illustre deputado que me honrou com a sua interpellação.
Estamos em maré e em epocha de economias, como é de rasão que estejamos.
Primeiro declaro, tenho declarado e declararei aos meus collegas que não acceito economias algumas, por roais importantes que ellas sejam, embora a cifra dessas economias seja representada por centenas de contos, se ellas significarem a infracção de um preceito, da imposição de uma lei. Para isso não sirvo. (Apoiados.)
Segundo, que tenho como principio, como norma invariável, não fazer economias que importem a desorganisação de quaesquer serviços. (Apoiados.)
Terceiro, e nessa cabem as reflexões do illustre deputados, é que por todos os meios possíveis procurarei fazer com que se não percam as despezas já feitas em obras que custaram ao thesouro enormes sommas. (Apoiados.) Creio que s. exa. acceitará estas declarações, que são
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francas, firmes e conscienciosas, e que me imponho a ruim mesmo como norma, direi, se quizerem, da minha conducta.
Vozes: - Muito bera.
(S. exa. não reviu.)
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão na generalidade do projecto h.° 5, estabelecendo deducções nos vencimentos dos funccionarios públicos e nos juros dos titulos da divida pública, e outras disposições tributarias.
O sr. Pinto dos Santos: - Começo por ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
O meu collega o sr. Eduardo Abreu, na sessão de hontem, disse que o governo se apresentara a fazer exigências e a pedir os maiores sacrifícios ao paiz, em nome do terror, seguindo neste ponto o precedente dos governos anteriores.
Peço licença para dizer a s. exa. que o governo não vem em nome do terror, vem em nome da necessidade publica, que se impõe. O governo não se envolve em mysterios, declara francamente a situação financeira e económica, e propõe as medidas que julga indispensáveis para remediar essa situação, que de certo prende a attenção do parlamento.
Será isto o terror? Se o é, é o terror de uma triste realidade, que a todos domina e preoccupa, e que em vez de censuras do illustre deputado, devia merecer-lhe o appello sincero de todas as actividades da nação, para juntamente com o governo collaborarem na conjuração do mal.
Se isto é o terror inventado para exigir sacrifícios, que planos tem o illustre deputado para debellara crise?
Poderia o governo neste momento contrahir um grande empréstimo, de forma que as industrias e o commercio não fossem affectados pelo aggravamento dos impostos existentes?
Era impossível fazel-o na conjunctura actual. Estando o paiz em circumstancias extraordinárias, só realisaria um empréstimo em condições onerosissimas e vexatórias, e, se o conseguisse,, pareceria que o governo subia ao poder para usar dos expedientes já gastos pelas situações anteriores.
O paiz está farto de ver recorrer aos empréstimos para acudir ao déficit, e quer medidas valiosas e processos differentes dos anteriores.
Sendo assim, o governo não podia deixar de recorrer aos impostos; mas, como é difficilimo e melindroso lançar mito de impostos novos, não só porque é necessario estudar bem a matéria collectavel, mas porque os povos offerecem resistência a novas tributações, obrigando muitas vezes os estadistas a modificar os seus planos financeiros, ainda que justíssimos, o governo não podia, em conjunctura tão apertada, proceder aos estudos indispensáveis para novas tributações e não queria provocar attritos e levantar resistências, que viessem ainda aggravar mais a nossa situação:
Nesta quasi impossibilidade de lançar novos impostos, deveria talvez remodelar os existentes? É fácil dizel-o, mas muito difficil realisal-o.
As matrizes predial e industrial não são cousas que se façam de um momento para o outro. O systema de cobrança e de arrecadação não se modificam com a rapidez que o caso reclama.
Como muito bem disse o sr. Fuschini, a assembléa em França fez um largo inquérito sobre toda a matéria collectavel, antes de formar a sua opinião sobre o melhor systema fiscal. Neste assumpto, é perigosissima a precipitação. Deve fazer-se, ha de fazer-se tudo isso, mas com vagar e reflexão, para ser justo, equitativo e durável.
Podia talvez o governo fazer de prompto reducções nos serviços públicos? É um problema muito grave, que demanda seria attenção.
Note a camara que os serviços agora são em muito maior numero e muito mais complexos, porque se crearam. repartições para satisfazer necessidades, provenientes do desenvolvimento das industrias e do commercio, das sciencias, das artes e das letras.
É verdade tambem que os empregados são ainda, em muito maior numero do que essas necessidades exigem; mas, se o governo atirar com elles á rua, melhora por um, lado a crise financeira e aggrava por outro lado a crise económica, deixando muitas famílias sem pão e augmentando os elementos de desordem.
Alem disso, são empregados legalmente nomeados ainda que desempenhem funcções improductivas, e é mister muita circumspecção para não fazer graves injustiças aos homens e não prejudicar a boa organização dos serviços.
Se o governo, pois, não podia contrahir um grande empréstimo, nem remodelar as contribuições, nem fazer reducções de prompto, e se tinha necessidade urgente de extinguir o déficit, que outro elixir lhe restava?!
Tributar os ordenados dos funccionarios públicos, a divida externa e interna, e as contribuições existentes, aggravando tudo isso com uma taxa maior ou menor conforme, a exigência das necessidades bem sei que este systema tem difficuldades também, e acarreta grandes desigualdades, mas ainda assim é o mais prompto e o melhor.
Sr. presidente, nos jornaes e no parlamento têem taxado esta proposta de empírica, que qualquer pessoa podia fazer sem possuir o talento do sr. Oliveira Martins.
Se estivesse nos bancos do poder sentado um homem que não tivesse tão largos precedentes, que justificam brilhantemente as suas faculdades intellectuaes; se s. exa., nas suas publicações scientificas, não mostrasse exuberantemente os seus vastos conhecimentos theoricos, dir-se-ia que era incapaz de conceber um plano tributário, e que recorria a uma conta de caixeiria. Assim, não podendo pôr em duvida a sua alta competência, somos forçados a admittir que, se recorreu a estes expedientes, é por não ver outros que lhe dessem dinheiro de prompto.
É preciso não noa contentarmos com phrases. Não basta dizer que uma medida é empírica para se provar a sua inefficacia.
Muitas vezes as medidas empíricas são as únicas que se, podem applicar.
Se o sr. Eduardo Abreu, que é um distincto medico, fosse chamado para tratar de um doente que tivesse uma perna gangrenada, diria que era urgente amputar-lh'a. Um barbeiro aconselharia a mesma operação. E comtudo a sua sciencia não é igual á do barbeiro. A verdade é que, em frente de certas difficuldades, não ha talento possível, não ha combinações extraordinárias: ha a simples applicação, de um remédio prompto e simples. A superioridade reconhece-se no modus faciendi.
Accusa-se tambem a proposta ministerial de dar origem a injustiças e desigualdades.
É natural que assim seja. São tão variadas as hypotheses e acompanhadas de circumstancias tão especiaes, que é impossível que se possam prever todas para se considerarem devidamente. Uma lei geral de certo ha de offender muitos casos particulares, que nem sequer se suspeita.
Além disso, aggravando se as taxas sobre as contribuições do estado, aggrava-se conjunctamente as desigualdades, visto que as matrizes estão irregularmente confeccionadas.
Mas, como a discussão é aberta, como o governo não faz neste ponto questão das medidas que apresentou e como admitte, creio eu, todas as modificações tendentes a fazer desapparecer qualquer desigualdade; parece-me que a camara, na discussão da especialidade, poderá apresentar quaesquer alterações que, desde o momento que não modifiquem fundamentalmente o plano do governo, desde que não alterem essencialmente os resultados financeiros,
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de certo serão admittidas, logo que melhorem a situação do contribuinte.
O governo deseja fazer desappareeer as desigualdades quanto seja possível, pois que o seu fim é obter dinheiro pelo processo mais simples, mais prompto e que menos attritos origine.
Dizem ainda que as medidas são violentas. Mas, sr. presidente, se é violento o estado em que nos achámos, se é perfeitamente excepcional, como não hão de ser violentas as medidas? Nestas alturas, cumpre-nos pagar, quer nos custe quer não, porque todos temos responsabilidade do estado desgraçado em que nos achamos. Contribuíram para elle os ministérios e os partidos que estiveram representados no poder; contribuíram as opposições, contribuiu o publico em geral. Uns mais do que outros; mas em todo o caso contribuímos todos. (Apoiados.)
Os povos têem os governos que merecem.
Quando os governos seguindo um trilho errado, gastavam os dinheiros do estado illegalmente, administrando assim durante annos successivos o paiz, se a opinião publica sé insurgisse contra esses processos de administração, não por uma forma platónica, mas de um modo decisivo e enérgico; se o povo se não conservasse indifferente na rua e em toda a parte, de certo tinha feito cair os governos esbanjadores, obrigando os que se seguissem a entrar na ordem e não consentindo que se prolongasse o período extraordinário em que se gastava á doida, permittasse-me a phrase, porque parecia que os coares do thesouro eram inexgotaveis, parecia que não haviamos de chegar nunca á liquidação em que hoje estamos e que era impreterivel, desde que as despezas. cresciam constantemente e os rendimentos não se desenvolviam na mesma proporção.
Todos nós temos culpas.
Eu terei muito poucas, porque desde que entrei nesta casa, ha cinco annos, é hoje a primeira vez que fallo, defendendo um ministério.
D'este logar combati sempre todos governos. Em todo o caso, reconheço que tenho tambem um grau de responsabilidade nestes factos, como todos os cidadãos em geral, não protestei como devia contra os governos que tão mal dirigiam os negócios da nação.
Todos queriam melhoramentos, todos queriam empregos e todos lisongeiavam o poder para conseguir os seus fins. (Muitos apoiados.)
E, portanto, uma liquidação geral em que todos temos responsabilidades, uns mais, outros menos. Collectivamente o governo não tem nenhuma. Achou-se, pela força das circumstancias, nesta situação, certamente penosa e difficil de desempenhar, situação cheia de attritos, e em que é precisa muita coragem e muita força para vencer as dificuldades que se lhe antolham, mas por essa mesma rasão, o governo póde melhor do que outro qualquer cumprir honradamente o seu dever.
Sr. presidente, todos estão de accordo em que é indispensável exigir sacrifícios ao paiz. O que se póde discutir, no que póde haver divergências é rio .saber se convém matar o déficit de uma vez, ou se methodicamente se deveriam dispor ,as cousas para que o deficit fosse desapparecendo durante um período de dois ou tres annos.
Esta ultima hypothese foi já lembrada na imprensa e no parlamento, á primeira vista parece acceitavel mas o sr. ministro da fazenda no seu relatório,
rejeita-a completamente.
Entende que todos estes paliativos não faziam mais do que aggravar a situação financeira, porque o attesta a alta dos câmbios, o déficit absorveria as economias que fossemos fazer.
Alem disso, não extinguindo déficit, ficámos n'uma posição pouco definida e, a pouco e pouco voltávamos ao antigo regimen, angmeutando-o successivamente, perdendo assim desastradamente todos os sacrifícios que tivéssemos feito ,
Quando um homem tem um vicio inveterado e quer cortar por elle, corta de prompto. Se começa a fazer modificações successivas, transigindo um pouco, não verá realisado o fim que se propõe.
E preciso passar de um extremo a outro, regularisando-se mais tarde o movimento, quando se não procede já sobre o império de forças dominadoras.
Acho, portanto, melhor que o governo acabe de prompto com o deficit, ainda que traga, como indiscutivelmente ha de trazer, uma certa perturbação.
Desta forma mostrámos às nações estrangeiras que estamos dispostos a fazer todos os sacrifícios, a encetar uma vida nova e que nos anima a coragem indispensável para arcar com as dificuldades que nos assoberbam. (Apoiados.)
Não desconhecemos os perigos desta resolução.
N'uma crise financeira e económica, como a que atravessamos, a exigência de 10:000 contos de réis, ha de de certo anarchisar um pouco as industrias e o commercio.
Suppor que este imposto se ha de cobrar sem nenhuns attrictos, é um erro.
Em todo o caso, com boa vontade e com uma nítida comprehensão dos nossos deveres, parece-me que poderemos vencer este barranco para evitar a queda, noutros peiores; a anarchia ou a bancarota.
Note-se que este sacrifício exigido ao paiz não é prolongado.
A lei proposta tem apenas a duração de um anno. Neste intervallo o governo vae crear novos impostos, remodelar os existentes e fazer reducções nos serviços públicos.
Augmentando as receitas e diminuindo as despezas, ha de no anno seguinte, ou extinguir de todo as taxas que agora impõe, ou abaixal-as conforme as circumstancias. (Apoiados.)
De mais, quem nos affirma que amanhã não melhora o cambio do Brazil e a situação das praças estrangeiras, e que nós não podemos então voltar a períodos melhores?
Sujeitemo-nos, pois, a um anno de sacrifícios duríssimos, na verdade, mas que nós supportâmos melhor do que um protectorado, como o do Egypto, de que tanto nos fallou o sr. Eduardo Abreu.
Se s. exa. se insurge tanto contra essa idéa, em vez de discursos que podem desvairar a opinião publica, aconselhe prudência e moderação ao povo e juizo aos governantes, para todos, num arranco de patriotissimo, podermos soffrer os sacrifícios e salvar a pátria.
Sr. presidente, o illustre deputado e meu amigo o sr. Eduardo Abreu, no seu discurso manifestou desconfiança de que o governo não cumprisse o seu programma e receioso que nos sujeitássemos às mais pesadas contribuições sem proveito nenhum para o paiz, admittindo quasi como certo que este seguiria as pisadas dos governos anteriores.
E, francamente o confesso, tenho a ingenuidade de acreditar que o governo está animado das melhores intenções. Se me enganar, soffro uma enorme desillusão. Nestes termos, entendo que o sr. Eduardo Abreu, emquanto o governo não der uma demonstração de que as suas palavras não são sinceras, emquanto os factos não forem de encontro às suas afirmações, deve estar ao lado d'elle como bom patriota, para o animar e enthusiasmar nesta hora difficil que a nossa nacionalidade atravessa; e se o governo, não cumprir o seu programma, se depois de cobrar estes duros impostos, fizer o que tem feito todos os outros ministros, então é que s. exa. deve combater á outrance, então é que s. exa. deve pôr a sua palavra na defeza de um povo mais de uma vez ludibriado e arrastado imprevidentemente para a desgraça e para a anarchia.
Mas, se nada ainda indico que falseia o seu programma, é anti-patriotico
crear-lhe difficuldades que lhe tirem a força necessária para se defrontar com os perigos dessa situação tremenda.
Repito mais uma vez, que confio no governo e que tenho fundadas esperanças de que ha de melhorar immenso
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o estado das nossas finanças, mas não ouso acreditar que ha de fazer tudo que se precisa.
A regeneração da França, depois dos desastres de 1870, foi obra de alguns ministérios durante uns poucos de annos.
Não pôde, portanto, esperar-se deste governo só a regeneração do nosso paiz. Se fizer reducções nos quadros do funccionalismo sem prejuízo dos serviços; se remodelar os impostos; se restabelecer a moralidade na administração e realisar economias sensatas, bem merecerá já da pátria.
O sr. Abílio Lobo (sobre a ordem): -Antes de ler a minha moção, como é determinado pelo regimento desta camará, permitta-me v. exa. e a camara que eu explique a rasão por que tomo parte neste debate.
Eu faço parte da commissão de fazenda. Nesta commissão, como em todas as commissões parlamentares a que tenho pertencido, como questão previa propuz que se lavrassem actas das deliberações tomadas nas sessões da mesma commissão.
A actual commissão de fazenda, é verdade que como todas as outras a que tenho pertencido, na sua alta sabedoria rejeitou a minha proposta. É natural que fizesse bem, mas a mim pareceu-me que era este um momento, mais do que qualquer outro, em cada um devia tomar para si as responsabilidades que lhe competiam e para assumir as suas únicas responsabilidades. E neste propósito eu declarei no seio da commissão que iria sustentar para a camara a justiça das minhas propostas e emendase foi essa deliberação do meu espirito que me obrigou a vir occupar a attenção da camara neste momento.
E já que fallei em responsabilidades vou responder de relance as phrases do discurso aqui hontem pronunciado pelo talentoso ministro da fazenda. Disse s. exa. que o actual governo não tinha responsabilidade nas difficuldades financeiras e económicas em que o paiz se encontrava.
Isto é verdade e não é verdade.
É verdade que o actual governo, como collectividade, não tem responsabilidade em quaesquer actos da administração publica, visto que nunca aquelles mesmos homens estiveram conjunctamente no governo; ruas tambem e verdade que o illustrado presidente do conselho tem pelo menos a responsabilidade dos actos do ministerio presidido pelo notável estadista Fontes Pereira de Mello, quando estes habilmente lhe arrancou o melhor do seu casal, phrase proferida pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira e que nunca será esquecida; não menos verdade é que o actual ministro da fazenda, o sr. Oliveira Martins, tem todas as responsabilidades, todas note-se bem, do partido progressista que dedicada e zelosamente acompanhou até á sua entrada n'este ministério; que o sr. Ferreira do Amaral tem sido até hoje meu correligionário dedicado e que ato fazer parte da actual situação sempre se esforçou no maior engrandecimento do partido regenerador, apoiando em todos os f eus actos, absolutamente todos; que o sr. Costa Lobo teve até ha pouco tempo, que d'elle se affastou, todas as respongabibdades do partido progressista e que o sr. vis conde de Chancelleiros, que eu muito folgo de ver na camara dos senhores deputados, tem as responsabilidades não sei se de alternadamente ter acompanhado os dois partidos, mas até de ir esconder na sua quinta da Cortegana os seus cuidados o
desalentos ...
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - O illustre deputado dá-me licença que eu esclareça o seu espirito e da camara neste ponto?
Eu nunca me associei a governo algum desde que entrei na vida publica, ou se me associei foi apenas cora movimento de opposição. Estou por consequência liberto da responsabilidade que o illustre deputado quer fazer cair sobre mim.
Mas, mais ainda. Houve em num o desejo, o propósito firme de vir auxiliar a iniciativa de qualquer governo que governasse para o paiz, e se o não fiz, a culpa não foi rainha.
Deixei de comparecer por largos annos na minha camara porque não julguei uma infracção dos meus deveres politicos a falta de comparência ali. Julguei todavia que se dava essa infracção nas condições difficeis em que nos encontrávamos, recusando o auxilio do meu trabalho, que era reclamado. Vim, pois, para trabalhar.
Em política não basta destruir; é preciso edificar. Eu não quero edificar; mas, desde que um governo, que ou entendia querer governar para o paiz, reclamava o concurso da minha palavra e da minha acção, eu não podia negar-lho.
Esta é a rasão porque estou aqui.
(S. exa. não reviu.)
O Orador: - Sr. presidente, respondo ao discurso-áparte do illustre ministro das obras publicas, dizendo que tomo nota das suas declarações e que d'ellas resulta que s. exa. nem sequer apoiou o ministerio de que fez parte, sendo muito para lamentar que o illustre ministro, um homem de superior talento, fosse por tão Jarg-o tempo esconder na sua quinta da Cortegana o faiscar brilhante da sua enorme intelligencia que deveria illuminar o parlamento e nortear os governos!
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): -Isso é commigo...
O Orador: - Continuando ainda a descriminar responsabilidades, lembrarei á camara que está ahi agora mais um membro do governo, o sr. bispo de Bethsaida que, até proferir o seu monumental discurso em que disse mal de tudo e de todos, compartilhou por completo as responsabilidades do partido progressista e dos ministérios que este partido apoiou. (Apoiados.)
E preciso que todos fiquem sabendo, e que isto de uma vez fique bem assento que os actuaes srs. ministros têem todas as responsabilidades dos homens públicos nossos contemporâneos e que embora se queiram apresentar como innocentes do todas as culpas, e elles têem nas no mesmo grau em que nós as temos.
Cumprindo as disposições do regimento, vou ler a minha moção de ordem:
«Considerando que o projecto do governo se póde julgar dividido em três partes distinctas; a saber: reducção no juro dos títulos de divida publica, imposto sobre differente matéria collectavel, e pedido de auctorisacão para reforma dos serviços públicos;
«Considerando que a primeira parte é mais urgente, a mais produotiva e a mais indispensável para desaffrontar a acção do governo na resolução da questão financeira;
«Considerando que a approvação immediata, sem profundo estudo, de toda a proposta governamental, longe de evitar a anarchia nas finanças, póde promover uma resistência popular, explicada pela insuficiência dos recursos do contribuinte, que produza uma perturbação geral na economia do paiz; a camara resolve:
«1.° Que a proposta do governo seja dividida em três projectos especiaes, comprehendendo cada um d'elles uma das partes da referida proposta;
«2.° Que seja approvado o projecto relativo á reducção do juro da divida publica;
«3.° Que se sobreesreja na discussão dos outros projectos, emquanto não forem revogadas todas as leis que nos últimos cinco annos augmentaram os vencimentos dos funccionarios públicos, e emquanto o governo, depois disso, não apresentar uma organisação económica dos serviços no material e no pessoal de modo compatível com as necessidades dos mesmos serviços.
«Sala das sessões da camará, dos senhores deputados, 32 de fevereiro de 1892. = O deputado, Abílio Eduardo da Costa Lobo.
Como v. exa. vê, esta minha moção de ordem não é mais do que a proposta de adiamento de parte da proposta do
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governo por mim apresentada na commissão, apenas reduzida a termos de moção.
Vem agora a pello referir-me a umas palavras proferidas pelo meu bom amigo o sr. Pinto dos Santos no sei notável discurso. Disse s. exa. ser esta a primeira vez em que defende um governo; pois eu, sr. Pinto dos Santos, aqui tambem bem abertamente confesso ser esta a primeira vez em que ataco um pouco um ministério, e que se da sua declaração s. exa. quer tirar auctoridade para a sua defeza, a mesma auctoridade merece o meu ataque. (Risos.)
Disse ainda o excellente orador que me precedeu que o governo acceitava todas as propostas. Effectivamente o governo é de uma grandíssima transigência e na commissão de fazenda assaz o provou.
Mas essa transigência faz-me lembrar a transigência de um amigo meu muito pessoal, a quem sou dedicado, a quem estimo com affecto de irmão e que tem assento nesta rasa do parlamento. Elle, esse meu bom amigo, é muitíssimo transigente comigo, com uma condição apenas, é que eu hei de estar de accordo com elle. Foi deste modo que o governo se apresentou na commissão, de uma grande transigência para todas as propostas apresentadas.
Eu fiz umas poucas de propostas o nem uma foi acceita, salvo a aclaração de um pensamento do governo ennevoadamente esboçado na sua proposta; refiro-me á isenção do pagamento do addicional e por cento que incidia até agora nos ordenados dos empregados públicos. De resto o governo acceitou propostas de emenda nas condições de transigência do citado meu amigo, comtanto que o proponente estivesse de accordo com elle.
Mas para sustentar a rainha moção de ordem, como não sou auctoridade em cousa alguma, e muito menos em assumptos parlamentares, tenho em primeiro logar de me soccorrer á auctoridade dos homens mais eminentes deste paiz.
Tenho já patenteada aqui hontem na camara, a opinião do sr. Oliveira Martins, que confessou ser mais regular o anteceder uma proposta, em que se peçam pesados sacrifícios ao contribuinte, de uma, ou de muitas outras, reduzindo as despezas publicas. Tenho a auctoridade derivada das declarações feitas na comissão de fazenda e aqui na camara pelo partido republicano, sustentando as mesmas idéas.
Tenho a auctoridade do meu partido, do partido regenerador, que na ultima situação presidida pelo bravo general João Chrysostomo diligenciava fazer as mais apertadas economias antes de vir sulicitar do povo novos e pesados encargos. As economias já realisadas pelo notável estadista Júlio de Vilhena no ministerio da marinha e pelo sr. João Franco no ministerio das obras publicas são prova evidente do que pensam a este respeito os homens mais eminentes do meu partido.
Mas tenho aqui auctoridade maior e de certo mais insuspeita para o governo. O que vou ler foi transcripto do relatório de fazenda de um notável e celebre ministro que geriu aquella pasta neste paiz.
«O governo, se consultasse os seus desejos, e mesmo as forças collectaveis, ainda não exploradas, do paiz poderia já propor-vos o plano desenvolvido para pôr termo completo ao estado difficil do thesouro. Porém, a necessidade de uma revisão pausada nos serviços públicos, onde podem e devem fazer se importantes reducções na despeza, a escassez das nossas colheitas no anno passado, o estado ainda duvidoso com relação às deste anno, o enfraquecimento em todos os ramos da nossa actividade social, o estado político do paiz, e o perigo de cortar de repente males prolongados durante longos annos, detem-nos em realisar de uma só vez o nosso pensamento.
«Enunciando-o agora em toda a sua extensão, pomos já em execução a parte mais importante e mais urgente, e que menos attritos e resistencias póde encontrar na presente quadra política, e reservámos o complemento do nosso systema para a próxima sessão legislativa.
«O desequilíbrio das nossas finanças não póde ser combatido vantajosamente senão pelo emprego simultâneo de três meios combinados: a observância de regras invariáveis de administração com a maior parcimonia na gerencia dos dinheiros públicos, a reddicção nas despezas do estado, e o augmento do imposto. O paiz não mostra resistência á acceitação de novos sacrifícios, mas patenteia justa reluctancia em acceitar a aggravação dos encargos, sem medidas do verdadeira reducção na despeza publica. O paiz tem rasão. É preciso fazer todas as economias e todas as reducções possíveis nas despezas cora os serviços, não só como medida financeira, mas ainda como medida económica e moral, porque ha verdadeira economia e moralidade em restringir o quadro do funccionalismo, e revelar ao paiz, que o governo procede, no desempenho da sua missão, determinado única e exclusivamente no intuito de servir a causa publica, e não movido pelo desejo de promover collocações partidárias.»
Era um estadista eminente quem dizia isto; tão eminente que todos hoje aqui estamos curvados perante elle. E no relatório de fazenda, que o sr. conselheiro José Dias Ferreira apresentou á camara dos senhores deputados na sessão de 29 de maio de 1868, que a pag. 5.ª isso está escripto.
Não me contento, todavia, com estas auctoridades. Quero tambem declarações do partido progressista e quero a auctoridade deste partido proferida pelo seu chefe mais venerando, mais honrado e mais sabedor, proferida pelo sempre chorado conselheiro Braamcamp.
Também no relatório de fazenda assignado por este notável estadista e apresentado nesta camara na sessão de 31 de março de 1870, a pag. 8.ª, se lê o seguinte:
«Cortar o mal pela raiz, pedindo de uma vez ao imposto a somma necessária para equilibrar a receita com a despeza publica seria recurso imprudente, violento e inopportuno. Quando as contribuições ainda estão distribuídas tão desigualmente, o seu subido augmento por meio de addicionaes ou por qualquer outra forma precipitadamente adoptada seria causa de iniquidades e plausível pretexto para queixas justíssimas »
Aqui tem v. exa., sr. presidente, os argumentos de auctoridade que eu possuo. Ninguém dirá que não sejam valiosos. E se ha ahi alguém, quer dos bancos do governo, quer de entre os membros dos partidos que citei, que se abalance a contrariar tal doutrina, que se levante.
Foi, tendo conhecimento completo das doutrinas exaradas no seu relatório pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira, que eu apresentei, estando s. exa. presente, á commissão de fazenda a minha proposta de adiamento de parte do projecto em discussão, firmemente convencido de que o sr. presidente do conselho, contrariando os costumes da terra, phrase muito sua, não tivesse no poder adoptado a incoherencia por elle tão condem nada na sua longa opposicão.
A minha proposta porém não foi acceita pelo governo, representado na commissão pelo sr. conselheiro Dias Ferreira.
Não venho agora sustentar a minha moção com os argumentos adduzidos por mira na commissão, tendo a pretensão de convencer a camara a approval-a, porque para mira é de fé que, estando de accordo na sua doutrina todos os partidos representados nesta casa, é certo, é fatal que ella será rejeitada.
Mas, sr. presidente, para justificar os considerandos da minha moção e da proposta que apresentei na commissão de fazenda, tenho agora aqui de relatar a maneira como ali correram os trabalhos.
Por conveniências que eu não censuro na commissão de fazenda, discutiu-se em primeiro logar a parte da proposta cio governo, referente á reducção nos juros da divida publica.
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Depois de eu ter ouvido o governo declarar positivamente ha discussão d'esta parte da sua proposta, que a parte capital d'ella era esta reducção nos juros da divida, lembrei-me eu de que, ficando o governo auctorisado a fazer essa reducção nos juros da divida interna, e a contratar com os portadores da divida externa, tinha elle os indispensaveis recursos para acudir de prompto ao lance perigoso em que estamos, restando-lhe ainda tempo para, em collaboração com o parlamento, que nada lhe rejeitaria, que está prompto a coadjuval-o sinceramente, (Apoiados.) apresentar propostas de lei devidamente estudadas, reduzindo as despezas publicas e creando novas receitas.
A meu ver, não é indispensavel para tratar com os portadores da divida externa matar atabalhoadamente á fome o contribuinte portuguez, e julgo, pelo contrario, que seria de boa politica, que seria de boa administração, já que o governo se não tinha tornado incompativel com a camara, apresentar a esta as propostas que julgasse indispensaveis para resolver a questão financeira.
Mas de quanto precisa o governo para resolver a questão financeira? Sabe-o o governo? Dil-o na sua proposta? Disse-o na commissão de fazenda? Disse-o hontem na camara o sr. ministro da fazenda?
Não disse.
Ao governo palpita-lhe que precisa para o equilibrio orçamental de cerca de 10:000 contos de réis; palpita-lhe, digo, porque v. exa. e a camar vêem no relatorio da proposta governamental e das declarações do governo perante a camara fallar-se apenas de um minimo de 10:000 contos de réis!
Qual é pois o maximo relativo a esse minimo?
Ao governo pergunto, se já hoje sabe, visto que perante a commissão declarou não o saber, qual é esse maximo, qual a quantia indispensavel para estabelecer o equilibrio orçamental e, portanto, qual a cifra exacta que o contribuinte terá de desembolsar?
Mas dada a tributação proposta pelo governo e aquella que foi approvada pela commissão de fazenda e admittindo mesmo que por essa fórma se consegue o equilibrio orçamental manter-se-ha esse equilibrio? Se se mantem, embora os sacrificios propostos sejam iniquos, façam-se elles, em consideração ao resultado a obter; mas eu, sr. presidente, sustento que a proposta do governo e o projecto da commissão são contraproducentes sob esse ponto de vista.
A proposta do governo, modificada pela commissão de fazenda, aggravando de uma maneira monstruosa as iniquidades da actual tributação, indubitavelmente restringirá todos os consumos, e assim esterilisando todas as receitas do thesouro, o deficit, que agora se pretende matar, renascerá nedio e anafado no proximo armo.
Mas sendo isto assim, não haverá meios de obviar a tão grandes desastres? Não tem o sr. Oliveira Martins poderoso talento e engenho?
Notabilissimo escriptor e economista distincto, ninguem melhor do que elle poderia resolver o difficil problema. Ha longos annos desveladamente dedicado a estudos de sciencias sociaes e há muito indigitado para ministro da fazenda deve ter sobre esta especialidade trabalhos profundos e convenço-me que o ter apresentado esta proposta á camara representa isso o sacrificio da sua opinião á exigencia dos seus collegas.
Esterilisadas, como disse, as fontes de receita publica, o que nos espera? Espera-nos aquillo que por ahi já vae iniciado, as procissões, preces passeadas como dizia em outros tempos o sr. Ayres de Gouveia, as procissões da fome já tentadas pelos proletarios famintos e que degenerarão em terriveis convulsões sanguinolentas, cousas que nós, approvando o projecto tal qual está preparâmos aqui impensadamente, de coração leve.
Sem duvida que o parlamento deve dar ao governo o que lhe for de momento indispensavel para começar a tratar da regularisação da fazenda publica; mas essa parte lhe concedo eu auctorisarido a reduzir os juros da divida publica. Estou todavia convencido que bom serviço presto ao meu paiz, convidando o governo a estudar maduramente as necessidades da fazenda publica, o quanto seja indispensavel para a sua regularisação e a apresentar ao parlamento, com quem o governo julga querer colloborar, propostas justas, devidamente estudadas, de fórma a diminuir despezas e a crear novas receitas. Por este modo, creia o governo, não se queixará o contribuinte, embora os sacrificios impostos lhe sejam cruelmente pesados.
Disse-nos hontem o sr. ministro da fazenda que criticar a sua obra cousa facil era, mas apresentar idéas novas de fórma a crear os recursos que nos faltam mais difficil era.
Não quero incorrer, sr. presidente, no erro apontado pelo illustrado ministro da fazenda e vou pois apresentar alvitres que s. exa. tomará na consideração que lhe merecerem.
Se eu podesse influir no animo do sr. Oliveira Martins, que muito prezo e admiro, dir-lhe-ia: que adites de por tal modo tributar a materia collectavel, que muito facilmente encontrou á mão, elle deveria trazerão parlamento uma proposta resultante de uma combinação entre o governo e as companhias devedoras ao estado, fixando-se uma annuidade de amortisação e para o que viria attenuar um pouco as difficuldades do thesouro.
Eu, sr. presidente, não peço aos dignos pares do reino presentes que me ouçam, mas pedia lhes a amabilidade de a mim proprio me deixarem ouvir. (Riso.)
Já que fallei em companhias devedoras ao estado lembrarei a grande conveniencia de resolver de prompto esta questão, que traz amedrontados todos os espiritos, suspeitos todos os caracteres. Se ha criminosos, que esses sejam severamente julgados, mas por uma vez seja afastada de sobre nós todos, homens publicos, essa suspeição que, a não ser calumniosa, a poucos cabe.
Se eu, como disse, podesse influir no animo do sr. Oliveira Martins, aconselhar-lhe ia que trouxesse á camara a proposta de lei n.° 7 da reforma financeira apresentada em 1868 peio sr. conselheiro José Dias Ferreira, determinando a venda dos pinhaes e matas do estado. Não póde ser suspeito ao nobre ministro da fazenda este alvitre, cuja paternidade pertence ao seu actual collega do reino.
Ouvisse o sr. ministro da fazenda, os meus conselhos e dir-lhe-ia que um imposto de sêllo moderado sobre a venda de todos os mobiliarios facilmente seria pago e crearia receita avultada.
Attendesse-me o sr. Oliveira Martins e lembrar-lhe-ía, o imposto sobre portas e janellas. Eu digo francamente ao illustrado ministro não sympathisar com este imposto, mas tambem francamente lhe affianço menos sympathisar com a nova tributação, por s. exa. proposta. Este imposto de portas e janellas, que em França produz cerca de 57.000:000 de francos, com igual taxa poderia produzir cerca de réis 1.200:000$000.
Ainda, se eu fosse ouvido pelo erudito ministro da fazenda, lembrar-lhe-ía o restabelecimento do imposto do sal que já esteve era vigor, e que por difficuldades ou largo dispendio na sua fiscalisação foi revogado pelo sr. Marianno de Carvalho, creio eu. Para obviar aos inconvenientes da fiscalisação, eu não lançaria o imposto no producto, mas na area das marinhas productoras; (Apoiados) lançaria um imposto sobre o metro quadrado de terreno applicado aquella industria. (Apoiados.)
Eu digo ao sr. dr. Laranjo qual seria o producto d'este imposto segundo calculos que não são meus, e que facilmente se encontram no relatorio de fazenda apresentado ás côrtes pelo notavel estadista e meu chefe em 3 de fevereiro de 1872. Calculando que entre nós o consumo medio por habitante seria igual ao consumo em França, e impondo-lhe a taxa de 10 réis em litro contava aquelle chorado estadista tirar deste imposto a quantia de 490:000$000 réis
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livres das despezas de fiscalisação. Eu, nas circumstancias apertadas em que nos encontrâmos, fixaria a taxa do imposto em 20 réis por litro, o que tendo em conta o augmento de população desde 1872 até hoje, deveria produzis para o thesouro a bonita somma de 1.200:000$000 réis.
Se os meus alvitres alcançassem a benevolencia do sr. ministro da fazenda, eu insinuar-lhe-ía a conveniencia de fazer uma operação com os bens proprios dos conventos.
Eu tenho aqui por baixo avaliados esses bens.
Esses bens, muito por baixo avaliados, têem o valor de 5.469:417$307 réis.
N'estas condições não será exagerado calcular-se que esses bens, vendidos em praça publica, possam produzir 6:000 contos de réis.
Com esta base, estou eu convencido, poder-se-ía fazer uma operação extremamente vantajosa para o thesouro. (Apoiados.)
Eu, sr. presidente, lembraria tambem e aqui vou eu necessariamente ouvir apoiados do sr. Manuel de Arriaga e do sr. Eduardo Abreu...
O sr. Manuel de Arriaga: - Se é justa a idéa...
O Orador: - Lembraria tambem a venda de algumas das propriedades pertencentes ao estado é em usufructo da corôa.
O sr. Manuel de Arriaga: - Vá lá, vá lá, mas queria mais alguma cousa para dar um apoiado.
O Orador: - Eu n'esta occasião desejo fazer uma declaração.
Pelo facto de lembrar a alienação de parte d'estes bens eu não me aproximo de v. exa., sr. Arriaga; eu sou por tradições e convicções monarchico e que assim não fôra o convencimento, de que p meu paiz perderia a sua independencia se fosse regido por outro systema, me affervora ainda nas idéas monarchicas. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Manuel de Arriaga.)
Seria aquillo que daria a pratica se v. exas., os republicanos, governassem e de que se viram os resultados na administração do municipio de Lisboa onde os republicanos preponderaram.
Ainda e por ultimo, sr. presidente, lembraria que o serviço da guarda fiscal fosse feito por destacamentos dos corpos do exercito, acabando-se com a guarda fiscal.
Eu não comprehendo a rasão para que devemos ter dois exercitos, um largamente remunerado, a guarda fiscal e o outro propriamente exercito que poderia com enorme economia fazer o serviço d'aquella com a vantagem de aperfeiçoar a sua instrucção em trabalhos de bivaque e aguerrindo soldados e officiaes.
Depois d'isto tudo, ou d'aquillo que eu expuz e que o nobre ministro reputar aproveitavel, remodelaria os impostos existentes, de fórma a tornal-os mais productivos pela perfectibilidade na cobrança, e ainda depois, se fosse necessario, que não era, então eu viria aggravar os impostos existentes, que já remodelados, não seriam como agora iniquamente sobrecarregados por taxas que vão incidir sobre as injustiças do imposto existente, impossibilitando grande numero de contribuintes de acudir ás urgencias do thesouro, visto que realmente não podem pagar mais do que actualmente pagam.
E nas iniquidades e injustiças dos impostos existentes está de accordo o proprio governo, que assim o confessa no seu relatorio de fazenda.
Sendo certo que o meu modo de ver sobre producção de receitas não seja acolhido nem pelo governo, nem pela camara, e tendo o governo confessado existirem graves injustiças na distribuição dos impostos existentes para que as novas taxas não vão aggravar mais taes injustiças e iniquidades, eu lembraria ao governo, ao sr. Oliveira Martins, uma idéa de uma grande utilidade e opportunidade e que germinou em cerebro talentoso que de fórma alguma póde ser suspeito ao sr. Dias Ferreira, visto que pertence a um individuo que eu julgo ser correligionario de s. exa.
O sr. conde de Samodães no seu relatorio de fazenda, apresentado á camara na sessão de 18 de maio de 1869, propondo o aggravamento do imposto predial e industrial e reconhecendo as injustiças que então já se davam na distribuição d'estes impostos, lembrava a fixação do contingente para cada uma das classes tributadas, e a sua distribuição por meio de gremios districtaes.
V. exa., sr. presidente, comprehende o grande alcance que para o caso sujeito póde ter esta idéa. Por esta forma corrigir-se-iam a maior parte das injustiças do imposto, e os contribuintes teriam facilmente meio dê evitar as iniquidades dos impostos que agora vão ser aggravados pelas novas taxas.
Agora vou dirigir-me ao meu amigo, ao meu dedicadissimo e sympathico amigo o sr. relator da commissão de fazenda. Confessa o relatorio da commissão que esta proposta não foi tão maduramente estudada como o assumpto merecia, e que a commissão a approvou sob a imposição de uma grande necessidade affirmada pelo governo.
Vozes: - É a questão!
O Orador: - Será a questão, mas, que eu saiba, o parlamento ainda não se recusou a cooperar com o governo na resolução da questão de fazenda, é se o governo trouxesse aqui propostas mais bem estudadas do que esta que discuto, a camara dos senhores deputados, como eu estou vendo, pressurosa e cheia de amor da patria, approval-as-ía, como vae approvar esta, com a consciencia de estar mal estudada.
A commissão de fazenda, sob a impressão dolorosa do quadro tristemente colorido pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. presidente do conselho, viu-se forçada, sem maduro estudo, a dar parecer sobre esta proposta. É doloroso ter uma commissão, quando se trata de um assumpto da mais vital importancia para todos os contribuintes, de confessar que apresenta o seu parecer sem que sobre a proposta tivesse feito serio e demorado estudo, que essa commissão, uma commissão composta de queridos correligionarios meus, venha affirmar que o seu parecer é feito sem uma grande consciencia, porque o governo lhes disse ser indispensavel abreviar a discussão para tratar com os portadores da divida externa. (Vozes: - Muito bem.)
Mas se isto é a verdade, mais um grande fundamento para o adiamento de parte do projecto que proponho. Se isto é assim, a camara, na sua alta sabedoria, deve approvar a minha moção, porque é indispensavel que a nova tributação seja madura, demorada e seriamente estudada.
Vou agora entrar na analyse do projecto. E vem agora a pello recordar que, alem das minhas propostas transcriptas no relatorio da commissão, eu apresentei uma outra que, não sei por que motivo, não vejo tambem transcripta.
Na commissão eu apresentei uma substituição completa ao artigo 1.° da proposta do governo, e essa apresentação foi feita em taes condições que de fórma alguma a minha substituição podia ser esquecida.
O sr. relator deve recordar-se e todos os membros da commissão devem ter bem presentes que, conjunctamente com a minha proposta de adiamento que no relatorio vem transcripta com o n.° 1, eu apresentei uma substituição ao artigo 1.° da proposta do governo. Onde ficou essa minha substituição?
O sr. Jacinto Candido: - S. exa. requereu que a proposta que representa o adiamento fosse inserida no projecto, e por isso vem inserida; s. exa. não requereu que a outra proposta fosse inserida, e por isso não veiu inserida.
O Orador: - Se bem me recordo su pedi a palavra na commissão de fazenda para uma questão prévia; li a proposta de adiamento, e em seguida disse que, para o caso da minha proposta de adiamento não ser apppovada pela
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commissão, eu lia immediatamente uma substituição ao artigo 1 ° da proposta que ía entrar em discussão.
Rejeitado o meu adiamento e ficando em discussão a minha substituição ao artigo 1.° da proposta governamental, conjunctamente com esse artigo, eu pedi á commissão de fazenda que, em conformidade com as suas deliberações, anteriormente tomadas, fizesse exarar no relatorio do projecto as propostas por mim apresentadas, e assim se resolveu.
Mas não vale a pena gastar tempo com cousa tão insignificante ...
O sr. Jacinto Candido: - V. exa. dá licença? V. exa. sabe que o relatorio não, traduz uma opinião individual minha.
O relatorio representa as idéas da commissão, e até ella entendeu dever substituir uma parte do relatorio.
Mas v. exa., que assistiu aos trabalhos da commissão, quando viu que essa proposta não estava mencionada no relatorio, nada mais facil do que pedir que a proposta fosse inserida.
Portanto, não podia haver o proposito de occultar essa proposta.
Eu não percebi que o illustre deputado tivesse pedido a publicação d'essa proposta nem ao presidente, dá commissão nem a qualquer dos seus membros, nem s. exa. reclamou para que ella fosse aqui inserida.
O Orador: - Longe de mim eu poder de modo algum desconfiar que o sr. relator ou qualquer membro da commissão tivesse accintosamente occultado essa proposta. São todos tão meus amigos, que me poupavam com certeza qualquer desconsideração involuntaria quanto mais expressamente praticaram um acto que me melindraria.
Deixando este incidente sem importancia, vou fazer algumas considerações sobre o artigo 1.° do projecto.
É facto indiscutivel que a opinião publica está de ha muito voltada com muito má vontade para o funccionalismo publico. É portanto natural, que o governo, ao fazer reducções e ao lançar novos impostos, se lembrasse de fazer deducções nos ordenados dos funccionarios publicos, adulando assim uma grande parte da opinião publica.
Não sei a rasão d'este odio inveterado que o publico tem ao funccionalismo. Não sei se esse publico tem a noção de que póde por completo dispensar os seus serviços.
É sem contestação que entre as classes do funccionalismo ha empregados que nem merecem a consideração dos seus superiores nem mesmo aquillo com que são remunerados, mas estes formam uma tão insignificante excepção, que não sei para que envolver no mesmo odio e nas mesmas injurias a grande maioria dos funccionarios publicos, que é digna e que é trabalhadora. (Apoiados.)
Não levo, portanto, a mal ao governo, que se deixe guiar pela opinião publica, embora melhor fôra que a guiasse quando ella se desmanda em tresloucadas convulsões, e que portanto deferisse a um sentimento que eu reputo estreito, acanhado e mal intencionado e deste modo comprehendo as reducções propostas pelo governo nos ordenados dos empregados publicos.
Como, todavia, o governo, que, por um sabio e bem entendido movimento de transigencia, acceitou as emendas propostas pela commissão de fazenda, reduzindo as taxas que na sua proposta incidiam sobre os ordenados dos funccionarios publicos; mas deploro igualmente não podere louvar as excepções feitas n'esse artigo 1.º, cuja responsabilidade pertence á commissão, embora o governo com ellas concordasse.
No artigo 1.º, § 5.º, preceitua-se que o maximo do ordenado para empregados em actividade de serviço seja fixado em 2 contos de réis, e igualmente se preceitua que o maximo do vencimento para aposentados, reformados e jubilados seja fixado em 1:200$00 réis.
E já que fallo em jubilados, lembra me ainda uma passagem do magnifico relatorio de fazenda do sr. conselheiro José Dias Ferreira, por mim citado no principio do meu discurso. N'esse relatorio o seu signatario corajosamente se insurje contra os jubilados que abandonam por incapacidade physica os seus logares, e vem exercer outras funcções que necessitam de mais actividade e robustez. N'essa occasião o sr. presidente do conselho tinha pouca intimidade politica com o sr. bispo de Bethsaida, mas com certeza advinhava que o seu ministro da justiça de hoje, viria a precisar d'esta advertencia. (Risos.)
(Interrupção do sr. Ruivo Godinho.)
Peço perdão. Ha uma enorme differença. O sr. José Dias Ferreira, posto que jubilado, não exerce outras quaesquer funcções em activo serviço, e o sr. ministro da justiça é jubilado e é commissario da bulla, commissão de activo serviço, de fórma que s. exa., incapaz de ensinar na universidade, é de uma actividade assombrosa nas funcções da bulla.
Continuando. Nesse artigo 1.° ha excepções odiosas, que eu nem sequer comprehendo. Por que rasão, fixando-se em 2 contos de réis o maximo de ordenado que os funccionarios podem perceber em actividade de serviço, se exceptuam o cardeal patriarcha, os arcebispos e os bispos (Apoiados.) e o presidente do supremo tribunal de justiça?
Mas os chefes da igreja lusitana são exactamente aquelles que têem obrigação, que têem necessidade, para que a sua doutrina fructitique, de dar exemplos de abnegação, de desprehendimento, de proceder como o notabilissimo é santo arcebispo de Braga, viver na miseria para acudir ás desgraças alheias. (Apoiados.)
E se por ahi segredarem que esta excepção foi determinada por no ministerio estar um collega de s. exas. revmas., vão depois tapar a bôca ás más linguas do mundo. (Risos.)
Não comprehendo esta excepção, assim como não comprehendo tambem que, tendo alguns bispos congruas inferiores á sua dotação orçamental, recebam do thesouro o que lhes falta para completar essa dotação, e que todos aquelles que têem congruas superiores em muito á dotação orçamental, não entrem nos cofres publicos com o excesso d'essas mesmas congruas.
Espanta-me que um desgraçado segundo official de um ministerio ou um infeliz capitão do exercito tenha de dar dos seus vencimentos para as urgencias do thesouro aquillo que lhe é indispensavel para matar a fome a sua familia e dar educação a seus filhos, emquanto que o cardeal bispo do Porto pisa ricas alcatifas, se banqueteia em mesas adornadas com faustosa baixella, e recebe no fim do anno 14 contos de réis. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Se não tem alcatifas é porque enthesoura os fartos rendimentos. Com 14 contos de réis de renda quantas alcatifas não mandaria eu pôr na minha casa! (Riso.)
Antes de terminar, quero que se poupe a um funccionario do estado, que eu muito respeito e por quero tenho uma grande veneração, uma injuria que se lhes faz na alinea a) do artigo 6.°
Eu estou convencido que a excepção posta aqui para aproveitar ao actual presidente do supremo tribunal de justiça é uma injuria que se faz áquelle caracter nobre e levantado. (Apoiados.) O presidente do supremo tribunal de justiça não quererá nunca deixar de se sujeitar ás condições d'aquelles a quem preside. (Apoiados.)
Eu vou concluir, porque estou fatigado e porque a camara tambem o está, (Vozes: - Não está) lendo um periodo do relatorio da commisssão. Diz a commissão.
«A enfermidade já a conhecemos em toda a sua extensão; esperâmos ter o remedio no projecto; appliquemol-o sem hesitações, e sofframos todos corajosamente as dores do curativo, porque a doença é do paiz, e o paiz somos nós todos, os que aqui estamos, e os que, fóra d'aqui, nos obsersam e escutam.»
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Sujeitemo-nos, pois ao remedio, já que isso é fatal; mas o remedio he um forte revulsivo e permitia Deus que elle Dão determine uma revolução.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado.)
O sr. Presidente: - O sr. ministro das obras publicas pediu a palavra. Não sei se é para entrar na discussão do projecto, se para explicações.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros):- Era apenas para uma explicação.
O sr. Presidente: - O sr. ministro das obras publicas pediu, a palavra para uma explicação, para esse fim só póde usar d'ella no fim dá sessão e em hora de prorogação, excepto se a camara permitte que s. exa. falle agora.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra; mas a concessão d'ella não interrompe a ordem da inscripção.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Senti-me muito pouco á vontade no parenthesis aberto no discurso do illustre deputado, e não me sinto, melhor no parenthesis aberto na discussão.
Pedi a palavra para uma explicação - é claro que não quero, nem devo tomar a palavra sobre a materia; mas nos termos genericos em que o illustre deputado significou o seu pensamento é as suas idéas, eu creio que estou obrigado, pela minha posição, a dizer alguma cousa em resposta.
Sr. presidente, as condições actuaes são difficeis. Por mais que cada um de nós queira interpretals a seu bello prazer, é tão momentosa a situação, e ella de tanta importancia, e de tal gravidade, que na consciencia de cada um de nós não póde ter senão uma qualificação imperiosa e impreterivel. Por consequencia havemos de considerar as cousas debaixo d'este aspecto serio, para assim as poder resolver.
E é porque as devemos resolver com insistencia e vontade, com desprendimento de ambições, com serenidade de animo e com tranquillidade de consciencia, que não podemos, no epilogo de um discurso cheio de considerações diversas das que inspiraram a proposta do sr. ministro da fazenda, vir dizer que, tudo isto ha de ter por consequencia fatal a revolução.
Não tem por consequencia fatal a revolução,(Apoiados,) se os illustres deputados se lembrarem de que as suas palavras têem echo no paiz, (Apoiados.) que offerece o exemplo da resignação, da prudencia, da serenidade de animo, com que está attento ao que resolvem os poderes publicos, pedindo ao seu patriotismo que resolvam esta questão em termos dignos para a sua honra e tradições historicas, como se fez em tantos momentos e em conjuncturas tão difficeis como estas, a fim de que os poderes publicos, confiados na sua regeneração economica, tenham aprendido n'esta dura lição de experiencia a esperar aquillo a que têem direito, isto é, uma epocha de felicidade depois de uma epocha de tão tormentosa agonia. (Apoiados.)
Os senhores devem saber que nem todo o paiz se illudia como el-dourado, e que nós, os de lá de fóra, - d'onde eu não vinha, - e devia ter vindo, na opinião do illustre deputado, - estavamos conhecendo de longe o movimento da nossa politica, e estavamos bem menos descansados, do que ao parecer o estavam os que a representaram - esses que com tanta serenidade de animo seguiam esta desastrosa jornada, que nos conduzia ao abysmo! (Applausos.)
E estavamos n'essa intranquillidade, porque nós viamos que o paiz trabalhava para produzir mas que pagava mais do que elle podia, porque as exacções do fisco eram violentissimas, eram quasi um attentado ao trabalho honesto e desprendido de considerações de interesse particular.
Nós viamos de lá que a cousa não ía bem. (Riso.)
É já cansada a metaphora e quasi que tenho vergonha de comparar o estado a uma nau:
A interrogação que se fazia era para onde as ondas levavam a nau?
Quando mais funda eu via cavar a nossa ruina mais via que a nossa imaginação rasgava phantasticos horisontes.
Estava até á espra que me dissessem estar o paiz riquissimo! Porque não?
No momento exactamente em que nos contorciamos nas vascas de agonias e de torturas como as que nos havia inflingido o ultimatum, cuidei que me dissessem que estavamos felicissimos!
No dia em que factos economicos, accusados pela nossa fiscalisação aduaneira, estavam a dizer-nos que, no meio de tanta e tão apregoada independencia, estavamos até dependentes, pela bôca: quando nos viamos com importações no valor de milhares de contos e com um acrescimo de 2:000 contos de réis de impostos a mais, cuidei que me dissessem que tudo isso eram provas de crescimento de prosperidade!
Grande prosperidade era essa!
Eis a orientação que nos conduzia a tão fataes resultados, - mas que parece que não nos preoccupava muito, na agitação politica em que andavam envolvidos os partidos. Julga o illustre deputado que eu não pensava na minha resposta á sua pergunta? Pensava e porque pensava é que me lembrei de ir para o meu isolamento, empregar-me em trabalho que considerava mais proficuo, dando um grande exemplo ao paiz e mostrando que fazia ali mais do que conservar-me na camara, onde tinha logar, mas onde a minha voz era ouvida como uma voz de incendio, onde a minha pessoa só era olhada como um d'estes espiritos tristes e sombrios, como uma d'essas Cassandras fataes, que vem com o pregão da morte ao meio de um banquete ou de uma festa.
Quando, porém, attendi em que era necessario marcar ao paiz uma nova orientação ou um novo rumo, eu, contrariando os meus interesses, - que os contrario e muito, estando aqui,- sabendo que na camara se levantara um grito de appello, disse: - Vou-me levantar tambem!
Eu não tenho força; nunca me associei a ninguem para a ter, mas o que tenho é a consciencia de fallar sempre ao paiz com o maior desassombro, sem attender a interesses, sem a mira em proveitos, sem me inspirar nas conveniencias partidarias. D'ahi é que vem a minha auctoridade.
Não tenho partido.
Diz o illustre deputado - então porque não veiu antes?
Que queria que eu fizesse, vindo antes?
Estou arrependido de não ter vindo, se eu tivesse vindo julgar-me-ía forte e teria dito: - «Alto lá! Olhem que se os senhores não têem tento, não fazem nada.
Era isto o que eu teria dito e quando digo eu, não fallo da minha pessoa, fallo da opinião que traduzo, d'aquella que - tenha o apoio e o applauso da consciencia publica. Se lhes dissesse - se- os senhores não tiverem juizo, trato de deital-os abaixo. Talvez, quem diz que não? Talvez o podesse fazer e o fizesse; pelo menos estava resolvido a fazel-o se não viesse, não a revolução, mas uma evolução e uma reacção de opinião que trouxe a estes bancos os homens que, não queriam aqui vir e que não representam nenhum dos partidos constituidos.
Os partidos comprehenderam, creio eu, que nomeio das difficuldades gravissimas em que viviam e vivem, não reconhecendo mesmo com a experiencia do seu organismo a impreterivel necessidade de se fazerem representar no poder, deviam ensarilhar as armas, deixando-se lançar reciprocamente numa especie de ostracismo e dizendo:
- Nós, pela fatalidade das circumstancias, não podemos conduzir a nau do estado - venha ainda a metaphora - (Riso.) a porto seguro. Deixemos isso a outros homens que venham, sem pretensões, trabalhar comnosco n'este
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campo neutro, em que desapparecem todos os partidos constitucionaes.
Foi isto o que eu disse ainda agora e o que é a realidade da presente situação.
Mas diz o illustre deputado: «Você nem sequer apoiou o governo a que pertenceu?» Pois nem isso! (Riso.) A prova é que creei um conflicto e saí de lá com tres mezes de existencia ministerial. (Riso.) Não me demorei nestas cadeiras, que eu nunca disse que tinham espinhos, porque felizmente não me piquei. (Riso.) Mas quando saí, com a vida ephemera das rosas, saí satisfeito commigo e creio estar entre os membros desta camara um que se levantou e disse:
«Proponho uma moção de louvor ao unico ministro saído do poder pelo respeito profundo aos principios constitucionaes e á liberdade da urna.»
Não se lembram d'isso?
Já vê, por conseguinte, o illustre deputado, que não tinha rasão em me accusar por não ter vindo.
E a proposito de eu estar na Cortegana, não sei porque se falla n'isso. É uma cousa que não percebo. Aproveito a occasião para metter isto como um incidente n'esta oração - porque eu nunca pronuncio discursos Estive lá. Creio que não ha lei alguma, de responsabilidade ministerial, nem qualquer outra, que me inhiba de ir a minha casa, passar algumas horas sub tegmine fagi. Creio que não é defezo o acudir por interesses que abandonei para vir aqui, a ir á minha quinta por algumas horas, que para mim nem foram de descanso - embora o dissesse um illustre deputado que fez favor de me dirigir para tão longe uma representação, que teve na mão mas que não leu á assembléa.
Eu tinha estado em Lisboa sempre abarbado com trabalhos de expediente, e se s. exa. o quer saber, visto eu não ter a honra de ser um particular amigo de s. exa., póde ir á minha secretaria onde lho provarei com documentos. Não é crime ir á Cortegana. Lá tambem se trabalha e talvez mais do que na secretaria.
Eu levei para lá uma infinidade de documentos e resolvi duas questões. Uma d'ellas foi aquella a que me referi já em resposta a um sr. deputado. Resolvi-a lá com mais facilidade, por uma serie de circumstancias, que ocioso seria referir agora, do que resolveria aqui, no meio da faina do expediente diario.
D'essas duas questões, uma não tinha grande importância, porque se tratava apenas n'aquelle momento de restabelecer uma mala-posta.
A outra tinha toda a importância, porque se tratava de uma commissão de operarios que vinha para mim com instante reclamação, pedindo-me, como famintos, que diziam ser, o trabalho em que podessem ganhar o pão.
Eu lá resolvi esta questão, e juntamente com o sr. presidente do conselho puzemos as cousas em taes condições que, quando cheguei a Lisboa, no dia seguinte, tinha trabalho seguro para todos os operarios que quizessem trabalhar.
Dito isto, em resposta ao illustre deputado, devo accusar a recepção do papel, que, pelas vias officiaes, me chegou ás mãos, estando eu no ministerio das obras publicas, no cumprimento do meu dever.
Fallemos agora na proposta do sr. ministro da fazenda.
Eu peço aos meus collegas que não a justifiquem. Ella não se justifica, impõe-se; e a prova de que se impõe é a paciencia soffredora, a resignação evangelica com que o paiz a acata.
Diz-se aqui: e não tem representado contra?
Não; não tem representado contra, porque o paiz vê, com perspicacia, não digo com educação constitucional e com illustração desenvolvida pelo estudo, vê com sentimentos patrioticos, que é chegado um momento de crise em que lhe é necessario soffrer, em que lhe é indispensavel fazer sacrificios para remir os peccados de muitos e salvar o futuro de todos. E esta, attitude nobre e sensata dá-nos o direito de dizer perante os paizes mais cultos da Europa que a nação portuguesa sabe comprehender as difficuldades que a assoberbam, embora para elles não concorresse muito pouco.
Eu disse sempre áquelles com quem fallava n'estes assumptos, que o nosso povo era bom, honrado e generoso, e que gravissimas culpas tinham os que procuravam desnorteai-o, atraiçoando o seu dever civico, mentindo ás massas e levando a opinião por um caminho errado e tortuoso.
Se não fosse isso, se nós todos fizessemos mais justiça uns aos outros, teriamos feito melhor. Não se teria dado este facto triste nas suas consequencias e tristissimo na sua rasão de ser, do paiz ter o direito de se queixar de todos nós - que temos sido politicos, uns por ambição, outros por dever de tradição, e, outros porque o proprio paiz quer que o sejam.
Não quero tomar mais tempo á camara. Vou terminar, pedindo aos illustres deputados que me consintam dizer-lhes aquillo mesmo que tive a honra de dizer aos homens que tenho por collegas.
Eu vim aqui, porque entendia que era um dever, civico impreterivel associar-me áquelles que com tantas contrariedades, como eu, se sujeitaram a carregar com esta cruz e a subir com ella ao Calvario.
Entendi que era um dever que a minha consciencia me impunha e que me impunham as tradições do nome que represento na terra de que sou filho.
Recebi essas tradições como herança de familia, no próprio exemplo d'aquelles que são meus e que tambem muitas vezes se têem sacrificado pelos interesses, do paiz,- e são ellas que fazem com que nesta hora dolorosa da nação, occupe esta cadeira.
E toda a gente sabe, nenhum dos homens publicos da minha terra ignora, que fui muitas rezes solicitado para acceitar um logar de ministro, e não acceitei, senão com toda a reluctancia, quando o nobre duque d'Avila, então conde, me dizia que eu abria uma crise no paiz, senão acceitasse o logar de ministro.
Toda a gente sabe que eu recusei sempre, tenazmente, ser ministro, e escolhi exactamente, para o ser, as condições as mais difficeis, senão as mais insuperaveis. Se todos nos não inspirarmos patrioticamente na idéa de que é preciso que o paiz se não veja assolado por uma invasão estrangeira; se não entendermos, na nossa consciencia? que é necessario levantar bem alta o pendão da independencia, estamos mal. Penitenciemo-nos dos nossos erros perante o paiz, iniciando um futuro de maior segurança e prosperidade.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Chrystovão Ayres: - Em que singulares circumstancias, sr. presidente, me cabe a palavra! Quando apenas faltam uns minutos para se encerrar a sessão, e quando acaba de fallar o sr. ministro das obras publicas, uma das individualidades mais distinctas e mais proeminentes do parlamento portuguez, e que mais se impõem á nossa consideração e apreço. (Apoiados.)
As palavras eloquentes que acaba de proferir o nobre ministro, como resposta ao discurso do collega que me procedeu, dispensam-me de lhes acrescentar mais nada.
Realmente, sr. presidente, o governo que senta n'aquellas cadeiras não merece aspereza de censuras antes é credor do apoio franco e leal de todos. (Apoiados.) Não me parece que n'este momento terrivel o tivesse movido, a desejar o poder nenhuma ambição, nenhuma vaidade, nenhum interesse que não fosse o do paiz.
A onda de loucura que, de norte a sul, invadiu e avassalou o paiz, derribou em breve espaço de tempo uns poucos de governos, e parecia ter-se chegado á situação de ser
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impossivel organisar governo que satisfizesse ás necessidades momentosas da nação!
Esgotados os recursos ordinarios, appellou-se para os homens que representavam a critica dos actos doa governos anteriores, como sendo os que podiam representar a opinião do paiz, e com força, portanto, para tirar a nação dos embaraços em que se encontra.
Como tal o consideraram todos, como tal o acceitou o parlamento, como tal o encontramos n'este logar, com o apoio que lhe promettemos e que tem de ser leal e desinteressado. (Apoiados.)
Não deve inspirar nenhuma opposição systematica, porque não representa nenhum partido; porque não provém de nenhum conluio, de nenhuma conspiração, de nenhuma imposição.
Tendo-se encarregado da missão de governar, n'um momento tão grave, é obrigação de todos, não só não lhe levantar obstaculos, mas prestar-lhe todos os auxilios, com a melhor e mais sincera vontade.
De revoluções fallou o illustre collega e meu amigo que me precedeu, e eu não acredito, sr. presidente, em revoluções contra o actual governo, a não ser na unica hypothese d'elle não satisfazer ao que prometteu corajosamente no seu programma, e se falsear a esperança que o paiz n'elle deposita. (Apoiados.)
Agora, só por causa de sacrificios, embora crueis, que se pedem ao paiz, não me parece que haja a receiar conspirações, nem perturbações de ordem; isso corresponderia ao desmentido formal dado a tudo que tem representado até hoje, e, nas occasiões mais dolorosas, a isenção, a cordura, a resignação no sacrificio, que caracterisaram sempre a alma portugueza. (Apoiados.)
Dito isto, sr. presidente, passo a ler á minha moção de ordem:
«A camara, compenetrada da gravidade da situação que levou o governo a adoptar medidas de extraordinaria crueza; aguarda-lhe os actos, e esperando que ha discussão das medidas de fazenda elle attenderá ás indicações do parlamento no sentido de tornar equitativos os gravames que pesam sobre o paiz, e que na reorganisação dos serviços, para a qual solicita auctorisação parlamentar, procederá por fórma a não perturbar nem desorganisar esses serviços, passa á ordem do dia. = Christovão Ayres, deputado por Bardez.»
Sr. presidente, por esta moção, e pelas considerações que já fiz, vê v. exa. que eu sou a favor das propostas de fazenda que se discutem, quanto á sua generalidade; isto me não impede, porém, de lhe notar senões, e de pedir ao governo que attenda ás justas reclamações da opinião, baseadas na humanidade e na justiça.
Para situações como estas em que se encontra o parlamento, a inscripção pró ou contra não corresponde absolutamente ás necessidades da discussão; ha uma situação entremedia, que é aquella em que me encontro n'estw momento; porque em principio sou a favor das propostas, em certos promenores sou contra ellas, e peço ao governo a sua remodelação.
O governo já deu sobejas provas da sua tolerancia, conformando-se com muitas, das alterações apresentadas pela commissão de fazenda, e estou certo que ha de continuar, durante a discussão das propostas, a inspirar-se no mesmo
criterio justo e recto.
O governo assumiu o poder nas circumstancias mais graves; não só a situação financeira, mas a situação moral do paiz é das mais excepcionaes e dolorosas. Financeiramente estamos á beira de um abysmo; moralmente, lembra a epocha de Roma, depois dos Grachos, e sob o regimen deleterio do Senado.
Como então, temos o mal-estar geral, a reacção surda, a depressão dos espiritos; temos as revoltas servis de Mantua e de Cecilia, sob a fórma da revolta da caserna do Porto; temos a rebeldia de Tito Vettio, no capitão Leitão; temos tambem as expedições desastrosas á Africa; e na Guiné, na Beira, em Moçambique, os desastres e a mortandade das guerras da Numidia. Com a unica consolação, sr. presidente, e é que as nossas expedições voltam dizimadas e exhaustas das regiões africanas; mas voltam com o brio salvo, e a consciencia limpa! (Apoiadas.)
Diante de uma situação tão grave, sr. presidente, em que por todos os lados surgem symptomas de profunda decadencia, comprehende-se toda a energia, toda a austeridade, toda a crueza de que o governo tem de se servir para corresponder ao papel que lhe incumbe. As suas medidas têem de ser inergicas e promptas.
N'esta comprehensão baseio a rasão do meu apoio ao governo, que me terá ao seu lado.
Mas o proprio rigor tem de obedecer a principios de equidade e de justiça para ser bem acceito, e as propostas do governo têem de obedecer a esses principios, tanto mais quanto mais rigorosas se apresentam.
Quem comparar os encargos da tributação que recáem em classes diversas de contribuintes, vê facilmente que, emquanto o imposto predial, propriedade urbana, é relativamente pouco tributado, o que se pede ao jurista é extremamente pesado. Alem d'isso, dentro da mesma classe, as desigualdades são grandes, e é necessario que o novo imposto a recair, sobretudo sobre as classes não afastadas, venha a tornar-se mais equitativo e mais justo. (Apoiados.)
Outras desigualdades se notam na proposta, mesmo depois de modificada pela commissão, e entre ellas citarei as seguintes:
Os generaes de divisão e de brigada, e os vice e contra-almirantes, mesmo que não estejam no commando têem de manter a dignidade do seu posto, e representam longos annos de serviço; pois apesar d'isso, ficam reduzidos, a 2:000$000 réis de vencimento, cerceando-se consideravelmente os seus proventos; mas ao passo que se faz isto, e que sendo medida geral não provocaria reparo, aos arcebispos e bispos conservam-se intactos os seus honorarios, que, aliás, nem mesmo aos ministros se mantem integros.
Se porventura todos os bispos e arcebispos fossem como o prelado de que falla Thomás Ribeiro na sua poesia Festa e Caridade, o qual dava tudo aos pobres, e, para acudir á miseria que se alastrava entre o seu espiritual rebanho ía, em plena festa, fazer com que as mulheres se desapossassem das suas joias para valer aos necessitados, ainda, se comprehendia que fosse poupado aos bispos o que elles faziam derivar para a pobreza; mas esse caso não se dá; e se se desse, então o mesmo criterio se teria, de applicar ás associações de beneficencia, aos hospitaes, a todos os estabelecimentos de caridade. As excepções, portanto, assim estabelecidas, ferem os principios da verdadeira, justiça e equidade.
Mas as excepções a favor dos hospitaes, dos asylos, das misericordias, dos monte pios, comprehendiam-se; não para isentar em absoluto estes estabelecimentos dos encargos que vão sobrecarregar o paiz, mas para os alliviar na taxação dos seus haveres em inscripções.
Ainda hontem o sr. ministro da fazenda, tratando d'este assumpto, declarou que da somma que representa a divida interna do paiz, 30:000 contos de réis pertencem a associações de beneficencia, hospitaes, misericordias, etc., 12:000 contos de réis os dotes, e 15:000 contos de réis os bens dos menores, o que tudo sommado dá 60:000 contos de réis. Calcule-se o producto da incidencia dos novos, impostos sobre esta somma importante, e veja-se o que isso representa de difficuldades para essas corporações, algumas das quaes terão talvez de fechar as suas portas á pobreza e á miseria que até hoje têem soccorrido.
Outro ponto para que desejo chamar a attenção do governo e da camara, é para a situação dos reformados. Para os generaes de divisão reformados o córte vae ser de 45 por cento, o que é duro! E dá-se a singular circunstancia de
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duas categorias muito distinctas, como são as de general de divisão e general de brigada, passarem na reforma a receberem a mesma cousa.
Urge harmonisar estas anomalias.
O governo prometteu attender, em conformidade com os seus principies, a todas as indicações sensatas que lhe fizessem, e é do meu dever concorrer pela minha parte para attenuar a crise de miseria que necessariamente resultará, se não forem attendidas as reclamações dos mais opprimidos. (Apoiados.)
O velho systema de começar por sangrar o doente por principio de cura, está absolutamente reprovado; pois dava em resultado o depauperamento do organismo, a fraqueza absoluta do doente, e muitas vezes a revelação de novas enfermidades complicadoras e graves. Applicada ao povo, esse systema póde dar em resultado, se não houver a maxima cautela, crises mais perigosas e mais fundamentaes que a crise monetaria e financeira. É um tratamento perigoso.
Nas propostas de fazenda em discussão não se póde deixar de attender a um criterio de humanidade e justiça; não basta obedecer á necessidade cega do corte. (Apoia dos.) Esse córte corresponderia a apenas aparar o cabello a alguns, emquanto aos outros se tirassem pedaços de dedos, ou parte das orelhas. (Apoiados.)
Sr. presidente, deu já a hora; por isso peço a v. exa. me reserve a palavra para a sessão de ámanhã.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
O redactor = Barbosa Colen.