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N.° 27
SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1900
Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão
Secretarios - os exmos. srs.
Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez
SUMMARIO
Approvada a acta, o sr. presidente participa o fallecimento do conselheiro d'estado Antonio de Serpa Pimontel, chefe do partido regenerador, faz o seu elogio e propõe, sendo approvado, que na acta se lance um voto de sentimento. Associam-se a estas manifestações os srs. Ressano Garcia, por parto da maioria, ministro da justiça (José de Alpoim), em nome do governo, e João Franco, pelos regeneradores, propondo o primeiro, com geral approvação, que se encerrem os trabalhos da sessão em homenagem ao glorioso extincto. Por ultimo o sr. presidente nomeia a deputação que ha de representar a camara no respectivo funeral
Primeira chamada. - Ás duas horas da tarde.
Presentes - 4 srs. deputados.
Segunda chamada - Ás tres horas.
Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto.
Presentes - 54 srs. deputados.
São os seguintes: - Alberto Affonso da Silva Monteiro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Vellado da Fonseca, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar da Silveira Proença, Conde de Caria (Bernardo), Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, João Augusto Pereira, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Bandeira, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Rojão, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gonçalves da Costa Ventura, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Paes de Sande e Castro, Marimbo Augusto da Cruz Tenreiro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Visconde de Guilhomil, Visconde da Ribeira Brava e Visconde de S. Sebastião.
Entraram durante a sessão os srs.: - Abel Pereira de Andrade, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Frederico Ressano Garcia, Ignacio José Franco, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Luiz Pereira da Costa, Manuel Telles de Vasconcellos, Salvador Augusto Gamito de Oliveira e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.
Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho Ferreira Loureiro, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alvaro de Castellões, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto Fuschini, Augusto Guilherme Botelho do Sousa, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Paçô Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco José de Medeiros, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, João Catanho de Menezes, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim da Ponte, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almada, José Augusto Lemos Peixoto, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Braamcamp de Mattos, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mendes Veiga de Albuquerque Calheiros, José Paulo Monteiro Cancella, José Pimentel Homem do Noronha, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.
Acta - Approvada.
O sr. Presidente: - Como a camara sabe, falleceu hontem o conselheiro d'estado o sr. Antonio de Serpa Pimentel, illustre chefe do partido regenerador.
Não tentarei fazer o elogio do glorioso extincto; apenas direi, para justificação da proposta que vou ter a honra de fazer á camara, que elle, como professor, como jornalista, como homem de letras, como funccionario publico como parlamentar, que durante muitas legislaturas repre-
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sentou n'esta casa um papel de primeira grandeza, e, emfim, como estadista, foi distincto entro os mais distinctos do seu tempo, tendo consagrado cincoenta annos da sua existencia a bem servir o seu paiz. (Muitos apoiados.)
Como particular, era um caracter primoroso, e pela sua bondado extraordinaria e pelo genero do seu trato affabilissimo, a todos attrahia.
Alem d'isso, o sr. Antonio de Serpa era o chefe prestigioso e respeitado do partido regenerador, o qual está largamente representado n'esta casa, e que com a morte de s. exa. soffre uma perda enorme, assim como tambem a soffre o paiz. (Apoiados.)
Tenho por isso a honra de propor á camara que na acta da sessão de hoje se lance um voto de sentimento pela morte de tão illustre estadista, e que sejam feitas á familia de s. exa. as communicações do estylo.
S. exa. não reviu.)
O sr. Ressano Garcia: - Sr. presidente, interpretando os sentimentos da maioria d'esta camara, associo-me com profunda commoção, e em nome dos meus amigos politicos, ao voto de condolencia que v. exa. acaba de propor, assim como ás palavras eloquentes e sobre tudo justas, com que v. exa. exaltou as acrisoladas virtudes do fallecido estadista
O partido regenerador perdeu o seu honrado e prestigioso chefe, que embora arredado da politica activa, nem por isso deixava de ser, pela nobre tradição que representava, a figura mais proeminente d'aquelle partido, onde estão homens de grande talento e de incontestavel valor.
A politica portuguesa, essa perdeu um dos seus ornamentos mais distinctos (Apoiados.), pela lucidez da sua intelligencia, pela vastidão do seu saber e ainda pela pureza immaculada do seu caracter. (Apoiados.)
O paiz inteiro e a coroa perderam em Antonio de Serpa um dou seus mais leaes servidores, estando sempre, ainda nas circumstancias mais difficeis e nos conjuncturas mais ingratas, prompto a sacrificar o seu bem estar pelo sagrado interesse da patria, como ultimamente demonstrou, encarregando-se de uma missão altamente espinhosa e em extremo difficil.
Perante um acontecimento tão infausto cessam, desapparecem todas e quaesquer divergencias politicas, por mais fundas que ellas sejam, e o partido progressista, enrolada a sua bandeira, curva-se, respeitoso, diante do cadaver, ainda insepulto, do benemerito cidadão, que a morte tão subitamente arrebatou. (Muitos apoiados.)
Na vespera das grandes luctas que vão travar-se ámanhã, o partido progressista honra-se a si proprio, honra o paiz, e honra o parlamento, abatendo reverente as suas espadas diante dos seus adversarios para que possam unir-se todos, como portuguezes, na commemoração justa e sincera de uma das glorias mais brilhantes da nossa politica contemporanea (Apoiados geraes.), do ultimo representante, e não dos de menor vulto, d'aquella geração de grandes homens que antecedeu a nossa, e que desapparece agora para sempre, fechando o cyclo aureo da nossa politica.
Se Joaquim Antonio de Aguiar, de quem se disse que foi um revolucionario; se Fontes Pereira de Mello, que foi o iniciador e o constante propugnador do nosso fomento economico, exerceram no seu partido uma acção energica é mais activa, e por isso mesmo mais absorvente, Antonio de Serpa Pimentel, inteiramente despido de preconceitos, alheio a paixões, conservando inalteravel aquella linha singela e modesta, que era o seu principal encanto, exerceu na politica portugueza uma acção benéfica e conciliadora, deixando o salutar exemplo do que ainda pôde, do que ainda vale na consideração publica uma probidade inconcusca conjugada com um trabalho indefesso (Applausos geraes. - Vozes: - Muito bem.)
Oliveira Martins, outro morto illustre, tão cedo roubado ás letras patrias, escreveu algures que a arte do governar os povos offerece á observação do espirito critico dois typos: a politica dos expedientes e a politica das idéas. São do primeiro typo os estadistas tomados de vaidade; são do segundo os estadistas cheios de abnegação. Uns primam pela habilidade, outros primam pela grandeza, e Antonio de Serpa Pimentel pertencia incontestavelmente á segunda categoria. (Apoiados geraes.)
Homem publico de multiplas aptidões, póde dizer-se que em quasi todos os ramos da actividade humana elle revelou a pujanto envergadura do seu luminoso talento. Pensador, artista, professor, mathematico, homem de letras, estadista e philosopho, elle sabia alliar na mais harmónica reunião e ponderação as elevadas qualidades de raciocinio, a sensibilidade, a firmeza e rigidez dos conceitos, a elegancia e a clareza da sua palavra. (Muitos apoiados.)
Ministro pela primeira vez das obras publicas, em 1859, com homens da estatura moral e intellectual do duque da Terceira, Fontes Pereira de Mello, Martens Ferrão e Ca sal Ribeiro, desde então occupou sempre os mais elevados cargos do estado.
Geriu, em differentes epochas, as pastas da fazenda, estrangeiros e da guerra; foi presidente do conselho; desempenhou missões dificilimas no estrangeiro, tornando-se sempre, dentro e fora do paiz, respeitado e merecendo a consideração publica.
A morte de tão illustre extincto é, portanto, pranteada unanimemente por amigos e adversarios. (Apoiados.)
Todavia, sr. presidente, morreu pobre como pobre tinha vivido. (Apoiados.)
Trabalhou sempre durante toda a vida, foi modesto, e apesar d'isso, viu-se nos ultimos annos da sua existencia alanceado por dificuldades de toda a ordem, que certamente concorreram para definhar a sua construcção já muito arruinada.
Vou terminar, sr. presidente; mas antes, desejo propor que se levante a sessão logo que esteja concluida a homenagem prestada ao illustre estadista por parte dos orado rés que se inscreveram ou se hão de inscrever.
Vozes: - Muito bem.
Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que se levante a sessão como testemunho de sentimento pela morte do eminente estadista Antonio de Serpa Pimentel. = Frederico Ressono Garcia.
(O orador não reviu.)
O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Sr. presidente, poucas palavras direi, porque não as comporta sequer o pouco tempo de que dispomos, antes de partir para a funebre e piedosa romaria.
Em nome do governo associo-me ás expressões de mágua e condolencia, que n'um arranco de justiça e dor, affluiram aos labios de v. exa. e do illustre parlamentar que acaba de fallar.
Em nome do governo inclino-me com o maior respeito, com a mais sentida veneração, perante a memoria d'aquelle que vae desapparecer para sempre na sombra da sepultura, dormindo o derradeiro somno sob uma pedra fria e estreita, tão fria e estreita quanto foi grande o cerebro e a alma, que brilharam e refulgiram no fragil o delicado corpo que a morte acaba de prostrar.
Sr. presidente, hontem, por volta das tres horas, achavam-se reunidos em casa do chefe do gabinete todos os membros do governo; de repente chegou a infausta noticia do fallecimento do Antonio de Serpa Pimentel, que nenhum dos ministros sabia que estivesse doente.
Abriu-se, no ardor apaixonado com que homens de mesmo partido em tempo de luctas politicas cuidam de interesses politicos, como que um parenthesis doloroso; fez-se um longo silencio, como se a dor gelasse a voz e sustasse as pulsações do coração. Dos labios do sr. presidente do conselho, cujo olhar se perdeu illuminado na memoria
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saudosa de talento e,bondade, bellos nos seus incidentes, d'esse luctador parlamentar e jornalistico, que foi grande ao pé de homens da estatura de Fontes Pereira de Mello, de Casal Ribeiro, de Andrade Corvo e de Rodrigues Sampaio, d'esses que a morte nos roubou, mas cuja recordação avança, caminha dia a dia. Com o olhar no espaço, n'uma commovente absorpção, como que invocando recordações do passado, fez, n'um arranco de mágua e saudade que mergulha as raizes no coração, a historia politica d'esse homem que hontem morreu de morte phygica, porque a morte do luctador, a de estadista, a de chefe de partido, quasi desde ha bastantes annos morrera. Desenhou-se perante nós, em nossas almas, n'uma apotheose de luz, como em uma resurreição de aurora, essa figura respeitada e querida...
Sr. presidente, Antonio de Serpa Pimentel era uma individualidade tamanha que a sua poderosissima intelligencia reveste a um tempo as formas mais antagónicas. O seu espirito prestava-se ao estudo das mathematicas e das sciencias, e ao mesmo tempo esse espirito austero e grave navegava pelas ondas rumorosas, embalado na galera doirada na nossa idade romantica. (Vozes: - Muito bem.) Nas luctas parlamentares em que foi tão grande, nas luctas jornalisticas em que foi enorme (Apoiados.), revelou sempre o seu grande talento, e elle, que era por temperamento debil, elle, cuja educação se fizera entre o romantismo litterario, elle tinha enorme pujança, não no ardor do ataque, mas na dialectica da palavra, como que por vezes castigava o adversario, fazendo-lhe espirrar jorros de sangue das suas feridas. O orador que acaba de fallar fez o escorço politico do grande morto. O orador que se me ha de seguir completal-o-ha. A mim resta-me inclinar-me mais uma vez, perante a memoria d'esse que foi nobre adversario, nobre pelo talento e pela bondade das suas palavras. D'aqui a instantes irei ao cemiterio, onde vae dormir para sempre o derradeiro somno. É ao seu corpo, aos seus restos mortaes, que irei prestar a derradeira homenagem, devida a quem foi um grande cidadão. Aqui, em nome do governo, presto-a ao seu grande espirito, porque elle não só foi um grande cidadão, como um amigo devotado da patria, que tanto amou, e do rei, que tão bem serviu.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O sr. ministro não reviu.)
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, em meu nome e em nome dos deputados regeneradores, agradeço a v. exa., á maioria parlamentar e ao governo as manifestações sentidas e tocantes com que quizeram acompanhar a dor que a todos nos comprime, pela morte de um homem que não era só o chefe politico respeitado e reconhecido do partido regenerador, mas que era para todos que o conheciam mais intimamente, um amigo.
Sr. presidente, nem todos os que ultimamente começaram a tomar parte activa nas nossas luctas politicas tiveram já ensejo de. conhecer e apreciar o que valia, como parlamentar, como jornalista e como homem politico Antonio de Serpa Pimentel.
De facto, como muito bem tem sido dito n'esta casa, nos ultimos annos a doença tinha-o afastado dos trabalhos mais activos da politica.
Mas a sua vida foi bastante longa, bastante gloriosa, e o seu nome fica vinculado a bastantes factos de interesse e importancia, para que o seu nome não seja nem nunca possa ser um desconhecido para ninguem (Muitos apoiados.) e para que se tornem necessarias as palavras eloquentes e calorosas dos seus amigos para pôr em alto relevo, em toda a sua grandeza, a estatura politica do homem que foi Antonio de Serpa Pimentel. (Muitos apoiados.) .
Sr. presidente, com Antonio de Serpa Pimentel não acaba simplesmente essa geração entre todas brilhante e notavel do segundo periodo da nossa epocha constitucional, tomo muito bem e eloquentemente disse e commentou o meu illustre amigo, leader da maioria parlamentar, o sr. Ressano Garcia.
Na politica portugueza Antonio de Serpa Pimentel era quasi tambem o unico representante de uma outra plêiade de homens que foram talvez a que mais lustre, maior grandeza e maior brilho lhe deram; refiro-me, sr. presidente, a esse grupo de homens politicos que foram ao mesmo tempo homens de letras, e que trouxeram á politica portugueza o brilho inconfundivel que resalta do seu alto talento e da sua grande illustração litteraria, desde Alexandre Hcrculano, seguindo por Almeida Garrett, Rebello da Silva, Andrade Corvo, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e tantos outros. (Muitos apoiados.)
Antonio de Serpa Pimentel nunca foi tão politico que não fosse acima de tudo um homem de letras, (Apoiados.) e foi principalmente por ter as virtudes e qualidades que fnzem e formam a organisação intellectual de um homem de letras, que propriamente esse homem, primeiro entre os primeiros pelo seu talento e illustração, occupou talvez no mando activo da politica um logar tão proeminente, como outros que seguramente sobre o ponto de vista intellectual não lhe eram superiores.
É que, sr. presidente, na politica a primeira condição para vencer, é uma forte vontade de mandar, e em todos aquelles a que ha pouco tive occasião de me referir, a politica era mais um motivo attrahente para os seus espiritos sequiosos do tudo que fosse uma manifestação de intellectualidade, de que propriamente um campo de batalha, em que se combatesse por uma ambição soffrega e impaciente de preponderar. (Vozes: - Muito bem.)
Viu-se isto, sr. presidente, quando Serpa Pimentel, sem o ter pretendido, sem empregar o mais pequeno esforço para o obter, se encontrou nomeado chefe do partido regenerador.
Nunca chefe algum de partido politico mostrou menos apreço e interesse por uma tão alta investidura, como Serpa Pimentel; e sabe v. exa. que a rasão não era porque amasse menos o paiz do que qualquer outro homem publico, mas sim porque dedicava todo o seu tempo, vontade e intelligencia aos seus livros, e ao convivio com as letras, que foram sempre o grande prazer do seu espirito e coração.
Por isso, a sua acção e direcção sobre o partido regenerador e os seus correligionarios, foram sempre tão delicadas e amoraveis, como o eram as relações entre Serpa Pimentel e quaesquer outros homens de sociedade.
Foi sempre um espirito de conciliação, foi sempre, acima de tudo, um homem que desejava respeitar todos os interesses, e que desejava sempre ver satisfeita a vontade de cada um, para o que concorria tanto quanto podia.
Por isto, tambem nos seus actos de homem publico, mostrou sempre um espirito de justiça inexcedivel. (Apoiados.)
Servindo o seu paiz com a maior dedicação e proficuidade, nunca foi embaraço para ninguem, nem procurou nunca que a sua acção fosse pesada a quem quer que fosse. (Vozes: - Muito bem.)
Creio que é este um dos lados mais notaveis da figura politica de Serpa Pimentel, porque é o resultado de possuir umas qualidades tão complexas e superiores, que não é facil, mas sim raro, encontrar juntas n'uma só pessoa. (Apoiados.)
Para ser assim, é necessario possuir uma intelligencia verdadeiramente superior, d'estas que têem a consciencia da sua força, e que ao mesmo tempo não buscam um pedestal, nem nas vaidades, nem nas grandezas humanas, mas sim no seu proprio e unico merecimento!
Elle tinha um tal equilibrio de faculdades e uma tal disseminação de si proprio, que o tornavam, por assim dizer, absolutamente invencivel aos enthnsiasmos da fortuna, como á falta de prosperidade; e é sobretudo neces-
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sario, sr. presidente, ter uma bondade nativa para perdoar e desculpar os erros e as faltas de todos, para não ver em cada um senão a parte util do seu caracter. (Muitos apoiados.) - (Vozes: - Muito bem.)
Assim, sr. presidente, faz-se com que o mando se exerça sem se sentir e a obediencia se imponha pelo respeito e pela estima aos que são mandados. Foi o que succedeu com Antonio de Serpa Pimentel. For isso mesmo nós hoje todos pranteámos aqui a sua morte e pretendemos prestar homenagem á sua memoria. Podemos fazel-o e fazemol-o realmente com verdadeira sinceridade e sentida dor, pois que ninguem tem a esquecer qualquer aggravo, porque Antonio do Serpa Pimentel, nas luctas em que se envolveu, quando luctava com vigor, nunca, sr. presidente, luctou por forma a crear inimigos entre os seus adversarios, porque o sou coração foi sempre absolutamente incapaz do mais pequeno resentimento contra quem quer que fosse. (Apoiados geraes.)
Sr. presidente, quando uma longa vida, como foi a de Antonio de Serpa Pimentel, cheia das grandezas e distincções que no seu paiz os homens publicos podem merecer, homem que foi ministro por diversas vezes, e em algumas por longos annos, que fez tratados de commercio, que foi encarregado dão mais importantes commissões no estrangeiro, que nos representou em conferencia importantissimas, como ultimamente na de Berlim, que foi na politica interna do seu paiz a figura mais proeminente e culminante, que foi um chefe acceite e incontestado; - quando uma d'estas vidas se extingue, e deixa, sr. presidente, tanto em amigos como em adversarios, uma sentida e verdadeira impressão de dor e de saudade, o espirito que a illuminou vae para a outra vida acompanhado pelo melhor bem que um homem póde desejar para si: a benção de todos os homens do seu paiz, a lembrança de que foi sempre um modelo de inexcedivel bondade.
Disse. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, considero approvadas a minha proposta e a do sr. Ressano Garcia; vou, portanto, levantar a sessão.
Antes d'isso, porem, tenho ainda a apresentar outra proposta: é para que a camara se faça representar no funeral do illustre finado por uma deputação. (Apoiados.)
Considero tambem esta proposta como approvada em vista da manifestação da camara.
Nomeio, pois, para comporem a deputação, alem da mesa, os srs.:
Antonio Teixeira de Sousa.
Arthur Alberto de Campos Henriques.
Frederico Ressano Garcia.
João Marcellino Arroyo.
José Gonçalves da Costa Ventura.
Libanio Fialho Gomes.
A primeira sessão é na segunda feira, 5 do corrente; a ordem do dia é a mesma que vinha dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram tres horas e quarenta minutos da tarde.
O redactor = Sergio de Castro.