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CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
84.A SESSÃO EM 9 DE FEVEREIRO DE 4904
SUMMARIO.—Lida e approvada a, acta, dá-se conta do expediente, que eomprehende um ofiicio do Ministério da Marinha. — O Sr. Presidente (Sousa Cavalheiro) consulta a Camará sobre se permitte a publicaçilo no Diário do Governo da representação da Associação Commercial do Porto, sendo anctorízada a publicação. — Usa da palavra o Sr. Ressano Garcia, sobre a prorogação. do contrato do Theatro de S. Carlos. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro). — Enviam requerimentos para a mesa os Srs. Ko-driguea Nogueira, Francisco Machado, Penha Garcia e Carlos Marianno de Carvalho; e o Sr. Barroa e Moura envia um projecto de lei que tem por fim transferir da Camará de Chaves para o Governo o encargo da despesa a fazer com o lyceu da mesma cidade, ficando o projecto para segunda leitura.
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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS
Presidência do Ex,mo Sr, José Joaquim de Sonsa Cavalheiro
Secretários—os Ex,mo8 Srs.
Amandlo Eduardo da Moita Veiga José Joaquim Mendes Leal
Primeira chamada —Ás 2 horas da tarde. Presentes — 12 Srs., Deputados. Segunda chamada — As 2 4/a horas. Presentes — 59 Srs. Deputados.
São os seguintes: — Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira BramSLo, Alberto António de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo César Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Álvaro Augusto Froes Possolo de Sousa, Álvaro de Sousa Rego, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, António Alberto Charula Pessanha, António de Almeida Dias, António Augusto de Mendonça David, António Augusto de Sousa e Silva, António Barbosa Mendonça,' António Belard da Fonseca, António José Lopes Navarro, António Maria de Carvalho Almeida Serra, António Rodrigues Ribeiro, António Roque da Silveira, António de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto César Claro da Ricca, Augusto César da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Mariano de Carvalho, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco António da Veiga Beirão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco. Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, JoSo Joaquim André de Freitas, Joaquim António de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Nicolau Raposo Botelho, Júlio Augusto Petra Vianna, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manoel Joaquim Fra-tel, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde de Reguengo (Jorge).
Entraram durante a sessão os Srs.: — Agostinho Lúcio e Silva, Alexandre José Sarsfield, António Caetano de
Abreu Freire Egas Moniz, António Centeno, António Eduardo Villaça, António Ferreira Cabral Paes do Amaral, António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, António Rodrigues Nogueira, António Sérgio da Silva e Castro, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Francisco Fe-lisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Rami-rez, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Augusto Pereira, Joilo Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, José Adol-pho de Mello e Sousa, José Dias Ferreira, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, Júlio Ernesto de Lima Duque, Libanio António Fialho Gomes, Lourenço .Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano António Pereira da Silva, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Manoel Affonso de Espregueira, Manoel António Moreira Júnior, Manoel Francisco de Vargas, Manoel Homem de Mello da Camará, Manoel de Sonsa Avides, Marquez de Reriz, Matheus Teixeira de Azevedo e Visconde da Torre.
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SESSÃO N." 24 DE 9 DE FEVEREIRO DE 1904
ABERTURA DA SESSÃO —As 3 horas da tarde
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE Officio
Do Ministério da Marinha, enviando nota, por mezes, da despesa feita com a transmissão de telegrammas dirigidos ao Ministério da Marinha pelo actual Ministro o Sr. Raphael Gorjão, quando governador geral de Moçambique, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado António Cabral Paes do Amaral.
Para a secretaria.
O Sr. Presidente: — Participo á Camará que recebi uma representação da Associação 'Commercial do Porto, acerca do projecto de lei relativo á navegação para o Brasil.
Foi-me pedida a publicação d'este documento no Diário do Governo, e vou, portanto, consultar a Camará sobre se auctoriza essa publicação.
Consultada a Camará, resolveu affirmativamente.
O Sr. Ressano Qaroia:—Sr. Presidente: bem num deve ser a causa sustentada hontem n'esta Camará pelo Sr. Presidente do Conselho (Apoiados), porque, sendo S. Ex.a um antigo e experimentado parlamentar, um orador eminente entre os mais eminentes (Apoiados), com faculdades excepcionaes de argumentador, devidamente apreciadas e justamente temidas por todos nós (Apoiados}, não conseguiu, ao cabo de" tantos dias, descobrir senão o velho e estafado argumento dos «precedentes» para oppor, como razão suprema, á accusaçSo que lhe fora feita pelo meu amigo e illustre Deputado, Sr. Rodrigues Nogueira, em termos enérgicos, violentos, violentíssimos até, mas bem merecidos e justificados! (Apoiados).
Os precedentes são a única defesa d'este Ministério (Apoiados), que reduz, por assim dizer, a arte nobre da governação ao triste mister de colleccionar e catalogar os factos consummados, por mais ruins que sejam ou pareçam, para responder com elles aos seus adversários. (Apoia-ios).
Pergunto eu, Sr. Presidente, se algum juiz houve já |ue absolvesse um réu só por este allegar, em sua defesa, iue, antes d'elle, muitos outros criminosos tinha havido? Oreio que não.
Assim, nós também não podemos absolver um Ministe-"io quando elle defende apenas os seus actos com os fa-;tos passados, expostos aqui com mais ou menos paixão. Se accusamos este Governo de haver abusado do poder noderador, 'aconselhando-lhe uma amnistia aârontosa — "esponde-nos logo que, já antes d'esta, outras amnistias inham sido concedidas.
Se o accusamos de querer contrahir novos empréstimos, me vão sobrecarregar o Orçamento do Estado com mais '.000:000^000 a 1.200:0000000 réis, de despesas per-aanentes — logo obtempera que, antes d'estes empresti-nos, muitos outros foram projectados ou realizados.
Se o accusamos de pretender loucamente lançar mais '.000:000)$000 réis de impostos, que o paiz não pode, não leve e não quer pagar, nem pagará — replica-nos logo que, ntes d'estes, muitos outros tributos teem sido votados, orno se o contribuinte o não soubesse e o não sentisse, •or infelicidade d'elle.
Se o accusamos de trazer inconscientemente á Gamara m projecto de revisão das pautas que tende a aggravar s direitos aduaneiros, encarecendo a alimentação publica,
difficultando as industrias que vivem das matérias primas estrangeiras, estiolando o commercio e arruinando o consumidor— logo diz que o Sr. José Dias Ferreira também em tempo trouxe aqui um projecto de pauta que era exa-geradamente proteccionista.
E se accusamos, finalmente, o Governo de ter praticado mais um acto de revoltante favoritismo, prorogando por duas vezes, em 1901 e em 1903, a concessão do Theaíro de S. Carlos — observa immediatamente que já antes houve um ou outro Governo que fez igual beneficio a este ou áquelle empresário.
Que triste situação a de um Gabinete que para responder ás criticas acerbas, ás arguições vehementes que lhe eão dirigidas, por parte da opposição, não encontra na in-telligencia, aliás esclarecida, dos seus membros outro recurso que não seja a invocação systematica dos actos praticados, das propostas apresentadas e mesmo das ideias expostas pelos seus antecessores; isto precisamente quando os Ministros, que hoje se sentam n'aquelles logares, foram os que mais -violentamente se insurgiram contra esses actos, contra essas propostas, contra essas ideias, animados sempre, diziam elles, do mais puro, do mais santo e do mais nobre patriotismo!. ..
E é assim, Sr. Presidente, ó com eatas contradicçSes grosseiras entre o passado e o presente, que o Sr. Presidente do Conselho entende que ainda pode insuflar alguma vida n'esse Governo, que está morto, perante a opinião do paiz, a qual se manifesta contra elle por toda a parte, n'uma unanimidade de sentimentos, n'uma conformidade de ^protestos, desusadas em Portugal até o dia de hoje!
E assim, é com estes artifícios mesquinhos, que o Sr. Presidente do Conselho entende que pode ainda levantar o prestigio do Governo, abatido e arrastado perante as Bolsas estrangeiras, onde a imprevidência dos Srs. Ministros tem levado o nome portuguez a ser menos airosa e dignamente tratado. (Apoiados}.
Mas, Sr. Presidente, para que os precedentes pudessem ter um vislumbre, uma vaga apparencia de argumentos, seria necessário começar por demonstrar que as circurns-tancias em que se produziram os actos, as propostas e as ideias invocadas, são exactamente as mesmas que se dão agora, quando se pretende justificar o presente com a mera citação do passado.
Não basta apontar as analogias entre dois factos concretos: é mister também saber destrinçar as differenças que os distinguem, porque estas são tão essenoiaes como aquellas para ee conhecer, com inteira verdade, a complexidade do objecto que ee estuda.
Não basta citar exemplos l (Apoiados}.
Já os antigos diziam: Exempla illustrant sed nimie pro-bant.
Não l Um acto é bom ou mau, correcto ou irregular, legal ou arbitrário, pelo que em si se contém, e não pelo que valem ou podem valer quaesquer actos anteriores l
Ora a prorogação da concessão de S. Carlos, feita sem concurso, á porta fechada, ó para nós, opposição, um acto altamente irregular e incorrecto, ura acto de revoltante favoritismo. (Apoiados).
Para o Governo e para a maioria, que o applaude e acompanha, é, ao contrario, um feito verdadeiramente evangélico.
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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS
Mas a verdade & uma só, quer na latitude onde estan-ceia a opposição, quer nas regiões onde demora o Governo e a maioria.
E ó essa verdade que eu vou procurar deduzir d'este debate com toda a clareza possível.
Comecemos pela questão da legalidade.
O illustre Deputado Sr. Rodrigues Nogueira argumentou com o decreto de 4 de outubro de 1860 para demonstrar que o Sr. Presidente do Conselho não podia fazer as prorogações que fez, do contrato de S. Carlos, senão por concurso publico.
Effectivamente o artigo 1.° § 4.° d'esse decreto diz:
«Os theatros subsidiados de S. Carlos... serão postos a concurso, com as formalidades precisas, para que os subsídios sejam concedidos a quem oflerecer mais seguras garantias».
A isto objectou o Sr. Presidente do Conselho: que o referido decreto de 1860 já não é applicavel ao Theatro de S. Carlos, porque este deixou de ser subvencionado, desde 1892.
Isto não é exacto, porque o Estado ainda então ficou pagando um subsidio correspondente, pelo menos, á renda annual que deixa de receber pelo edifício do theatro e que pode, certamente, computar-se no mínimo de 12:000 Tudo se passa commercialmente como se o Governo recebesse essa renda com uma das mãos e pagasse com a outra um subsidio equivalente. Ato 1892 o subsidio concedido pelo Esfádo ao Theatro de S. Carlos compunha-se de duas partes: a que se entregava em dinheiro e que orçava, em regra, por réis 25:000^000, e a que se pagava sob a forma de renda que deixava de receber-se, e que pode computar-se, repito, em 12:000)5000 réis. E então o concurso publico era, por lei, obrigatório. De 1892 a 1902 supprimiu-se a primeira parte do subsidio, o qual ficou assim reduzido aos 12:000^000 róis da renda. Foi o Sr. José Dias Ferreira quem praticou este acto benemérito. Ainda então a concessão continuou a ser feita por c De 1902 para cá soffreu esse subsidio uma nova diminuição de 3:000£000 réis, que tal é a importância da renda paga effectivamente pelo actual empresário. Mas então só porque o subsidio baixou de 37:000$000 réis a 12:000^000 réis e mais tarde a 9:000^000 réis, ficou, ipso facto, prejudicado o principio salutar da lei que manda, como condição imprescindível, preferir, em concurso publico, o licitante que ofFereça mais seguras garantias? (Apoiados}. Não, Sr. Presidente, o preceito do concurso não está revogado, como pretende arbitrariamente- o Sr. Hintze Ribeiro, só porque o subsidio ó agora menor que antes. Assim o entenderam dois eminentissimos jurisconsultos, os Srs. José Dias Ferreira e José Luciano de Castro, que, já depois de supprimido o subsidio a dinheiro e reduzido á renda, mandaram, um em 1892 e o outro em 1897, abrir concurso para a adjudicação do Theatro de S. Carlos, precisamente por virtude do decreto de 1860. (Apoiados). Mas o Sr. Presidente do Conselho, que tanto invoca os precedentes, deixou no escuro estes dois, que se realizaram em condições análogas ás actuaes, e foi buscar a 1870 a concessão feita a uma empresa, sem concurso, esquecendo-se de nos dizer que se estava então no período da dictadura dos cem dias, durante o qual não havia lei, mas dominava a vontade despótica de Saldanha. E foi necessário recorrer a esse período ominoso da nossa historia, que muito conviria esquecer, em homenagem aos princípios liberaes que nos regem, para que o Sr. Presidente do Conselho encontrasse um exemplo com que abonar os seus actos. (Apoiados).
O que é, porém, mais curioso ó que o Sr. Hintze Ribeiro sustenta que podia legalmente celebrar os contratos de 1901 e 1903, prorogando a concessão do Theatro de S. Carlos, sem concurso, porque o decreto de 4 de outubro de 1860 lhes nSo é applicavel, e todavia pega-se em qualquer d'esses contratos e vê-se que, segundo a condição 21.a, a empresa fica expressamente sujeita a todas as disposições do referido decreto.
Assim são os próprios contratos, feitos em detrimento do decreto de 1860, que mandam manter em vigor as disposições d'esse decreto. (Apoiados).
Como se isto não bastasse, o Sr. Presidente do Conselho invocou ainda, para se justificar, outro precedente: o da concessão do Theatro de D. Maria, feita em 1898, sem concurso e por tempo illímitado, a uma sociedade de artistas; e, voltando-se para nós, perguntou-nos porque é que nos insurgimos agora contra a prorogação, sem concurso, do Theatro de S. Carlos, se o partido progressista deu, nas mesmas condições, a concessão do Theatro de D. Maria, ao qual são por igual applicaveis as disposições do decreto de J 860?
E acrescentava S. Ex.a, conforme consta do Summario da sessão de hontem: «Effeetivãmente o regulamento de 1860 preceituava que os theatros subsidiados de S. Carlos e de D. Maria, em Lisboa, e o de S. João, no Porto, fossem adjudicados, por concursos. E então, clamava triumphante, ó attentatoria da lei a prorogação de S. Carlos e não o é a concessão de D. Maria?
Que infeliz foi o Sr. Hintze Ribeiro ao invocar tal precedente ! (Apoiados).
O Sr. Presidente do Conselho citou de falso o decreto de 1860 (Apoiados), que nato manda adjudicar em concurso publico o Theatro de D. Maria, mas sim o de S. Carlos. (Apoiados). Com effeito o artigo 1.°, § 4.° d'esse decreto, que eu já tive occasião de ler á Gamara, diz expressamente:
«Os theatros subsidiados de S. Carlos em Lisboa, e S. João na cidade do Porto, serão postos a concurso, com as formalidades precisas.. . ».
Não se fala ahi do Theatro de D. Maria. (Apoiados).
Como ó então que o Sr. Presidente do Conselho vem declarar perante a Camará que o Theatro de D. Maria estava, como o de S. Carlos, sujeito ás mesmas disposições do decreto de 1860, quanto ao concurso obrigatório para a sua concessão? (Apoiados). Qual é o artigo em que tal se diz?
Aqui tem V. Ex.a, Sr. Presidente, o que valem estes exemplos que se lançam sem escrúpulo na discussão para causar uma certa impressão de momento, mas que não resistem á mais ligeira analyse. (Apoiados).
O Sr. Francisco José Machado:—Isto é phantas-tico! Cada vez mais bonito!
A honra do poder chegou a isto: citar documentos falsos !...
O Orador: — A breve trecho, o Sr. Presidente do Conselho abandonava o regulamento da administração dos theatros de 1860 e lançava as suas vistas sobre o artigo 38." da lei de contabilidade publica, reproduzido textualmente no artigo 71." do regulamento respectivo, o qual se exprime assim:
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SESSÃO N.° 24 DE 9 DE FEVEREffiO DE 1904
E, observava S. Ex.a, é verdade que nos arrendamentos do Theatro de S. Carlos, feitos pelo Governo, a renda ó superior a 500^000 réis, mas como o prazo não excede a três annos os contratos respectivos não estão sujeitos a essa disposição da lei.
Sr. Presidente, eu li, tornei a ler o citado artigo 71." do regulamento geral da contabilidade publica e perguntei a mim próprio com que fim o invocou o Sr. Hintze Ribeiro.
Ainda quando tal artigo fosse applicavel aos arrendamento da natureza d'aquelles de que se trata, onde é que elle isenta o Sr. Presidente do Conselho de abrir concurso para a prorogaçâo do contrato do Theatro de S. Carlos? Pois dizer que essa prorogaçâo não tinha de vir ao Parlamento significa, porventura, que ella pudesse ser concedida á porta fechada? O que tem uma cousa com a outra? (Apoiados).
Mas o Sr. Hintze Ribeiro, permitia, S. Ex.a que lh'o diga quem não é jurisconsulto, estava hontem muito infeliz. (Muitos apoiados).
Etfectivamente basta attentar na contextura do artigo 71.° do regulamento da contabilidade para se comprehen-der desde logo que elle não é applicavel ao caso em questão (Apoiados), porque se refere tão somente aos contratos de arrendamento em que o Estado ó arrendatário e não áquelles em que figura como senhorio. (Apoiados).
Quando o Governo quer arrendar, por exemplo, uma propriedade rústica para ahi installar, supponhamos, uma quinta regional, não pode evidentemente mandar abrir concurso para tal effeito, porque o proprietário se não prestaria a isso, e, portanto, trata directamente com este: então se a renda ajustada excede uma certa somma — réis 500$000 — e a duração do arrendamento excede um certo período — trea annos - - tem o contrato de vir ao Parlamento para que este exerça a necessária fiscalização sobre o acto praticado pelo poder executivo.
Se o artigo 71.° fosse applicavel, como quer o Sr. Presidente do Conselho, ao caso em que o Estado, proprieta-tario, arrenda de sua mão uma propriedade qualquer, então não era o máximo da renda e do prazo que elle devia fixar, mas sim o mínimo. (Apoiados).
Imagine-se, por exemplo, que amanhã um Governo qualquer, escrupuloso na administração dos dinheiros da cação, arrenda em concurso publico uma propriedade do Estado, que pode ser o próprio Theatro de S. Carlos, por 20:000^000 réis annuaés, durante quatro annos. Conforme a jurisprudência do Sr. Hintze Ribeiro, esse contrato tinha de ser submettido á sancção legislativa, porque a renda excedia a 500$000 réis e o prazo ia alem de três annos. Mas supponhamos que, terminado o período d'essa primeira concessão, um outro Governo, que poderia bem ser regenerador, arrendava á porta fechada o referido theatro, não por 20:000^000 réis, mas por 203000 réis, não por quatro, mas por quarenta annos: então este segundo contrato não tinha que vir ao Parlamento porque a renda não excedia a 500:>ÒOO réis.
De sorte que, segundo a aingularissima theoria jurídica inventada pelo Sr. Presidente do Conselho, o Parlamento seria chamado a fiscalizar, não a diminuição, mas o aug-mento de receita, não a escassez injustificada da renda, mas o seu excesso conquistado n'um concurso publico! (Muitos apoiados). Se o contrato fosse bom, por trazer maior rendimento para o Estado, teria de ser apreciado pelas Oòrtes; mas se fosse mau tal formalidade tornar-sc-ia iuutil! f Apoiado n).
Mas, Sr. Presidente, ha um argumento fulminante que destroe por completo a phantasia jurídica apresentada pelo Sr. Hintze Ribeiro. O titulo n do regulamento geral da contabilidade publica dividc-ae em diversos capítulos. Ora o artigo 71.° está inscripto no capitulo 3.°, que se denomina Da fixação e classificação das despesas, e não no 2.°, que tem a epigraphe Da auctorização das receitai. Logo é
evidente que os arrendamentos de que trata osse artigo representam despesa e não receita, e que, portanto, se referem ao caso em que o Estado é arrendatário e não senhorio. (Muitos apoiados).
Temos depois o terceiro marco milliario da argumentação jurídica do Sr. Presidente do Conselho. S. Ex." deixou o decreto de 1860 relativo á administração dos thea-tros, deixou o regulamento geral da contabilidade publica e invocou em seu auxilio o decreto de 15 de dezembro de 1894, publicado em dictadura por um Governo a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro.
O que diz, porém, esse decreto no seu artigo 2.°, que foi precisamente o que S. Ex.a citou?
Diz o seguinte:
«Artigo 2.° Nenhum contrato de compra c venda, de fornecimento de uiateriaes ou géneros, de empreitada de obras, ou de arrendamento de propriedades, poderá ser celebrado senão nos termos expressos dos artigos 66.° e 71." do regulamento geral da contabilidade publica de 31 de agosto de 1881».
Ora, basta ver que este artigo suscita apenas a rigorosa observância das disposições dos artigos 66.° e 71.° do regulamento da contabilidade para se reconhecer immedia-mente que não tem applicação alguma ao caso que estamos discutindo. (Apoiados).
Effectivamente, o artigo 71.° refere-se, como já o demonstrei, a despesas e não a receitas, e trata, portanto, de arrendamentos em que o Estado é arrendatário e não senhorio. O mesmo acontece ao artigo 66.°, que se occupa de fornecimentos de materiaes ou géneros, e de empreitadas de obras publicas, e que nada tem, pois, de commum com o arrendamento dos theatros nacionaes. (Apoiados).
O próprio Sr. Hintze Ribeiro escreveu no relatório que precede esse decreto de 1894:
«É preciso que o paiz conheça, a breve trecho, como o Governo usa das auctorizaçSes para o pagamento das despesas publicas, os termos em que as ordena, e como as ordena, e se as prescripçSes legaes são regularmente cumpridas em assumpto que tanto interessa ao Thesouro».
Se se trata, pois, de um decreto destinado a regular as despesas publicas, como o invoca S. Ex,a para justificar a prorogaçâo, sem concurso, do arrendamento de uma propriedade do Estado? (Muitos apoiados).
Mas, ainda quando se admittisse que o referido artigo 2.° do decreto de 1894 era applicavel ao caso em discussão, o que aliás não pode ser, ainda assim S. Ex.a tinha praticado uma illegalidade. (Muitos apoiados).
O Sr. Francisco José Machado: — É um eauan-dalo!
O Orador: — Effectivamente o Sr. Presidente do Conselho soccorreu-se do § 1." do mencionado artigo 2.° do deereto de 15 de dezembro de 1894, o qual diz textualmente :
«§ 1.° Os prazos de duração d'esBes contratos não poderão ir alem de três annos, conforme o artigo 71." do mesmo regulamento.
É prohibida e considerada como não oscripta a clausula de prorogaçâo de qualquer contrato alem do prazo acima mencionado, tíendo conveniente a prorogaçâo, fàr-se-ha novo contrato sujeito a todas as formalidades exigidas para o primitivo».
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DIÁRIO DA GAMARA DÓS SENHORES DEPUTADOS
a questão da legalidade. Ora, sob este ponto de vista, a defesa de S. Ex.a cae inteiramente por terra. (Apoiados).
A lei auctoriza uma só prorogação e não duas; mas, eiiifím, S. Ex.a pode ainda allegar, sophisinando o propósito salutar do legislador, que, feita uma primeira proro-gaçSo, o decreto de 1894 nem por isso deixa de subsistir e pode, portanto, ser de novo invocado para outras pro-rogações subsequentes. O que é certo, porém, ó que n'esse decreto se trata de prorogação de um contrato, e o que S. Ex.a fez foi um contrato novo! (Muitos apoiados}.
Eu vou dizer á Gamara porque affirmo isto categoricamente.
O contrato de 1897, precedido de concurso publico, concedeu a exploração do Theatro de S. Carlos á firma José Pacini em commandita, isto é, a uma sociedade com-mercial, a qual, segundo o artigo 108.° do Código Com-mercial, representava para com terceiros — e no caso sujeito para com o Governo — uma individualidade juridica completamente distincta da dos seus associados. Ora o contrato de 1901 não é feito com a firma Josó Pacini em commandita, mas com o commerciante José Pacini. Logo é um contrato novo, porque o outorgante é outro e muito differente do primeiro.
Como pode, pois, sustentar-se que se fez uma simples prorogaçâo do contrato, quando de facto se celebrou um contrato novo? (Apoiados).
Mas ha ainda maií e melhor. A concessão de 1901, assim como a de 1903, foi feita a Josó Pacini ou á firma que o representar.
Resulta d'ahi que o Sr. José Pacini pode amanha transferir essa concessão para quem quizer, desapparecendo assim não só a primitiva sociedade em commandita, mas até o único sócio que d'ella restava. . E vem o Sr. Presidente do Conselho^ dizer-nos que fez apenas uma prorogação de contrato?! É, repito, um contrato novo. (Muitos apoiados),
Assim, em, nenhuma das leis, mais ou menos impropriamente citadas por S. Ex.a, se encontra a menor justificação das concessões que fez abusivamente em 1901 e 1903.
A isso objectará ainda S. Ex.a que, se não ha lei que auctorizasse taes actos, também não ha lei que os pro-
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hiba.
Mas, Sr. Presidente, se os cidadãos podem fazer tudo quanto as leis não prohibem, os Governos só podem praticar os actos auctorizados por lei.
O Governo é uma simples delegação do paiz: não pode, portanto, ir alem do seu mandato, que ó a lei; da mesma forma que o procurador não pode ultrapassar a procuração do seu constituinte.
Diga-nos, pois, precisamente, o Sr. Presidente do Conselho qual foi a lei em que se fundou para fazer as concessões que fez, á porta fechada, em 1901 e 1903. (Muitos apoiados}.
Como quer que seja, as boas normas de administração publica e os princípios salutares de moralidade política obrigavam S. Ex.a a abrir concurso para taes concessões, ainda quando lei alguma o prescrevesse, seguindo assim os honrados exemplos que lhe haviam legado os dois dis-tinctissimos jurisconsultos Srs. José Dias Ferreira e José Luciano de Castro. (Muitos apoiados).
Passemos agora á questão da conveniência.
Em 1901 o Governo recebeu, quasi ao mesmo tempo, três requerimentos relativos ao Theatro de S. Carlos: um do antigo empresário, Sr. Josó Pacini, pedindo a prorogaçSo do seu contrato por mais três annos — de 1902 a 1905 — mediante certas condições ; os outros dois dos Srs. Garrido e Cilia, pedindo ao Governo que, em conformidade da lei, abrisse desde logo concurso para a exploração do referido theatrò, concurso em que pretendiam tomar parte.
Já chegámos aos tompos em quo s3o os cidadãos inte-
ressados que teem de requerer ao Governo o cumprimento das leis. (Apoiados).
Na sua proposta o Sr. Cilia indicava varias condições para servirem de base ao concurso, declarando, ao mesmo tempo, que acceitaria todas aquellas que constavam do. contrato de 1897.
Vou comparar as condições novas, apresentadas pelo Sr. Cilia. com as que mencionava o Sr. Pacini na sua proposta.
O Sr. Cilia offerecia, como base do concurso, note bem a Camará, e não como proposta definitiva, 5:000^000 róis de renda annual, ao passo que o Sr. Pacini offerecia somente 3:000^000 róis.
O Sr. Cilia conápromettia-se a elevar o numero de professores da orchestra de 60 a 72 j o Sr. Pacini não ia alem de 70.
O Sr. Cilia propunha augmentar o numero de bailarinas de 16 a 24; o Sr. Pacini não queria mais bailarinas. (Risos).
O Sr. Cilia pretendia realizar concertos clássicos, para o que a orchestra seria completada com os instrumentistas necessários, e destinava o producto de um d'esses concertos á Assistência Nacional aos Tuberculosos; o Sr. Pacini não se occupava nem dos concertos clássicos, nem dos tuberculosos.
Q Sr. Cilia propunha reservar legares na galeria aos discípulos do Conservatório; o Sr. Pacini não curava do ensino da arte em Portugal.
De modo que, como V. Ex.a e a Gamara vêem, todas as condições oíferecidas pelo Sr. Cilia eram mais favoráveis que as do Sr. Pacini; este ultimo só propunha uma única vantagem, a que se não referia o primeiro — a de melhorar a installaçao da luz eléctrica.
E tanto bastou para que o Sr. Hintze Ribeiro saltasse por cima da lei e, desprezando outra proposta mais vantajosa que havia recebido, fizesse a prorogação, á porta fechada, ao primitivo concessionário.
Tudo por causa e só por causa da luz eléctrica. E que, se o século das luzes findara, alvorecia então o século da electricidade, e o Sr. Presidente do Conselho qniz prestar a devida homenagem a essa força que ha de revolucionar o mundo.
E então foi ao contrato de 1901 e escreveu na condição 14 a:
aFica mais obrigada a empresa.. . a melhorar á sua custa a installação da luz eléctrica por forma que os espectáculos possam ser apresentados com a devida propriedade, e sujeita esta installação igualmente á inspecção fiscal do Governo».
É verdade que o Sr. Hintze Ribeiro diz que a empresa ficou também obrigada a dar em cada época duas operas novas e que a propriedade do scenario e do vestuário d'essas duas operas devia reverter para o Estado. Mas é a serio que S. Ex.a vem dizer isto ao Parlamento? Pois eu vou demonstrar que, onde o Sr. Presidente do Conselho assignala um sacrificioa para o concessionário, não ha senão mais um beneficio com que S. Ex." o presenteou. (Apoiados).
Effectivameute o encargo das duas operas novas já vinha no contrato de 1897 (Apoiados), cujas clausulas eram integralmente acceitas pelo Sr. Cilia. Mas, pela condição 15.a d'esse contrato, o concessionário era obrigado a ceder a favor do Estado todo o material de scenario e guarda-roupa que adquirisse durante o tempo da sua empresa, ao passo que, segundo a condição 9.a do contrato de 1901, só ficou obrigado a entregar ao Estado o scenario e vestuário das duas operas novas.
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maior do que se suppõe se, como affirmou o illustre Deputado Sr. Rodrigues Nogueira, o empresário, em vez de adquirir o scenario para as duas operas novas, o aluga simplesmente em Itália, consentindo o Governo que seja admittido temporariamente pelas alfândegas, livre de direitos, para ser reexportado mais tarde, isto é, logo depois de haver servido.
A que ficou, pois, reduzida a tal obrigação de entregar ao Estado o seenario das duas operas novas, logo depois de terminada a época? (apoiados). Onde estão os réis 5:000$i KX) em que a Direcção Geral ,da Instrucção,, Publica computava a despesa exigida pela montagem de cada uma d'essas operas novas? (Apoiados).
Mas ha mais, Sr. Presidente: na condição ll.a do contrato de 1897 preceituava-se que se devia conservar aos assignantes das recitas ordinárias, não só a preferencia dos seus Jogares, mas também os preços em vigor n'aquella época, quer na plateia, quer nos camarotes; ao passo que no contrato de 1901, como aliás no de 1903, nada se prescreve com respeito a preços, de modo que o concessionário ficou com o direito de os elevar aos assignantes, pelo menos até o limite fixado para a venda avulso. (Apoiados).
Também o Sr. Presidente do Conselho afiirmou que o concessionário preferido tinha cumprido fielmente as condições do seu contrato anterior.
Eu não o contesto, nem o confirmo, porque só digo aquillo de que tenho conhecimento exacto; mas espalham as más línguas que o concessionário nunca pintou de novo o tecto da sala de espectáculos, como lh'o impunha a con dição 14." do contrato de 1897. (Apoiados).
Quer V. Ex.a ouvir uma opinião auctorizada sobre o modo como elle cumpria o seu contrato? Pois eu.vou ler o que o Sr. Teixeira de Sousa dizia em 1898 aqui, perante esta Camará, de que S. Ex." ainda então era ornamento. São suas as seguintes palavras: aque se proteja o empresário do Theatro de S. Carlos quando sé trata da adjudicação, vá...» — veja-se o soberano desprezo coro que S. Ex.a tratava este acto do Governo de que eu fiz parte — uma adjudicação precedida de concurso publico ! — aque se proteja quando elle dá ao seu contrato uma execução que a todos se afigura irregular. ..».
Aqui está a resposta do Sr. Teixeira de Sousa ao Sr. Presidente do Conselho (Muitos apoiados). O concessionário cumpria o seu contrato por forma que a todos se afigurava irregular... menos ao Sr. Hintze Ribeiro.
NSo discuto, porém, este ponto, porque não quero menoscabar um empresário que explora a sua industria conforme pode e lh'o consentem: é ao Governo e só ao Governo que tenho de tomar contas.
Ora, ainda quando o antigo concessionário houvesse cumprido religiosamente todas as condições do contrato de 1897, as razões de moralidade política e as regras de boa administração obrigavam o Sr. Presidente do Conselho a abrir concurso n'essa occasião, desde que, alem da proposta por elle apresentada, havia, pelo meãos, uma outra que era incontestavelmente mais vantajosa para o Estado. (Apoiados).
Examinemos agora a prorogação de 1903. Viu a Camará que no contrato de 1901 se impunha ao concessionário a obrigação de melhorar a installação da lua eléctrica: foi esta — pode assim dizer se—a causa determinante do referido contrato, porque nenhum outro beneficio, alem d'esse, apresentava á proposta do Sr. Pacirii em compensação das outras numerosas vantagens pffereci-das pelo Sr. Cilia.
Parecia, portanto, natural que o empresário se desse pressa em cumprir essa clausula e que o Governo velasse cuidadosamente pela sua execução. (Apoiados).
Apesar d'isso, dois annos e meio depois de assignado o contrato de 1901, isto é, em dezembro de 1903, fazia o Governo novo contrato com o mesmo empresário e n'elle
inscrevia outra vez a clausula de melhorar á sua custa a installaçào da luz eléctrica.
Mas que installação ó esta que anda sempre a melhorar-se, ficando sempre na mesma? (Apoiados).
De duas uma: ou o concessionário, em execução do contrato de 1901, a melhorou, ou não. Se a melhorou, para que se incluiu novamente essa obrigação no contrato de 1903? tíe não a melhorou, como é que o Sr. Presidente do Conselho vem dizer que elle cumprira fielmente as condições dos seus contratos anteriores? (Apoiados).
Para o contrato de 1903 já não foi a determinante a luz eléctrica, que, ao que parece,' havia afrouxado; agora outro mais alto poder se alevantá.
É á viagem a Lisboa de Sua Majestade Catholica.
Eu não discuto n'este momento se, para solemnizar a visita á nossa capital do joven monarcha hespanhol, não poderíamos offerecer-lhe melhor e mais digno espectáculo do que uma opera lyriea estrangeira, cantada por artistas estrangeiros e acompanhada por uma orchesta também estrangeira! Isto, na minha opinião, foi'uma affronta á arte e litteratura nacional. (Apoiados).
Bem mais patriótico teria sido organizar uma recito de gala no bello Tbeatro de S. Carlos, com as obras primas, ou os melhores retalhos da nossa íitteratura, com o concurso dos nossos melhores actores, que os temos de primeira ordem, e com o auxilio da Real Associação dos Amadores de Musica; n'uma palavra, uma recita eminentemente nacional, que ao illustre monarcha patenteasse o estado em que no nosso paiz se encontra a arte dramática e musical. Em vez d'isso recorreu-se á duvidosa exhibi- • cão de uma opera lyrica de Giordano, a Ftdora, posta em scena e desempenhada, certamente, com menos brilho e luzimento do que aquelles com que Affonso XIII a terá ouvido na capital do seu reino.
Só ás illuminações publicas é que o Sr. Presidente do Conselho entendeu que devia imprimir um cunho genuinamente nacional e mandou então vir do norte um governador civil para illuminar a Avenida da Liberdade, á moda do Minho, isto com grande affronta do festeiro-mór d'esta cidade e seus arredores, que eu não sei se está presente. (Risos).
Mas, Sr. Presidente, voltemos á questão.
Entendia o Governo preferível proporcionar ao nouso régio hospede uma opera lyrica em recita de gala?! Pois seja assim.
Mas então acceitasse, como lhe cumpria, o offerecimento do próprio concessionário de S. Carlos que, no seu requerimento de fins de novembro de 1903, declara peremptoriamente haver-se promptificado a dar aquella recita á sua custa,-isto é, sem outro subsidio que não fosse o da natural receita do theatro, que bem podia ser augmentada n'essa noite, pela elevação do preço dos logares — tão procurados elles foram!
Ou, se desconfiava da isenção com que tal oôerecimpnto lhe era feito, ouvisse outros empresários, já conhecidos do publico de Lisboa, que se propunham organizar a referida recita sem encargo algum para o Thesouro.
Tenho presente um dos jornaes mais sérios da capital, A Época, que no seu numero de 4 de novembro fazia a revelação seguinte:
a Sem nenhum espirito de reclamo para o Sr. Freitas Brito, alguém nos auctoriza também a declarar que este senhor está prompto a realizar o espectáculo de gala, com uma companhia lyrica em nada inferior ás que o Sr. Pa-cini costuma e pode organizar, sem mais proventos, nem subsídios que não sejam os da receita natiiral do theatro, sujeitando-si.' ainda á censura e fiscalização do Governo».
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sem encargo algum para o Thesouro, a trazer a Lisboa, para a recita de gala, a companhia que havia organizado e que, como se tem demonstrado, em nada é, effectiva-mente, inferior á do Sr. Pacini. Não era, pois, natural que o Governo o tivesse ouvido? (Apoiados).
Tanto o contrato d.e 1897, como o de 1901, preceituavam que cada uma das épocas annuaes poderia começar desde o dia 15 de novembro até o 1.° de janeiro. Logo o Governo tinha direito de obrigar o concessionário de S. Carlos a inaugurar este anno a época em 13 de dezembro, como realmente a inaugurou, sem nenhuma remuneração ou compensação especial; e, no caso de elle se recusar a fazel-o, sob qualquer pretexto, devia lançar mão do empresário do Theatro de S. João, que estava prompto a or-ganiaar a recita de gala, sem encargo algum para o The-aouro. (Apoiados). Mas, em vez d'isso, o >Sr. Presidente do Conselho, postergando os interesses do Estado, preferiu presentear o concessionário de S. Carlos com a renovação do seu contrato por mais três annos, feita illegal-mente, sem concurso publico e em detrimento das boas normas da administração.
Sr. Presidente, ha ainda outro ponto a que desejo referir-me.
O Sr. Hintze Ribeiro no relatório d'aquelle celebre decreto referente ao Conservatório diz que um paiz musical é um paiz convenientemente preparado para acceitar as lições do progresso, para saber sentir e saber vibrar. E, juntando os actos és palavras, pretendeu S. Ex.a organizar o nosso theatro lyrico, lançando para esse etfeito os delineamentos geraes de uma empresa, que não chegou sequer a constituir-se.
Ora se o Sr. Presidente do Conselho ae revelou assim um verdadeiro melomano, porque não introduziu nos contratos de 1901 e 1903, embora illegaes, alguma disposição que favorecesse a arte nacional ? (Apoiados).
O Sr. Presidente: — Lembro a V. Ex.a que faltam cinco minutoB para se entrar na ordem do dia.
O Orador: — Agradeço a advertência de V. Ex.a Eu sei perfeitamente que n5o se improvisa a opera nacional; para que ella nasça é indispensável preparar-lhe e predispor-lhe o meio adequado. (Apoiados).
Não basta para isso a melodia, que ó característica, dos nossos cantos populares.
N'outros paizes, como a Scandinavia, a Rússia, a Hungria, também existe grande variedade de bellas canções populares e, todavia, nunca ahi se formaram verdadeiras escolas de musica lyrica.
A Hespanha, com os seus formosos e suggestivos cantos, n2o passou nunca da zarzuela, e foi um compositor francez, Bizet, que escreveu a primeira e única opera caracteristicamente hespanhola — a Carmen.
Ao contrario, nas três nações onde ha escolas formadas e tradicionaes de opera lyrica, isto é, aã França, na Itália e na Allemanha, a musica popular é medíocre.
Assim uma cousa não importa a outra.
Para preparar o meio onde possa vir a desenvolver-se e formar-se uma escola de opera nacional seria necessário, como primeiro passo, organizar devidamente o nosso conservatório c promover, ao mesmo tempo, a formação de nina boa orcheatra com os elementos tradicionaes que ainda temos entre nós o que são de primeira ordem.
A Associação 24 de Junho, que, por muito tempo, tocou em S. Carlos, chegando a ter quasi 100 músicos, dissolveu-se, por assim dizer, ou disseminou-se, porque foi excluída systematicamente d'esse theatro, onde poucos instrumentistas portuguezes são admittidos.
Ora, nos contratos que estou discutindo, alguma disposição poderia ter-se introduzido com o fim precisamente de modificar este estado de cousas, que muito prejudica a arte nacional. (Apoiados).
Observarei por fim que, apesar da deficiência do nosso meio artístico e da nossa educação tradicional, temos tido compositores de real merecimento, cujas operas chegaram a ser cantadas em theatros nacionaes e estrangeiros, com applauso e até por vezes enthusiasmo publico. (Apoiado»).
Para não falar senão dos modernos, temos de entre os mortos Miguel Angelo, que escreveu o Enrico, levado á scena em S. Cnrlos; o Visconde de Arneiro, que compoz o Elixir dejeunesse e a Derelitta, deixando incompleto o Bobo, tirado do romance de Alexandre Herculano; e Francisco de Noronha, a quem se deve o Arco de Sant'Anna e Tagir, cantados no Porto.
De entre os vivos, Augusto Machado com a Laurearia, cantada em Lisboa; Alfredo Keil com a Irene, cantada em Turim c em Lisboa, a D. Hranca, no Kio de Janeiro e Lisboa, e a Serrana, em Lisboa; e Oscar da Silva com D. Meda, cantada no Coliseu.
Não haveria alguma cousa a fazer para proteger a arte nacional, obrigando o empresário de S. Carlos a pôr em scena estas ou outras operas dos nossos maestros? (Apoiados).
Sr. Presidente: eu não quero cansar por mais tempo a attenção da Camará, e agradeço-lhe a deferência que teve para commigo.
Creio ter demonstrado que as prorogações do contrato do Theatro de S. Carlos, feitas em 1901 e 1903, foram illegaes, prejudiciaes para o Thesouro e inconvenientes sob o ponto de vista da arte nacional (Apoiados), representando apenas mais um acto de revoltante favoritismo praticado pelo actual Governo. (Vozes: — Muito bem).
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar á ordem do dia; mas, como o Sr. Presidente do Conselho tenha pedido a palavra, vou consultar a Camará sobre se permitte que S. Ex.a fale.
Consultada a Camará, resolveu ajjvrmativamvnte.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro):—Sr. Presidente: eu não tive n'este assumpto outros argumentos com que respondesse a quem me arguiu, senão os precedentes! Assim o affirmou hoje o illustre Deputado Sr. Ressano Garcia. No entanto, a Camará inteira me ouviu hontem responder, ponto por ponto, á argumentação do Sr. Rodrigues Nogueira (Muitos apoiadoii) e a Camará inteira viu que eu puz de parte toda e qualquer preoccupação política para cuidar apenas em me restringir ao assumpto sobre que era chamado a terçar armas com o i Ilustre Deputado que me accusou.
Eu sou arguido, Sr. Presidente, de não me defender senSo apresentando precedentes; e quem me atacou por este motivo foi o illustre Deputado Sr. Ressano Garcia, que, sendo Ministro da Fazenda, a cada momento e em todos os assumptos, nos precedentes se refugiava para com elles justificar os seus actos. (Apoiados).
Parece, Sr. Presidente, que a illustre opposiçao chama aos precedentes um subterfúgio impróprio do Parlamento, um argumento de somenos valor e de que nenhum homem publico pode lançar mão sem desdouro para si próprio. Maa tratemos de saber o que S. Ex.as entendem por precedentes, porque a verdade é que o que a illustre opposição assim appellida— é exactamente a historia dos factos, a lição do passado, das quaes vem sempre luz para as questões que se debatem. (Muitos apoiados).
Já não é licito, sobre qualquer assumpto em que o Governo seja chamado a defender-se, lançar olle o olhar, sequer, para o passado, e, criticando os factos, desenterrar os documentos que mostram a orientação e maneira de proceder dos que, antes de nós, governaram e tiveram res-ponsabilidades?
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sabilidade qualquer; nunca, portanto, os precedentes me incommodaram.
Por que motivo, então, é que os illustres Deputados se revoltam quando eu, defendendo-me, trago a historia do passado? (Vozes:—Muito bem).
Mas, Sr. Presidente, -é o iílustre Deputado Sr. Res-sano Garcia quem me accusa por eu u'esta questão me referir a factos pretéritos; e é S. Ex.a quem affirma que eu não emprego outros argumentos senão os precedentes; é o iílustre Deputado — um dos elementos mais brilhantes e eloquentes da opposição parlamentar, um dos espíritos mais correctos, jornalista distincto (Apoiados), quem, ao iniciar o seu discurso de hoje, se soccorre, não de precedentes, mas de factos que absolutamente nada teera com o Theatro de S. Carlos, como são: a amnistia, as propostas de fazenda, os manejos da bolsa, a situação ein que o paiz se encontra, a perda do credito nacional. . .
Estranha contradição, esta de S. Ex.a! Dir-se-hia que lhe não bastava o assumpto em discussão.
Mas já que discutimos o contrato realizado com o empresário de S. Carlos, discutamol-o, sim, mas só a elle, visto que é a propósito d'elle que o iílustre Deputado entendeu dever accusar-me.
Respondendo ao illustre Deputado, não citarei precedentes, sabendo como sei a magua que isso causa aos illustres Deputados. Nem realmente preciso soccorrer me da historia dos factos passados para defender as minhas acções ; responderei, ponto por ponto, a tudo que S. Ex.a disse. Não farei a historia de hontem: responderei com os factos de hoje.
Examinemos a argumentação do illustre Deputado.
Antes de mais nada devo confessar que não conheço no Parlamento quem, como o illustre Deputado, tenha qualidades tão brilhantes de dialéctica. S. Ex.a, como parlamentar, ó sem duvida um dos adversários mais perigosos, um dos argumentadores mais violentos. Por isso, se eu conseguir responder-lhe, ponto por ponto, de modo a não ficar nenhuma duvida no espirito de S. Ex.a e no da Camará, eu tenho o direito de me felicitar. E, todavia, niío ó difficil provar á evidencia que nem a mais ligeira irregularidade foi commettida pelo Governo.
Disse o illustre Deputado, quando discutia a legalidade do contrato: o acto praticado pelo Governo, prorogando por duas vezes, e sem concurso, o contrato para a exploração do Theatro de S. Carlos, é unia offensa, ó uma violação da lei e uma offensa e uma violação do regulamento de 1860, porque .esse regulamento exige que se abra concurso, que haja adjudicação para a exploração dos thea-tros de S. Carlos, de Lisboa, e do S. João, do Porto.
Somente, eu não citei -falso, — habito que nunca tive nem preciso contrahir (Muitos apoiados). Eu citei, letra a letra, palavra a palavra, o que se encontra no regulamento de 1860 (Apoiados) e demonstrei que este regulamento foi publicado ao tempo em que a exploração do Theatro de S. Carlos era subsidiada e successivamente o havia sido com 24:000^000 réis, com 20:000^000 réis e com 25:OOOiJÍOOO réis; que era este o subsidio concedido á empresa de exploração do Theatro de S. Carlos e que, em virtude d'isto, se abrira adjudicação pava a sua exploração.
Diz-me o illustre Deputado: E a renda do theatro? a renda do theatre não ó um subsidio?
Respondo precisamente á argumentação de S. Ex.a, que foi a seguinte: quando para a exploração do theatro de S. Carlos se estipulara o subsidio de 2&:000$000 réis, havia dois subsídios: esse, e mais a casa, que era forne cida ao concessionário para exploração do theatro. Acabou em 1892 o subsidio de 20:0005000 róis, ficou ainda o subsidio que se traduz no fornecimento da casa.
É o argumento do illustre Deputado, não ó verdade?
(Gesto afirmativo do Sr. Bessano Garcia).
Respondo a isto com a clausula 16.a do contrato de
L901 e que foi reproduzida no contrato de 1903. Essa clausula diz que é concedido .á empresa de S. Carlos o usufructo do theatro e de todo o guarda roupa, pertences, etc., mediante o pagamento de uma renda de 3:00<_000 réis.br='réis.br'>
Logo: não é uma concessão gratuita; logo: o que se Dode é discutir se a renda é safficiente, se o não é; mas desde que ha pagamento de uma renda do fornecimento do theatro, do guarda-roupa e accessorios, deixou de ser uma concessão gratuita. (Apoiados).
O Sr. Ressano Garcia: —OTheatro de S. João, no Porto, paga 6:000^000 réis.
O Orador: — Mas deixe-me o illustre Deputado seguir a minha argumentação.
Está demonstrado que não se trata de uma concessão gratuita. E uma concessão retribuída, e o mais que se pode discutir é se a remuneração ó suíBciente ou não.
Ora, é claro que se a empresa ficasse tão somente obrigada pela exploração que faz do theatro a dar os 3:000$000 réis, poderia reputar se insufficiente a retribuição,— notando-se, ainda assim, que é a primeira vez que esta retribuição apparece e que, até então, desde 1897, sempre o Theatro de S. Carlos fora explorado por concessionários que não só não retribuíram a concessão, mas que, muito pelo contrario, receberam mais dos cofres públicos 20:0000000, 24:000,^000 e 20:000^000 réis! (Muitos apoiados).
De forma que, pela primeira vez n'este contrato tão arguido pelos illustres Deputados, apparece o concessionário, não a receber — mas a pagar! (Muitos apoiados^.
E note-se que nSo tem subsidio, que não ha adeanta-mentos feitos a este concessionário e que não ha contas de aval contra o Banco de Portugal (Apoiados): o que ha é o pagamento de 3:000^000 réis, aonde existia o recebimento de 25:000$000 réis. (Muitos apoiados).
Apesar de tudo, se fosse este o único encargo que pesasse sobre o concessionário, deveria^ discutir-se se a retribuição era iosufficiente. Mas desde que em todo este contrato apparecem clausulas novas, que são onerosas e que não pesavam sobre o concessionário pelo contrato de 1897, ó evidente que ao encargo do concessionário e á retribuição do que se lhe faculta em casa, mobília e accessorios, tem que nccrescer esses três contos e outros ónus que sobre elle impendem.
Ora, n'esta parte, as disposições novas do contrato de 1901 foram reproduzidas no contrato de 1903, as quaes não existiam no contrato de 1897.
Cito estas:
«A propriedade do scpnario e vestuário das peças novas que a empresa der nos termos do seu contrato, reverterá para o Estado, desde a data da prorogaçào do contrato». Fica a empresa obrigada «a proceder por sua conta e á sua custa ás obras, especificadas na condição 14.a, que ainda não estiverem realizadas», e a «aquecer á sua custa a sala do theatro, a substituir por sua conta o actual lustre, a melhorar á sua custa a installação eléctrica».
Os coros, que se compunham de 60 figuras, «serão compostos de 72». A orchestra, que era de 60 professores, «será composta de 72 professores de reconhecido mérito ».
Não me referirei ás bailarinas, porque francamente confesso a S. Ex.1 não ter auctoridade no assumpto. (Riso).
E note-se que estas condições teem caracter retroactivo, porque começaram a vigorar quando o contrato antigo não tinha ainda findado. (Apoiados).
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que a empresa compraria um lustre novo, como comprou, o que não estava no contrato de 1897.
Estabeleceu-se que a empresa melhoraria á sua custu a illuminação eléctrica,— e logo mostrarei como, — condição que não estava também no contrato de 1897.
Tudo isto, pois, representa encargos para o concessionário, que se devem com justiça juntar á renda que elle paga pelo theatro, mobília e accessorios. (Apoiados).
E se o illustre Deputado sommar tudo, concordará em que os encargos para o concessionário não só lhe são pesados, mas de maneira também a não lhe facultar retribuição compensadora.
Não creio que o illustre Deputado, levado pelo desejo de me combater, vá lançar uma nota de accusação sobre todos os que me precederam e fizeram d'este8 contratos. Se S. Ex.*, repito, quizer ser justo, reconhecerá que, tendo em vista todos os desembolsos da empresa, nunca o Theatro dê S. Carlos foi retribuído como o está sendo agora.
Mas diz o illíistre Deputado: a prova evidente de que o contrato é iílegal está na clausula 21.*
Abre-se o contraio e lê-se essa clausula:
«À empresa fica sujeita a todas as disposições que pelo decreto de 4 de outubro de 1860 se referem á administração e inspecção superior e policia dos theatros, excepto na parte que diz respeito aos camarotes para as auctori-dades, ficando reservado, unicamente, um de l.a ordem para os Ministros, e duas frisas: uma para o governador civil e commandante da guarda municipal, outra para os funccionarios policiaess.
Do regulamento de 1860 não se tira tudo que se lá encontra, mas apenas o que diz respeito á administração e policia do theatro.
Já vê o illustre Deputado que a referencia não só é do contrato de 1902, mas também do contrato de 1892.
Portanto, a disposição relativa á administração e policia do theatro nada tem que ver com a illegalidade. (Apoiados). •
Também o illustre Deputado me accusou de ter citado falso, quando me referi ao decreto de 1860, relativo ao Theatro de D. Maria.
Vamos ver o que diz a disposição d'esse regulamento. Repito e affirmo que nunca citei falso. (Muitos apoiados).
O regulamento diz o seguinte no artigo 2.°:
»0s theatros dividem-se em theatros de primeira ordem e theatros secundários.
§ l.c De primeira ordem e subsidiados são unicamente os Theatros de D. Maria II e de S. Carlos, e o de S. João na cidade do Porto».
Diz agora o illustre Deputado que no artigo d'este decreto em que se dispõe da clausula da adjudicação ha só referencia ao Theatro de S. Carlos, de Lisboa, e ao Theatro de S. João, do Porto.
Sem duvida alguma; mas também aqui se diz nos artigos 47.° e 43.°:
«O Governo continua com a empresa do Theatro de D. Maria II como escola de aperfeiçoamento da arte dramática.
«A administração, fiscalização, inspecção e direcção do Theatro de D. Maria II serão exercidas pelo commissario do Governo».
Quer dizer: então não havia adjudicação, pelo simples motivo de que não havia empresa. A empresa era o próprio Governo, que administrava o theatro. (Apoiados). E se S. Ex.a se desse ao cuidado de ler, antecedentemente,
o artigo 41.°, a que se refere este que acabo de ler,— S. Ex.a encontrava o seguinte:
«Continua existindo o logar de commissario do Governo, creado por decreto de 22 de setembro de 1853, para, como delegado do Ministério do Reino, administrar, fisca-' lizar, inspeccionar e dirigir o Theatro de D. Maria II».
Aqui es.tá porque se não fala de adjudicação para o Theatro de D. Maria II: é porque não havia tal adjudicação,--visto que a o administração, fiscalização, inspecção e direcção do theatro» estavam a cargo do Governo. (Apoiados).
Vamos ver, agora, se é exacto o parallelo que eu hon-tem estabeleci entre o meu procedimento relativo ao Theatro de S. Carlos e o do Ministro do Reino progressista relativo ao Theatro de D. Maria II. E exactissimo, e porquê? Porque em 1860, quando se publicou aquelle decreto, o Theatro de D. Maria II estava sob a «administração, fiscalização, inspecção e direcção» do Estado; mas, era 1898, quando se publicou o decreto que o meu illustre antecessor referendou, já não o estava e, então, era applicavel o concurso. (Apoiados).
Mais ainda. O illustre Deputado preconiza o concurso. Ora, S. Ex.a vae ver o que diz o relatório do decreto de 1860:
(Leu).
Quer dizer: depois do decreto de 1860, o Theatro de D. Maria II, que estava a cargo do Governo, deixou de ser administrado e dirigido por elle; e desde que assim succedeu, foi posto em adjudicação a differentes empresas que se succederam.
Este decreto acabou com a adjudicação, acabou com o concurso, mas não acabou com as empresas concessionárias, sem concurso; isto, tratando-se de um theatro que nós vamos ver se é subvencionado, ou se o não é.
Tratanrto-se do Theatro de D. Maria II, propriedade do Estado, não só nào se abriu concurso, mas fez-se mais: organizou-se para o explorar uma companhia, não por três annos, mas por tempo illimitado!
E, agora, pergunto eu: organizou-se aonde?
Eu comprehendia que houvesse uma modificação, se, para á exploração do Theatro de D. Maria II, tivesse sido possível conglobar todos os principaes artistas portugue-zes, porque, então, era no próprio interesse da arte; era a maneira de reunir os nossos artistas mais notáveis, que constituiriam, n'aquelle theatro, uma verdadeira escola de theatro normal. Mas o que succedeu?
Succedeu que aquella empresa, constituida sem concurso, por tempo illimitado, organizou-se para a exploração do theatro, havendo ali, apenas, a minoria dos artistas mais importantes e mais cotados em Portugal: Virgínia e Ferreira da Silva.
Ficaram fora do Theatro de D. Maria II artistas de mérito, como Rosa Damasceno, Lucinda Simões, Augusto e João Rosa, Eduardo Brazão, e até Lucilia Simões, que n'aquelle tempo era já uma atriz de valor.
Desde que o theatro deixou.de ser administrado por conta do Governo, organizou-se uma sociedade, mas n'essa empresa não entraram os artistas principaes, entraram os de menos renome, constituindo-se assim uma empresa por tempo illimitado e com todas as vantagens.
Diz se que o confronto não é aproveitável. É necessário que o illustre Deputado seja justo e—eu não estou menosprezando a empresa do Theatro de D. Maria II—mas é que não pode haver duas interpretações na mesma lei, nem do mesmo padrão duas medidas differentes. (Apoiados).
A verdade é só uma, disse o illustre Deputado e é certo: mas se é só uma, tem de ser a mesma, quer para o ministério regenerador, quer para o ministério progressista.
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não paga renda pelo theatro, que todas as obras realizadas com o edificio são pagas pelo Estado e que o produ-cto das contribuições é applicado —contra a lei— ao fundo da caixa de pensões dos actores da casa.
O próprio decreto confessa que esta clausula da appli-caçào das contribuições excede as faculdades do poder executivo.
Pergunto eu agora: então fui censurado por no contrato que realizei dar uma applicação especial á renda de 3:000$000 réis, que é um rendimento do Estado, sem que eõsa verba fosse transcripta no orçamento (e hontem o Sr. Rodrigues Nogueira fulminou-me por isso) e, em relação ao Theatro de D. Maria, uma receita do Estado que é uma contribuição doa artistas, não vem para o orçamento e é applicada á caixa das subvenções, com a aggravante de que a applicaçao que se lhe dá não tem por fim operar melhoramento no theatro? Por isso diz o decreto:
(Leu}.
Porventura o Parlamento interveio para dar força legal áquillo que o decreto estabeleceu? (Apoiados).
Então com que direito é que o illustre Deputado me accusa? (Muitos apoiados).
Já o Sr. Ressano Garcia reconhece que eu não me refugio em debates políticos. Não falo no decreto da amnistia, nas propostas de fazenda, nem no credito do paiz, nem na situação do Governo. Mas acceito a argumentação do illustre Deputado, ponto por ponto, — e ponto por ponto lhe respondo! (Muitos apoiados).
Temos agora a dissertação do illustre Deputado, muito bem exposta, sobre contabilidade publica.
Ahi é que o illustre Deputado foi esmagador!
Mas o que foi que S. Ex.a increpou: foi o Governo ou a sua própria lógica?
Disse o illuatre Deputado que o regulamento de contabilidade publica não ó applicavel a este caso.
Podia ficar já por aqui, mas não quero.
Porque, emfim, se elle não é applicavel a este caso, como é que eu o violei? (Apoiados).
Mas supponhamos que, por uma aberração, isto é inexacto e vamos tirar as consequências.
Admitíamos que ó applicavel n'esse caso, porém, aos arrendamentos em que o Estado é arrendatário. Ora isso não está na lei.
Desde que se trata de uma interpretação de lei, a lei não tem capitules; a lei de contabilidade publica não tem epigraphe, nem artigos. E a lei de 2õ de junho diz no artigo 38.°:
«Nenhum contrato definitivo de arrendamento de propriedade immobiliaria poderá ser celebrado sem previa auctorização legislativa, quando a venda excede a réis Õ00$000 réis annuaes, e o prazo do arrendamento a três annos».
Mas o contrato de arrendamento deixa de o ser quando é o Estado que arrenda e só se applica quando ó o Estado que toma de arrendamento? Aonde está na lei a dis-tincção entre os contratos de arrendamento em que o Estado figura como senhorio, e os contratos de arrendamento em que o Estado figura como arrendatário? (Apoiados). Então como havemos nós, como juizes da fiscalização a exercer pelas Cortes em relação aos actos do Governo, — como podemos prescindir d'essa fiscalização, estabelecendo uma distincção que a lei não comporta?
Trata-se aqui de contratos de arrendamento. Mas são só aquelles em que o Estado é arrendatário?
Onde se encontra isto? E desde que ha esta designação genérica de contratos de arrendamento, sem distinc-ção de arrendatário ou t&ihorio, que tem que esta disposição do regulamento esteja no artigo 71.° sob a epigraphe que trata das despesas ? Portanto: o que se não pode é tirar a força legal do arrendamento (Apoiados}. E, por
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consequência, lá se vae o argumento do illustre Deputado," a prova provada da epigraphe. (Muitos apoiados).
Disse o illustre Deputado: mas se o artigo ó applicavel, então o que se praticou é uma illegalidade!
Consideremos as alterações por que passou aquelle espirito tão notoriamente lúcido e arguto do illustre Deputado Sr. Ressano Garcia.
Porque eu confesso: quando começo a responder ao illustre Deputado, ó sempre com uma commoção que não sinto talvez em outras occasiões. Tão cerrada é a argumentação de S. Ex.a, tão viva e forte é ella, que eu sinto-me acanhado.. .
Mas veja a Camará as evoluções por que passam os espíritos incontestavelmente brilhantes!
S. Ex.a, para afíirmar a illegalidade do meu acto, diz que o regulamento da contabilidade não ó applicavel ao caso; depois acrescenta: mas suppunhamos que o é; se ó applicavel, é só aos contratos de arrendamento em que o Estado é arrendatário, — o que não está na lei.
Terceira phase da sua argumentação: Mas suppondo ainda que é applicavel — e é este o ciou da argumentação do illustre Deputado—; ahi é que está a illegalidade.
Ora vejamos onde é que está a illegalidade.
O illustre Deputado preparou sem duvida muito bem o seu argumento, e disse: —Suppondo que o regulamento da contabilidade é applicavel a todos os contratos de arrendamento, seja o Estado senhorio ou arrendatário, o Ministro praticou uma illegalidade, porque não fez uma prorogação de contrato, — fez um contrato novo. O contrato de 1897 foi feito com José Pacini em commandita; o contrato de 1901 foi feito com José Pacini commer-ciante.
Logo, diz S. Ex.a, a entidade variou: o contrato é novo.
O argumento faz uma certa impressão, não o contesto,— mas sempre é bom ver o documento, o contrato de 1897.
Firmou-se este contrato entre o Sr. Governador Civil de Lisboa, como representante do Governo, e José Pacini.
Evidentemente, o illustre Deputado comprehende que não basta, para realizar-se um contrato, apresentar-se uma pessoa n'uma determinada qualidade, — é necessário que prove e legitime essa qualidade. E é por iaso que, nos contratos que se fazem no tabellião, vão, para servirem de base a esses contratos, os documentos comprovativos.
Assim, no contrato de 1897, para se demonstrar que o governador civil era pessoa idónea e competente para as-signar o contrato como representante do Governo, inseriu-se no traslado d'essa escriptura a portaria pela qual se deu auctorização ao governador civil para representar o Governo e, por parte d'este, firmar o contrato. Somente o que aqui não está é documento algum pelo qual se prove que existisse á commandita José Pacini.
O Sr. Francisco Beirão:—N'esse caso o Governo não soube com quem contratou!...
O Orador: — Perdoe a Camará:—não foi o Governo actual. O contrato é da responsabilidade do Governo progressista, de que o Sr. Beirão fazia parte. (Muitos apoiados}. Ora, tratando-se de um contrato que não é o de 1902, não é a mim que o illustre Deputado Sr. Beirão ha de accusar, mas sim a quem o fez! (Muitos apoiados).
Em 1897, se bem me recordo, tinha S. Ex." as res-ponsabilidades do poder.
Se fosse ao contrato de 1901 que faltasse um documento comprovativo da idoneidade de uma das partes contratantes, era justo que os illustree Deputados perguntassem e eu respondesse. Mas desde que se trata de um contrato que não é feito por mim, comprehende o illustre Deputado que não posso responder. (Vozes: — Muito bem).
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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ao contrato, nenhum ha que comprove a existência da sociedade José Pacini & Commandita.
Não havendo documento' algum que prove a existência da sociedade, — quem assigna é José Pacini. (Apoiados).
É claro, portanto, que não houve mudança de pessoa, (Apoiados}, que se não realizou contrato novo. (Apoiados).
Depois, o illustre Deputado entrou no confronto das propostas que foram apresentadas em 1901, e d'esse confronto só aproveitou o facto de, tanto no contrato de 1902 como no contrato de 1897, estar a clausula que obrigava a empresa a dar duas operas novas em cada anno.
E certo, n&o o contesto; somente o que não estava n'esse contrato de 1897 é o que vem do contrato de 1892.
N'esse contrato de 1897, dizia a clausula 8.":
«A empresa fica obrigada a dar, em cada uma das épocas, pelo menos duas operas de notório mérito, auctor de primeira ordem, e completamente novas para o publico de Lisboa».
No contrato de 1901 diz-se na clausula 9.a:
o A propriedade do sconario e vestuário das peças novas que a empresa der, nos termos do seu contrato, reverterá para o Estado, desde a data da prorogaçào do contrato».
Isto é que ó novo. (Apoiados).
O Sr. Ressano Garcia: —V. Ex.a faz favor de ler a clausula 15." do contrato de 1897 ?
O Orador: — Não tenho duvida alguma: diz que a empresa fica obrigada «a ceder a favor do Estado todo o material de scenario e guarda roupa que adquirir durante o tempo da sua empresa».
Em virtude do contrato de 1897, por uma disposição genérica, ó obrigado o concessionário a ceder ao Estado a propriedade do scenario; — mas o que não ha é a obrigação de se adquiril-o, e a clausula 9.a diz:
«A melhorar o actual mise-en-scène das operas, no que respeita a scenario, guarda-roupa, etc».
O Sr. Ressano Garcia:—Entraram e tornaram a sair, como se pode ver pelas contas das alfândegas.
O Orador: — Esse facto apenas se podia dar desde o momento em que a fiscalização se não exercesse convenientemente, e eu então tornaria effectiva, como era dever meu, esta clausula.
Ora diz o illustre Deputado — e note a Camará: eu estou respondendo ponto por ponto a S. Ex.a-—-que contra mim se ergueu o meu collega o Sr. Ministro da Fazenda, porque em 1898 veio accusar a maneira como estava em execução o contrato de 1897, especialmente a clausula 14."
Ora vamos a ver em que é que o meu collega se ergueu contra mim.
A clausula 14.a do contrato de 1897 diz que a empresa ficava obrigada:
o A proceder por sua conta durante o tempo da. sua empresa ás obras imprescindíveis na sala de espectáculos, taes como: forragem a papel de todos os camarotes, cql-locar velludo novo nos parapeitos dos mesmos, refrescar todos os dourados da sala, pintar de novo o tecto, e outras commodidades indispensáveis para o publico».
Esta era a obrigação do concessionário pelo contrato de 1897; e, em 1898. o actual Sr. Ministro da Fazenda,
então Deputado da opposição, arguiu o G-overno de não dar executo a e^ta clausula, o arguiu muito bem (Apoia-dos) e tanto assim que, em 1901, decorridos apenas uns três annos e tanto — note o illustre Deputado — na clau-ula 14." dizia-se que a empresa ficava obrigada a proceder ás obras a que se tinha compromettido, e «que ainda não estavam realizadas».
Isto é o reconhecimento de que, em 1901, ainda não istavam completas as obras a quê o concessionário era obrigado pelo contrato de 1897.
Ha um argumento que S. Ex.a apresentou como irres-pondivel, e todavia eu vou responder-lhe.
Disse S. Ex.a que pela clausula 14.a do contrato de 1901 o concessionário era obrigado a fazer a installação da luz eléctrica, e que pela clausula 14.a do contrato de 1903 era obrigado a melhorar a installação da luz eléctrica. Diz S. Ex.a: de duas, uma!
Quanto foi que a empresa despendeu com o melhoramento da luz eléctrica? E o que vou dizer, segundo documentos que tenho presentes.
Despendeu ao todo 2:209$030 réis. Portanto, sabemos já que a empresa despendeu mais de 2:000$000 réis com o melhoramento da installação da luz eléctrica.
Mas melhorar a installação da luz eléctrica não significa nem completar a installação, nem apresentar sobre o assumpto a ultima palavra, porque o que hoje simplesmente se fez foi executar um melhoramento, embora importante, como os factos demonstram. (Apoiados).
Desde que pelo contrato de 1901 o empresário foi obrigado a melhorar a installação da luz eléctrica, era conveniente que no contrato de 1903 se reproduzisse essa mesma clausula, a fim de que a installação da luz eléctrica fosse melhorando, tratando-sé de mais a mais de um assumpto em que, dia a dia, se realizam progressos.
Com respeito á recita de gala, disse o illustre Deputado que melhor teria sido dar uma recita de gala no thea-tro nacional com artistas portuguezes, em que todos os elementos fossem nacionaes.
. Em primeiro logar, por maior que fosse o esforço da sua vontade, o illustre Deputado não seria capaz de juntar os nossos melhores artistas no mesmo palco, no Thea-tro de D. Maria II (Apoiados), e, em segundo logar, ainda mesmo que os congregasse, a recita nacional, por muito envaidecedora que fosse para nós, — não era todavia muito própria para deleitar pessoas estrangeiras, que não entendem o nosso idioma. (Apoiados).
Mas — caso estranho ! O illustre Deputado anciava por uma recita nacional com todos os elementos portuguezes, e revolta-se por que se fizesse na Avenida uma illumina-ção «á moda do Minho», portugueza! (Apoiados).
Por ultimo, perguntou o illustre Deputado: Mas quando assim não fosse, porque é que o Governo não mandou vir â companhia do Theatro de S. João, do Porto?
A resposta é simples: não a mandou vir porque não o podia fazer: desde que o Theatro de S. Carlos foi adjudicado ao Sr. Pacini, é este quem está na posse do thea-tro. (Apoiados).
E também não mandou vir essa companhia, porque uma das disposições do contrato é no sentido expresso que acabo de indicar e, portanto, só com o concessionário se podia entender para essa recita.
Sr. Presidente, creio que não deixei escapar um só argumento dos que o illustre Deputado apresentou. (Muitos apoiados). Posso ter respondido melhor ou peor, mas em todo o caso cingi-me á letra do discurso de S. Ex.a, acompanhando a sua argumentação, fazendo os possíveis esforços para justificar os meus actos.
Pode S. Ex.a nlto ficar convencido, mas pode crer que a defesa foi sincera. (Apoiados).
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SESSÃO N.° 24 DE 9 DE FEVEREIKO DE 1904
parlamentar Sr. Ressano Garcia — depois que os ouvi con demnando 03 meus actos relativos á prorogaçâo do contrato que temos discutido, — mais me fica a convicção de 3ue o acto que pratiquei é tudo quanto ha de mais útil e e mais correcto. (Apoiados.— Vozes: — Muito bem). (O orador nSo revia).
O Sr. Presidente: — Deu a hora de passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis para mandar para a mesa podem fazel-o.
O Sr. Conde de Penha Qaroia:—Apresento o seguinte
Requerimento
Roqueiro que, pelo Ministério do Reino, me seja enviada copia do rnappa dos empréstimos contrahidos pelas camarás municipaes do districto de Castello Branco, referidos a 31 de dezembro ultimo. —Conde de Penha Garcia.
Mandou-se expedir.
O Sr. Carlos Marianno de Carvalho: —Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Sendo necessário para discussão do orçamento da marinha alguns documentos, requeiro com urgência que, pelo Ministério da Marinha, me sejam fornecidos os seguintes:
Contrato ou contratos realizados com o engenheiro fran-cez Alphonse Cronean para a direcção technica do Arsenal da Marinha, bem como qualquer outro documento que se refira aos ajudantes do referido engenheiro.
Nota dos materiaes e machinas importados do estrangeiro, e importância dos direitos pagos na Alfândega.
Nota das quantias despendidas com os navios surtos no porto de Lisboa, e com as viagens d'esses navios durante os annos de 1902 e 1903.
Nota da importância por que saíram ao Estado a canhoneira Tejo e o cruzador Rainha D. Amélia. = Carlos Marianno de Carvalho.
Mandou-se expedir.
O Sr. Barros e Moura: — Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim fazer com que passe da Camará Municipal de Chaves para o Governo o encargo da despesa com o Lyceu da mesma cidade.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Rodrigues Nogueira: — Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro a V. Ex.a que se digne consultar a Camará sobre se permitte que se publiquem no Diário do Governo os seguintes documentos:
1.° O contrato de adjudicação do Real Theatro de S. Carlos de 19 de abril de 1897 ;
2.° Requerimentos e propostas que deram entrada no Ministério do Reino, no anno de 1901, relativos ao mesmo theatro;
3." Informações e mais documentos relativos ao antigo contrato de 1897 e prorogaçao feita em 1901 ;
4.° Contrato de 8 de junho de 1901;
5.° Informações officiaes e mais documentos relativos á nova prorogaçao feita em 1903;
6.° Contrato de 4 de dezembro de 1903;
7.° Finalmente, copia de todos os documentos, aléni dos mencionados, trocados entre o Governo, por qualquer Secretaria de Estado, e os funccionarios dependentes d'es-te, e entre estes, o empresário e o fiscal do Governo, relativos ao mesmo Real Theatro de S. Carlos, desde 1897.= O Deputado, A. B. Nogueira.
Foi autorizada a publicação.
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O Sr. Francisco José Machado: — Mando para a mesa .os seguintes
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Obras Publicas, me seja enviada nota de todas as despesas feitas no Theatro de S. Carlos desde 1897 até esta data.=.F. J. Machado.
Requeiro que, pelo Ministério da Fazenda, me seja enviada nota da classificação dos candidatos ao concurso de escrivães de fazenda de l." classe, realizado em 15 de dezembro de 1893, com a designação dos que foram despachados e data d'esses despachos. = F. J. Machado.
Mandaram-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n.' 4, que manda cobrar em ouro metade dos direitos alfandegários
O Sr. Presidente: — Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 2.° do projecto, i Lê-se na mesa. E o seguinte:
Artigo 2.° Nas restantes alfândegas, delegações aduaneiras e postos de despacho, continuam a cobrar-se em moeda corrente no reino os direitos de importação; e de todos os despachos, com excepção d'aquelles a que se referem os §§ 1.° e 2.° do artigo antecedente, cobrar-se ha mais'um addicional, correspondente ao prémio do ouro, como se metade dos direitos fosse paga n'esta espécie, calculado pela media do cambio de Lisboa sobre Londres, nos termos do § 3.° do mesmo artigo.
O Sr. Augusto Fuschini:—Sr. Presidente: a minha moção de ordem ó do teor seguinte:
Moção
A Camará, lamentando que o actual Ministério, ao ac-ceitar o convénio, tomasse com os credores externos, se não com os respectivos Governos, o compromisso da cobrança em ouro de parte dos direitos de importação, vota o projecto em discussão a titulo de experiência por dois annos, com reembolsos do prémio do ouro aos respectivos importadores, e passa a outra ordem do Aia.—Augusto Fuschini.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Como naturalmente essa moção é o thema do discurso do illustre Deputado, eu posso affirmar a V. Ex.a que é absolutamente inexacto que o Governo quando tratou de realizar o convénio tomasse o compromisso de qualquer ordem, sobre a cobrança de direitos em ouro.
O Orador: — Acceito a declaração de V. Ex.a e folgo com que fique registada; mas continuo a minha exposição.
Sr. Presidente, o meu discurso é uma simples declaração de voto. Como antigo e modesto Ministro da Fazenda, cabe-me o dever d'e dizer ao paiz qual é a minha opinião, acerca de um projecto tão importante, como o que presentemente se discute.
Alem d'isso, desejo que estas asserções fiquem expressamente consignadas no Diário da Camará, para que o futuro diga se cm todos os pontos, absolutamente em todos, é exacta, como creio, a affinnação que acaba de fazer o Sr. Ministro da Fazenda. Não tenho, Sr. Presidente, nein outros intuitos, nem outras pretensões.
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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS
thema, como a Rússia^ a Itália, a Hespanha, o Brasil a Republica Argentina, serviu de guia e exemplo a S. Ex.a
Observarei, em primeiro logar, que as instituições de um povo podem não servir a outro. Os povos teem constituições intimas differentes, a política ó diversa, como diversas são a Índole, as organizações económicas e financeiras; em-tirn, a diversidade das forças vitaes e sociaes de um povo aconselham grande sobriedade em imitações estrangeiras, que, mal transportadas e applicadas, se estiolam o se tornam inúteis, ou até nocivas, como degeneram as plantas em climas não adequados e em terrenos mal preparados para as receber.
O Sr. Ministro não disse quaes eram as differen-ças ou melhor as semelhanças económicas, financeiras e sociaes, que ha entre esses povos e o portuguez. Já isto é uma grave lacuna na argumentação de S. Ex a; todavia a Camará comprehende que não vou simplesmente cingir-me a estes argumentos de ordem geral.
Sr. Presidente, de quando em quando, no mundo financeiro e económico apparecem certos remédios geraes, que me dou a liberdade de classificar uma espécie de pílulas Pink financeiras, que curam todos os males! Estes elixires, estas panacvas são demais, infelizmente, conhecidas entre nós. Parece-me, desejo enganar-me, que estamos em. face de uma d'estas panaceas. O tempo fará justiça.
E certo, que os paizes citados por S. Ex.a, e outro que S. Ex.a não citou, empregaram o systema de pagamento de parte ou da totalidade dos direitos aduaneiros em ouro, com o fim — diz S. Ex.a—de fazer desappare-cer o respectivo prémio.
Se o remédio é bom devem estar curados. Na Camará ha muitos médicos, elles que lhe apreciem a efficaeia. Vamos, pois, ver o resultado da sua applicação e depois pesaremos o que elle vale.
Os prémios do ouro nos paizes, que estão no regimen do projecto em discussão, são os seguintes n'este momento:
Rússia............•...... 34 por cento de prémio
Áustria...............:.. 17,5 » »
Hespanha............... 37,6 » »
Brasil.................. 116,5 » »
Republica Argentina...... 127,25 B »
Itália................... 0,25 » de perda.
Quer isto dizer que apenas a Itália passou do regimen do prémio do ouro para a de perda n'este metal; isto é, o papel italiano tem ágio. Um remédio tão eficazmente ap-plicado a seis doentes deixa-os, excepto um, nas condições anteriores e peores do que as nossas!
Se o illustre Ministro examinar os prémios do ouro, que apresento, verá, que unicamente a Áustria tem um prémio inferior ao nosso, que está hoje a 22,6 por cento. Francamente, esta panacea pode ser apresentada com grandes cartazes; mas eu pergunto aos médicos e aos financeiros, se um só d'elles pode inferir d'esta experiência que o remédio vale alguma cousa?
Vamos ainda ver o resto. Cita-se a Itália, que teve um prémio elevado e está hoje com uma perda sobre o ouro. Mas será a Itália um exemplo concludente?
Era o que o Sr. Ministro da Fazenda precisava demonstrar e não demonstrou.
Todos os que conhecem a Itália, estudaram as suas finanças e teem seguido, de longe que seja, a sua reorganização financeira, sabem que as causas do desappareci-meuto do prémio do ouro, foram, principalmente, quatro, que vou apresentar á Camará.
Primeira causa: foi, e é, que, de ha longos ânuos, a industria italiana vem aperfeiçoando-se, por maneira que as importações teem decrescido e augmentado as exportações.
Se o Sr. Ministro da Fazenda duvida das minhas palavras, abra as estatísticas italianas e verá este facto, que demonstra ter havido melhoria na balança comraercial; é> isto que todos os economistas, dos verdàtieiros, dirão ao
Sr. Ministro da Fazenda ser um dos meios seguros para liminar o prémio do ouro.
Segunda causa: não a ignoram também, os que conhecem os negociou da Itália; foi a nacionalização snccessiva, que aqnelle paiz fez da sua divida externa.
Ainda no tempo em que o prémio do ouro era elevado, o publico e o capital italianos, confiando—sublinho a palavra— na administração publica, foram absorvendo do estrangeiro toda a divida externa; hoje pode dizer-se que a quasi totalidade dos coupons externos sAo pagos em Itália, isto é, que não ha êxodo de ouro. ou, se o ha, é em pequinissima quantidade. Esta causa está demonstrada pela conversão das dividas italianas e o Sr. Ministro da Fazenda tinha o dever de a conhecer.
Terceira causa: importante, principalmente, nos últimos tempos, é a grande entrada, em Itália, das congregações religiosas francezas, que tem levado para aquelle paiz os capitães enormes das congregações, expulsas da França, e portanto o ouro, que augmentou o stock nacional italiano.
Não discuto, n'este momento, a política dos outros paizes. Comprehendo perfeitamente, que em dado momento histórico, seja necessária a lucta religiosa, por codvenien-cias políticas de alta valia; mas ninguém pode negar, que estas luctas trazem sempre grandes perdas económicas e financeiras.
A Camará sabe que, no tempo de D. Manoel, foram es pulsos de Portugal os judeus, que se refugiavam principalmente na Hollanda. Pois, uma das causas da nossa decadência nos séculos seguintes deve-se attribuir a esse acto errado, se não obedeceu n'aquelle tempo a outra necessidade publica. Se foi apenas questão de consciência, melhor seria ter harmonisado a consciência com as vantagens económicas e financeiras do paiz. A constituição económica das nações ó uma grande tiia delicada, d'onde um fio arrancado arruina ás vezes uma grande parte do tecido.
Não venho, pois, discutir o que se pratica em França, nem o que se tez no nosso paiz no século xvi, acerca da questão religiosa. Tenho sobre esse assumpto idéas definidas, que já manifestei ha muito e nSo vejo necessidade de as apresentar agora no Parlamento.
Quarta causa: consiste na administração sensata, liberal, económica e financeira da nação italiana, que organizou e creou a riqueza publica e equilibrou o orçamento, por fornia que os d"f.cits se transformaram em superavits.
São estas as cansas da transformação económica e financeira da Itália. São estes factos a honra e a gloria dos estadistas d'aquelle paiz, desde o mais obscuro Deputado até ao Chefe do Estado. Ha grandes estadistas na Itália, eis a verdade, assim como ha grandes economistas.
Quando, haverá annos, um facto lamentável fez subir ao throno da Itália o rei actual, a Europa recebeu-o com certo receio, não das suas qualidades pessoaes, mas do seu tino governativo.
O Rei de .Itália tem provado pelos seus actos que é um cidadão corcado, quê cumpre os seus deveres e comprehende as suas funcções. E novo —e como novo tem direito, como todos os homens, a ter as suas horas de ócio e divertimento — mas applica-se com desvelo ao estudo directo das questões do seu paiz, viaja para se instruir; diverte-se, porque é novo, mas pensa, como chefe de. um paiz, nos interesses e nos direitos dos seus concidadãos; respeita-os e attende-os. Assim, a confiança e a sympathia crescem em volta d'elle.
Os reis, actualmente, teem de ser patriotas e estadistas ou teem de abdicar. É este o dilemma terrível, de ferro, que lhes impõe a moderna philosophia social: governar como patriotas e estadistas, ou abdicar.
Aqui tem V. Ex.a as causas pelas quaes a Itália transformou as suas condições económicas e financeiras.
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N.° 24 DE 9 DE FEVEREIRO DE 1904
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ô prémio; mas ha de reduzií-o e fixal-o. Como se vê, é já uma sabia reserva.
Eis o que resta provar, não com simples citaç.Ses isoladas, que podem ser e são o resultado de causas acci-dentae» muitas veaes conhecidas. Para o demonstrar, se a demonstração é possível, seria indispensável estudar longas séries de algarismos e comparal-os. Estudar honestamente as estatísticas, porque nada se presta mais a só-phismas e erradas interpretações do que as estatísticas mal estudadas.
Paca provar esta asserção, S. Ex.a, que tem meios para o fazer, apresentasse as estatísticas, os graphicos, e mostrasse que effectivamente é verdade que este fystèma, se não eliminou o prémio do ouro, ao menos diminuiu-o e fixou-o. Porque o não fez? É claro que eu, um modesto Deputado, não posso obter esses elementos com facilidade; mas a S. Ex.a, com o Ministro dos Estrangeiros a seu lado, nada mais fácil do que conseguil-os para os apresentar ao Parlamento.
Não posso contrariar este argumento de S. Ex.a senão com um facto. Antes de 1893, quando a Itália publicou a. sua lei sobre direitos em ouro, já o cambio italiano decrescia, tendendo a fixar-se. Isto demonstra que esta affir-magão de S. Ex.a carece de fundamento.
Mas demos de barato que effectivamente os direitos aduaneiros pagos em ouro tendem a diminuir o prémio do ouro. O Sr. Ministro n'esta questJto de lógica fia se um pouco no Genoense; ora, o Genoense foi bom no seu tempo, mas agora!... Conclue apenas—Post hoc, ergo propter koc...
Admitíamos por um momento que é verdadeira a affir-mação do Sr. Ministro e vamos a ver se ha razão para applicar o systema entre nós.
É principio incontestável que um paiz pode viver e florescer no regimen do prémio do ouro fixo e não muito elevado. Reconhecem-o todos os economistas. Mais ainda: provam-o a pratica e a experiência. N'este caso, quando o prémio está fixo e não é muito elevado, todos sabem que na realidade constituo uma sobre-tarifa aduaneira sobre a importação, equivalendo á protecção pautai para .as industrias do respectivo paiz.
Ora, nós temos actualmente um cambio ou, o que o mesmo significa, um prémio de ouro não muito elevado, fixo e até com tendência para melhorar, como é conveniente.
Com effeito, no fim do anno de 1902 o prémio do ouro foi:
Novembro............. 26,4 por cento
Dezembro.............. 26 por cento
Passou-se um anno, quasi em oscillaçSes, e no fim de 1903 o prémio do ouro foi:
Novembro.......-..... 25,6 por cento
Dezembro............. 24,3 por cento
Em quatorze mezes o prémio do ouro desceu 2.por cento. O nosso cambio pode, pois, considerar-se fixo com accentuada tendência para melhorar.
Não tive tempo de fazer o respectivo diagramma; mas todos podem compulsar as estatísticas das casas bancarias e commerciaes e verão que as oscillaçSes, durante o anno de 1903, foram insignificantes; alem d'isso, ninguém poderá afíirmar que o prémio do ouro de 20 a 25 por cento seja exagerado entre nós.
Deve notar se que a melhoria cambial é um facto indes-cutivel desde 1901 a esta parte, demonstra-o o diagramma que tive a honra de apresentar á Camará no anno passado.
Assim, se o nosso cambio actual não é muito elevado e manifesta uma tendência, já longa e pronunciada, para melhorar, o que veiu fazer n'este caso a panacea do Sr. Ministro?
E inútil cora certeza, em face do próprio argumento do Sr. Ministro; pode ser até prejudicial.
Ninguém ignora os graves prejuízos commerciaes e in-dustriaes, que produziria no paiz a suppressão brusca do prémio do ouro, direi até uma descida rápida e importante. Este facto é temido e condemnado por todos os economistas dignos d'eate nome.
Ora, seria um erro grosseiro prejudicar a riqueza publica para livrar o orçamento dos encargos do prémio do ouro; a razão do orçamento, que tenho ouvido invocar, é a ultima para a adopção de medidas, que cheguem ao equilíbrio orçamental, desequilibrando a balança económica.
Vejam a Camará e o paiz o que fica de um dos melhores argumentos do Sr. Ministro da Fazenda!
Vamos, agora, aos argumentos da auctoridade. Eu com-prehendo na philosophia, na moral e até na arte, esta argumentação, o velho ipse dixit; mas nas sciencias positivas e praticas estes argumentos são inadmissíveis.
Villaverde, Sonnino, Pellegrini são grandes políticos economistas—accentuo a palavra— profundos conhecedores dos seus respectivos paizes, onde as suas opiniões são fundadas. Já não acontece o mesmo com outros, a quem o Sr. Ministro passa com extrema facilidade a carta de notáveis economistas... Mas não se trata agora de uma discussão theorica; porém de uma applicação pratica.
Espantados, decerto, ficariam estes estadistas, se vissem as suas opiniões, apresentadas como argumentos de auctoridade em paiz que não conhecem.
Admitíamos, todavia, o valor para o nosso paiz das opiniões dos auctores, que o Sr. Ministro escolheu. Outras importantes existem em contrario.
Creio que ninguém dirá que n'esta questão Leroy-Beau-lieu não é uma auctoridade.
N'esta citação, que vou ler á Camará, não ha uma só parte que não interesse a questão presente. Vou lel-a, pois, pedindo desculpa por ser longa; mas, lendo-a, evito dizer muitas cousas e fico com o direito de a publicar no meu discurso. Diz Leroy-Beaulieu:
«Pensou-se em alguns paizes, principalmente nos Estados Unidos e na Rússia, que a obrigação de pagar os direitos aduaneiros em ouro poderia facilitar o restabelecimento da Circulação nietallica, melhorando as cotações do cambio. É um erro que se liga ao precedente e ó a sua applicaçSo pratica. N'um paiz de circulação depreciada, a obrigação de pagar os direitos aduaneiros em ouro equivale a um augmento dos direitos de importação; esta obrigação não faz entrar no paiz mais uma moeda de ouro, porque, quem paga as mercadorias estrangeiras, e todas as despesas que a ellas se ligam, ó naturalmente o consumidor indígena, ou o negociante estabelecido no paiz. O importador paga não somente o preço intrínseco do artigo; mas também o transporte, o seguro, os direitos aduaneiros, etc., etc. Pensar que uma peça de algodão, enviada de Manchester com destino a S. Petersburgo, se fará acompanhar de certo numero de rublos de prata ou de imperiaes de ouro, é raciocinar como creança. São, pois, o ouro e a prata russos, que entrarão nos cofres do Thesouro; e pôde dizer-se que o desdém, manifestado pelo Governo pelo seu próprio papel moeda, será nova causa da baixa d'este papel. Quando o Governo não quer acceitar as suas próprias notas em todos os pagamentos, é pouco provável que os. particulares se apressem, se não a tomal-as, pelo menos a conserval-as £.
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DIAEIO DA CAMAEA DOS SENHORES DEPUTADOS
Apresenta-se, comtudo, em favor do pagamento dos direitos aduaneiros em ouro, n'um paiz em curso forçado de notas de banco ou do Estado, que esta medida restringe a importação e contribue, portanto, para tornar favorável a balança comrnercial. Este argumento não soffre exame. E certo que o pagamento obrigatório dos direitos aduaneiros em ouro corresponde, n'um paiz onde o papel moeda está depreciado, a um augmento de direitos de importação e que, portanto, a importação deve soffrer com este pagamento. Mas pela mesma razão a exportação também se resente. A exportação nào pode desenvolver-se, quando desfallece a importação; a importação e a exportação são como o fluxo e o refluxo: se o fluxo diminue, restringe-se também o refluxo. Suppunhamos que um paiz não per-mitte aos navios chegarem aos seus portos senão em lastro, e aos vagons senão vasios, ó bem claro que a exportação d'este paiz soffrerá singularmente, porque terá que sup-portar a totalidade das despesas de transporte, de seguros, de commisBÕes e outras, que, em condições normaes, se distribuem quasi igualmente entre as importações e as exportações.
A importação é a isca da exportação: não se pode ferir a primeira sem ferir a segunda. Assim, a obrigação de pagar os direilos aduaneiros em ouro não tem sobre a balança commercial os effeitos, que lhe são attribuidos.
Õ que prova que a depreciação do papel moeda não provém da raridade dos metaes preciosos, é que os paizes, que mais soffreram d'este regimen do curso forçado, são os que possuem as mais abundantes minas de ouro ou de prata: a Rússia e os Estados Unidos.
Para supprimir o curso forçado, não ha estes meios senão o equilíbrio do orçamento e a reducçilo das despesas extraordinárias: porque um orçamento pode entrar eni equilíbrio, como o da Rússia, e as despesas extraordinárias conservar em-se exorbitantes, alimentando-se de incessantes empréstimos.
Infelizmente, todos os paizes em curso forçado, salvo u França, preferem augmentar as suas despesas, especialmente as de obras publicas, a porem-se durante quatro ou cinco annos em situação conveniente para diminuir a respectiva circulação de papel e extinguir esta divida sem juro, que ó a mais perigosa de todas.
A Rússia, a Áustria, a Itália, os Estados Unidos todos commetteram este erro financeiro; o Brasil, La Plata, o Uruguay foram ainda menos previdentes; a França unicamente viu qual era o mal mais perigoso para viver, assim este mal não tomou n'ella fortes proporções, depois da guerra de 1871».
(Traité de Ia Science ais Finances, vol. u, pag. 660 — Edição de 1879, Leroy-Beaulieu).
Eis o que escreve um dos economistas modernos, que. se não é creador, é um dos que mais teem applicado as leis económicos ás condições sociaes dos povos e mais teem estudado os exemplos e a experiência d'elles. Porque não o citou o Sr. Ministro da Fazenda?
Assim, Sr. Presidente, á auctoridade contraponho au-ctoridade e esta, sem duvida, de incontestável valor.
Quando subo á tribuna procuro sempre sustentar o que snpponho ser verdade. O engano está na natureza humana; mas f também está na natureza humana a vontade de acertar. E a que eu tenho.
Consultei também, Sr. Presidente, um banqueiro que vive em Portugal e por ser italiano conhece profundamente os negócios da Itália, onde naturalmente tem a sua for tuna e vae todos os annos; alem d'isso, este banqueiro conhece perfeitamente os negócios de Portugal, pois esteve longo tempo á testa de um dos primeiros estabelecimentos bancários do paiz.
Consultei-o sobre o assumpto, porque quiz esclarecer-me. Alem d'isso, é uma origem de auctoridade insuspeita; porquê, sendo banqueiro, tcni graúdo vantagem em que o
projecto em discussão seja approvado; assim —hei de pro-val-o á Camará — desenvolve-se o negocio do ouro, promove-se naturalmente uma alta, o que beneficiará os banqueiros.
Não estou auctorizado a publicar o nome d'esse banqueiro, portanto não o farei; particularmente, porém, dil-o-hei a qualquer dos illustres Deputados.
Pois sabe V. Ex.a, Sr Presidente, o que elle me escreveu a respeito do systema applicado na Itália? Vou ler á Camará:
«O pagamento em ouro dos direitos aduaneiros, em Itália, não teve senão uma influencia das mais moderadas na diminuição do prémio do ouro. Não é ahi que se deve procurar e achar a diminuição, pode melhor dizer-se a des-apparição d'este prémio».
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Então sempre teve alguma influencia.
O Orador: —Não venho senão expor a verdade. Li o que está aqui.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Apoiado.
O Orador: — Sr. Ministro, u'estes casos os argumentos de auctoridade não teem valor, ha um proloquio por-tuguez que os afasta por completo. Os homens públicos devem conhecer os proloquios nacionaes. São a philoso-phia popular, crystallizada em curtas proposições. Sabe V. Ex.a qual é esse proloquio? aMais sabe o tolo no seu do que o avisado no alheio».
Sr. Ministro applique esta philosophia: sigamos a nossa tolice, compensada pelo conhecimento do nosso paiz, e deixemos açs sábios a sabedoria, acerca do que elles não conhecem. E o caso agora.
Vejamos ainda um pequenino argumento do Sr. Ministro da Fazenda.
O ouro obtido pelo Estado, disse S. Ex.a, é sempre mais caro do que o comprado pelos particulares. O systema dos. concursos periódicos tem demonstrado este facto. Quando se tem deixado de os fazer, o cambio melhora depois. Estas affirmações são, em geral, contrarias á verdade dos factos.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Mas V. Ex.a, quando Ministro, não usou do systema de concursos ?
O Orador: —É verdade, não usei então do systema, o que não quer dizer que o condemnasse, ou não o empregasse n'outro momento. Foi uma simples questão de op • portunidade.
Peço á Camará que me releve esta immodestia. Fui eu, de facto, que no regulamento da Junta do Credito Publico de 12 de agosto de 1893, escripto pelo meu próprio punho, introduzi o systema facultativo dos concursos para obter o ouro necessário para os coupons externos.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — (Aparte que não se ouviu).
O Orador : — Eu já lá vou, nào tenho pressa... nem de ser Ministro, porque a unieu qualidade má que reconheço em V. Ex.a é sel-o; no dia em que V. Ex.s sair, caio-lhe nos braços, que mais quer! (Risos).
Deixe-me o Sr. Ministro da Fazenda seguir os meus raciocínios sem me confundir.
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mente offerecer-se, recebi bastante da nossa Agencia Financeira do Brasil, obtive-o de foceis e baratos suppri-mentos e de contas correntes. Quando saí do Ministério, os coupons externos estavam assegurados e deixei ainda, se bem me recordo, 100:000 libras ao meu succes-sor.
Entendi não dever usar da faculdade do regulamento, visto que não actuava quasi directamente sobre o mercado cambial. Alem d'issò, o prémio do ouro não era elevado n'aquelle tempo.
Errei, não errei, eis o que não se demonstra cora a simples afirmação do Sr. Ministro da Fazenda. Se errei, o que não supponho, penitenccio-me. Se ha alguma lei de responsabilidade ministerial, appliquem-m'a; mas deixem-m'a applicar depois a mais alguém.
Passaram tempos, as condições mudaram e poz-se em pratica o principio dos concursos da Junta do Credito Publico; se bem me recordo, foi o Sr. Kspregueira, quem empregou o systema.
Como não venho defender as minhas idéas, nem argumentar a meu favor, devo declarar que depois d'esta medida os câmbios começaram a melhorar rapidamente e hoje, como demonstrei, estão normalizados.
Pode ser também opost hoc, ergo propter hoc; mas a verdade é que se deu o facto, demonstrado pelo graphico, por mini apresentado no anno passado á Camará.
Ora, n'estes concursos nunca a Junta comprou ouro por preço superior ao do mercado cambial, onde se abastecem os particulares; pelo contrario comprou-o, sempre, mais barato.
Affirma o Sr. Ministro que o mercado cambial é de antemão preparado para estes concursos. Este facto não me parece demonstrado pelas estatísticas cambiaes; mas para eritar os conluios, se os houve ou se os ha, os remédios são simples: não abrir concursos durante certo tempo, ou abril-os inesperadamente, em vez de os fazer periódicos e em épocas fixadas com grande antecipação.
As questões cambiaes são muito difficeis e complexas; eu podia, mas não quero cansar a Camará, apresentar a auctoridade insuspeita de grandes homens, que se teem occupado dos câmbios e não são economistas escreventes, acerca dos conluios cambiaes, a do Sr. Goschen, por exemplo.
Os conluios, em matéria cambial, não são tSo fáceis como ee pensa, ou se diz, e são sempre muito perigosos. Poderia citar factos occorridos no tempo do ineu Ministério. A habilidade é um elemento da luta. Á habilidade contrapõe-se a habilidade ; ora, os Governos teem sempre poderosos meios ao seu dispor para corrigir e fazer perder os jogadores.
Hei de contar uma historia a este propósito ao Sr. Ministro da Fazenda; mas ha de ser em particular.
Vejamos agora o que dará o projecto, se for approvado, e vamos estudal-o n'este ponto á luz da Economia Politica.
Pelo systema do projecto em discussão, se não se aug-menta a quantidade do ouro pedido, multiplica-se em excesso o numero de concorrentes, o que pode e deve trazer más consequências.
O raciocínio é simples: actualmente ha n concorrentes mais l, que é o Estado. Posto em pratica o projecto, este l subdividir-se-ha em milhares, que por toda a parte, ás cegas e avidamente, procurarão ouro. Se a economia pó litica não erra nas suas leis íundamentaes, o resultado não será uma diminuição do prémio do ouro, mas um provável aggravamento.
Sr. Presidente: ó isto o que deverá succeder, ou as leis de Economia Politica já não teem valor, havendo-lhes o Sr. Ministro passado por cima uma esponja com aquella phrasc conhecida: Nbus avons changé tout ceia!
Como não tenho a pretensão de fazer senão uma simples declaração de voto, na parte financeira parece-me suf-ficiente o que deixo expresso.
Em face d'Í6to, o que sou obrigado a pensar d'este projecto? Que é um grande ponto de interrogação; uma experiência que talvez se deva fazer, mas com extrema prudência e circumspecção.
Da minha perplexidade deriva a minha moção, na qual considero o projecto uma verdadeira experiência e lhe tiro o caracter fiscal, que offerece conhecidos inconvenientes. Como quero deixar tempo ao Sr. Ministro da Fazenda para me responder, vou abreviar o mais possível as minhas considerações.
O que é este projecto na essência? Dm novo processo fiscal para arrancar dinheiro ao contribuinte e, parecia-me, o resultado de um compromisso com os credores externos; mas como S. Ex.a affirmou o contrario, devo acredital-o.
Assim seja, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Affirrao e respondo. . .
O Orador: — Mas, se não é o resultado de nm compromisso, mais uma ra/ão para o approvarmos a titulo de experiência.
Uma vez votado como foi apresentado, as reclamações poderão surgir. Será um facto consummado, um direito concedido aos credores, que elles não deixarão perder.
Dada a nossa péssima administração, ninguém pode assegurar que em breve um novo krack, uma exacerbação da crise permanente em que vivemos, não venham elevar confiideravelmeníe o prémio do ouro. Eis o que se pensa no estrangeiro.
O pagamento em ouro dos direitos aduaneiros pô*e os credores externos a coberto d'este perigo. Até certo ponto teem rtizão.
Votado o projecto como está e nSo a titulo de experiência por período limitado, as reclamações serão imminen-tes, se quizermos mais tarde modificar a lei.
Ó paiz que olhe para este perigo; não se deixe ligar por mais um contrato, em que uma das partes tem por seu lado a força de grandes potências.
Encaremos, agora, o projecto sob o aspecto fiscal, como meio de arrancar ao contribuinte mais dinheiro. Vamos aggravar as taxas aduaneiras por dois modos: um directo, as novas taxas propostas, que vão ser discutidas, se o forem; outro indirecto, sobrecarregando as que ficarem existindo com o prémio do ouro.
Ora, o primeiro processo tem inconvenientes próprios e conhecidos. Onera o consumidor interno, o que é attendi-vel dada a carestia de vida em Portugal, e, difficultando ou impedindo a importação, ha de manifestar logicamente eâeitos nocivos sobre a exportação.
Não se deve nunca perder de vista que somos um paiz exportador e, sendo-o, a doutrina de Leroy Beaulieu sobre o fluxo e refluxo dos productos tem perfeito cabimento entre nós.
. Todos clamam por tratados commerciaes, que facilitem a collocação dos nossos productos no estrangeiro; mas como os tratados commerciaes são contratos especiaes de troca, quanto mais protegermos as nossas industrias menos concessões poderemos fazer. É intuitivo.
O facto recente de um deputado inglez do grande centro manufactureiro de Lancashire ter interpellado o Governo Inglez, sobre os nossos intuitos n'este sentido, e a resposta do Governo são avisos symptomaticos da guerra de tarifas, que poderemos soffrer, se formos excessivos na protecção pautai.
O mundo moderno constituo ura verdadeiro organismo económico. Se defendermos em excesso a nossa producção sentiremos, mais cedo ou mais tarde, o effeito sobre a nossa exportação. Falaremos a este respeito em devido tempo.
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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS
As taxas, pagas em ouro, ficarão variáveis, conforme o relativo prémio; de um para outro momento, os vários com-merciantes comprarão por differente preço a mesma mercadoria. A livre concorrência, que regula a fixação dos preços, ficará assim sob uma influencia imprevista e inevitável.
Se um dia o prémio do ouro assumir proporções elevadas, as taxas aduaneiras tornar-se hão prohibitivas. Então, vários ramos commerciaes, capitães importantes, morrerão á mingua. Quem ignora que todo o commercio ó im-possivel com a extrema incerteza e variabilidade dos preços? Olhe para isso o commercio portuguez e não se illuda com o bolo envenenado j que lhe offerece o Sr. Ministro.
De facto, o projecto estabelecendo que a lei começará a vigorar em Julho próximo, dá ao commercio quasi cinco mezes para abastecer os seus depósitos.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Ent&o perde.
O Orador: — Perde, porque ? É claro que o negociante importa e enche os seus depósitos pela taxa actual, depois vende os productos por preços mais elevados, resultantes do prémio da parte dos direitos pagos em ouro; mas, mais tarde, quando se acabar esse stock, ha de fazer a importação pelas novas taxas, sobrecarregadas com o prémio do ouro. Virá, então, a realidade. Eis o bolo do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente : — Decorreu a hora regimental, o Sr. Deputado tem mais um quarto de hora para terminar as suas considerações.
O Orador: — Termino já. Parece-me, pois, conveniente lembrar aos commerciantes o conhecido verso de Virgílio: Timeo danaos et dona ferentes.
Vejamos ainda outra intenção do Sr. Ministro da Fazenda. É hábil, incontestavelmente.
É sabido que este systema de propor modificações nos direitos pautaes sem apresentação previa de uma lei anterior e parallela, que mande cobrar as novas taxas provisoriamente, salvo a entrega dos valores quando as pautas não fossem approvadas, foi systema de antecipação de receitas muito usado n'outro tempo. Pode eetudar-se o resultado do systema nas estatísticas das alfândegas.
O intuito ministerial é evidente: augmenta a importação e consegue uma grande antecipação de receita, que lhe diminuirá o déficit do corrente anno. A procura imme-diata de ouro dará um aggravamento de cambio, que aliás já começa a manifestar-se; em vigor a proposta e os depósitos cheios, diminuirão as importações, o prémio do ouro baixará momentaneamente, o que motivará os louvores á lei e ao seu hábil legislador.
Todos entes factos são fáceis de prever, embora impossíveis de calcular muitas vezes.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sòusaj: — Se tiver este anno a antecipação, falta-me para o anno que vem.
O Orador: — Isso, já não será com S. Ex.a Ou será? (Biso).
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Ainda estou.
O Orador:—Muitos parabéns. (Riso}. . Não estou produzindo argumentos contra S. Ex.a Tanto me importa que seja S. Ex.a como outro qualquer que esteja n'esse logar. Para mira é a mesma cousa.
Os salvadores actuaes, já experimentados ou para experimentar, podem entrar e servirem-sc. Nada tenho com que esteja S. Ex.:i ou um progressista, ou um regenera-dor-liberal, ou uni nacionalista, ou um uiiguelista. Para mim é isto indiflerente. Trato dos negócios do paiz e não me occupo de homens.
Affirmo, apenas, que a medida do Sr. Ministro da Fazenda ha de trazer dentro do corrente anno económico um augmento considerável de receitas alfandegárias; mas no anno que vem soffrer-se-hão as consequências d'esta antecipação. Eis o primeiro resultado.
O outro ó este: desde que se aaiba que as taxns vão ser pagas parte em ouro, é claro que ha de augmentar a procura cTeste metal para pagamento das importações acceleradas; portanto peorarão os câmbios, o que já se está manifestando. Depois, como os armazéns estão cheios de mercadorias, afrouxa a importação e o cambio melhora. O Sr. Ministro ha de então exclamar: «vejam os câmbios, melhoraram por effeito da lei». Não ; será por effeito d'este artificio.
Sr. Presidente: expuz á Camará n'um discurso despre-tencioso, apenas com a idóa de deixar uma declaração de voto, as minhas opiniões sobre o assumpto. Desejaria enganar-me e —visto que não tenho a menor influencia política no paiz — desejaria também que em dez minutos S. Ex.a me esmagasse, dando-me um desmentido formal ás minhas affirmações e aos meus argumentos.
Não tenho o menor intento em fazer hoje o que se chama política partidária no meu paiz. Não estou filiado em agrupamento algum, encontro me no isolamento que me convém. Desejo, apenas, servir a grande política nacional e salvaguardar os interesses do meu paiz.
A minha voz n'esta ou n'outra tribuna, porque hei de encontral-a sempre, imparcial, sem vaidades, por que sou velho, e sem ambições, porque não sou político, ha de deixar bem consignadas as minhas opiniões para que se diga de mim, que sou um homem obscuro, mas sincero.
Assim, termino aífirmando que ainda que tivéssemos sido obrigados, pela nossa leviandade ou pela nossa fraqueza, a tomar compromissos para apresentar este projecto ao Parlamento, são tantas as duvidas sobre a utilidade económica e financeira dos seus princípios que devemos rea-lisal-os na sua máxima pureza e a titulo de experiência; aliás poderemos ferir gravemente a gallinha dos ovos de ouro, a agricultura, a industria e o commercio nacionaes.
Disse.
O Sr. Presidente: — Em vista do adeantado da hora, não sei se o Sr. Deputado Clemente Pinto quererá ficar com a palavra reservada?
O Sr. Clemente Pinto: — Peço a V. Ex.a me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente:—Fica V. Ex.s com a palavra reservada. A próxima sessão realizar-se-ha amanhã, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 6 horas e 15 minutos da tarde.
Representações enviadas para a mesa n'esta sessão
Da Associação Commercial do Porto, pedindo para ser revista a proposta de uma empresa de navegação a vapor para o Brasil, apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda ao Parlamento.
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SESSÃO N.° 24 DE 9 DE FEVEREIRO DE 1904
Sousa Cavalheiro, auctorizada a publicação no t Diário do Governo» e enviada â commissão de fazenda.
De uma commissão nomeada em reuniRo publica de algumas povoações annexadas á nova área da cidade de Lisboa, chamando a attenção do Parlamento para o mal estar que n'estas povoações produz o novo imposto do consumo.
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Apresentada pelo Sr. Deputado Mello e Sousa, e enviada á commissão de fazenda.
Da Associação Gomnaercial de Évora contra ae novas propostas de fazenda.
Apresentada pelo Sr. Deputado Fuschini, auctorizada a sua publicação no «Diário do Governo» e enviada á commissão de fazenda.