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CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

30.* SESSÃO

EM 24 DE FEVEREIRO DE \ 904

SUMMAHIO. — Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, que consta de officios e da segunda leitura do projecto de lei relativo aos vencimentos dos secretários e amanuenses das camarás c administrações de concelho. E admittido.— O Sr. Cayolla apresenta e fundamenta um protesto da Associação Commercial da cidade de Eivas contra as propostas de fazenda. — O Sr. Claro da Eicca propõe, sendo «pprovado, que sejam aggregados á commissào de obras publicas os Srs. Álvaro Rego, Visconde da Torre, Soares Cardoso e André de Ereitas. — Responde ao Sr. Cayolla o Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa). — O Sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Paçô-Vieira) respondo ás perguntas que lhe dirigiu o Sr. Cayolla sobre a remodelação do contrato Her-sent. — O Sr. Eusebio da Fonseca manda para a mesa, justificando-os, dois projectos de lei, sendo um relativo ao lançamento de contribuições municipaes sobre diversos géneros de consumo em Loulé, e o outro attinente a conceder a pensão vitalícia de 400^000 réis á viuva do official da armada Nunes de Carvalho. Eefere-se a outros assumptos. Responde-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Paçô-Vieira). — O Sr. Sousa Tavares participa a constituição da commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo sido escolhido para presidente o Sr. Abel Andrade e o participante para secretario.— O Sr. Reis Torgal manda para a mesa o parecer da commissào de fazenda que concede ao ames Gabriel AnçS. de Ilhavo, a pensão de 400 réis diários. — Envia para a mesa um requerimento o Sr. Alexandre Cabral.

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DIÁRIO DA GAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidência do Ex.mo Sr, Matheus Teixeira de Azevedo

Secretários—os Ex.."10' Srs.

Amandlo Eduardo da Motta Veiga José Maria de Oliveira Simões

Primeira chamada— As 2 */i horas da tarde, Presentes — 11 Srs. Deputados. Segunda chamada — As 2 J/j horas. Presentes — 58 Srs. Deputados.

São os seguintes: — Agostinho Lúcio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramlo, Alberto António de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo César Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Álvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo' Augusto Vieira, António de Almeida Dias, António Barbosa Mendonça, António Belard da Fonseca, António Joaquim Ferreira Margarido, António José J^opes Navarro, António Rodrigues Ribeiro, António Roque da Silveira, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto César Claro da Ricca, Augusto César da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paço-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco Roberto de Araújo de Magalhães Barros, Henrique Matheus doa Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João de Sousa Tavares, Joaquim António de Sant'Anna, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nico-lau Raposo Botelho, Júlio Augusto Petra Vianna, Lou-renço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano António Pereira da Silva, Luiz de Mello Correia Pereira Me-della, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.

Entraram durante a 'sessão os Sra.: — Abel Pereira de Andrade, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, António Alberto Charula Pessanha, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, António Centeno, António

Ferreira Cabral Paes do Amaral, António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, António Rodrigues Nogueira, António Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Mon-tenegro, Augusto Fuschíni, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Marianno de Carvalho, Conde de Penha Garcia, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Hypacio Frederico de Brion, João Alfredo de Faria, José Adolpho de Mello e Sousa, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Júlio Ernesto de Lima Duque, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel António Moreira Júnior, Manuel Homem de Mello da Camará, Ovídio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Paulo de Barros Pinto Osório.

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

ABERTURA DA SESSÃO—As 3 horas da tarde

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE Officio

Do Ministério da -Fazenda remettendo uma nota, fornecida pela Secretaria Gorai d'este Ministério, indicando as datas em que António Maria Freire Pimentel Brandão e Carlos Augusto Velloao Ribeiro Talhares foram nomeados chefes da 9.a Repartição da Contabilidade Publica, satisfazendo assim o requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Segundas leituras PJ ojecto de lei

Senhores.—A vossa approvação submettemos um projecto de lei que é uma obra de justa equidade para uma classe de funccionarios públicos que se acha reduzida á mais extrema penúria pelos salários que vence e cujo trabalho e responsabilidade teem crescido extraordinariamente n'estes últimos annos e ameaçam crescer ainda pela ordem de serviços que lhes está affecta. São estes funccionarios os secretários e amanuenses das municipalidades e administrações do concelho do paiz.

O beneficio que este projecto lhes traz, em nada prejudica o Thesouro; os ordenados dos alludidos funccionarios são pagos pelos cofres das municipalidades e o augmento que propomos não excede o extrictamente necessário á compensação de obrigações árduas e de responsabilidades graves. E tanto assim ó que a nenhuma das referidas corporações repugna a apresentação e approvação d'este projecto, porque nenhuma deixa de reconhecer a exiguidade de taes vencimentos, exiguidade que o Código Administrativo de 1886 estabeleceu pelo minimo, o decreto de 13 de dezembro de 1892 fixou no máximo e o Código Administrativo de 1896 acceitou nas mesmas condições sem a mais leve alteração nos quantitativos.

Ato á promulgação do citado decreto de 13 de dezembro de 1892, as municipalidades tinham a faculdade de remunerar os seus empregados e os das administrações de concelho como julgavam justo e equitativo ao seu mérito e ás exigências da vida, e esta faculdade nunca lhes foi cerceada porque é evidente que ninguém melhor que aquellas corporações está apto a conhecer e apreciar o valor dos seus subordinados e o trabalho que sobre elles pesa, bem como as condiçSes económicas da localidade para o effeito da sua sustentação.

Este direito foi implicitamente reconhecido pelo primeiro Código Administrativo citado, o de 1886, que investindo com essas remunerações as determinou pelo minimo para evitar abusos, minimo já excessivamente limitado para o tempo, mas que levado ao máximo pelo referido decreto de 13 de dezembro de 1892 e pelo Código Administrativo de "1896 se torna fundamentalmente cruel, sobretudo hoje em que o despendio ordinário da vida a mais modesta duplicou, pode dizer-se sem exagero.

O minimo determinado pelo Código Administrativo de 1886 aos vencimentos dos referidos funccionarios era o seguinte: secretários de camará e administrações, 360)5000 réis em concelhos de 1." ordem; 240$000 réis nos de 2.a ordem, de população superior a 10:000 habitantes 180$000 réis nos de mais. Amanuenses das mesmas ré partições, 160$000 réis em concelhos de l.a ordem; róis 120$000 nos restantes.

Ora estes quantitativos foram os fixados no máximo no citado decreto de 13 de dezembro de 1892 e no Código Administrativo de 1896, accrescendo que sobre estes deploráveis vencimentos ainda incidem deducções que as leis estabelecem.

Aos funccionarios, confessemos, é impossível satisfazer ás mais simples e restrictas exigências da vida sem um doloroso enfado — o peor de todos, o da miséria — não podem mesmo trabalhar, causa altamente prejudicial ao serviço publico, sob todos os pontos de vista.

Ás corporações, confessemos também, é incompatível com taes salários o direito de exigir as habilitações que as leis estabelecem.

Isto ó olaro, isto é evidente, nós mesmos que trabalhamos o reconhecemos sem mais largas considerações. Por isso e para dar seguimento a uma representação que os alludidos funcoionarios entregaram ao Parlamento na nl-ima sessão solicitando melhoria de vencimentos, representação justissima e que reputamos digna de toda a at-;enção, propomos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os vencimentos dos secretários das camarás e administrações de concelho serão os seguintes: 600^000 réis nos concelhos de l.8 ordem; 450^000 réis nos conce-hos de 2." ordem, de população superior a 15:000 habitantes; 360$000 réis nos restantes de população infe-ior.

Art. 2.° Os vencimentos dos amanuenses das camarás e administrações de concelho serão os seguintes: 250^000 réis nos concelhos de l.a ordem; 200$000 nos de 2.a ordem, de população superior a 15:000 habitantes; 180$000 réis nos demais.

Art. 3.° A disposição d'esta lei torna-se desde já appli-lavei aos actuaes serventuários, sem outra formalidade alem da inclusão do excesso nos respectivos orçamentos municipaes.

Art. 4." O disposto n'esta lei nEo se applica aos funcionários dos secretarias da camará e administrações de concelho de Lisboa e Porto.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala das sessões da Camará dos Senhores Deputados, 19 de fevereiro de 1904.=.ái«£ de Andrade —A. Rodrigues Ribeiro = Pereira dos Santos = A. C. Claro da Ricca—Jayme Arthur da Conta Pinto.

Lido na mesa foi admittido e enviado á commissRo de administração publica, ouvida a de fazenda.

O Sr. Lourenço Cayolla: — Sr. Presidente: ha três sessões successivas que tenho pedido a palavra a V. Ex.a para antes da ordem do dia, porque desejava desempenhar-me de um encargo que me foi confiado pela Associação Commereial da cidade de Eivas, — o encargo de reforçar n'esta tribuna as considerações que essa associação apresenta n'um protesto que redigiu contra as propostas de fazenda.
Ato hoje, porém, não tenho podido cumprir essa honrosa missão.
A reclamação a que me refiro é uma de tantas que teem sido formuladas pelas corporações mais valiosas e importantes de todo o paiz contra as propostas de fazenda; (Apoiados) é mais um protesto a juntar ás dezenas e dezenas de protestos que teem chegado até nós, para que demos satisfação aos que se revoltam contra o facto de o Governo querer aggravar os impostos em quantia superior a 2.000:OOOáiOOO réis! (Apoiado*).

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

todos os portuguezes como uma verdadeira provocação, e no espirito de toda a gente assentou a convicção de que a apresentação d'este plano foi o maior desserviço que o Ministério podia prestar ás instituições. (Apoiados).

As classes pobres e as classes que teem sido consideradas como remediadas atravessam actualmente uma crise angustiosa! (Apoiados).

Em nenhum paiz do mundo a vida é mais cara do que em Portugal. Em nenhum, portanto, a vida é mais affli-ctiva!

A anemia, a tuberculose e o rachitismo, como resultantes da miséria dos? pobres e da falta de conforto dos remediados, são, no seu desenvolvimento crescente, a confirmação d'estas dolorosas palavras. (Apoiados). Ft» Apesar d'isso, nunca o Governo, desde o primeiro dia da sua existência, comprehendeu qual era o dever que tinha a desempenhar.

E esse dever era fazer uma administração regrada e honesta, abolindo as despesas inúteis e reduzindo ao minimo as indispensáveis; era dedicar toda a sua actividade ao problema do fomento da riqueza publica, que promoveria o desenvolvimento natural das receitas publicas; e, emfim, caminhar com passo seguro para o equilíbrio orçamental, podendo, depois, quando a execução d'este programma tivesse assegurado uma situação desaffogada, acudir ás classes mais pobres, alliviando-as de impostos vexatórios, como é, por exemplo, o, imposto do consumo. (Apoiados).

O Governo, porém, nada d'isto fez. Pelo contrario: tem praticado illegalidades sobre illegalidades, desperdícios sobre desperdícios, esbanjamentos sobre esbanjamentos!... (Apoiados).

A anciã de fortalecer o seu partido e de criar prosélitos, arrastou o Groverno a esta verdadeira epilepsia, — e a verdade é que1 as novas adhesões que elle obteve são compensadas pela deserção dos mais antigos partidários. (Apoiados).

O resultado de semelhante bachanal goveruativa não podia deixar de ser o que tem sido.— O desequilíbrio orçamental tem augmentado successivamente, e ó hoje tão monstruoso que o Sr. Ministro da Fazenda, renegando os compromissos solemnes tomados ainda não ha um anno, teve de trazer ao Parlamento um núcleo de medidas todas tendentes a augmentar os impostos, na importância, aproximada, de 2.000:000^000 réis, além do vexame resultante de S. Ex.a decretar o alargamento da área fiscal da cidade, — medida iníqua que tem levantado a mais viva resistência e que ameaça definir-se em uma revolta dos famintos e dos desvalidos!

Contra taes prepotência** e vexames, todo o paiz, por meio das suas collectividades mais ordeiras e das suas associações mais conservadoras — os que trabalham, os que teem alguma cousa a perder — insurgem-se contra o Governo, a quem negam auctoridade para exigir ao paiz novos recursos para satisfazer os seus desvarios.

Emfim, todos estão convencidos de que, sejam quaes forem as migalhas que o Governo consiga arrancar ao contribuinte, — ellas serão applicadas á continuação da orgia actual; a augmentar novos logares para satisfazer a voracidade dos que ainda não estiverem completamente satisfeitos e se não acharem bastante pagos dos seus serviços á consolidação do partido do Sr. Hintze Ribeiro!...

Disse-nos, ha dias, o Sr. Presidente do Conselho que não ha um movimento geral do paiz contra as propostas de fazenda; que apenas uma ou outra representação contra uma ou outra medida tem apparecido, e -accrescentou que é sempre costume, quando qualquer Governo propõe aggravamento de impostos, haver reclamações semelhantes ...

Eu ouvi com profunda magua estas palavras do Sr. Presidente do Conselho, porque ellas confirmaram a opinião, que eu já professava, de que S. Ex.a, na embriaguez do seu poderio, — ainda não attentou bem no que é o movi-,

mento que se está definindo contra o Governo — e que vae ferir, talvez, alguma cousa mais alta do que elle!
Em todos os protestos, em todos os comícios, em todas as representações atacam-se as propostas de fazenda, ac-centuam-se as suas desigualdades, salienta-se o gravame que ellas querem impor ao contribuinte; — mas n'esses protestos, n'esses comícios e n'essas representações uma nota unanime apparece bem mais importante: a accusação de que o Governo não tem auctoridade para exigir novos sacrifícios ao contribuinte. (Apoiados).
Esse movimento não tem sido preparado por nenhum partido organizado; os partidos teem-lhe sido estranhos; mas, apesar d'isso, elle engrossa cada vez mais, ameaçando transbordar.
Já hoje, em muitas partes, não se accusam só os partidos:— accusam-se as instituições, — que não são nem devem ser responsáveis pelo abuso que o Governo faz do poder que lhe foi confiado. (Apoiado*).
O partido republicano encontrava-se, ha largos annos, n'um período de profundo abatimento e divisão, sem chefes, sem enthusiasmo ; ia enfraquecendo, dia a dia. Agora, porém, com os actos do actual Governo, o partido republicano organizou-se, hauriu forças novas no estado do espirito do paiz e, em frente d'este Governo e da sua obra immoral, só encontra elementos de união e de organização partidária!
Em 1899, os candidatos do partido republicano conseguiram, realmente, a victoria no Porto. Mas, então, foi porque os -especuladores aproveitaram a dor de uma cidade, profundamente ferida por uma grande desgraça, e foram auxiliados por uma grande traição de muitos mo-narehicos, que não duvidaram atraiçoar a monarchia para satisfazer intuitos partidários.
Essa victoria, porém, perfeitamente eventual e local, não teve resonancia no resto do paiz (Apoiados) e os próprios republicanos confessavam que iam, pouco a pouco, perdendo força.
É porém, precisamente, o actual Governo, na época em que nos encontramos, perante os acontecimentos da vizinha Hespanha, quando todas as questões externas e internas o obrigavam a proceder de maneira que os seus actos fossem a melhor arma a usar contra os inimigos das instituições, — ó, precisamente, o actual Governo que, nas actuaes circumstancias, pela sua forma de proceder, pela sua vida de desregramentos, está indicando o caminho que se deve seguir!
Disse o Sr. Presidente do Conselho, ha dias, que o Governo tinha obrigação de defender as suas ideias, de lu-ctar contra as resistências que se levantassem; que era do seu brio e dignidade não ceder deante da onda que ameaçasse afogar-nos.
Funesta theoria, essa! Infeliz theoria, que foi, também, a que reinou em França e em Hespanha!
Essa . mesma theoria, e idêntica forma de a apresentar, produziram em França e em Hespanha, na ordem política d'estes paizes, os resultados que a Camará conhece! (Apoiados).
Os Governos devem governar pelas suas ideias e, em principio, fazer frente aos seus adversários.
Quando a política, e só a política, pretende investir contra um Governo, — esse Governo que se defenda: cumpre a sua missão.

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

fosse difficil defendel-as assim; quando só vive assim, Sr. Presidente, uma vida lastimável e perigosa para todos, — então ó obrigado o Governo a ceder (Apoiados), porque se a resistência pode prolongar por mais algum tempo a sua vida ephemera, pode também — ouça a Gamara — sacrificar os mais altos interesses do paiz ! (Apoiados).

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Conselho pode esgrimir com bravatas e ameaças: mas, quando o Governo perdeu completamente a força moral, esses processos já não intimidam ninguém.

As propostas de fazenda estilo condemnadas! (Apoiados). Tem o Sr. Presidente do Conselho consciência d'esta verdade? Mais do que nós. Portanto, sinceramente lhe faço um appello: pratique um acto de verdadeiro estadista, comprehendendo a tempo quando deve ceder: não procure prolongar essa resistência, porque se com ella nada aproveita aos seus interesses políticos, pode prejudicar e ser nocira aos interesses do paiz. (Apoiados).

Sr. Presidente: reforçadas por esta forma e com estas palavras, filhas de uma convicção profunda, as considerações apresentadas por uma illustre associação commercial, que reclamou para nós, aproveito a occasiâo de estar com a palavra para tratar de outro assumpto, dirigindo uma pergunta ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

S. Es.3 sabe que está pendente no seu Ministério uma questão gravíssima, a qual já tem provocado repetidas criticas da imprensa periódica: refiro-me á sentença do tribunal arbitrai relativa ás obras do porto de Lisboa, tendente, — segundo informações que considero seguras,— a concluir as obras que se encontram por executar ha muito tempo. Inclusivamente os órgãos po.liticos do Ministério se tem revoltado contra esse facto, que representa um grave prejuízo para os interesses na-iionaes. (Apoiados).

Pouco tempo depois de o Sr. Conde de Paço-Vieira ter tomado conta da pasta das Obras Publicas, vi annunciado nos órgãos do Governo que S. Ex.a ia tomar essa questão a peito, com todo o zelo, e que em breve appareciam providencias decisivas para acabar com um estado de cousas que, como disse a S. Ex.a, fere profundamente os interesses nacionaes. Somente, até hoje ainda ninguém soube cousa alguma do resultado pratico de taes promessas! (Apoiados).

Tendo fallecido recentemente o empreiteiro d'essas obras, M. Hersent, eu li depois em vários jornaes que o Sr. Ministro das Obras Publicas estava tratando de remodelar, por assim dizer, o contrato vigente, por forma a assegurar a rápida construcção das obras que o tribunal arbitrai tinha decidido que se fizessem e que são absolutamente necessárias para collocar o porto de Lisboa na situação em que devia estar, e que o Sr. Ministro das Obras Publicas tinha encontrado a solução pela qual se harmonizavam os interesses do Thesouro com as legitimas reclamações do commercio.

Infelizmente, mais uma vez este annuncio tem sido, até agora, desmentido pelos factos.

Ha mais de um mez que esta noticia appareceu nos jornaes a que me refiro e, até hoje, não me consta que S. Ex.a tenha apresentado qualquer proposta n'este sentido. (Apoiados).

Pergunto, pois, ao Sr. Ministro das Obras Publicas: se

S. Ex.a se julga em condições de fazer executar sem de-

-nora a sentença do tribunal arbitrai ou se S. Ex.a, consi-

íerando-a menos vantajosa ou por outra qualquer razão

que eu não possa attingir n'este momento, pode fazer cum-

n-ir desde j á essa sentença, ou se tem, finalmente, qualquer

uedida para apresentar ao Parlamento, pela qual possa pôr

•-obro a esta já pouco edificante questão, que está affee-

•ando tanto os interesses da capital?

(O orador não reviu).

O Sr. Claro da Ricca: — Sr. Presidente: mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho a V. Ex.a que consulte a Camaru sobre se permitte que sejam aggregados á coinmissão de obras publicas os Srs. Deputados Álvaro Rego, Visconde da Torre, Soares Cardoso e André de Freitas. = Claro da Ricca.
Foi approvado.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Sr. Presidente: o illustre Deputado Sr. Cayolla mandou para a mesa uma representação de uma associação commercial, na qual se protesta, como S. Ex.a elucidou, contra as medidas de fazenda. Acompanhou ,S. Ex.a essa representação com palavras ásperas na apreciação das propostas que tive a honra de submetter á consideração da Camará, procurando fazer resaltar que a condemnaçSo contra as referidas propostas é geral por todo o paiz, e que até agora ainda não soou uma única voz de applauso e de defeza relativamente a ellas.
De tudo isto conclue S. Ex.a que chegou a hora, que chegou o momento em que o Governo tem de abandonar as cadeiras do poder. E tudo isto porquê ?
Porque eu trouxe — diz S. Ex.a—á Camará propostas de lei que criam 2.000:000^000 réis de impostos; porque eu trouxe á Camará propostas que vêem aggravar a situação já difificil em que se encontram as classes menos favorecidas da fortuna.
É exactamente por se fazerem aífirmações d'esta ordem que alguém suppõe que isso assim é, e vem reclamar ingenuamente perante a Camará dos Deputados, quando afinal são absolutamente inexactas taes afirmações ! (Apoiados).
O Sr. Oliveira Mattos: •— Peço a palavra.
O Orador: — Lembrou-se alguém de dizer que as propostas de fazenda conteem um augmento de 2.500:000^000 réia de impostos?
O Sr. FranoiSCO José Machado: — Disse-o o Sr. Rés-sano Garcia, e V. Ex.a deu-lhe apoiados.
O Sr. Ressano Garcia: — Havendo-me V. Ex.a feito a honra de me responder, não contestou esse ponto.
O Orador: — Contestei esse ponto. (Apoiados}.
O illustre Deputado disse que a minha proposta sobre as estradas trazia um augmento de impostos de cerca de 800:000^000 réis.
Pergunto se o Ministério das Obras Publicas não paga o dinheiro que gasta com as estradas, servindo-se do pro-ducto de impostos? (Apoiados}.
Diga-me o illustre Deputado de onde ha de vir a receita para o Ministério das Obras Publicas gastar réis 800:000^000 em estradas, senão dos impostos (Apoiados} lançados de qualquer maneira? (Apoiados}.
O que se estabelece na proposta é que, sendo o contribuinte quem paga, é elle quem ha de fiscalizar a despesa.
Apresentei á Camará propostas de lei destinadas a fomentar o desenvolvimento da riqueza publica...
O Sr. Francisco José Machado: —O desenvolvimento da miséria e da pobreza é que é exacto! (Apoiados}.
O que S. Ex.a acaba de dizer é uma affronta ao paiz!... (Apoiados}.

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DÍAÉIO Í)A GAMARA DÔã SENHORES DÉHJÍADÒiâ

O Sr. Franoisoo José Machado: — Aggravam-se todos os impostos e, ainda por cima, insulta-se o paiz!

É preciso ter uma grande coragem para se dizer uma cousa d'essas! (Apoiados}.

O Sr. Presidente: — Peço aos illustres Deputados que não interrompam o orador.

O Sr. Carlos Ferreira: — Os apartes são permittidos, e sempre o foram.

O Orador:—l)esde que fiz o propósito de me manter sereno, nada ha que me desvie da serenidade.

Os illustres Deputados accusam-me?

Estão no seu direito. Mas creio que hão de reconhecer, também, o direito que me assiste de defender-me?

Os illustres Deputados accusam-me de trazer á Gamara propostas que aggravam a situação em que se encontram as classes desfavorecidas de fortuna. Preciso demonstrar que não foi esse o meu intuito, que não é esse tal o resultado, que os illustres Deputados fazem muitas phrases de eôeito político.

Assim. Sr. Presidente, também ouvi dizer que uma proposta, cujas emendas se discutem hoje, vinha aggravar a situação em que se encontram as classes pobres.

Ora, uma das preoccupaçoes que havia no meu espirito — era justamente não dificultar a vida d'essas classes, não lhes encarecendo as substancias alimentícias.

O Sr. Ressano Garcia: — O bacalhau e o arroz não são substancias alimentícias ?

O Orador: — Mesmo insistindo nos géneros alimentícios, bacalhau e arroz, V. Ex.a sabe, — e já está muito bem explicado á Camará, — qual foi o fim que tive em vista e quaes as reaes vantagens que da proposta adveem (Apoiados). Mas eu continuo.

Com o fim de obter os recursos necessários para estabelecer uma carreira de navegação para o Brasil, que todos reconhecem como da rnais absoluta necessidade (Apoiados), dadas as circumstancias em que se encontra o Thesouro Publico, quiz criar receitas novas para satisfazer esses novos encargos, e, então, fui procurar receita ao género alimentício bacalhau. Mas imaginam S. Ex.as que se alterou o direito de importação do bacalhau?

O bacalhau vende-se no reino, pescado por navios estrangeiros e portuguezes; pois de 27:000 toneladas de bacalhau que se consomem no paiz,—-apenas 2:000 são de bacalhau portuguez. De certo que, elevando o direito de 12 a 15 réis por lúlogramma, ainda tem a differença de 29 réis, que paga o bacalhau estrangeiro.

O Sr. AugUStO José da Cunha: — É'um augmento de 25 por cento!

O Orador:j—É um augmento de 6:000^000 réis, que, distribuídos pelo bacalhau consumido no paiz, dá ura augmento de 2 décimos de real em kilogramma. (Muitos apoiados).

Eu comprehendo que se se fosse dizer ás associações, que nSo teem por dever ser conhecedoras de todos os assumptos económicos, que o bacalhau, que ó um alimento indispensável, vae ser sobrecarregado com um enorme tributo que o Ministro da Fazenda propõe, e que ellas, sendo interessadas, viessem reclamar: — mas o que é preciso explicar-lhes é que esse pequeno augmento de imposto, que é destinado para, com outras despesas, ir favorecer o desenvolvimento da riqueza publica,—representa um augmento de 6:000^000 réis applicaveis a fins úteis. (Apoiados).

É o arroz? Mas, Sr. Presidente, mais de uma vez tenho dito aqui que a proposta que diz respeito ao arroz tem

por fim desenvolver, legalizar, tornar regular, legal e pro-ductiva, uma cultura que não está auctorizada por lei no paiz. (Apoiados).
Eu reconheço a todos o direito de criticar os meus actos, como melhor entendam, e também o direito de reclamar contra as propostas que tive a honra de apresentar.
Mas o que seria natural era que, antes de fazer as ac-cusações que S. Ex.as fazem, as quaes, repercutidas, ampliadas e talvez mal comprehendidas lá fora, suggestio-nam os que, a sangue frio, reconheceriam que a verdade é outra,—que S. Ex.as, dizia eu, provassem que as minhas afirmações não são exactas, e que os resultados a esperar das propostas são outros! (Muitos apoiados}.
Quer V. Ex.a avaliar, Sr. Presidente?—JS'uma d'essas representações reclamava-se contra a proposta sobre o arroz, que tem por fim fomentar a receita publica ; e n'essa representação entrava em linha de conta a cultura do arroz n'uma determinada região onde era absolutamente prohibida,—quando pela proposta que trouxe á Camará eu estabelecia a cultura regular do arroz. Mas, Sr. Presidente, quando a necessidade de uma medida de caracter económico se apresenta ao Parlamento, não ha nenhum Governo, evidentemente, que não esteja sempre disposto a concordar com todos os alvitres e a escutar to das as reflexões que sejam uieis e sejam praticas sob o ponto de vista do bem publico, e se declare intranzigente até o ponto de rejeitar essas mesmas reflexões e esses alvitres. Somente, é preciso que os alvitres apresentados não destruam a obra realizada, e não falseiem os seus fins. (Muitos apoiados).
É certo, Sr. Presidente, que na proposta se exige um determinado sa"crificio: mas por acaso não advirão d'ahi resultados preciosos, e não será até um meio efficaz para se poder fazer um proveitoso tratado de cominercio com o Brasil?—Veja a Camará o «enorme» sacritício que o Ministro da Fazenda vem pedir.
O único paiz que dá passagens gratuitas é Portugal, e o nosso paiz, realmente, não está tão rico que possa deixar de receber o respectivo encargo. (Apoiados).-
Sr. Presidente: n'uma representação que tenho sobre a mesa, contra a proposta que diz respeito á cultura da beterraba, diz-se que essa proposta é destinada a aggravar a situação do contribuinte e que da proposta de lei que se refere á cobrança dos 50 por cento em ouro dos direitos aduaneiros deve resultar um augmento do ágio do ouro. Isto escreveu-se na tal representação a que me retiro, na qual se dá como razào do aggravamento do prémio do ouro o seguinte: — que sendo maior a procura do ouro, para os pagamentos aduaneiros, do que a offerta, fatalmente o prémio do ouro ha de aggravar-se.
Esta representação exprime-se assim, Sr. Presidente, porque aos seus signatários chegaram informações erradas: (Apoiados) — triste reflexo da maneira por que tem aqui sido apreciada esta proposta, maneira essa que desorienta absolutamente a opinião publica. (Muitos apoiados).
E é por este e semelhantes motivos que algumas associações do paiz protestam; é por este motivo que o Governo compra nas praças portuguezas 6.500:000)5000 de réis em cambiaes, por anno, para fazer face aoa encargos do paiz no estrangeiro.
O Governo compra-os hoje, como comprava hontem, e como comprava ha 4 ou 5 annos.
Ora, Sr. ^Presidente, o-que é que se pretende com essa proposta? E que, em vez de ser o Governo quem compre esses 6.500:000)5000 de réis em ouro, nas praças portuguezas— sejam os particulares. (Apoiados).
Onde é que se augmenta a procura?

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sultar —resultava, forçosamente— o encarecimento do ouro?!

Mas a verdade é esta: eu respeito sempre todas as reclamações que vêem ao Parlamento.

Desde que essas reclamações apparecem, o Parlamento consideral-as-ha e attendel-as ha, na sua alta sabedoria.

Só me não pude escusar a apreciar esta passagem de uma representação, para evidenciar de como a suggestão, partida d'aqui, pode desorientar os mais bem intencionados. (Apoiados).

Pois então o illustre Deputado, que é um defensor dos princípios liberaes e constitucionaes, traz á Gamara uma representação e dirige-a ao Governo? As representações devem drigir-se ao Parlamento Portuguez, que, sobre ellas, resolve na sua inteira e completa liberdade. (Apoiados).

Tanto mais, Sr. Presidente, quanto ó certo que, por mais de uma vez, o Governo tem feito a afirmação de que, nas questões de natureza económica, está disposto sempre a acceitar tudo quanto possa simplificar as suas propostas e mostrar que os seus intuitos não podem ser nem mais honestos, nem mais patrióticos. (Muitos apoiados).

Vêem as representações ; perfeitamente de accordo. Já outro dia tive occasíão de dizer que, no fundo, ha uma dualidade manifesta entre dois elementos poderosos do nosso paiz: entre o elemento commercial —que entende que a pauta de 1892 já é uma pauta excessivamente remuneradora— e o elemento industrial, que entende que essa pauta deve ser alterada.

E e?sa lucta constante e insistente que existe entre a industria, por um lado, e o commercio, por outro. (Apoiados).

Sr. Presidente: uma vez, a Associação Commercial de Lisboa representou contra o projecto da pauta.

Não era para estranhar, e mesmo era natural adraittir-se, que as associações acompanhassem o movimento da classe.

Pois, da mesma maneira, uma associação industrial preponderante, como é a Associação Industrial do Porto, representou, não contra as propostas de fazenda, mas, bem pelo contrario, — applaudindo muitas d'ellas e pedindo insistentemente a approvação da pauta.

Eis a causa do mal estar, e creio que não ha motivo algum para accusações acrimoniosas ao Governo! (Muitos apoiado»).

Como ó então que S. Ex.as dirigem contra o Governo accusações que não teem outro resultado senão desorientar a opinião publica? (Apoiados).

Sei bem, Sr. Presidente, o que ho]e se passa; se eu fosse um immodesto orgulhar-me-hia immensamente pela maneira corno foram recebidas as propostas de fazenda. (Apoiados).

A imprensa que trata —note a Camará— das questões financeiras e económicas, a imprensa política e até a im--prensa adversaria, alguma do partido em que o illustre Deputado milita recebeu com applauso essas medidas. (Apoiados).

O Sr. Francisco José Machado;—É como succe-deu com o contrato Williams!

O Orador: — Ora ahi está o illustre Deputado a dar-me, emfim, razão! (Apoiados). Quando se discutiu o contrato Williams, dizia-se que se ia dar, de mio beijada, ao concessionário, a nossa província de Angola. A concessão, como a Camará sabe. foi feita a uma empresa, e está garantida por ura deposito importantíssimo. Não sertío muitos os actos governativos de que resulte um lucro imme-diato tio importante, se tivermos a infelicidade de não se realizar esse melhoramento. (Muitos apoiados). !São réis õQO:OOOj>000, que estão na Caixa Geral de Depósitos.

Desde que a imprensa de todos os partidos, incluindo

' alguma do partido progressista, cobriu de applausos as propostas que tive a honra de apresentar ao Parlamento, — e estou bem certo que muitos dos Srs. Deputados, na sua consciência, hão de reconhecer que n'eseas propostas ha muito trabalho útil e aproveitável,—como é que me não hei de convencer de que o meu trabalho, longe de ser o que os illustres Deputados dizem, é bom para o paiz?
O Sr. Carlos Ferreira: — Qual foi a parte da imprensa progressista que applaudiu as propostas de fazenda ?
O Orador: — Por exemplo : o Primeiro de Janeiro.
"Uma VOZ: — O Primeiro de Janeiro não é progressista.
O Orador:—Ah! Não é? Pois eu estava convencido do contrario. Sempre tenho considerado o Primeiro de Janeiro como um jornal progressista, como um ornamento da imprensa progressista; mas reconheço que estava equivocado e, portanto, retiro a expressão.
É certo, porém, que o Primeiro de Janeiro publicou um artigo político em favor das propostas de fazenda. Por este artigo e pelo que li em outros jornaes, posso affirmar aos illustres Deputados que d'esta lucta contra o Governo não resulta um desenvolvimento crescente no partido republicano, como o Sr. Cayolla disse! (Muitos apoiados).
Não. Aos Governos, Sr. Presidente, respeitando todos os princípios, todos os direitos, todos os homens, aos Governos, como aos partidos monarchicos, incumbe a obrigação de defender as instituições contra os seus principaes inimigos.
Eu não quero dizer que o partido a que o illustre Deputado pertence defenda melhor ou peoras instituições do que as defende o actual Governo. O que é porém certo, o que ó absolutamente confessado, é que o illustre Deputado não pode affirmar com consciência que, dos actos do Governo, resulte uma mais violenta acção do partido republicano. Isso não é exacto. Esse partido organiza-se? Em 1899, dissolvia-se uma Camará que tinha três Deputados republicanos; depois d'isso fizeram-se eleições no Porto e não veio ao Parlamento um único Deputado republicano. (Apoiados).
A seguir, fez-se uma eleição municipal: não venceram os republicanos.
Ainda recentemente, na eleição municipal, houve uma lucta a sustentar com o partida republicano, — e os factos infligiram-lhe uma derrota em toda a linha! (Apoiados).
O illustre Deputado combate, como entende e quer, as propostas que eu tive a honra de apresentar ao Parlamento.
Está no seu plenissiino direito: eu lh'o reconheço. Peço porém ao illustre Deputado que acredite que não ama, que nSo quer mais ao seii paiz do que eu!
Tenho dito.— (Vozes: Muito bem).
(O orador não reviu).
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Paçô-Vieira): — Sr. Presidente: o illustre Deputado Sr. Cayola dirigiu-ine duas perguntas, a que vou responder em termos muito lacónicos.
Perguntou S. Ex.a se o Governo estava, disposto a fazer executar a sentença do tribunal proferida na questão Hcrsent?
A este respeito parece-me que S. Ex.Q foi erradamente informado. O Governo não tem que executar essa sentença porque ella está, na sua quasi totalidade, executada. (Apoiados).

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

O muro da alfândega tem soffrido demora na sua re-construcção por motivo de ser feita a obra debaixo de agua, sendo necessário aproveitar a maré conveniente, para se poderem fazer os alicerces; e, não se fazendo assim, podia succeder o que succedeu com o primeiro muro, que caiu antes de ser a obra entregue ao Estado.

Com relação ao cães de Santos, não se acha elle ainda completo porque eslá sendo feita uma modificação no projecto, que foi presente ao Conselho de Obras Publicas. Tendo-se levantado uma duvida, por parte do empreiteiro, foi necessário apresentar a questão á Procuradoria Geral da Coroa, e esta resolvel-a-ha em dois ou três dias.

Portanto, com relação a esta questão, está liquidado o incidente. (Apoiados}.

Com respeito á segunda pergunta do illustre Deputado, sobre se o Governo pensa em trazer á Camará qualquer projecto de lei ou qualquer resolução que acabe de vez com as questões levantadas, — tenho a dizer a S. Ex.a que está assigaado um contrato provisório com uma empresa portugueza, o qual, a meu ver, resolve por completo a questão.

Evidentemente, esse contrato que foi assignado provisoriamente, ha de vir ao Parlamento e n'essa occasião o illustre Deputado, como de resto toda a Camará, terão oc casião de reconhecer a forma e o cuidado com que o Governo Iratou este assumpto.

Sr. Presidente: julgo ter respondido, tanto quanto pôs sivel, ás perguntas do illustre Deputado. (Apoiados).

(O orador nSo reviu}.

O Sr. EusebíO da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa dois projectos de lei: um referente ao lançamento de contribuições municipaes sobre diversos géneros de consumo em Loulé e outro at-tinente a conceder a pensão vitalícia de 400)5000 réis á viuva do illustre official da armada Manoel Maria Dias de Nunes Carvalho, que ao nosso paiz prestou o relevante serviço de inventar torpedos lenticulares, que foram appro-vados pelo Governo em 1880 e são os únicos que se man-teem no seu logar na barra de Lisboa, onde as correntes s^o em extremo violentas.

Varias pensões se concederam já e se para ellas houve razões de existência, para a que eu peço, Sr. Presidente, ha-a e bastante. (Apoiados}.

O official Nunes de Carvalho podia ter deixado a família na abastança, se tivesse querido vender o seu invento a uma casa allemã. Não o fez; e a sua família ficou quasi na miséria. Por isso peço á Camará que considere e approve o projecto de pensão que tenho a honra de mandar para

a mesa.

Não quero deixar passar este momento sem, animado por uma alegria muito comprehensivel por muito patrio-%tica felicitar o Governo na pessoa do seu Presidente, e muito especialmente o Sr. Ministro das Obras Publicas, pela excellente resolução que acaba de ter a monumental questão do caminho de ferro da Beira Alta, que, no dizer auctorizado do jornal as Novidades^ era, não uin caso litigioso, mas uma extorsão violenta. E assim era. (Apoiados}. Ê certo que ao tribunal se deve a sentença, sem duvida justa, mas ao Sr. Ministro se deve também, e em muito, tão satisfatórios resultados. (Apoiados}.

E se é justo endereçar cumprimentos ao Governo, é

! também correcto e justo felicitar o nosso illustre collega

Sr. Alberto Navarro, advogado do Governo na questão,

em que mais uma vez demonstrou quão fundos são os seus

conhecimentos de jurisconsulto. (Apoiados}.

Como esteja presente o Sr. Conde de Paçô-Vieira, recordo a S. Ex.a o pedido que fiz na sessão passada, de urgentemente se mandar dragar a barra de Olhão. JuJgo ocioso repetir agora o que disse então, justificando esse pedido. É forçoso abrir um porto na costa sul á nave-

gação, em occasião de mau tempo, e nenhum outro está em melhores condições.
Aproveito também o ensejo para dizer ao Sr. Ministro que a forma por que foram construídas as obras de arte na linha férrea entre Faro e Olhão deixa muito a desejar. Assim, em Olhão, perto do cemitério a linha passa em trincheira funda, cortando a estrada que liga Faro a Olhão, quasi em angulo recto. Pois a ponte feita sobre a linha foi construída perpendicular á linha em angulo com a estrada, o que é assombroso. O que se fez é inacreditável l
Não quero imputar responsabilidades nem fazer accusa-ções, e muito menos ao engenheiro Mendes, encarregado da construcção, em quem reconheço competência, mas os factos são factos. É preciso corrigir e peço ao Sr. Ministro que o mande fazer urgentemente, porque assim como está é feio, é incommodo e é perigoso.
Por ultimo, Sr. Presidente, pedirei ao Sr. Ministro das Obras Publicas que faça installar vagons frigoríficos, próprios para conducção de peixe, na linha de Faro a Lisboa. S. Ex.a reconhece, decerto, a necessidade e alta conveniência d'esta medida, e por esta razão dispenso-me de fundamentar o pedido que apresento.
(O orador não reviu}.
Os projectos ficaram para segunda leitura.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Publicas.
Previno S. Ex." de que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Paço Vieira): — Farei a diligencia por ser breve.
O illustre Deputado Sr. Eusebio da Fonseca referiu-se á decisão do tribunal arbitrai na questão do caminho de ferro da Beira Alta.
Agradeço a S. Ex.a as palavras que teve a amabilidade de me dirigir.
Devo dizer que não tive de intervir n'esae assumpto e que apenas me limitei a aguardar serenamente os acontecimentos, esperando que esse tribunal fizesse justiça. E justiça foi feita. (Apoiados}.
Com relação ás dragagens nas aguas do Olhão e Faro, devo informar que não se procedeu a esse trabalho, assim como na barra da Figueira, por não haver draga.
Sendo assim, entendi que o melhor era adquirir uma draga e destinei 80:000^000 róis para a acquisição do apparelho, que dentro de poucos dias possuiremos.
Acerca da acquisição de vagons frigoríficos próprios para conducção de peixe, nas linhas de sul e sueste, concordo com o alvitre apresentado pelo illustre Deputado e hei de recommendal-o ao conselho do caminho de ferro.
(O orador não reviu}.
O Sr. Sousa Tavares:—Mando para a mesa a se guinte
Partloipaç&o
Participo a V. Ex.a e á Camará que se acha constituída a commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo escolhido para presidente o Sr. Deputado Abel Andrade e a mim para secretario. = Sousa Tavares.
Para a acta.
O Sr. Presidente: —Vae passar-se á ordem do dia e convido os Srs. Deputados que pediram a palavra o tiverem papeis a apresentar, a mandal-os para a mesa.
O Sr. Reis Torgal:—Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda que concede ao arraes Gabriel AnçS, da villa de Ilhavo, a pensão diária de 400 réis.

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O Sr. Alexandre Cabral:—Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Roqueiro que, pelo Ministério das Obras Publicas, me seja enviada uma nota,' relativa aos districtos do Porto e de Braga, das verbas destinadas, nos annos económicos de 1901 a 1902 e 1902 a 1903, para a construção de cada uma das estradas reaes e districtaes, e das verbas que foram effectivamente gastas em cada uma d'ellas.= Alexandre Cabral.

Mandou-se expedir.

OKDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer sobre as emendas apresentadas durante a discussão do projecto de lei n.° 4, que manda cobrar 50 por cento em ouro dos direitos alfandegários

O Sr. Rodrigo Pequito (relator): — No seu entender vae já tão larga a discussão d'este projecto que, para não concorrer por sua parte para que ella ainda se alongue mais, será brevíssimo na resposta que tem a dar ao Sr. Deputado Mello e Sousa.

Não quer S. Ex.a que, na Camará, o considerem como presidente da Associação Commercial. Com effeito, não é n'essa qualidade que S. Ex.a n'ella tem logar, mas não ó possivel esquecer que S. Ex.a tem esse titulo e n'isso não ha nada que o deslustre, pelo contrario, ha uma affirma-ção de consideração pela Associação Commercial. Mas S. Ex.a, que não quer que o considerem aqui n'essa qualidade, tomava, a breve trecho, a defesa do commercio, que ninguém atacara.

Disse S. Ex.a que, injustamente, se attribuia sempre ao commercio o aggravamento da tributação, quando a verdade é que não era mais do que uma victima. Ninguém disse semelhante cousa, mas, desde que S. Ex.a se referiu ao assumpto, seja-lhe perrnittido observar que do que ha queixas é do commercio meudo, a propósito de qualquer pequeno aggravamento de impostos augmentar em proporção exagerada o preço dos artigos.

Na nova área annexada a Lisboa sabe elle, orador, que houve commerciantes que augmentaram o preço do bacalhau e do assucar, quando todos sabem que esses géneros não estão sujeitos ao imposto do consumo.

Mas, pondo de parte essas considerações, a que só incidentemente se referiu, vae occupar-se exclusivamente do projecto, e como o Sr. .Mello e Sousa declarou que punha de parte a questão de doutrina para só o encarar sob o lado pratico, é também sob o mesmo ponto de vista que responderá a S. Ex.a

O Sr. Mello e Sousa condemnou o systema da media, para o effeito do calculo para o pagamento dos direitos em ouro. O systema de medias não é, com effeico, perfeito, mas até hoje ainda não se descobriu melhor e, portanto, não ha remédio senão adoptal-o.

A media de uma quinzena, afigura-se a S. Ex.a, pode dar logar á especulação, e por isso entende preferível adoptar-se o cambio do dia. Ao contrario, porém, de S. Ex.a, elle, orador, ó de opinião que essa especulação pode mais facilmente dar-se com o systema por S. Ex.a proposto.

Notou também S. Ex.a que no projecto, a propósito da moeda, se davam como iguaes, cousas que eram desiguaes, e a propósito disse que era um erro censiderar-se que um cheque sobre Athenas tinha o mesmo valor do que um cheque sobre Paris. Ninguém ignora isso, mas desde que no projecto se faz referencia á moeda latina pouco importa que o cheque seja sobre Athenas desde que seja pago em Paris. Se houver prejuizo é para quem tomar o cheque.

Perguntou depois qual era a moeda dos cheques sobre Amsterdam, por isso que no projecto não se falava na

moeda hollandeza. Os cheques sobre essa praça, segundo a letra do projecto, podem ser feitos em libras, marcos ou em qualquer moeda da união latina. Além d'isso, como ! S. Ex.a não ignora, o caso está previsto no Código Commercial.
Depois, no entender de S. Ex.a, confundiram-se cheques com letras á vista, que são cousas differtintes. Não ha tal confusão; consideram-se apenas iguaes para os ef-feitos do pagamento.
Entende também S. Ex.a que a acceitação da proposta do Sr. Espregueira para que o pagamento dos direitos possa ser feito também em coupons da divida externa, acções da Companhia Real ou dos tabacos, só serve para complicar ainda mais o projecto, porque obrigará a cálculos morosos. Não vê elle, orador, esse inconveniente, porque o quadro do pessoal ordinário dispõe hoje de empregados habilitadíssimos.
A proposta do Sr. Kendall, que a commissão acceitou, só teve em vista, na opinião de S. Ex.a, enterrar o projecto. Não pensa da mesma maneira a commissão e o Governo, que a acceitaram, porque desde o principio se fez a declaração de que, não sendo o projecto de caracter po-litico, se acceitariam todas as emendas que tendessem a melhoral-o.
Referindo-se em seguida ao valor pelo qual haviam de ser tomadas as moedas, mostrou S. Ex.a a diíferença que havia entre cilas quando adoptado o cambio par. Essa dif-ferença existe porque a paridade geralmente adoptada não é a verdadeira, mas desde que se queira ser rigoroso já essa differenca desapparece. A paridade rigorosa é: 178,58 para o franco e 220,47 para o marco.
Foram estes os pontos em que o Sr. Mello e Sousa insistiu no seu discurso e a que elle, orador, crê ter cabalmente respondido, demonstrando que, ou S. Ex.* não conhece estas questões senão muito pela rama, o que não ó admissível, ou que só fez essas aífirmações por politica e para tirar effeitos políticos.
A proposta que estabelece o limite de 24 por cento não se refere, porque esse assumpto já foi suficientemente esclarecido pelo Sr. Ministro da Fazenda e pelo auctor da proposta.
(O discurso será publicado na iiifegra quando o orador restituir as notas tachygraphicas),
O Sr. Francisco José Machado: — Mo contava voltar a occupar-se d'este projecto, mas é forçado a isso pelas heresias que tem ouvido ao Sr. MLaistro da Fazenda.
Hontem saiu da Gamara verdadeiramente impressionado com o" discurso do Sr. Mello e Sousa, que de uma forma pratica levou a todos o convencimento de quo o projecto era inacceitavel. Mas se o discurso do Sr. Mello e Sousa o deixou tão impressionado contra o projecto, as palavras pelo Sr. Ministro da Fazenda hoje proferidas antes da ordem do dia ainda mais o impressionaram.
Para se ser Ministro é necessário mais alguma cousa do que ter vontade de o ser; é preciso ter competência, e essa é que elle, orador, não reconhece no Sr. Teixeira de Sousa.
O Sr. Ministro da Fazenda accusou a opposição de incitar o povo á revolta, dizendo-lhe que o Governo pretende arrancar ao paiz mais 2.000:000^000 réis de impostos.
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sonsa):— V. Ex.a dá-me licença ? De forma alguma eu disse, ou tive intenção de dizer," que a opposição incitava o povo á revolta. Nem assim podia ser, desde que nunca tive semelhante pensamento.

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agita o paiz é porque não pode, e que, se todos pensassem como elle, com certeza que já este Governo não estaria no poder.

Diz S. Ex.a que não são 2:000 contos de impostos que se pedem ao contribuinte. Ha uns poucos de dias que no jornal O Mundo, que é o primeiro jornal que lê todos os dias, tem a franqueza de o declarar, se lê uma passagem do discurso do Sr. Ressano Garcia sobre as propostas de fazenda em que se transcreve o seguinte: «De todas estas propostas resultarão novos impostos no valor de 2:000 contos.—O Sr. Ministro da Fazenda : Apoiado, apoiado». E o Sr. Ministro da Fazenda, que hoje disse que não se pediam 2:000 contos de impostos, quem, quando o Sr. Ressano Garcia fazia essa afnVmação, o interrompia para dizer — apoiado, apoiado.

E em tudo assim o Sr. Ministro da Fazenda: uma serie constante de contradições.

A respeito do bacalhau disse S. Ex.° que' o imposto que se lanceava era insignificante, apenas de dois décimos de real em kilogramma.

Ora não é assim, o imposto ó de 3 réis, e como não ha essa moeda, ha de ser pago pelo consumidor por b réis. Esses õ réis,'multiplicados por 200.190:000 kilogrammas de bacalhau pescado por navios portugnezes, dão uma verba importante, e se se lhe juntar, como é justo, igual aggravamento nos 25.000:000 kilograramas de bacalhau importado, temos que o novo imposto produzirá réis 120:0000000.

Relativamente ao arroz disse o Sr. Ministro da Fazenda que o que se fazia era legalizar a cultura, que até aqui era prohibida, mas não é assim: o que se faz é prohibil-a por completo, porque a tributação é de tal ordem que não deixa o sufficiente para as despesas do cultivo.

No que se refere á beterraba o caso é ainda mais curioso. Acham hoje bom o que reputavam péssimo quando apresentado pelos Srs. Emygdio Navarro e Ressano Garcia. Todos hão de estar lembrados de que o partido regenerador levantou até a esse respeito o que chamou uma campanha de moralidade.

A proposta das estradas não quer S. Ex.a que seja um novo imposto, mas não é outra cousa. O Governo dispensa-se d'essa despesa e aos contribuintes são pedidos mais 900:0003000 róis para esse fim.

A este respeito, com a lealdade que o caracteriza, deve dizer que da ultima vez que falou se enganou affirmando que esse imposto era de 1.200:0005000 réis, pois revendo os seus cálculos verificou que era de 900:000->000 réis.

O Sr. Ministro da Fazenda quando apresentou ao Parlamento o seu programma financeiro alcançou applausos de todos, mas a breve trecho esqueceu se de tudo e tem feito o que todos teem visto.

ííão cumpriu nada, nem o podia cumprir, porque o Sr. Hintze Ribeiro não lh'o consentiria; mas tivesse a hombridade de fazer o mesmo que o Sr. Anselmo de Andrade.

ISfessa occasião, respondendo ao Sr. Fuachini sobre os direitos em ouro, o Sr. Teixeira de Sousa disse que entendia que esse systema se devia adoptar, mas sem de modo nenhum aggravar as taxas e collocar em difficulda-des o cominercio e a industria.

Easa foi a affirmação de S. Ex.a na sua apresentação como Ministro da Fazenda, mas os seus actos ahi estào a desmentil-o por completo.

Disse mais que o Governo e as commissões estão dispostas a attender todas as reclamações justas. E o que se está vendo. Vêem representações de todos 09 lados, mas não consta que uma só fosse attendida. E não o é porque o Governo, que é quem tudo manda, não quer. A maioria, por maior que seja o seu desejo, não se lhe pode oppor, porque todos sabem que os Deputados uào representam o paiz, mas o Governo que os trouxe á Gamara.

A proposta que apresentou na discussão d'cste projecto

não foi acceite porque, dizem, alterava a economia do projecto. Mas então confirmam que elle tem um fim unicamente fiscal, e n'esse caso era melhor e mais fácil elevar simplesmente as taxas.
Dizem que o projecto ha de fazer reduzir o ágio. E uma illusão. Nunca deu esse resultado em parte alguma.
Este projecto, como todos os outros do Sr. Ministro da Fazenda, é insustentável, e o Governo o que tem a fazer é, ao contrario do que hontem disse o Sr. Presidente do Conselho, abandonar o poder, antes de ter que o fazer á força. O merecimento de um Governo está em saber sair a tempo.
O Sr. Hintze Ribeiro, ao que parece, pensa ainda em fazer as eleições. Ha de ser uma cousa curiosa, mas se tal succeder, junta os seus parabéns aos do Sr. Fialho Gomes ao Sr. Mello e Sousa.
O projecto, não se cansa de o dizer, não pode ser acceite, sobretudo depois de estabelecido o limite do cambio a 24, jiorque dá em resultado desigualdades flagrantes. Para evitar isso propõe que o projecto volte á commissão.
Uma outra proposta tem também a apresentar, e para que chama a attenção do Sr. Ministro da Fazenda.
Estando já ha tempo vagos os legares do administrador geral das alfândegas e de director geral da contabilidade publica, e tendo-se reconhecido que nem por isso os serviços teem deixado de correr com toda a regularidade, propõe, como medida económica, que se supprimam esses ogares.
Esta proposta, diz o orador, tem todo o interesse para ) Sr. Ministro da Fazenda, porque desfará o boato deprimente que corre no publico de que S. Ex.a está guardando esses logares para si, o que é inacreditável, porque S. Ex.a ainda hoje declarou que é um homem de brio.
O seu intuito mandando-a para a mesa é evitar um verdadeiro desastre para o Sr. Ministro da Fazenda. N Só pode de maneira alguma acreditar que sejíim verdadeiros os boatos que correm de que S. Ex.a o que pretende com tudo isto é alcançar o logar de director geral das 'alfândegas; e não acredita, porque S. Ex.a não tem competência para tal cargo. É muito grave entregar a direcção geral das alfândegas a um indivíduo que nào tenha competência technica e não seja um perfeito conhecedor de todos os assumptos que estão sujeitos ao seu estudo.
Quanto ás iinmensas representações que de todos os pontos do paiz teem vindo á Camará protestando contra as medidas de fazenda, tem elle, orador, a dizer que não conhece a maior parte d'ellas, nem o que ellas conteem, e por isso manda para a mesa uma proposta no sentido de se mandarem imprimir todas essas reclamações.
O Governo, e especialmente o Sr. Ministro da Fazenda, não quer acreditar no movimento verdadeiramente extraordinário de protesto que vae pelo paiz fora; mas é necessário que acredite, porque os protestos teem sido geraes e o povo está no propósito de não pagar mais.
Se S. Ex.a não pode voltar atrás com as suas propostas, retire-se.
iíunca no paiz houve um Governo mais prejudicial do que o actual.
Tem-se assistido a factos que podem ter consequências muito desagradáveis para o paiz. Para comprovar esta sua asserção cita o ultimo comício realizado no Porto, em que se soltaram, entre outras phrases que merecem meditação, a seguinte: «Se for preciso, caminhar-se-ha até á revolução ».
O partido de que elle, orador, faz parte já declarou que estava ao lado do Governo na manutenção da ordem publica; mas é necessário que o Governo não provoque a desordem.
O projecto que actualmente se discute vae aggravar profundamente uma cultura nacional.

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Todos os seus collegas já teem ponderado quanto c gra vê e serio o que se está passando no paiz, mas S. Ex.as talvez ainda não saibam, o seguinte:

Por um telegramma que tem na sua carteira, e que vae ler, vê-se que a Inglaterra pretende reclamar contra os direitos aduaneiros em ouro. Pergunta elle, orador, se já chegou á chancellaria portugueza aquella nota do Governo inglez. O Sr. Ministro da Fazenda já tem d'ella conhecimento ?

E muito conveniente que se saiba isto.

Certamente o Sr. Ministro da Fazenda nào ignora que a Inglaterra é um dos maiores centros de consumo dos nossos productos; e portanto se ella elevar demasiadamente os direitos de importação d'esses productos, para onde os havemos de mandar?

O projecto que está em discussão era absolutamente desnecessário. 'Uma boa administração das alfândegas valia mais que o projecto em discussão.

Está elle, orador, profundamente convencido de que todas as propostas qu« o Sr. Ministro da Fazenda trouxe á Camará são inconvenientes para o paiz, e que S. Ex.a a única cousa que pretende é lançar mais impostos ao contribuinte, que não deve, nem pode pagar mais.

A administração do actual Governo tem sido ruinosa, desgraçada e inconveniente, não se importando que o povo tenha fome.

Citam-se exemplos do que se faz lá fora, mas só exemplos do que ó mau; o que ó bom não se traz para o nosso paiz.

Prouvera a Deus que o nosso Governo seguisse exemplos como o que ultimamente se deu na Allemanha, por occasião do anniversario do Imperador, que se interessa profundamente pelo seu povo.

Dizia elle que o dinheiro que se havia de gastar com luminárias, bombas e foguetes para festejar o seu anniversario, se applicasse em pão e outros géneros alimentícios para serem distribuídos pelos necessitados.

No nosso paiz o responsável de todos os desperdícios que se praticam não é El-Rei, é o Governo.

Em seguida o orador refere-se a varias gerências de situações regeneradoras, e affirma que só em dois annos houve um augmento de despesas de 28.000:000^000 réis, que foi seguido por outros augmentos na importância, utn de 7.000:0003000 réis, e outro de 14.000:000,9000 réis.

Não pode comprehender como depois d'estes augmtmtos de despesa uma situação regeneradora tenha coragem para vir pedir mais impostos ao paiz, e com o fim único de augmentar a lista dos escandalosos esbanjamentos praticados, como mostrará quando for discutido o orçamento. Quando os Ministros não zelam os dinheiros do paiz, praticam um verdadeiro crime.

Em presença de semelhantes processos de administração, chega elle, orador, a ter medo do futuro do paiz se os Srs. Ministros teimarem em não deixar o poder.

Tinha ainda o orador muitas mais considerações a apresentar, mas como está fíitigado, põe termo ao seu discurso, dizendo que o paiz, não pode pagar mais impostos, nem o deve fazer, visto que o Governo nada tem feito em seu favor.

Termina mandando para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho que sejam impressas todas as reclamações e representações que teem sido enviadas a esta Camará protestando contra as propostas de fazenda aqui apresentadas, para serem distribuídas pelos Srs. Deputados, a fim de as poderem estudar e apreciar.—-í1. J. Machado.

A experiência e a pratica de muitos dias teem levado ao convencimento publico que se pode dispensar o administrador geral das alfândegas e o director geral da contabilidade publica,, pois que os serviços teem corrido cuin

toda a regularidade desde o fallecimento d'aquelles illns-tres funccionarios. E como o Sr. Ministro da Fazenda declarou, no seu discnrso-programma inserto a pag. 11, l-a colurnna do Diário das SBSKÕP.S dos Senhores Deputados n.° 28, de 3 de março de 1903, que é preciso reduzir as despesas publicas :
Proponho que sejam snpprimidos aquellcs logares para se fazer a economia dos seus ordenados, o que é tão necessário numa época tão calamitosa que o Governo reconhece a inadiável necessidade de pudir ao contribuinte mais 2.000:0006000 réis de impostos. = F. J. Machado.
Em virtude das poderosíssimas e irrespondiveis razões apresentadas, durante a discussão do projecto, e tendo-se mostrado que elle é em parte inexequível e eni parte ini-quo e desigual: proponho que o projecto volte á commis-são para novamente ser estudado e modificado de forma a desaparecerem os effeitos e inconvenientes que realmente n'elle existem.= 2''. J. Machado.
Furam todas admiiiidas á discussão com o parecer.
(O discurso strá publicado na integra quando o orador restituir as notas taclrygraphicas).
O Sr. Claro da Rioca: — Começando as suas considerações, como terminou o orador que o precedeu, diz que muito teria que expor sobre o assumpto, em opposi-çào ás afirmações feitas por S. Ex.a, mas, como muito bem disse o relator do parecer, nào é nesta altura do debate que um membro da maioria deve protelar a discussão.
Não o fará, pois; mas não pode deixar de refutar algumas das affirmativas do Sr. Francisco Machado.
Disse S. Ex.a que as suas considerações são derivadas de muito estudo e de muito trabalho. Será assim; mas os oradores que se levantam do lado da maioria também estudam e trabalham para apresentar a sua opinião e sus-tental-a.
Com elle. orador, assim succede. As suas affirmações resultam de uma convicção sincera e de um estudo cuidado do assumpto.
O orador que -o precedeu apresentou as considerações que mais de uma vez tem feito e affirmou.que o projecto em discussão é inconveniente e ruinoso para o paiz.
Não «stá de accordo com tal affirmação, pois que, pelo contrario, da approvaçao do projecto deve resultar uma diminuição de encargos e um abaixamento no ágio do ouro.
Para justificar esta asserção apresenta o orador alguns cálculos relativos aos direitos pagos ein ouro e respectivos ágios.
A diminuição do ágio do ouro, que o Governo entende poder resultar da economia do projecto, não é exclusivamente derivada d'elle, mas sim da sua concorrência com a execução de outros projectos, como o do contrato com o Banco de Portugal. Se da execução d'eBtas medidas resulta uma melhoria de situação, se resultam vantagens, não ó de mais que o paiz compense, satisfazendo os respectivos encargos.
Não tem também razão o Sr. Francisco José Machado em dizer que, posta em pratica a proposta do Sr. Kendall, desapparece por completo o effeito fiscal do projecto, pois que a maneira df-. calcular o ágio não permitte que tal succeda, e além d'isso porque o limite estabelecido n'umu proposta obedece ás leis geraes.
Para justificar esta animação, aponta o orador alguns exemplos e, depois de responder a outros pontos do discurso do orador precedente, termina dizendo que, pelo estudo qne tem feito do assumpto, está convencido de que felizmente para o paiz o ágio não subirá além de 24 por cento, nem mesmo attíngirâ este limite estabelecido.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Francisco José Machado: — Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço «i V. Ex.a que se digne mandar verificar se ha numero na sa\a.= F. J. Machado. É lido na mesa. Fez-se a contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: — Estão presentes 58 Srs. Deputados. Ha, portanto, numero sufficiente para a sessão pro-seguir.

O Sr. Clemente Pinto: — Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que V. Ex.a consulte a Camará se consente a prorogação da sessão até se votar o parecer em discussão. = Clemente dos Santos Pinto.

Lido na mesa, é posto á votação approvado.

O Sr. AugrustO FuscMni: — Na sessão passada o Sr. Mello e Sousa expoz, acerca das emendas em discussão, alguns raciocínios que lhe pareceram da maior impor tancia. Principalmente as considerações que se referem á emenda acceita pelo Governo e pela commissã'o respectiva, limitando o prémio do ouro a 24 por cento e determinando que acima d'este máximo se entregue aos importadores as sommas totaes correspondentes ao respectivo prémio do ouro.

Estudou com a maior ponderação esta emenda e no seu espirito ficou uma multidão de duvidas, para não dizer outra phrase a este respeito.

Não discutirá o projecto, acceita-o como já votado pela Camará. E sincero parlamentar; as maiorias decidem, subordina-se á sua decisão, muito embora mantenha as suas opiniões anteriores.

Cumpre-lhe, porém, defender a obra da Camará e evitar que as emendas o venham deturpar, principalmente esta que altera o projecto na própria essência.

E possível que repita argumentos já apresentados, mas visto que elles não foram destruídos por outros de valor, cumpre-lhe dar-lhes nova forma clara e pratica, a fim de que o Parlamento e o paiz possam bem apreciar a verdade e a exactidão das suas doutrinas.

A emenda introduzida no projecto modifica profunda mente a sua essência e inutiliza-o nos seus fins. Foi este ponto que tratou excellentemente o Sr. Mello e Sousa, prestando, na sua opinião, um excellente serviço ao paiz. Declara que mantendo excellentes relações sociaes com este Deputado, não tem a honra de ser seu amigo intimo, o que muito desejaria, nem seu amigo político, o que não suppõe que possa ser jamais,

Também não faz política; demais se tem abusado d'ella; demais tem ella sido nociva para o paiz, a quem se dirige n'este momento, como Deputado nacional e independente. Na sua opinião, as consequências absurdas da emenda resultam de um simples lapso de revisão typographica. Só assim se pode explicar a acceitação de uma emenda cujos resultados seriam contradictorios, absurdos e até suspeitos. N'uma hora desfar-se-hia pela base um longo trabalho de vinte dias de discussão !

Triste exemplo de incoherencia e de falta de ponderação, que o Parlamento Portuguez não daria ao paiz e ao estrangeiro; por isso affirma que tudo provém de um lapso de revisão, que no artigo 3.° deixou escapar duas palavras. É, pois, uma simples questão que pode resolver a commissão de revisão.

Vae demonstral-o á Camará, introduzindo no artigo as palavras omittidas.

Nova redacção:
Artigo 3." Quando o prémio do ouro, fixado nos termos do § 3.° do artigo 1.°, for superior a 24 por cento, far-se-ha a deducçãp do excesso, no pagamento dos direitos de todas as mercadorias, pela forma determinada no § 2.° do mesmo artigo, e por igual se cobrará o addi-cional a que se refere o artigo 2.°
Foi a simples omissão typographica ou de revisão das palavras do excesso que deu á construcção dos periodos do artigo as suas consequências absurdas e contradicto-rias, com os fins que o Governo e a Camará tiveram em vista, e foram sustentados e combatidos com valiosos argumentos, vencendo emfim por grande votação a opinião governamental.
De contrario, as conclusões seriam tristíssimas.
Todos conhecem ou devem conhecer as disposições do projecto; não voltará, pois, a ellas.
Admitta-se que um importador de qualquer mercadoria, sobre a qual incide o pagamento em ouro, a despa-hou em determinada quantidade e em certa semana, durante a qual o prémio do ouro foi de 24 por cento, e que pagou 100$000 réis de direitos, dos quaes 50 por cento ou metade em ouro.
Deve suppor-se que esta metade em ouro lhe custou õO^OOO-f 12ô!000= 623000; a totalidade dos direitos para este importador elevou-se a 112^000 róis.
Na semana seguinte, de um eabbado para uma segunda feira, outro importador da mesma mercadoria despachou igual quantidade; mas sendo o prémio do ouro de 24,1 por cento. A totalidade dos direitos montaria a 112(5*050 réis. Ora, n'este segundo caso, subsistindo a letra do artigo 3.° com o lapso de revisão, o importador receberia por encontro 12^050 réis, isto ó, pagaria apenas 100^000 róis pela mesma quantidade de mercadoria pela qual o primeiro, 48 horas antes, pagou '112)5000 réis.
Enorme, absurda e espantosa desigualdade para os importadores; considerável prejuízo para o Thesouro, que não podem defender razões ou argumentos de qualquer ordem. Mais ainda; se as condições económicas do paiz, ou a acção duradoura de causas externas, aliás já bem evidentes e temerosas, elevarem durante longo período e normalmente o prémio do ouro acima de 24 por c«nto, a lei se"rá completamente annullada nas suas principaes consequências e effeitos, deixando apenas subsistir as diffi-culdades das operações bancarias a que ficam sujeitas as estações aduaneiras!
Este perigo é imminente. Hoje o cambio Lisboa-Lon-dres está a 42 13/io por cento, correspondendo o prémio do ouro a 24,4 por cento; ora este cambio offerece grandes tendências para descer, por causas conhecidas.
Tudo isto constituiria uma flagrante contradicção, que poderia attribuir-se a leviandade ou ignorância dos homens públicos portuguezes, o que contribuía para desprestigiar o Parlamento.
Alem d'isso a redacção proposta prestava-se a enormes sophismas. Sabe-se que um grande numero de mercadorias existe em deposito na alfândega e são despachadas á proporção das necessidades commerciaes e do consumo. O commercio aproveitava as occasiões favoráveis, visto que de antemão conhece o prémio do ouro, que ha de regular em certa semana. Comprehende-se, ainda, que esta disposição seria um convite para se elevar, ou procurar elevar o prémio do ouro, defraudando assim o fisco e prejudicando a economia nacional.

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prever-se operações que actuariam momentaneamente no movimento do prémio do ouro.

Por todas estas razões, acredita que a redacção dos artigos é viciosa e omissa.

Pelo contrario, se o reembolso aos importadores se fi zer apenas no excesso do prémio do ouro acima de 24 por cento a disposição ficará justa, igual, e o projecto pri-initivo perderá alguns dos defeitos mais importantes que a discussão eaclareceu.

Julga este ponto o mais importante; não deixará, porém, de se referir a outros, embora muito succintamente.

Este projecto precisa ser cuidadosamente regulamentado, aliás pode envolver graves difficuldades na pratica

Disse o Sr. Mello e Sousa que o projecto permittia o pagamento dos direitos em moeda em cheque de todos os paizes da União Latina.

O Sr. Ministro contestou dizendo que a alinea c) do ar tigo 4.° determina que os cheques em letras deverão ser sobre Londres, Paris, Berlim, Bruxellas e Amsterdam.

Mas também é verdade que o § 3.° do artigo 1.° diz pela media do cambio á vista sobre Paris, sempre que o pagamento se fizer em moeda de ouro ou em papel que represente moeda de ouro da União Latina.

Mais ainda: a alinea 6) do artigo 4.° auctoriza o paga mento dos direitos em moedas de ouro inglezas, ou das nações que fazem parte da União Latina.

Se pode haver, pois, duvidas sobre os cheques ou letras, que aliás não podem resistir ás disposições expres sãs citadas, o mesmo não acontecerá com a moeda.

Em que paridade receberá a alfândega as moedas d'es tes paizes?

A paridade monetária da libra esterlina ó:

Em francos.............................. 25,2215

Em marcos.............................. 20,4294

Mas a acção cambial modifica muitas vezes estas pari dades fixas, que resultam do toque da moeda. Assim, hoje os câmbios dão o seguinte:

Libra esterlina, 25,16 francos.

Libra esterlina, 20,48 marcos.

Se a lei vigorasse, quem tivesse de pagar 90$000 réis em ouro fal-o-hia com 20 libras esterlinas.

E se o quizesse fazer em francos? O calculo seria a 180 réis, isto é, na paridade usual?

Então com 19-17 shillings compraria 500 francos, pagaria os direitos e embolsaria 3 shillings. Em sommas importantes este artificio será attendivel.

Como se poderá evitar isto? -Calculando dia a dia as os-cillações dos câmbios, o que tornará as alfândegas de Lisboa e Porto verdadeiras casas bancarias.

Se a nossa administração aduaneira é já morosa, como ficará ella, dificultada por tantas operações, realizadas por empregados responsáveis, pouco aptos ein geral para operações d'esta natureza e privados de elementos de informação.

Ora, tudo que elle, orador, «apontou, se accentua ainda com as moedas de outros paizes; por exemplo, os francos belgas não correspondem aos francezes, apesar das duas nações pertencerem á União Latina.

Tudo isto demonstra que esta lei carecerá de ser cuidadosa e habilmente regulamentada.

Por ultimo, vae referir-se a outra emenda, que também foi acceita pela commissão. O pagamento dos direitos poderá ser feito em coupons da divida externa portugueza e das Companhias Portugueza dos Caminhos de Ferro o dos Tabacos.

Pelo que respeita aos primeiros, nada tem a objectar; apenas nota que a Camará de Lisboa também possue divida externa, na Allemanha, e que não ha razão para excluir estes títulos, que aliás são pagos pelo Thesouro. Não

se recorda se a Camará do Porto tem divida no estrangeiro; mas, se a tem, deve ser também comprehendida.
A nação, assim, valoriza o seu papel; porque o Estado é composto de todas as administrações nacionaes.
N'este caso, não ha que contar juros, porque o Thesouro receberá os coupons que terá de pagar.
O mesmo não succede com os coupons das companhias. Aqui, o Estado ó um simples cobrador, que bastante deve pagar-se do juro do dinheiro desembolsado.
Este facto traz ainda para as alfândegas a difficuldade do calculo, dia a diu, do juro ato ao do vencimento do coupon.
Alem d'isso, que vantagem tira d'aqui o Thesouro? Valorizar o papel das companhias, em divida; porque a simples acceitação de certo papel nos pagamentos ao Thesouro dá credito a esse papel.
Então, estendamos esse beneficio a todas as companhias, que tenham empréstimos externos.
ISfa sua opinião não se deve fazer isto, pelas difficulda-des que provêem para as estações aduaneiras. Apresenta, pois, a seguinte emenda:
Artigo 4.°, alinea á) Coupons da divida externa portugueza e da Camará Municipal de Lisboa pela importância effectiva a pagar, devendo estes coupons referir-se ao semestre corrente em que se verificar o pagamento, ao seguinte se pertencer ao mesmo anno económicos
Esta emenda simplifica consideravelmente o serviço bancário das alfândegas.
Deve notar que os semestres dos coupons carecem de pertencer ao mesmo anno económico, aliás o Thesouro fará uma despesa para a qual não está auctorizado, visto que os orçamentos são approvados e calculados para cada anno económico.
Termina, dizendo que o projecto em discussão está ainda muito verde. Carece de ser estudado e meditado.
Pretender amadurecel-o á força seria um grave erro. Ás vezes, quando se quer artificialmente amadurecer a fructa, consegue-se apenas a podridão.
(O discurso será publicado na integra quando 8. Ex.* restituir as n'.tas tachygraphicas).
O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Sr. Presidente: eu não venho fazer um dúcurso em resposta ao illustre Deputado Sr. Fuschini: — «nho dar simples e claras explicações, como entendo que é do meu dever.
Discutiu-se muitas vezes n'esta casa do Parlamento, ao apreciar-se o projecto de que este parecer que está em discussão faz parte, o gravame que poderia resultar para os exportadores e importadores, quando o prémio do ouro subisse para cima de 24 por cento: c era condição minha e dos meus amigo's que, das propostas em discussão,— quer da que se refere ao contrato com o Banco de Portu-_ il, quer da relativa á cobrança de õO por cento em ouro dos direitos aduaneiros, — havia de resultar uma modificação cambial, no sentido da sua melhoria, e por forma nenhuma se podia dar a hypotbese do prémio do ouro ir para cima de 24 por cento.
Muitas vezes, Sr. Presidente, este assumpto foi versado a outras tantas se deu resposta aos illustre*s Deputados que o trataram; mas, a certa altura do debate, o illustre Deputado Sr. Kendall mandou para a mesn a emenda, facto a que o illustre Deputado Sr. Fuschini se referiu hoje, como já hontem tinha sido apreciado pelo illustre Deputado Sr. Melio e Sousa. N'essa emenda estabelecia-se que, no caso do prémio do ouro subir de 24 por cento Dará cima, se faria uma divisão em todas as mercadorias, quando se tratasse de substancias alimentícias e matérias primas.

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fiança e na convicção de que, por virtude da própria providencia adoptada — será reduzido o prémio do ouro.

O Sr. Augusto Fuschini (interrompendo]: — A esse tempo ainda não tinha rebentado a guerra entre o Japão e a Rússia.

O Orador: —Bem o sei, e já lá vamos. Como ia dizendo, era convicção nossa que o prémio do ouro havia de reduzir-se e de manter-se abaixo de 24 por cento, por forma tal que nunca poderia ter realização pratica aquillo que se supnunha ser um gravame.

O projecto tem dois fins. Um económico, e o outro fiscal. D'elle deriva um augmento de receita de cerca de 400 contos de réis.

Estava, e estou, na convicção de que o prémio do ouro não será relevado e, portanto, — não havia inconveniente algum em acceitar, simples e pura, a emenda do Sr. Ken-dall.

Ainda hontem o Sr. Mello e Sousa, a cujas qualidades eu presto novamente homenagem, disse no seu discurso, encarando a questão sob outro ponto de vista, que não lhe parecia que o prémio do ouro excedesse 24 por cento, visto que hontem mesmo estava a 24 por ceuto.

O Sr. Mello e Sousa: —V. Ex.a dá-me licença? É para dizer que não é assim. O cambio estava hontem a 42.

O Orador: — Perdão, eu disse, o que era exacto: o cambio sobre Londres estava a 42 13/ie, mas o prémio do ouro estava a 24 por cento (Apoiados).

O meu propósito é colaborar com o Parlamento, accei-tando todos os alvitres, todas as suas propostas, desde que não venham alterar fundamentalmente os projectos.

Procedendo d'e?ta maneira, julgo prestar um bom serviço ao meu paiz (Muitos apoiados).

Com respeito á emenda direi que, em vista de circums-tancias supervenientes terem vindo augmentar o prémio do ouro, não se pôde acceitar sem uma ligeira modificação a proposta do illustre Deputado.

Dou leal e honradamente estas explicações á Camará.

(Vozes: — Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Henrique Kendall: — Mas que modificação é essa ? A Camará não pode votar uma cousa que não conhece! (Apoiados na esquerda).

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado não tem a palavra.

(Sussuro).

O Sr. Henrique Kendall: — Tenho muito respeito por V. Ex.a, mas não posso deixar de protestar! (Apoiados na esquerda).

Vozes: — Ordem, ordem.

O Sr. Presidente (agitando repetidas vezes a campai nhã): — Peço ordem.

O Sr. Henrique Kendall: — O projecto não pode deixar de ir novamente á commissão!

Vozes: — Ordem, ordem.

O Sr. Presidente : — Tem a palavra o Sr. Oliveirj Mattos.

O Sr°. Oliveira Mattos :—Peço licença para formula uma proposta, que tenho de mandar para a mesa. Este

m incidente novo, que precisa ser tratado com largueza; orque o paiz precisa ver que ainda se respeitam as formulas e as praxes que tão desprezadas andam!
V. Ex." comprehende qiie não posso, nem quero, fa-er um discurso sobre as emendas, quando a Camará está, om certeza, desagradavelmente impressionada pelas pa-avras do Sr. Ministro da Fazenda (Apoiados). Mas é ne-essario que se respeitem as praxes parlamentares, e é em orne d'essas praxes e em harmonia com a declaração que 3z o Sr. Ministro da Fazenda que mando para a mesa a eguinte
Proposta
Proponho que, em vista das declarações do Sr. Ministro a Fazenda, o parecer volte á commissão de fazenda para e lhe fazer as alterações convenientes sobre as emendas m discussão dos 24 por cento, sendo novamente submetido á discussão da Camara.= O Deputado, Oliveira Matos.
Foi admittida.
Acceite a Camará, como não pôde deixar de acceitar, sta proposta e ficarão prejudicadas todas as considera-ões que porventura eu tivesse a fazer.
Acato a resolução da Gamara e, quando o parecer vol-ar á discussão, aprecial-o-hei então (Apoiados).
(O orador não reviu).
A proposta foi lida na mesa e admiitida á discussão.
O Sr. Eusebio da Fonseca: — Mando para a mesa i seguinte
Requerimento
Requeiro a V. Ex.a se digne consultar a Camará sobre e julga a matéria do parecer em discussão suíficiente-mente discutida. = Eusebio da Fonseca.
Lido na mesa é approvado, havendo na sala grande agl-acão.
Vozes na esquerda: — Não pode ser!...
O Sr. Ressano Garcia: — Peço a palavra sobre o modo de votar.
O Sr. Presidente: — Não posso conceder a palavra senão para um requerimento. O do Sr. Eusebio da Fonseca está votado.
O Sr. Ressano Garcia: — Peço a palavra sobre o modo de votar!
O Sr. Oliveira Mattos: — Peço a palavra sobre o modo de votar!
O Sr. Presidente:—Repito qne não posso dar a palavra a V. Ex.as senão para requerimentos.
O Sr. Ressano Garcia:—Faça V. Ex.a o que qui-zer! Eu é que não posso votar assim esse requerimento!
Vozes da esquerda:—Apoiado! Apoiado!
(O Sr. Kendall, protestando, cobre-se com o seu chapéu).
Vozes na direita: — Descubra-se!
O Sr. Presidente : — Não posso consentir que V. Ex.a conserve o chapéu na cabeça, estando a sessão aberta.
O Sr. Henrique Kendall: — N'esse caso, feche-a V. Ex.a! Assim não votam o parecer!
Isto tudo é espantoso!...

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SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

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O Sr. Presidente:—Está interrompida a sessão.

Eram 6 horas e 65 minutos da farde.

As 7 horas e 20 minutos da tarde é a sessão reaberta.

O Sr. Presidente: — Tendo-se procedido á votação do requerimento do Sr. Eusebio da Fonseca em óccasião em que a Camará'não funcionava normalmente, vae o requerimento ser novamente lido, para ser votado.

(Lido na mesa e posto á votação, é approvado).

O Sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta de adiamento apresentada pelo Sr. Deputado Francisco José Machado.

O Sr. Francisco José Machado: — Como ha sobre a mesa uma outra proposta semelhante a essa, peço a V. Ex." que se digne consultar a Camará sobre se me auctoriza a retiral-a.

A Camará resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente:—Vae ler-se a proposta de adiamento mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Oliveira Mattos.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que, em vista das declarações do Sr. Ministro da Fazenda, o parecer volte á commissão de fazenda para se lhe fazer as alterações convenientes sobre as emendas em discussão dos 24 por cento, sendo novamente submet-tido á discussão da Gamara.= O Deputado, Olivtira Mattos.

Foi approuada.

O Sr. Presidente: — Em virtude da resolução da Camará, tem o parecer de voltar á commisaão para novamente ser apreciado.

Amanha realizar-se-ha sessão á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 3õ minutos.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

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Discurso proferido pelo Sr. Deputado Francisco José Machado, que devia ler-se a pag. 9 da sessão n,° 30 de 24 de fevereiro de

O Sr. Francisco José Machado:—Mal julgava eu, Sr. Presidente, ter de usar novamente da palavra na discussão d'este projecto; mal imaginava eu ter de intervir novamente n'esta discussão, mas vejo-me forçado a isso pelas heresias que ouvi hoje proferir ao Sr. Ministro da Fazenda. Impressionou-me bastante hontem, confesso a V. Ex a, o notável discurso do Sr. Mello e Sousa, porque S. Ex.a asseverou com a sua provada competência que este projecto é ruinoso e inconveniente para o paiz e que d'elle não hão de advir os resultados que o Sr. Ministro da Fazenda espera. Ninguém pode duvidar da competência e da seriedade do illustre Deputado e os argumentos que S. Ex.a apresentou não podem deixar de impressionar quem attentavnente o ouviu.

Se hontem fiquei bastante impressionado com o discurso do Sr. Mello e Sousa, hoje fiquei com os nervos irritadíssimos ao ouvir, antes da ordem do dia, o discurso do Sr. Ministro da Fazenda em resposta ao meu amigo o Sr. Cayolla.

Nunca suppuz que das cadeiras do poder saíssem taes heresias! S. Ex.a imagina que a Camará é composta de analphabetos, de tolos e de ignorantes, que não percebem o que S. Ex.a faz e diz. O Sr. Ministro da Fazenda deve saber que está numa assembleia de gente illustrada que procura instruir-se sobre os assumptos que aqui são discutidos e não lhe é permittido apresentar argumentos que não são próprios d'esta assembleia.

Protesto contra essa affirmacão porque as considerações e cálculos que apresento são o fructo do meu trabalho e do meu estudo e não venho para-aqui com o intuito de enganar ninguém nem de prejudicar o meu paiz. (Apoiados).

Mas o Sr. Ministro da Fazenda, protestando contra as heresias que nós aqui proferíamos, disse «que nós alarmávamos o publico e procurávamos agitar o paiz, declarando que as suas propostas iam arrancar-lhe mais 2.000:000^000 réis!» Protesto com todas as minhas forças contra esta affirmação de S. Ex.a (Apoiados}; protesto com toda a energia do meu temperamento contra a asserção de S. Ex.a Nós não pretendemos agitar o paiz, pretendemos esclare-cc-lo e convence Io de que o Governo depois da orgia em que tem vivido, não tem auctoridade para lhe pedir mais impostos. O paiz convencido d'ieto tem representado pacificamente, ordeiramente, cônscio da sua forca e do seu direito. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Eu não disse nem podia dizer que V. Ex.as queriam agitar o paiz! E se de alguma palavra por mini pronunciada se pudesse concluir essa affirmação, considere V. Ex.a essa palavra como absolutamente retirada, porque não corresponde ao meu pensamento.

O Orador: — Declaro a V. Ex.a que se eu pudesse agitar o paiz para fazer sair o Governo d'essas cadeiras, agitava-o; não o agito porque não posso. (Apoiados). Se todos pensassem como eu, já ahi estava um Governo que administrasse com moralidade, com economia e com par cimonia os dinheiros do contribuinte. Se os habitantes d'este paiz procedessem como procederam os agricultores o anno passado, o Governo havia de recuar como recuou em face da attitude enérgica dos que se viam lesados nos

seus interesses e ameaçados de uma ruína certa. (Apoiados). Já vê V. Ex.a quanto eu BOU franco. O partido progressista não tem procurado agitar o paiz contra as ruinosas medidas de fazenda que o Sr. Ministro aqui apresentou, eu também não o tenho feito, mas não é para fazer favor ao Governo, é porque não tenho elementos para isso, não tenho força para o conseguir. Digo mais: é dever de todo o cidadão empregar todos os meios ao seu alcance para livrar o paiz d'este mau Governo.
Affirma o Sr. Ministro da Fazenda que as suas propostas não trazem o augmento de 2:000 e tantos contos de réis de impostos. Mas ha uns poucos de dias vem no Mundo, jornal que leio todos os dias, o seguinte:
«Passagem do discurso do Sr. Ressano Garcia sobre as propostas de Fazenda:
De todos estes projectos resultarão novo* impostos no valor de 1.800:000^000 a 2.000:000^000 réis.
(O Sr. Ministro da Fazenda: Apoiado, apoiado)».
Este jornal ha uns poucos de dias que publica em letras garrafaes esta passagem do discurso do Sr. Ressano Garcia.
Nenhum outro tem contestado, prova de que o facto é verdadeiro.
Se V. Ex.a ou algum dos Srs. Deputados quer ver o Mundo com o que acabo de expor, tenho-o aqui á sua disposição. Está portanto confirmado que o paiz terá de pagar mais de 2.000:000^000 réis de impostos para satisfazer as orgias e os esbanjamentos mais inauditos que jamais se viu praticados por estes Ministros. (Apoiados).
Se o paiz pagar mais 2.000:000$000 réis de impostos, fica sabendo que é para o Governo continuar a distribuir pela sua insaciável clientela. (Apoiados).
Mas eu não preciso do testemunho d'este jornal, porque ouvi o que o Sr. Ministro disse, o Sr. Cayolla repetiu-o, o Sr. Ressano Garcia disse a mesma cousa e o Sr. Ministro da Fazenda não o contestou! Portanto, os réis 2.000:000;$000 que se pretende arrancar ao paiz estão sanccionados pelos apoiados do Sr. Ministro da Fazenda! ÇÂpoiados). O paiz fica sabendo que lhe vão arrancar, pelo menos, 2:000 e tantos contos de róis de impostos. E para que? Para continuar esta desenfreada orgia?
Só se elle for tolo é que dá maia um real a este Governo. (Apoiados).
É preciso que o Sr. Ministro da Fazenda não imagine que todos são tão desmemoriados como S. Ex.a para vir agora contraditar o que affirmou. Mas nem necessitava que S. Ex.a affirmasse, porque ha d'este lado da Camará quem saiba fazer cálculos.
Eu não nego que o Sr. Teixeira de Sousa tenha intel-ligencia, tem-a e nenhum favor lhe faço reconhecendo-a; o paiz ó que não lh:a reconhece, tanto que referindo-se ha dias n'um comicio, um orador, á intelligencia do Sr. Ministro da Fazenda, elogiando-a, essa phrase foi recebida por um coro de gargalhadas.
Repetindo o orador a phrase as gargalhadas foram mais estrepitosas.
Mas deixemos isto e vamos ao caso.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

-/IO de real em kilogramma, que nada affectava o conau-1 m ido r.

Ouvindo-se isío, dito assim uri i et orbi, fica-ee muito contente, mas estudando-se o caso vê-se que não é como o Sr. Ministro affirma. Andando o bacalhau pescado por navios portuguezes por 2.1^0:000 kilogrammas, o Sr. Ministro da Fazenda elevando o imposto de 12 a l õ réis. isto é, augmentando 3 réis, obteem-se 6:570)5000 réis.

Este facto apresentado com esta singeleza seduz certamente o publico menos versado n'estas questões económicas e financeiras. Para provar que não são 6:000.^000 réis apenas que o Sr. Ministro vae arrancar ao contribuinte, basta ver que não havendo moeda de 3 réis, não pode ser este o aiigmento em kilo de bacalhau. O mínimo ha de ser de 5 réis e entào já eleva o encargo a, 10:950^000 réis.

Isto porem ó pouco. Ha mais ainda. Todos sabem que ha muita gente que compra meio kilo e até 250 grammas de bacalhau, e como não ha fracção de õ réis, é este o aeerescimo que ha de custar esta fracção de kilo e entSo já nào são 10:000^000 reis, mas muito mais. Mas ha ainda outro ponto a encarar. O bacalhau importado por navios estrangeiros anda por 25 000:000 kiiogrammtis e o preço d'este género ha de sor nivelado pelo do bacalhau portu-guez, porque se não fosse assim, ninguém comprava bacalhau portuguez e todos irão ao bacalhau estrangeiro por ser mais barato e ireste caso acabará uma industria nacional florescente.

O bacalhau estrangeiro ha de portanto soffrer o mesmo accrpscimo de 5 réis em kilo, que sobre esta quantidade de 20.000:000 kilos dá 125:0005000 réis.

Ora aqui está o que S. Ex.a vau fazer com respeito ao bacalhau, que S. Ex.a nos diz que apenas ó aggravado em 2/io de real por kilogramma.

Como V. Ex.a e a Camará vêem, não são 6:000/5000 réis que se vão arrancar ao consumidor, são mais de 125:000^000 réis.

O argumento que acabo de apresentar é claro como a hiz do sol. Desde que se augmente o preço do bacalhau pescado por navios portuguezes, ha de parallelamente au-gmentar o preço do bacalhau estrangeiro, pois do contra rio ninguém compra o bacalhau portuguez e todos sabem a tendência que tem o negociante para augmentar o preço dos géneros. Logo que elle veja que se augtnenta h réis em kilo — o minimo que se pode augmentar—no bacalhau portuguez, augmentarâ também parallelamente no bacalhau estrangeiro. E corno o bacalhau estrangeiro anda por 25.000:000 kilos e o portuguez anda por 2.190:000 kilos, segue-se que a totalidade do bacalhau consumido annualmente anda por 27.190:000 kilos que, com o au-gmento de õ róis, dá 135:950^000 róis.

É esta a quantia mínima que a medida do Sr. Ministro da Fazenda vae arrancar ao consumidor, quantia da qual o Estado aproveita apenas 6:570/5000 réis, indo o restante parar ns mãos dos negociantes. D'aqui nào se pode sair. E se vêem outra solução, se o meu raciocínio não é verdadeiro, fazem favor de me interromper, porque desejo ser esclarecido.

O Sr. Rodrigues Nogueira: —V. Ex.a dá-rae licença? Na minha opinião ainda vae ser mais aggravado.

O Orador: — Lá vamos. O meu intuito é aprender, já que o Sr. Ministro da Fazenda entende que nós somos meninos de escola! (Riso.) Se me ensinarem, fazem favor. Tinha empenho de ver como invalidam os meus cálculos.

DIZ o meu amigo o Sr. Nogueira que na sua opinião ainda o consumidor ha de p»gar mais do- que eu digo. Tem razão, eu vou já demonstrar.

Diz o Sr. Ministro da Fazenda que o augmento de 2 décimos de real em kilogramma produz 6:570$000 réis. Ora ,

como a minima mneda é de õ réis, e como õ réis é 25 vezes mais do que 2 décimos de real, segue-se que o que o consumidor ha de pagar ha de ser 25 vezes mais do que o calculado pelo illustre Ministro. E 25 vezes 6:5íO/$000 réis são 164.250)$000 réis. Se podern invalidem esta argumentação.
É, Sr. Presidente, o minimo que se vae arrancar ao contribuinte com esta phantastica medida do Sr. Ministro da Fazenda que nào mediu o seu alcance. Eu tenho visto lá fora muita gente ir comprar 125 grammas de bacalhau, mas não entro em conta com estes mínimos por me ser impossível fazer estes cálculos.
Ditas estas cousas, assim, simplesmente, não se imagina talvez, o que d'aqui pode resultar; a verdade, purém, é que se trata de 164:000^000 réis, que se vae arrancar ao consumidor de bacalhau, ao pobre, ao desvalido que é quem mais uso faz (Testo alimento, ainda que hoje já faz parte da mesa dos ricos pelo exagerado preço a que chegou.
Passemos agora, Sr. Presidente, a outro ponto, porque este parece-me ter ficado esclarecido, visto que eu convidei a que me demonstrassem o contrario e ninguém o fez.
O silencio é signal de approvação.
Disse o Sr. Ministro da Fazenda, ou deu a entender, o que vale a mesma cousa, que antigamente a cultura do arroz era prohibida, quasi não podia cultivar-se, e agora ó consentido por esta sua proposta.
O que é facto, porém, é que se esta proposta referente ao arroz for convertida em lei não pode mais cultivar se arroz em Portugal e, para prova Io, reproduzirei o que fui dito no comício que se realizou no dia 21 do corrente pelo Sr. Dr. Jacintho Nunes, que conhece bem uma das regiões onde se cultiva este género.
Sr. Presidente: o Sr. Jacintho Nunes disse o seguinte:
sA proposta sobre o arroz é o mais grosso disparate que tem saído do Ministério da Fazenda. Quem a inspirou, ou redigiu, revelou n'ella a mais crassa ignorância do assumpto. O maior preço que o arroz em casca pode obter na eira ó o de 50 réis por kilogramma. Ora o imposto de producçào é de 25 reis por kilogramma. Levaria, portanto, o tísco metade do producto do arroz. K, como as despesas da cultura absorvem em regra mais de metade da pró-ducção, perderia inevitavelmente quem se arriscasse a cul-turar arroz. E eis porque os numerosos trabalhadores que vivem d'essa cultura luctam já com a fume e se agitam nalguns pontos do paiz.
Outro disparate frisou o orador, e é que, dizendo o relatório da proposta que é preciso proteger a cultura d<_ ficaria='ficaria' com='com' arroz='arroz' kilogramma='kilogramma' de='de' _39='_39' descascado='descascado' pagaria='pagaria' branco='branco' réis='réis' um='um' saida='saida' réis.='réis.' grammas='grammas' _41='_41' agua='agua' sujeito.='sujeito.' em='em' estrangeiro.='estrangeiro.' puga='puga' real='real' annuaes='annuaes' ao='ao' _51='_51' réisbr='réisbr' direito='direito' paga='paga' que='que' estrangeiro='estrangeiro' numero='numero' evitar='evitar' portugal='portugal' actualmente='actualmente' ainda='ainda' tínal='tínal' casca='casca' para='para' fomentar='fomentar' _600='_600' ora='ora' publica='publica' a='a' redundo='redundo' e='e' ou='ou' tag0:_000000='_1.200:_000000' l='l' o='o' dando='dando' superior='superior' riqueza='riqueza' lança-lhe='lança-lhe' porque='porque' xmlns:tag0='urn:x-prefix:_1.200'> Por outro lado, ficando a contribuição predial substituída pelo imposto de producçào, seriam os actuais rendeiros que pagariam todo o imposto. E, além d'isso, ficariam as camarás municipaes sem base sobre que lançassem as suas percentagens, o portanto muiio cerceadas nas suas receitas nas rtgiSes ein que se cultiva o arroz».
Ninguém de boa fé poderá contestar estas asserções, que convencem quem reflectir maduramente sobre ellas.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEYEREIBO DE 1904

e o Sr. Teixeira de Sousa vê então as bellas obras que lhe fizeram.

Outro projecto também digno de nota é o da beterraba.

Os meus illiistres collegas da maioria, a quem muito estimo e considero, são muito mais novos do que eu, n'esta Camará. Não se lembram, portanto, da grande campanha de moralidade, aqui e lá Tora levantada pelo partido regenerador, contra os Srs. Ressano Garcia e Êmygdio Navarro, por terem apresentado, uma proposta de lei idêntica á que acabo de me referir.

Ent?io, as propostas são bo.as, quando apresentadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, ou pelos seus amigos políticos, e são más, quando apresentadas pelos Ministros do par tido progressistas ? l

Que critério é este?

Que moralidade se pode tirar d'este modo de proceder?

Aqui tem o illustre Ministro o seu plano completamente esfrangalhado.

Relativamente á proposta sobre estradas, é S. Ex.a capaz de provar, que nSo •vae arrancar, ao paiz, perto de 800:0000000 réis ?

Como o Sr. Ministro diz que nus não argumentamos com lealdade, vou fazer a demonstração:

O artigo 7.° da sua proposta de lei que trata da cone-tracção, reparação, con-ervação e policia daa estradas reaess e districtaes diz o seguinte:

«Artigo 7.° Na sessão de abril a junta votará a percentagem addicional ás contribuições directas do Estado, a qual não poderá exceder a 20 por cento sobre a verba principal, sendo logo communicada a percentagem ao Ministério dos Negócios da Fazenda:

§ único. Para os municípios de Lixboa e Porto a percentagem votada ptla junta nào poderá exceder a quinta parte da votada para o resto do dústricto.»

Aqui tem V. Ex.a, Sr. Presidente, e a Camará, o que diz o artigo da proposta que se refere aos encargos que o contribuinte ha de pagar.

É fácil, portanto, calcular c-rn todo o rigor quanto é que o Sr. Ministro, só por esta proposta, ha de arrancar ao contribuinte.

No orçamento para 1904-1900 que o Sr. Ministro apresentou á Gamara, na pag. 15 vem:

Contribuição predial................. 3.403:000^000

Contribuição industrial............... 1.863:000^000

Contribuição de renda de casas....... 708:000^)00

Sumptuária........................ 150:.000^000

Somma............ 6.124:000^000

Pela cobrança de 1902-1903 vê-se que

estas contribuições nos concelhos de

Lisboa e Porto montam a.......... 2.227:943^314

Nos demais concelhos montam a....... 3.896:056^686

6.124:000^000

20 por cento sobre 3.896:056^686 = ... 779:211^337 */s de 20 por ct-nto ou 4 por cento sobre 2.227:9430314=................. 89:117£7?2

Somma.

8i>8:32"$

Ahi tem V. Ex.a, Sr. Presidente, a verba exacta, tanto quanto nos podem dar os documentos oíSciaes, que o Governo quer que o paiz pague para estradas.

Mas o Sr. Ministro esqueceu que o paia já paga lõ por cento sobre todas as contribuiçõps directas, decima de juros e impostos annexos com applicação exclusiva á eons-trucção e reparação das estradas.

Estes 15 por cento representam mais de 900:000^000 réis.

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O Sr. Ministro esqueceu que o Estado recebe as percentagens que as extinotas juntas geraes dos districtos recebiam para estradas.
No districto de Aveiro, por exemplo, o Estado recebe 21 por cento que as juntas geraes recebiam em 1892 quando foram extinctas. Só este districto concorre para estradas com 36 por cento.
Se a Camará votar o projecto a que me estou a referir, ficará o districto de Aveiro a pagar para estradas 56 por cento, isto é, mais de metade das contribuições que todos estào pagando.
Acha o Sr. Ministro da Fazenda possível que o contribuinte pague mais esta contribuição ?
Por mim duvido.
É commodo o Governo arrecadar e dar outra applica-gão ao dinheiro que o contribuinte já paga para as estradas e vir dizer: dê cá mais porque aquelíe qne até agora recebíamos temos necessidade d'elle para continuarmos na nossa orgia. Por muito prostrado que esteja o paiz parece-me que d'esta vez ha de acordar para se defender de mais esta extorsão.
Eu disse ha dias, Sr. Presidente, que eram 1.200:000^000 réis que este projecto das estradas vinha arrancar ao contribuinte, mas nào são; quem tem razão é o meu illustre amigo, Sr. Ressano Garcia. A verba é de 868:329^000 réis, como acabei de mostrar.
Quando me engano, estou sempre prompto a rectificar. Enganei me porque, estudando o projecto. não li o para-graphoíjinico relativo a Li-boa e Porto.
Não tenho, pois, duvida alguma em dizer que errei.
Eu, Sr. Presidente, não ataco o Governo senão porque entendo que elle é ruinoso para o paiz e não pelo prazer de causar difficuldades aos Srs. Ministros.
Por mais que o Sr. Ministro da Fazenda faça não consegue que o paiz lhe aceite as suas medidas, por muitas e variadas razões.
Primeira, é porque não pode pagar mais; o limite da tributação está fsgotado. Segunda, é porque o Governo não tem auctoridade moral nem competência profissional para exigir mais sacrifícios ao paiz, e este não quer contribuir mais para continuar a orgia que tem presenceado desde que este Governo subiu ao poder. Para que se possa bem avaliar quanto este Governo está desacreditado, basta recordar o que succedeu no comicio ultimamente realizado na Avenida dos Anjos: um dos oradores disse que o Sr. Ministro da Fazenda era um homem intelligente. Esta pa^ lavras e a sua repetição foram recebidas pelo publico com uma unisona gargalhada.
Ora, não seria melhor S. Ex.a ter seguido o conselho que lhe dei o anno passado para não ouvir d'egtas cousas desagradáveis?
Eu disse no anno passado, Sr. Presidente, que os processos seguidos pelo actual Governo «abandalhavam» o poder. V. Ex.a chamou-me logo á ordem e eu immediata-mente recolhi a phrase, reconhecendo que V. Ex.a tinha razão porque este Governo, longe de abandalhar o puder, honra-o, illustra-o, eleva o, como todo o paiz sabe e conhece. Eu fui realmente injusto com tão paternal Governo, e V. Ex.a deu me logo a correcção merecida.
Sr. Presidente: as propostas de fazenda apresentadas pelo Sr. Teixeira de Sousa constituem um verdadeiro amalgama de pensamentos vários apresentados em diversas épocas por Ministros differentes.

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DIAEIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

3.° A modificação cio actual systema monetário.

4.° As pautas.

5.° A cultura do arroz (base 10.a da contribuição predial).

Ao plano financeiro do Sr. Anselmo de Andrade foi buscar:

6.° O projecto da expropriação da Companhia das Le-zirias.

Aos Srs. Emygdio Navarro e Ressano Garcia foi buscar:

7.° O projecto do assucar da beterraba.

Ao Sr. Marianno de Carvalho foi buscar:

8.° O projecto da contribuição de renda de casas.

Este projecto a que nenhum orador ainda se referiu, por todos se convencerem que nunca seria discutido, tão absurdo elle é, foi apresentado pelo Sr. Ministro da Fazenda certamente para avolumar a sua bagagem.

Ninguém o tomou a serio e por isso todos o relaxaram para a valia do esquecimento.

Pergunto agora:

O que fica propriamente da cabeça do Sr. Teixeira de Sousa?

Deixo á consciência dos meus collegas a que respondam.

O Sr. Teixeira de Sousa quiz armar em grande financeiro e deu no que se vê.

Se S. Ex.a se tivesse retirado a tempo dos Conselhos da Coroa, não se tinha sujeitado a que o paiz se tivesse manifestado tão uniformemente contra si, e deve^otar-se que nenhum partido ou agrupamento político o tem agitado.

O paiz tem-se agitado por si mesmo, porque tem a convicção de que os actos do Governo teem sido ruinosos e não tem auctoridade de espécie alguma para lhe pedir mais sacrifícios.

Se o Governo tivesse administrado com economia, com parcimonia e com moralidade, então sim, podia dizer: as receitas não me chegam, preciso de tanto e o paiz concorreria mais ou menos voluntariamente como concorreu em 1892 quando o Sr. Dias Ferreira apresentou as medidas de salvação publica e em que todos concorreram para salvar o paiz, que estava em vésperas de se afundar.

Está na memória de todos os actos de patriotismo que o paiz praticou para se salvar. Todos fizeram os maiores sacrifícios concorrendo com o seu amor pela nossa pátria para a' salvação commurn.

De que serviu tudo isto? Serviu para chegarmos ao estado actual, depois do paiz ter contribuído com mais 15.000:000)5000 réis annuaes, desde 1892 para cá, mas em que as despesas teem crescido enormemente mais. (Apoiados). Mas, Sr. Presidente, o meu assombro aug-mentou quando ouvi dizer ao Sr. Ministro da Fazenda que não lançava mais impostos! E verdade que o anno passado no seu discurso-programma disse S. Ex.a que não formularia propostas pedindo novos impostos, porque julgava preferível a administração rigorosa da Fazenda Publica. A poucos dias d'esta declaração fez votar pela sua maioria augmento da contribuição predial, pretendia alterar os direitos sobre o álcool prejudicando os viticultores, augmentou 5 por cento ás camarás municipaes para o fundo de instrucção primaria e com tudo isto que fez o anno passado e com o que faz este anno, continua a dizer que não augmenta os impostos.

S. Ex.a naturalmente imagina que nós somos crianças de escola, que não comprehenderaos o que S. Ex.a faz, ou que somos tão desmemoriados que nos esquecemos facilmente das suas obras.

Então o Governo quer lançar um imposto de 20 por cento sobre as contribuíres directas, para a construcção e reparação das estradas e diz-nos que não lança novos impostos ? Então para que^ são estas propostas que estamos discutindo?

A contribuição é geral sem se lembrar que ha muitos districtos que teem a sua viação muito adeantada e outros atrasada, não sendo portanto justo que aquelles paguem para estes.
E depois o que faz o Governo ás verbaa que cobra para estradas?
Deixa de cobrar? Ou cobrando fica com ellas e dá-lhes outro destino?
Parece que o contribuinte tem direito à saber que destino dão ao seu dinheiro.
Quando se discutir a proposta das estradas, que me parece que está enterrada, e ainda bem, então ajustaremos contas e o Sr. Ministro ha de responder a todas estas interrogações.
Mas, como dizia a V. Ex.a, Sr. Presidente, eu fui hon-tem d'aqui para casa verdadeiramente impre.-sionado com o discurso notabilissimo do Sr. Mello e Sousa; S Ex.a falou c Eu admiro as incoherencias do Sr. Ministro da Fazenda; as incoherencias de S. Ex.a manifestam-se em todos os seus actos.
S. Ex.a não fala, não escreve, não pratica acto nenhum que não esteja a berrar (Riso) comsigo mesmo; umas vezes quer uma cousa, outras vez.es quer outras, não tem orientação segura, caminha á mercê do acaso, conforme as circumstancias, e se isto é inadmissível na vida particular, na vida ministerial não pode permittir-se e vou já provar esta asserção.
No anno passado no discurso-programma de S. Ex.a que teve o applauso da maioria, o que não admira, mas também da opposição, sincero e leal, S. Ex.a promettia vida nova; eu confesso a V. Ex.a que desconfiei logo (Biso) de tanta fartura e duvidei que S. Ex.a cumprisse o seu programma.
É verdade que se tal fizesse não estava já nos Conselhos da Coroa, haja em vista o que aconteceu com o Sr. Anselmo de Andrade, mas este cavalheiro quando viu que os ventos lhe não eram propícios, teve o bom senso de retirar a tempo. O Sr. Teixeira de Sousa que tem muito arnnr ao logar, prefere ser apanhado em contradicçSes a largar a pasta.
Mas vamos ao caso para provar as minhas affirmações. Todos sabem que esta proposta do pagamento dos direitos em ouro, era do Sr. Mattozo Santos. O Sr. Fuschini na sessão de 3 de março do anno passado, dirigiu ao Sr. Ministro da Fazenda quatro perguntas.
A quarta foi a seguinte:
«Finalmente, acceita S. Ex.a o principio de pagamento dos direitos aduaneiros em ouro,, como parece ser opinião do Sr. Presidente do Conselho».
O que respondeu o Sr. Ministro da Fazenda? A camará vae ouvir :
«O que é que o Governo entende?
Que mantendo o principio da cobrança de uma parte dos direitos aduaneiros em ouro, advirá uma vantagem enorme para a economia publica ; mas que não deve fixá-lo por maneira a aggravar as taxas} e portanto collocar em dificuldades o commercio e as industrias no nosso paizt.
Ouviu-a Camará?

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APPENDICE ACESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

Como cumpriu S. Ex.a esta declaração?

Vamos ver.

Diz o Sr. Mattozo na sua proposta de lei n.° 2:

a Artigo 1.°, § 1.° Poderá ser exigido o pagamento em ouro de 30 por cento dos direitos fixados na pauta de importação a que se refere este artigo».

Qual foi, porem, a minha surpresa quando vi apparecer este projecto que era exactamente o contrario do que tinha dito o Sr. Ministro da Fazenda, e em condições ainda mais gravosas para o commercio e industria do paiz. (Apoiados).

O Sr. Mattozo exigia 30 por cento dos direitos em ouro, o Sr. Teixeira de Sousa exige 50 por cento.

Será isto não aggravar as taxas nem collocar em diffi-culdades o commercio e a industria?

O Sr. Ministro disse mais que o Governo estava prorn-pto a receber todas as reclamações.

«ís'este sentido está o Governo dispobto a receber todas as reclamações, a attender a tudo quanto for legitimo e justo, porque esta questão não pode ser considerada uma questão fechada visto contender com importantíssimos interesses do paiz».

Ahi tem Sr. Presidente, o que disse o Sr. Ministro da Fazenda.

Como é que S. Ex.a tem procedido?

Exactamente o contrario do que aqui nos disse.

O que tenho visto é uma alluviâo de representações surgirem de todos os lados e o Sr. Ministro não attender nenhuma, nem mesmo as querer receber. (Apoiados). É curioso e edificante.

E a Camará o que pode fazer para attfnder tfto justas reclamações que as classes lesadas teem feito?

Nada, porque nada pode fazer sem a vontade do Sr. Ministro.

Nós bem sabemos que a pobre maioria, ainda que queira, não pode protestar por variadas razSes. A primeira é que nós não somos Deputados da nação. Estamos aqui porque o Sr. Hmtze Ribeiro nos não quiz fechar a porta. (Riso). Com esta lei eleitoral, e com os processos do Sr. Presidente do Conselho de mandar roubar eleições, só aqui pode estar quem S. Ex.a quizer, salvo rarissimas excepções.

Nós não fomos eleitos pelos eleitores, fomos eleitos pelo Sr. Hintze Ribeiro.

Eu não tenho no circulo por onde fui eleito nem um único voto. O meu partido tem lá muitos, mas se S. Ex.a quizesso não os deixava safr da urna. (Riso).

Não nos illudamos a nós próprios. Com. esta lei eleitoral e círculos do tamanho dos districtos só pode vir á Camará quem o Governo quizer, salvo casos muito extraordinários. Ainda que houvesse um homem que tivesse n'uin districto a maioria de votos, como podia fiscalizar os trabalhos de tantas assembleias?

Portanto n'estas condições o que pode a maioria fazer, tendo a consciência que está aqui unicamente porque o Sr. Presidente do Conselho o quer?

E quem não andar a seu geito não volta cá.

A este respeito contarei um caso que conhecem todos os que já s3o antigos na política.

Em 1884, em que o Sr. Fontes apresentou á Camará uma proposta de reforma do exercito, houve um Deputado da maioria que fez varias considerações technicas sobre a proposta. O Sr. Fontes não gostou. Vc.ltou-se para o lado e d'.sse : «Este tem a carreira feita; emquanto eu for vivo não volta cá».

Pois não voltou einquanto o Sr. Fontes foi viva. E depois foi eleito pelo Governo uma imítfn Vez, E ísío er'a

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ainda no tempo em que havia os circules pequenos; o que fará agora com círculos iguaes aos districtos.
Portanto como se pode dar uma batalha eleitoral n'una districto inteiro ? (Apoiados).
Esta lei foi architectada para só vir á Camará quem o Governo quizer.
O paiz reclama para a Gamara dos Senhores Deputados mas convença-se que aqui não ha deputados, com raras excepções como disse, e portanto como podem elles fazer-lhe justiça, ainda que em suas consciências reconheçam que os reclamantes a teem ?
Mas vamos continuando.
Apesar do programma e das declarações que fez o Sr. Ministro da Fazenda na sessão de 3 de março do anno passado, quando sobraçou a pasta da Fazenda, fica provado que S. Ex.a faz exactamente o contrario.
E agora pergunto eu: que auctoridade tem um Minis tro n'estas condições?
Deixo á consciência da Camará a resposta.
No outro dia quando discuti esta mesma proposta do pagamento dos 50 por cento em ouro dos direitos aduaneiros, dividi o m<_-u que='que' segunda='segunda' discurso='discurso' tinha='tinha' governo='governo' feito='feito' dos='dos' mais='mais' para='para' era='era' durante='durante' auctoridade='auctoridade' prejudicial='prejudicial' nem='nem' não='não' tem='tem' exigir='exigir' primeira='primeira' a='a' paiz.br='paiz.br' medida='medida' e='e' gerência='gerência' administração='administração' em='em' duas='duas' o='o' esta='esta' competência='competência' desregrada='desregrada' contribuintes='contribuintes' impostos='impostos' tag0:_='partes:_' ruinosa='ruinosa' da='da' vista='vista' sua='sua' xmlns:tag0='urn:x-prefix:partes'> Esta segunda parte não me foi possível de maneira no nh.uma demonstrar, em .virtude de ter dado a hora, essa espécie de garrote que faz com que fiquemos com palavra estrangulada sem podermos muitas vezes concluir a phra-se. Mas, Sr. Presidente, eu que ainda sou um ingénuo, creditei que a palavra do Sr. Ministro da Kazenda era sincera e que S. Ex.a não queria aggravar as taxas e collocar em ditficuldiides o comniercio e as industrias do nosso paiz, e, então quando discuti o projecto, imaginei que só por lapso nos vinha este principio do aggravainento das taxas e mandei para a mesa a seguinte emenda:
«Proponho que no caso da Camará approvar este pró jecto, ao menos se faça a reducção, na metade dos direi tos pagos em moeda corrente, da importância do prémio do ouro correspondente á outra metade dos direitos pagos n'este metal. Este prémio será calculado pela media do cambio sobre Londres, Paris ou Berlim, conforme se derem as circumstancias inditíadas no § 3.° do artigo l.°Se o Governo acceitar esta proposta, só assim provará que teve apenas em vista melhorar os câmbios e não aygravar as taxas e portanto collocar em di.ffii-.uldades o commercio e a industria do nosso paiz, conforme affmnava o Sr. Ministro da Fazenda na sessão n.° 28, de 3 de março de 1H03 e que vem inserta na pag. 12, l.a col. do Diário da Camará dos Senhores Deputados, do mencionado dia 3 de março».
Mas, qual foi a minha surpresa quando li o parecer da commissão sobre as emendas que diz o seguinte, que é curioso e edificante:
«A vossa eommissao de fazenda, de accordo com o Governo é de parecer que não seja approvada a proposta n.° 6 (que é a que fica exposta), por alterar profundamente a economia do projecto».
Portanto fica plenamente provado que a economia do projecto não ó melhorar os câmbios, é arrancar a pelle ao contribuinte e por isso o Sr. Ministro não acceiton a minha emenda, que era conforme as suas declarações expostas no dia em que se apresentou á Camará com a pasta da Fazenda.

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DIA&ÍO DA CAMA&A D08 SÊtfEO&ES DEPUTADOS

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Se S. Ex." imagina que com isto ha de melhorar o ágio do ouro está enganado. S. Ex.a vem-nos dizer o que se passou n'outros paizes, mas não nos disse as circumstan-cias em que esses paizes estavam, nem as propostas que acompanharam essas medidas.

Eu vou dizer a S. Ex.a e á Gamara em duas palavras o que ae deu no Brasil, que aijni tantas vezes tem sido citado a propósito d'este projecto.

Depois da revolta da armada, o Presidente da Republica Brazileira, Floriano Peixoto, viu-se na necessidade de lanyar na circularão mais de luO.OOO:000;>000 réis de nutas que tinham sido retiradas do tempo do Império, elevando a circulação fiduciária á extraordinária somma de 800.000:0000000 reis.

Isto fez com que baixassem um pouco os câmbios, mas nào desceu abaixo de 9.

Depois ascendeu o Dr. Prudente de Moraes á Presidência da Republica, tendo como Ministro da Fazenda o Sr. Rodrigues Alves, actualmente Presidente da Republica, que, vendo o grande descalabro em que estava o Thesou-ro, se lembrou fazer cobrar 30 por cento em ouro nos direitos aduaneiros.

As consequências foram tSo desagradáveis que o cambio começou Jogo a descer vertiginosamente até 5 3/i por cento, pela intensidade da procura e conseguintemente da especulação.

Assim aconteceu na Republica Argentina e em todos os paizes que teem lançado mão d'esta medida nefasta.

O cambio do Brasil começou a subir por causa da operação que Campos Salles fez com a casa Rostchild para paçar o juro da divida externa durante três annos com bilhetes do Thesouro e o Governo por sua vez reduzindo as despesas e procurando com levantado critério e grande competência do entào Ministro da Fazenda, Joaquim Mor-tinho, que se revelou uin notável estadista, fiscalizando se veramente as despesas e a arrecadação de todos os impostos, principalmente os direitos aduaneiros.

Ahi tqm, Sr. Presidente, o motivo da subida do cambio no Brasil. Não foi, como o Sr. Ministro disse, só pela cobrança de uma parte dos direitos aduaneiros em ouro, mas sim por um conjuncto de medidas e sobretudo por uma severa economia e pela reducçào constante nas des-pezas publicas. Agora fazer pagar metad < dos direitos aduaneiros em ouro sem outras medidas que acompanhem esta, é desconhecer o estado económico do paiz e nào prever as consequências preniciosas para a economia publica que d'ahi hão de provir. Tem-se citado aqui a Itália que também decretou uma parte do pagamento dos direitns alfandegários em ouro. Mas não se tem dito quaes as medidas que precederam esta e ó isso que a Camará ne-ce.-sica conhecer para que vpja bem que não ha paridade entre o que se fez na Iialia e o que se pretende fazer aqui.

O Sr. Luzatti diz no seu relatório o seguinte:

«Quando o Governo tiver á sua disposição os recursos resultantes das conversões, assim como dos excessos orça-mentaeSf então imporá uma reforma dos impostos tendente a uma distribuição mais racional, mais equitativa e mais democrática dos encargos públicos, n,i qual se terá em grande conta a incidência do imposto. O systema que corresponderia melhor a este principio seria o estabelecimento de um imposto complementar sobre o capital ou sobre o rendimento, aduptnndu-se ás divertias fortunas src/undti uma escala gradando, e com larg-i isencãn na ò(W«. Ent.lo as experiências que se propõem hoje inaugurar, pela di minuiçSo do imposto do petróleo, poderão ser continuadas e poder-se-hão atacar os direitos de consumo sobre o as-pncar, o café, o sal, etc., etc."..

' Ahi tem, Sr. Presidente, o que diz o Sr. Luzatti tan-t?s vezes aqui citado. Faz o Sr. Teixeira de Sousa al-

guma cousa que se pareça com isto? Ainda mais. O Governo Italiano mandou fazer um inquérito paru saber a quantidade de ouro que havia no paiz e chegou á conclusão de que entrava mais ouro do que snia. O paiz, portanto, tinha ouro e foi depois d'isto que se decretou o pagamento dos direitos aduaneiros n'esta moeda. Entre nós fez-se alguma cousa que se pareça com o que acabo de expor? Naila, absolutamente nada.
Sendo assim, como ri^almente ó, V. Ex.a comprehende que o projecto não resolve absolutamente nadado que era para d( sejar.
Este projecto, como dis^e o Sr. Mello e Sousa, em vez de melhorar o ágio do ouro, vae pnlo contrario aggravá-lo. Elle está cheio de contrasentos, é uma trapalhada, ninguém o entende.
Como complemento a esta medida vae o Governo, para aggríivar ainda mais o contribuinte, decretar uma pauta que é mais proteccionista do que a de 1892.
Por esta pauta proposta tica a industria nacional maia favorecida, mas em compensação fica o cominercio consi-deravelmente prejudicado e principalmente o consumidor, que é a final quem ha de pagar todas estai differencas.
Ao lado d'esta pauta quer o Governo exigir mais 50 por cento dos direitos de importação em ouro o que equivale a augmentar mais 11 por cento 8"bre todas as importações, se o prémio do ouro se conservar a 22 por cento como está actualmente, e será mais se o ágio do ouro subir.
Veja V. Ex.a, Sr. Presidente, a situação em que fica o consumidor se estas duas medidas conjugadas forem ap-provadas.
Portugal que é um dos paizes maia caros da Europa tornar-se-hia insuppoitavel ás clas:'eB consumidoras.
O Sr. Anselmo Vieira, um dos mais talentosos deputados da maioria e que melhor estuda os assumptos que trata n'esta Camará, disse outro dia que era um erro grave e prejudicial a protecção ao trabalho nacional, baseada na fluctuaçâo dos câmbios; e o Governo vae cair n'esstj erro condeinnado por um dos deputados do seu partido.
Veja V. Ex.a, Sr. Presidente, que desnorteamento, que falta de harmonia, que falta de plano, que desconnexào, que arbítrio, que até os seus amigos nào se atrevem a defender. (Apoiaa'onJ.
íía pnrto da defesa que se vêem obrigados a fazer, por honra da firma, resaltam factos como o que acabo de apontar.
E que a obra do Sr Ministro da Fazenda n£o se pode defender e se nos estivermos com attenç.ào ao que dizem os illus-tres Deputados da muioria, conclue se facilmente quaes os esforços titânicos que elles teem de empregar para puderem encontrar alguns argumentos com que possam simular uma pallida defesa. (Ap<àa.dus.br> O que espera o Governo com isto?
Diminuir o ágio do ouro?
É uma illusão, porque entendo que nlo ha senào três processos de um paiz ter ouro r
1.° Ou porque o explora e possue em minas próprias, como por exemplo em Portugal no século svm e actualmente a Inglaterra, a America do Norte, a Rússia, etc., etc.
2.° Pelo movimento das suas exportações e industria de transportrs, caminhos de ferro e naveírnção.
3.° Pelo recebimento d'esse metal por virtude da emigração ou em virtude de grandes empréstimos, como nos succedeu até 1891 e como tem succedido á Hussia de J884 para cá que tem ido buscar á França para a realização dos seus melhoramentos materiaes e ainda pelo rendimento dos seus capitães collocados noa paizes estran-gsiros.

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APPEND1CE l SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

discutindo pode realizar quaesquer d'estes meios? (Apoiados).

E sendo assim continuamos a ter o mesmo ouro e portanto a mesma differença cambial. (Apoiados).

O que pretende o Sr. Ministro da Fazenda com este projecto?

Evitar a especulação na compra de cambiaes, desfazendo o conluio d'aquelles que as vendem ao Estado?

E um absurdo de tal ordem que nem merece as honras de uma discussão. (Apoiados).

Se o projecto conseguisse augmentar o numero de vendedores de cambiaes, então desmanchava se o cambio, mas vindo augmentar o numero de compradores, reforça o conluio. (Apoiados).

Se isto não ó claro, então não ha clareza no mundo. (Apoiados).

As casas que tenho visto nos jornaes que se apresentam ao concurso da Junta do Credito Publico são sempre as mesmas: Fonseca, Santos & Vianna, Pinto Leite, Fonseca & Araújo, Banco Coinmercial do Porto, etc.

As dificuldades hão de ser as mesmas e portanto o ágio não ha de diminuir.

É certamente inspirado no conhecimento dos factos que acabo de expor que o paiz está todo a protestar contra esta medida e contra todas as que o Sr. Ministro da Fazenda aqui apresentou e quer fazer approvar.

O paiz não pode soffrer mais encargos e por isso protesta com toda a energia contra todas as medidas que tendam a aggravar mais os impostos.

O Sr. Ministro da Fazenda de ha muito que devia ter abandonado as cadeiras do poder, se quer ainda fazer algum serviço ao seu paiz e ao seu nome.

Quando um Ministro perdeu a força moral o melhor que tem a fazer ó retirar-se.

S. Ex.a não se lembra, mas decerto o Sr. Presidente do Conselho tem bem presente, que, quando foi do celebre movimento entre Braga e Guimarães, o Sr. Fontes não podendo socegar os povos d'aquellas duas importantes cidades do Minho, onde havia um movimento que não tem nenhuma comparação com o que actualmente se nota no paiz, teve o bom senso de entender que tinha chegado a hora de largar o poder e retirou-se.

O paiz está immensamente sobrecarregado de impostos, affirmando-me um amigo meu, muito versado n'estes assumptos, que a vida em Lisboa é mais cara do que em nenhuma outra capital da Europa l Sessenta por cento dos nossos recursos leva-os o Estado nos diversos tributos que nos exige! E o que fica para a população se alimentar e mais necessidades da vida?

Apenas 40 por cento dos nossos recursos, porque como disse 60 por cento leva-os o Estado. E ainda ha a coragem de se pedir ao paiz mais impostos! (Apoiados).

E ainda ha a coragem de exigir mais sacrifícios ao contribuinte já tão enormemente sobrecarregado? (Apoiado»).

Se S. Ex.as tivessem feito uma administração moral, severa e económica, e viessem depois pedir ao' paiz mais impostos e sacrifiuios, ainda se comprehendia; mas vir pedir mais encargos depois de uma administração esbanjadora, uma administração perdulária e até deshonesta, é que se não pode admittir. (Apoiados).

Isto não se faz em paiz nenhum do mundo. (Apoiados). Só S. Ex.as contando com a paciência do nosso povo é que se podiam arrojar a tão audazes cornniettimcntos.

E depois ainda nos estrangulam a palavra, fazendo um regimento draconiano para que não tenhamos tempo d« dizer ao paiz tudo quanto elle deve ouvir e conhecer. Dizem os Srs. Ministros que nós levamos muito tempo a discutir e que isto não succede em Parlamento algum do mundo. Não ó verdade.

Veja V. Ex.a o que aconteceu na Bélgica, e que se lê n'este telegrammà de Bruxellas, que eu vi publicado tíQ

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j Correio da Noite de 16 de maio do anno passado e o ar-i chivei porque calculei logo que havia de necessitar d'esse
tTelegramma.—Desastres no trabalho. — Bruxellas, 15 á tarde. — A Camará dos Representantes, depois da discussão geral que durava lia mezes, votou o artigo 1.° do projecto de lei sobre os desastres no trabalho.»
No Parlamento Belga a propósito de um projecto para remediar os desastres no trabalho, houve uma discussão geral que durou mezes, a propósito do artigo 1." do projecto ! E veja V. E-x.a se porventura ha alguma paridade entre este projecto e aquelle que estamos discutindo, que vae lançar mais encargos ao pobre contribuinte, já tão sobrecarregado der impostos!.. . (Apoiados). Mas aqui estrangula-se a palavra sobre um assumpto tík> importante e diz-se com o maior desplante que em Parlamento algum se dá tanta latitude aos debates como entre nós o que eu acabo de provar com documentos incontestáveis não ser verdade.
Sr. Presidente: o paiz tem de se salvar por si próprio porque o Governo não sae d'ali.
Acha que o paiz ainda lhe não deu as indicações precisas para o convencer de que lho retirou a sua confiança. Está agarrado ás cadeiras como ostras abrocha, quer ficar para fazer terceiras eleições.
Ha de ser cousa curiosa de ver o Sr. Hintze fazer e dirigir terceiras eleições.
Estou morto por ver isso, porque as opposições teem tudo a lucrar com os erros do Governo. (Apoiados).
O Sr. Fialho Gomes já outro dia n'um aparte se referiu a este assumpto e eu enfileiro-me com S. Ex.a
Tenho a mesma curiosidade de ver mais essa bella obra do Sr. Hintze e como S. Ex.a se sae d'ella.
Em vista das considerações que teem sido apresentadas á Camará e está evidentemente demonstrado que o projecto não pode subsistir, não tem viabilidade tal qual como está.
Fundado n'esta ordem de razões vou portanto mandar para a mesa a seguinte
Proposta
«Em virtude das ponderosissimas e irrespondiveis razões apresentadas durante a discussão do projecto e tendo-se mostrado que elle é em parte inexequível e em parte iniquo e desigual:
Proponho que o projecto volte á commissão para nova-ment* ser estudado e modificado de forma a desapparece-rein os defeitos e inconvenientes que realmente n'elle existem».
Sr. Presidente: o projecto deve voltar pois á commis-são, e ella que refunda e o traga a esta Camará de modo que possa ser approvado.
Vou também apresentar uma proposta a que, creio, não succederá o mesmo que succedeti ás que enviei para a mesa o anno passado quando se discutiu o orçamento, e que tinham por fim eliminar as quatro embaixadas ultimamente criadas para aninhar quatro amigos do Governo.
Disse-me entílo o Sr. relator que era necessário unia lei especial e que não era na discussão do orçamento que taes propostas podiam ser acceites, mas cousa notável, foram acceites propostas para se criarem as duas embaixadas ua China e Japão. Para diminuir despesas era necessário uma lei especial, mas para augmentar, já essa lei era dispensada.
Vamos agora a ver o que dizem a esta proposta que vou mandar para a mesa.
Proposta

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DÍAÈÍÒ DA OAMAM DOS SEitHOUES DEPUTADOS

nistrador geral das alfândegas e o director geral da contabilidade publica, pois que os serviços teem corrido com toda a regularidade, desde o fallecimento d'aquelles illiis-tres funcclonarios. E como o Sr. Ministro da Fazenda declarou, no seu discurso prograrnma incerto a pag. 11, l.a columna do Diário das Sessões dos Senhores Deputados n.° 28, de 3 de março de 1903, que é preciso reduzir as despesas publicas:

Proponho que sejam supprimidos aquelles logares, para se fazer a economia dos seus ordenados o que é tão necessário n'uma época tão calamitosa, que o Governo reconhece a inadiável necessidade de pedir ao contribuinte mais 2.000:000,3(000 réis de impostos.= JP. J. Machado.

A experiência e a pratica de muitos dias teem provado que o logar nSo é necessário. Sendo assim, supprima-se o logar em beneficio do pai z qxxe tanto necessita que lhe economizem os seus haveres.

O Sr. Ministro da Fazenda fava o que entender, mãe se acceitar a minha proposta destroe muitos boatos que correm por ahi e que lhe dizem respeito.

E para evitar um desastre para S. Ex.8 que é uma vergonha para o seu nome, que S. Ex.a decerto preza, que eu faço esta proposta.

Diz-se que antes de expirar o Sr. Administrador Geral das Alfândegas, Conselheiro Elyseu de Serpa, o Sr. Teixeira de Sousa escreveu ao Sr. Presidente do Conselho, dando-lhe parte que estava para fallecer aquelle distinctu funccionario e que se não compromettesse com o logar pois o queria para si.

Este facto se é verdadeiro, é tão extraordinário, revela tão grande iinmoralidade que custa a conceber. Eu não acredito sem ver tão grande arrojo; e os seus partidários não permittiriam que elle se realizasse e o Sr. Ministro da Fazenda ficaria perdido no conceito de toda a gente seria.

Por mais desmoralizado que esteja este paia, isto nSo pode ser.

O Sr. Ministro da Fazenda é um homem de brio, e portanto eu não posso admittir que S. Exp.a queira apanhar a melhor «posta» do seu Ministério. É com certeza um boato falso o que ahi se propala para desacreditar o Sr. Ministro da Fazenda. S. Ex.a, como Ministro, guardar o melhor logar do seu Ministério para n'elle se prover tirando-o a qualquer dos seus correligionários que a elle tenham direito, ó de tal modo inverosímil que eu na» acredito se venha a realizar por muito que tenham descido os costumes públicos. Se S. Ex.* queria apanhar o melhor logar do paiz, entSo não fosse Ministro, mas sendo Ministro e vagando o melhor logar do seu Ministério e S. Ex.a dizer «não se dá a ninguém porque o quero para mim», excede as raias do possível.

Alem d'isso S. Ex.a não tem competência para um logar tão importante, e do qual podem vir muitos benefícios ou muitos prejuízos pava o paiz, conforme for provido em pessoa idónea ou em pessoa a quem faltem os requisitos para o exercer.

Eu hei de ainda demonstrar que é muito grave entregar-se a administração geral das alfândegas a um indivi duo que não tem a necessária competência technica para esse logar, alem da parte moral que revelaria este facto, se realmente fosse provido n'elle o Sr. Teixeira de Sousa Ministro da Fazenda. Estou convencido de que fiz um serviço a S. Ex.a que fará desmentir o que ahi corre a este respeito.

Sr. Presidente: teem vindo a esta Camará innurneras representações contra as medidas de Fazenda. Por minha parte confesso que a maior parte d'ellas não as conheço nem sei de que corporações são, nem o que dizem. Basta parem que sejam dirigidas ao Parlamento representações pedindo justiçados seus aggravos para que o Sr. Ministro

da Fazenda não continue n'essa loucura de só querer ai'-rancar impostos.
É necessário que todos conheçamos bem essas representações assim como todas as propostas para podermos votar com toda a consciência.
Nem o Sr. Ministro da Fazenda nem a Camará as conhecem. Portanto, eu mando para a mesa uma proposta para que se mandem imprimir todas essas representaç3es e sejam distribuídas pelos Srs. Deputados.
A proposta é a seguinte:
«Proponho que sejam impressas todas as reclamações e representações que teem sido enviadas a esta Camará, protestando contra as propostas de Fazenda aqui apresentadas, para serem distribuídas pelos Srs. Deputados a fim de as poderem estudar e apreciar.-— F. J. Machado.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Fazenda não acredita no movimento de protesto, verdadeiramente extraordinário da opinião publica, quando todas as classes se teem manifestado e protestado, dentro da lei, da legalidade e da ordem.
O que quer então o Sr. Ministro da Fazenda que o paiz faça roais para S. Ex.a se convença de que elle está verdadeiramente indignado contra o Governo? O paiz tem feito tudo quanto pode faz^r dentro da ordem.
É este um symptoma de que se julga com força e com direito de ser attendido e tem a convicção de que ha de vencer.
OB que reclamavam, quer nos comícios, quer nas associações, dentro da lei e da ordem, mostram que teem força, cordura, sensatez e energia para fazerem vingar as suas reclamaçSes.
O Governo podia perfeitamente, recuar nos seus propósitos e declarar que não podia continuar no poder, visto o protesto enorme que no paiz levantou as suas medidas para, como muito bem disse, ha pouco, o illustre amigo o Sr. Cayolla, não se sujeitar á situação deprimente de ver ameaçadas as instituições. Os Srs. Ministros, porém, teem maia amor ao poder ainda que seja por mais um raez, ou por uma semana, do que tesm ás instituições, que não se importam prejudicar comtanto que o poder não lhes saia das mãos. (Apoiados).
Nunca houve no vneu paiz um Governo mais nefasto. (Apoiados' repetido»), iíunca houve no periodo constitucional quem mais prejudicasse o paiz (Apoiados).
O que é notável ó que o Sr. Presidente do Conselho tem a pretensão de governar o seu partido e querer governar também o partido progressista. Eu protesto com todas as minhas forças contra esta audácia de S. Ex.a (Apoiados).
Por isso S. Ex.a inventa e propala dissensões no seio do meu partido que nSo existem. Propaga que ha desu-niSes no partido progressita, a fim de desnortear a opinião publica para lhe fazer cr,er que este partido não está capaz de tomar conta do poder. (Muitos apoiados).
S. Ex.a diz que nós não estamos capazes de lhe succe-der no poder, para governar ainda por mais tempo e consolidar o seu desmantelado partido (Apoiados).
E quem ó que fala om desunião no partido progressista? É o Sr. Hintze Ribeiro que contribuiu para desmantelar o seu partido vendo abalar os homens mais eminentes que sempre n'elle militaram e apesar d'isso continuou e continua a governar.
Sr. Presidente: ternos presenceado factos muito graves e sérios, factos que podem ter consequências muito desagradáveis para o paiz e para as instituições. (Apoiados) Basta ver o que se passou no comício do Porto. (Apoiados).

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APPENDICE A SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEBJElRO DÊ 1904

No comicio do Porto, além de outras cousas edificantes disse-se o seguinte:

nÊ nos precisa vida nova. Menos arbítrio em cima e mais resistência em baixo; do contrario estamos perdidos, a

Pois bem: querem resistência, tenham resistência. Vamos pois resistir, que é o nosso dever. Gladstone disse:

«Quando o povo fala baixo ninguém o ouve; quando fala alto chamam-lhe revolucionário».

Pois bem! temos falado baixo durante setenta annos; pois falemos alto! (Aplausos, bravos, apoiados}.

Se for preciso caminhar ato á revolução, caminhemos até á revolução! (Apoiados e bravos prolongadas).

A auctoridade intimou o Presidente a chamar á ordem o orador.

A assembeia protesta ruidosamente, pateia e grita: «Até á revolução! até á revolução!»

Vê-se pela altitude enérgica do povo que a auctoridade não teve força para se fazer obedecer e que o povo impo? a sua voniade.

Ahi tem Sr. Presidente, como fala um grande povo. Ahi tem a energia como se exprime um povo farto de soffrrr as demasias do Governo, que já esgotou a paciência.

Ahi tem Sr. Presidente as boas obras do Governo que levou o povo até ao desespero. (Apoiados).

Esta linguagem não se emprega senão quando a paciência está de todo perdida (Apoiados).

E o Governo a provocar, e o Governo a incitar o paiz a sair da sua vida normal.

E o Sr. Hmtze Ribeiro a não ouvir os conselhos que de todas as partes lhe dão para que se retire, porque a sua hora chegou.

O meu partido já declarou estar ao lado do Governo nas questões fie ordem publica, mas é preciso que o Governo nau provoque a desordem. (Apoiados).

O paiz não pode pagar mais (Apoiados).

Tem fome. (Apoiados).

Ha de protestar até á ultima contra a extorsão que o Governo lhe quer fazer exigindo-lhe mais impostos (Apoiados).

Este projecto é também perigoso pelos inconvenientes internacionaes que pode trazer, o que ó uma cousa gravíssima. (Apoiados). E necessário que a Camará e o paiz saibam o que se está a passar lá fura acerca das medidas do Governo. (Apoiados).

Chamo a atteneão da Camará para o que vou ler, porque os meus collegas da maioria hão tão patriotas e tão portuguezes como eu, teem os mesmos interesses do que nós, e acima do Governo gasto, desacreditado, desmoralizado, está o paiz. (Apoiados).

O anno passado tive a felicidade com a minha attitude n'esta Camará e com algumas palavras que proferi de ver que os agricultores se agitaram na defesa dos seus interesses.

Disse-lhes que se quizessem vencer se agitassem dentro da ordem e da legalidade. Venceram, porque tinham a força e a razão do seu lado e souberam fazer valor os seus direitos. (Apoiados).

U projecto que se discute é um perigo para os agricultores, ainda maior do que as medidas do álcool do annò passado, pois colloca-os na impossibilidade de darem col-locayão no estrangeiro aos seus vinhos.

Quando isso aucceder ai! da viticultura portugueza.

Hoje elles estão vendendo os vinhos a l$2uO róis e até a I

réis, e 300 réis o almude n'um anno de boa colheita o que não paga as despesas da cultura.
Alem cTisso ha os direitos do consumo que regulam por mais de 700 réis o almude, transportes, rendas de casas, licenças, ordenados a caixeiros, etc., etc.
Veja V. Ex.a, com todos estes encargos, por que preço se pode vender vinho em Lisboa! Posso asseverar a V. Ex,a que naa principaes regiões vinhateiras que eu conheço, as primeiras casas estão arruinadas e em risco de ver ir á praça as suas propriedades!
Isso nSo pode deixar de ser pelas despesas enormes que teem feito com a replantaçao dos seus vinhedos e com as despesas enormes que -isso acarretou e assim como as despesas que demanda hoje o tratamento da vinha (Apoiados) por isso que não teem até hoje os lavradores podido tirar a devida remuneração. (Apoiados).
É certo que em 1901 foi abundante a colheita do vinho, mas vendeu-se a 300 réis o almude e até a menos!
Este preço nào paga as despesas de cultura.
Em 1902 e 1903 a colheita foi diminuta e ainda que tivesse um preço mais remunerador ainda nSo chegou, na maioria dos casos, para os amanhes.
Os proprietários, portanto, devido a estas causas (jue muito succintamente tenho enumerado, não teem podido pagar as suas dividas e pelo contrario cada vez se encontram mais aggravados. Este projecto se for convertido em lei vae prejudicar em muito a viticultura nacional! (Apoindos).
Veja V, Ex.a o que diz o seguinte telegramma que deve tirar todas as duvidas a quem porventura ainda as tenha:
«A Camará do Commercio de Manchester tem-se reunido por varias vezes para apreciar o annunciado aug-mento dos direitos pautaes em Portugal sobre as fazendas dn algodão e outras, e n'uma reunião votou que no caso de se augmentarem os direitos alfandegários, directa ou indirectamente — mesmo pagamento em ouro — se reclame do Governo Inglez um imposto prohibítivo sobre artigos de procedência portugueza, especialmente vinhos do Portatt.
Esta noticia foi publicada no jornal o Mundo, de 6 de janeiro d'este anno.
O mesmo jornal de 15 do corrente transcreve do Norte, do Porto, este outro telegramma:
«Londres, S.— Keferimo-nos ao Discurso da Coroa nas Camarás de Lisboa no dia 2 d'este mez, que menciona novos direitos, parte dos quaes pagáveis em ouro, e julgamos do nosso dever, no próprio interesse de Portugal, chamar a sua attenção sobre o perigo que um novo imposto aduaneiro ha de trazer mais tarde ou mais cedo para Portugal. No Discurso da Coroa fala-se das boas relações entre as duas nações e ao mesmo tempo tenciona-se matar a exportação da Inglaterra para Portugal. Os círculos algodoeiros de Lancashire estão actualmente em «pourparlers» ooui o Sr. Chamberlain com o intuito de incluir Portugal na sua campanha de retaliação e nada mais natural do que os vinhos do Porto e do reato do reino soffrerem um imposto muito mais sensível desde que Portugal impõe direitos maiores sobre os productos de Lancasliire.»
Como se isto não fosse bastante para fazer o Governo recuar no caminho encetado, e abandonar as cadeiras do poder, já no Parlamento Inglez um Deputado tratou d'este assumpto como se pode ver pelo telegramma seguinte:
«Londres, 11.

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

e que augmenta os direitos de importação sobre os algo does e respectivos tecidos e se em razão da importância d'esta questão para os exportadores de Lancashire, o Governo Inglez disp5e dos meios necessários para por via do tratado commercial, entre outros, levar o Governo Por-tuguez a modificar as pautas propostas».

O Sr. Gerald Balfour, Presidente do Ministério do Commercio, respondeu:

«A minha attenção foi attrahida para esse projecto, mas actualmente não existe entre a Inglaterra e Portugal nenhum tratado de commercio e a questão é objecto d'uma representação ao Governo Portuguez».

Veja o Sr. Ministro da Fazenda a gravidade d'estes te-legramrnas. A Camará deve ponderar bem nas palavras que acaba de ouvir, que são de uma alta significação. (Apoiados).

Se para todos os artigos de proveniência portugueza a Inglaterra augmentar os direitos, fecha a porta aos nossos productos e que havemos de fazer ?! ... (Apoiados).

O Governo nada tem feito em favor da agricultura! (Apoiados). A agricultura não deve nada a este Governo. E se a Inglaterra augmentar os direitos sobre os productos de proveniência portugueza, não se pode exportar pro-ducto nenhum para aquelle paiz, que é um dos nossos maiores consumidores. (Apoiados). Isto está demonstrado que ó verdade, e quando V. Ex.as forem para casa pensem na gravidade d'urua cousa d'estas.

Reflictam bem no que pode resultar de gravoso para o nosso paiz da approvação de tal medida.

Se o Governo nada tem feito em favor da agricultura nacional, ao menos não lhe faça mal.

Votou-se o anno passado uma larguíssima auctorização para se reformarem todos os serviços agrícolas, mas até hoje a agricultura nada tem recebido d'este Governo. Se tem vendido, como já disse, o vinho a 1$0(JO e l $200 réis o almude, é isso devido á perda da colheita quasi por completo em alguns sítios e em outros á diminuta produc cão. Muitos agricultores não tiram para as despesas dos amanhos.

O Sr. Costa Pinto (interrompendo}: — Eu compro o vinho por esse preço a V. Ex.a

O Orador'. — E eu tenho algum que posso vender a V. Ex.a a 1$200 réis o almude. Talvez V. Ex.a duvide do que eu digo. Talvez supponha que eu exagero as diffi-culdades com que lutam os lavradores? Posso affiançar a V. Ex.a que este é o preço mais elevado por que se tem vendido o vinho na região do Bombarral.

O Sr. Presidente : — Peço que não interrompam o orador.

O Sr. Carlos Ferreira: — l)eixc V. Ex.a, Sr. Presidente, fechar o negocio. (Riso).

O Orador : — Deixe V. Ex.a que me interrompam; estamos entre amigos, somos pessoas do bem e queremo-nos muito.

O que é uma verdade é o que eu affirmei.

Veja V. Ex.a o movimento que vae na Inglaterra contra as medidas de fazenda, não se limita a Gamara do Commercio de Mauchester. Vae alastrando por toda a Inglaterra, principalmente nos grandes centros algodoeiros, e pedem um augmento de impostos nos productos portugue-zes que nós exportamos para aquelle paiz.

Veja V. Er:a o que nós vamos fazer se approvarmos estas medidas do Governo.

É conveniente que a Camará p"óndere o que vae fazer

e reflicta sobre o que acabo de expor para que vote este projecto com consciência e o ppprove ou regeite se assim o entender.
O que não pode ó mostrar ignorância, porque lhe ex-puz com inteira lealdade os factos gravíssimos, de que tenho conhecimento.
Disse o Sr. Balfour que: sã questão é objecto de uma representação do Governo portuguez».
Pergunto eu: esta representação do Governo Inglez já chegou ás chancellarias portuguezas? o Sr. Ministro da Fazenda já tem d'ella conhecimento?
Não queira S. Ex.a arrancar á força aos seus amigos, a approvaçào d'este projecto que é muito perigoso (Apoiados da esquerda).
Sr- Presidente, é muito conveniente que se saiba se esta nota ou representação do Governo Inglez chegou ás nossas chancellarias, e antes devotar este projecto nós sejamos informados se a Inglaterra representou contra a cobrança dos 00 por cento em ouro dos direitos alfandegários, e qual foi a resposta do Governo Portuguez. Isto não são cousas com que se brinque, principalmente com na-e.Ses poderosas conjo a Inglaterra, e é necessário muita prudência e cautela. (Apoiados da esquerda). A Camará não pode votar um projecto de tal magnitude sem saber o conteúdo da nota ingleza. (Apoiados).
Se o Governo não tem competência para gerir os negócios públicos, nem reflexão para medir o alcance dos seus actos saia quanto antes do poder (Apoiados da esquerda).
Então o Sr. Ministro da Fazenda n3o sabe que a Inglaterra é para nós um grande centro de exportação, e que para lá vae muito vinho, cortiça, fru tos, etc., etc., e que fechando se este centro da nossa exportação não temos para onde mandar os nossos productos e quando a agricultura já tanto lucta com grandes difficuldades?! (Apoiados).
A Inglaterra consome os seguintes productos portu-guezes:
Vinho.
Fructas.
Cortiça.
Minério.
Azeite.
Legumes.
Madeira de pinho ein toros.
Alguma lã.
A exportação para Inglaterra em conta de réis é a seguinte :
1897.............................. 7.402:800,5000
1898.............................. 8.774:200,5000
1899.............................. 7.821:0005000
1900.............................. 7 926:600^000
19C1.............................. 8.323:300^000
Só as substancias alimentícias figuram eni: 1901............................... 5.986:400^000
À Inglaterra é depois do Brasil o paiz para onde expor-tanaos mais vinho.
Exportação de vinhos sem distincçào de qualidades:
. 1901 Hectolitros
Inglaterra........•...................... 202:195
Brasil.................................. 356:840
Vinho do Porto;
1901 Hectolitros
Inglaterra............................... 182:677

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

27

Vinho da Madeira:

1901 Hectolitros

Inglaterra................................ 6:723

Rússia................................... 4:914

França................................... 4:839

Alemanha................................ 4:499

Brasil................................... 575

Veja a Gamara o que vae fazer, votando este projecto. Ora o Governo tinha outros meios para obter a receita que espera tirar com esta medida.

Sabe V. Ex.a o que eu quero dizer com isto?

Que uma boa administração nas alfândegas valia muito mais que este projecto.

Se tiver occasião ainda hei de provar esta asserção aliás fundada em muito boas auctoridades.

Estou profundamente convencido de que todas as propostas, que o Sr. Ministro da Fazenda trouxe á Camará, são inconvenientes e prejudieiaes para o paiz, e que S. Ex.a a única cousa que pretende é lançar mais impostos ao contribuinte, que não deve nem pode pagnr mais, principalmente depois da orgia em que tem vivido durante trrs an-nos e meio em que o dinheiro do contribuinte tem servido para saciar o voracidade da sua faminta clientela.

Mas Sr. Presidente o impudor d'este Governo chegou ao cumulo.

0 Correio da Noite de 23 do corrente di/ia o beguinte:

1 Do Jornal tio Commerdo:

«No Parlamento corriam, hontem, insistentes boatos de recomposição do gabinete. Affirmava-se que sairiam do Ministério os Sr«. Conselheiros Teixeira de ijousa, Campos S-nriques K Gorjào: o primeiro pura ser nomeado adtni-msfrudor gv.ral das Alfândegas; o segundo, para ser col-locado n'uma vaga de juiz de direito em Lisboa; e o ul timo, para ir de novo governar Moçambique.

Mais se dizia que o Sr. Conde de Paço Vieira iria gerir a pasta da Justiça; que para a da Marinha seria nomeado o Sr. Avellar Machado; e que para a das Obras Publicas iria o Sr. Kodrigo Affonso Pequito.

Tudo isto, repetimos, são boatos que corriam, e que só a esse titulo, por emquanto, reproduzimos».

Estes boatos de saírem ministros, para serem colloca-dos tm determinados lugares, abonam muito pouco a seriedade de um Governo. Realmente, chega a ser triste.

O Sr. Presidente:—Deu a hora. Tem V. Ex.a mais uin quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: — Pouco mais tempo tomarei a attençSo da Camará. Estou convencido, repito, que este projecto é extraordinariamente inconveniente para o paiz, sem d«r resultados que o Governo espera. O que tinha de mais útil a fazer era retiral-o da discussão. (Apoiado*).

Isto é muito serio, porque o paiz não pode nem deve pagar mais. Faz-se uma administração desgraçadissima, não se olhando nunca para o povo que tem fome.

Não olhando para cousa nenhuma e não se importando que o povo tenha ou não recursos para pagar mais.

O que se quer é dinheiro, venha de onde vier.

V. Ex.as citam muito o que lá vae por fora, mas quando imitam, só imitam o que é mau. Ora aqui está uma cousa que succedeu na Allemanha e que devia ser imitada porque ó boa.

Lê-se no Jornal de 27 de março de 1903:

«Quando a municipalidade de Berlim foi cumprimentar o Imperador, este pespegou-lhe nas bochechas o seguinte discurso:

«Senhores: — De certo que me lisonjeia muito saber que "o meu povo me demonstra a sua affeição e respeito

organizando festas especiaes para commemorar o anniver-aario do meu nascimento; agrada me muito vê-lo satisfeito pondo luminárias ás janelas. Não posso porém, esquecer a, situação económica e a falta de trabalho; e seria muito mais feliz se uma parte do dinheiro destinado a essas despesas extraordinárias fosse empregado em favor dos pobres. As administrações mnnicipaes, tão pressurosas em celebrar este dia, deveriam antes fazer alguma cousa em proveito dos indigentes da cidade. Eu teria uma impressão mais grata e mais duradoura se pudesse ter a certeza de que n'este dia nenhum allemão jejuou forçadamente. Agradeceria muito mais do que vendo transformar-se tão bello dinheiro em bombas e foguetes.s
E o povo allemão marcou três tentos ao jogo de Guilherme H.»
Veja a Gamara como fala e procede um dos homens mais importantes do globo e chefe de uma grande nação — o Imperador da Allemanha.
Pois em Portugal, o Governo, porque o Rei é constitucional e são os Ministros que governam, põe luminárias de tigellinhas, gastando dezenas de contos quando o povo agoniza e se tuberculiza com fome.
E a propósito: o que seria curioso para remate da bambochata era ser mettido em processo quem não pagou as luminárias.
Mas estes teem sido sempre os vergonhosos processos da administração do partido regenerador e não ha outros a esperar. Todos se lembram do celebre Ministério de 1890 que se seguiu ao idtimatum da Inglaterra.
Km outro paiz nunca mais esses homens se sentariam n'aquellas cadeiras; no nosso é o que se vê.
N'esse Ministério urn Ministro dizia aos amigos que lhe criticavam um pouco o modo por que procedia: «Deixa lá, agora governa-se á bruta».
Agora succede o mesmo: governa-se â bruta!...
São os processos do pertido regenerador, nunca eoube governar r)e outro modo senão gastando á larga e governando á bruta.
Quer a Gamara saber o resultado da gerência do partido regenerador, o resultado do tal governo á bruta ?
São as contas do Thesouro que o apresentam e ainda assim não são ce-tas, nào se diz tudo.
Em vista da nefasta administração regeneradora de 1890 o déficit de:
1890-1891, foi de.................. 13.619:000^000
1891-1892, foi de.................. 14.653:000-5000
Somma........ 28.272:0005000
Foi esta ruinosa administração que originou a bancarrota de 1892.
O déficit foi em dois annos de 28.000:0l)0;$000 réis.
Isto é o que nos deixam ver os documentos officiaes. Gastou se em dois annos 28.000:000^000 réis a mais do que as receitas; já ó audácia!
Se não fosse isto não haveria necessidade de tirar 30 por cento nos juros das inscripções ás pobres viuvas, nos hos-pitaes, aos estabelecimentos de caridade, -aos orphuos, etc. para salvar o paiz. (Apoiad.os).
Cora certeza que ninguém pode imputar estes Jfficits aos Ministérios presididos pelo Sr. Joào Olirisustomo Ministérios, que arcaram com as responsabilidades do Ministério de 1890.
Em dois annos augmentaram-se as despesas publicas em 28.000:000(5000 réis, fixe bem a Camará este assombroso algarismo. Como podia o paiz resistir a uma administração tão perdulária?

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

E o peor é que continua a mesma pandega sem qne este desastre nos servisse para nos emendarmos. (Apuia-dos).

O Sr. Hintze toma sempre a precipua responsabilidade, mas para ella se poder tornar effectiva era bom que se fizesse uma lei de responsabilidade.

O que S. Ex.a parece temer e tanto que não ha meio de _arranoar da commissão o parecer.

E assombroso que em dois annos tivesse havido um déficit de 28.000:000d000 réis!

Como pode pois resistir a esbanjamentos d'esta natureza?

Foi este déficit que originou a bancarrota que depois se deu, o que aliás era inevitável, como inevitável é em breve tempo termos outra ainda de mais desastradas consequências. (Apoiados).

É ao Sr. Hintze Ribeiro que se deve attribuir as desgraças que teem assolado a nação n'estes últimos annos. (Ajtiiiados).

É fácil provar.

No primeiro Ministério de que o Sr. Hintze Ribeiro fez parte de 25 de março de 1881 a 20 de fevereiro de 18*6, quatro annos, dez mezes e vinte sete dias, os deficits de exercício foram:

1881-1882........................ 6.877:000^000

1882-1883........................ 2.496:0006000

1883-1884........................ 6.42õ:00(»áOOO

1884-1885........................ 8.262:0005000

1885-1886........................ 9.712:000^)00

Somnia.

33.772:000,5000

No segundo Ministério de 14 de janeiro a 13 de outubro de 1890 o déficit foi:

1890-1891....................... 13.619:000$OOQ

No terceiro Ministério de 22 de fevereiro do 1893 a 7 de fevereiro de 1897 os dvficite furam:

1893-1894........................ 74:0003000

1894-1895........................ "' 175:000^000

1895-1896........................ 1.492:000$)00

1896-1897........................ 10.589:0006;"00

Somma......... 12.330:0006000

Deve notar-se que o Sr. Hintze tomou conta do Governo a seguir á reducção dos juros da divida publica e ás medidas de salvação publica em que se auginentou mormente os impostos, a ponto de ficar o orçamento quasi equilibrado como se vê. •

Mas immediatamente começam as despesas a crescer.

N'este quarto Ministério desde 25 de j'inho de 19(.'0 até 31 de dezembro do anno ultimo, 1903, os deficits montam já a mais de 30.000:000,5(100 róis. Quer dizer, n'esres três annos e meio o Governo tem gasto mais do que todas as receitas publicas, 30:00(J e tantos contos de réis!

Assombroso!

Temos portanto que:

Primeiro Ministério do Sr. Hintze, déficit............................ 33.772:000#000

Segundo Ministério do Sr. Hintze, déficit...................i......... 13.619:0006000

Terceiro Ministério do Sr. 'Hintze, déficit............................ 12.330:000??000

Quarto Ministério do Sr. Hintze déficit até 31 de dezembro de 1903... 30.000:000^000

Somma......... 89.721:000^000

E deve notar se que em 1*90 lançou um nddicional de 6 por cento sobre todas as contribuições que lhe produziu mais de 1.100:000^000 réis por anno.

Se nào fosse esta círcumstancia pode calcular-se a quanto montariam os deficits.

Não terá. porventura o paiz pago mais impostos, pnra que estes dejicits se justifiquem pelos augmentos naturaes das despesas?

Vamos ver o que dizem as contas do Thrsouro:

Receitas em 1881-1882............. 28 649:0006000

Receitas em 1904-1905............. 57.5àO:< 00-5000

Augmento....... 28.901:0006000

Sr. Presidente: vê-se perfeitamente que o paiz tem feito enormes sacrifícios, mas que augmentando as receitas, pt-lo augmento enorme dos impostos, as despesas crfscem ainda mais. Desafio o Sr. Presidente do Conselho, desafio

E, sendo assim, diga-me V. Ex.a se depois d'isto, pode haver coragem para se pedir ao paiz mais impostos. O que o Governo quer é continuar nos esbanjamentos, sem conta em que tem vivido até agora. (Apoiados).

Quando tratar do orçamento eu mostrarei os desperdícios que tem havido.

Não quero ferir ninguém, quem quer comer que coma, uma vez que lhe dão, mas ao Governo, que é o responsável, é que eu tomo contas. (Apoindôif). Elles teem razão em dizer: ou haja moralidade ou comemos todos. (Apoiados).

Ao Governo ó que cumpre zelar os dinheiros da nação, mas elle para attrahir partidários e adquirir amigos vae distribuindo as benesses ás mãos chtias e isto ó um crime. (Apoiados).

Por crimes menores foi para a Torre de S. Jnlião da Barra um Ministro de D. Joffo IV, D. Francisco de Lu-cena, e em França um homem que tinha sido Ministro das Obras Publicas, Mr. Bailheant, por se reconhecer que tinha sido implicado n«s negócios do Panamá, rneUeram-no na Penitenciaria e afivelaram-lhe ao rosto a mascara do condemnado.

Sr. Presidente: aqui os Ministros não teem receio dos castigos pelos crimes que praticam.

Os desperdícios teem continuado, o a nação que os pague.

Hasta dizer que em 10 annos as despesas publicas au-gmentaram de 13.093:000^000 réis como mostram os mappas do relatório que o Sr. Ministro nos apresentou.

Assim as despesas de gerência em

1893-1894........................ 46.426:0006000

1902-1903........................ 59.52.H:0006000

A mais..................... 18.097:0006000
Mas as receitas cresceram igualmente. Assim, as receitas totaes de gerência, em
1892-1893........................ 41.876:0006000
1902-1903........................ 55.174:0006000
A mais..................... 13.298:0006000
Não terá o paiz pago bastante para occorrer ao augmento normal das despesas publk-as?

Página 29

APPENDICE Á SESSÃO N.° 30 DE 24 DE FEVEREIRO DE 1904

Aht se encontra:

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O que se vê do exame dos documentos é que as despesas vão n'um crescfndo assustador, mas o paiz vae pagando mais do que elle mesmo suppõe para esta desenfreada orgia.

As receitas que em 1892-1893, como

vimos, eram de.................... 41:876:00000f'0

Em 1904-1905.................... 57.550:0000000

Augmento................. 15.

E nada d'isto chega, e tudo ó consumido n'uma enorme vor;igem.

Sr. Presidente, pode alguém acreditar que o déficit seja só o que diz o Sr. Ministro da Fazenda, de 1.531:6570242 réis?

S. Ex.a diz que as receitas serão para

1904-1905....................... 57.550:6GU28õ

E as despesas para 1904-1905........................ 59.082:3183527

Defidt..................... 1.531 -.6576242

Em que cabeça de pessoa que tenha estudado estes assumptos se lhe mette que o déficit seja o que o Sr. Ministro confessa?

Também em 1896-1897 se dizia que

0 déficit havia d^ ser de............ 270:9035286

Apuradas as contas viu-se que foi de. . 6.804:8210700

Em 1888-1889 dizia-se que o déficit

seria áe.......................... 116:7140264

e foi de.......................... 11.997:7980703

Em 1889-1890 dizia-se que o déficit

havia de ser de.................... 68:3450770

e fui de.......................... 14.924:3010302

Em vista d'estes procedentes, constantes em todos os annos, como podunos nós acreditar que o déficit para 1904-1905 seja tão pequeno?

Sr. Presidente, o Sr, Ministro da Fazenda diz a pag. 6 do seu relatório o seguinte:

«As receitas cobradas e os pagamentos effectnados desde

1 de julho de 1902 a 30 de junho de 19(J3, foram:

Receitas ordinárias................. 54.402:4940785

Receitas extraordinárias............. 3.449:704^608

Somiua..................... 57 852:1990393

Depesas ordinárias................. 54.803:0755122

Despesas extraordinai ias............ 4.720:2580720

Somma......... 59.523:3330842

Portanto o déficit é de 1.671:1340449 réis.

Estas contas são as do anno económico de 1902-1903 que já devem estar apuradas, mas eu affirmo á Camará qne sào falsas.

Vou prova Io com as próprias palavras do Sr. Ministro da Fazenda.

Na pagina 205 do seu relatório vem um mappa com os seguintes dizeres :

«Comparação entre as receitas totnes, ordinárias e extraordinárias, não provenientes de empréstimos e as dts-pesas totaes.»

Receitas totaes, gerência de 1902-1903 50.147:0000000 Despesas totaes, gerência de 1902-1903 55'.523:0000000

Déficit.......... 4.376:0000000

Já aqui temos, nfto o déficit de 1.671:0000000 réis conforme confessa o Sr. Minit-tro a pag. 6 do seu relatório, mas sim o d<_-Jicit a='a' conforme='conforme' de='de' _205='_205' réis='réis' me='me' confessa='confessa' do='do' pag.='pag.' tag0:_0000000='_4.376:_0000000' xmlns:tag0='urn:x-prefix:_4.376'>mo relatório.

Mas ainda não é tudo.

No próprio relatório a pag. 250 vê-se que a divida fluc-tuante:

Em 30 de junho de 1902 era de..... 58.676:7270345

E em 30 de junho de 1903 era de___ 63.446:1560976

Differença....... 4.769:4290631

Confessa o mesmo Sr. Ministro a pag. 6 do sen relatório que durante a gerência obteve pela venda de títulos 2.705:4950900 réis.

Portanto d'esias duas proveniências temos já:

Augmento da divida fluctuante.......

Venda de títulos...................

4.769:4290631 2.705:4950900

Total........... 7.474:9250531

Temos portanto três déficit»: A pag. 6 do relatório o déficit é de...

A pag. 205 do mesmo relatório é de.. A pag. 6 e 250 do mesmo lelatorio ó de

1.671:0000000 4.376:0000000 7.475:0000000

Veja V. Ex." Sr. Presidente que trapalhada!

E eu affirmo que nenhum d'estts deficits é o verdadeiro.

Ha de ser ainda muito maior do que os 7.475:0000000 réis que se apuram.

E verdade que o Sr. Ministro para attenuar este déficit diz que se n 10 tivesse gasto l .555:0000000 réis com as da conversão da divida externa; se não tivesse

feito adeantamentos ao Ministério das Obras Publicas para pagamento aos fornecedores e adeantamentos á Companhia dos Caminhos de Ferro de Ambaca e despesas de recepção dos soberanos estrangeiros o déficit seria menor.

É verdade. Se tivesse recebido todos os impostos e não tivesse feito despesas nenhumas, os saldos seriam enormes. O facto porem é que o dinheiro se gastou e o déficit é assombroso.

Mas para nós vermos a burla como tudo isto ó feito basta attentar no seguinte :

O Sr. Ministro para attenuar este déficit diz quo elle ó maior porque se teve de gastar com a recepção dos soberanos estrangeiros.

Pois essa despesa -ainda não está incluída n'estas contas!

E tanto isto é assim que na pag. 73 do volume pequeno do orçamento se diz:

«Art'go 6.° São abertos no Ministério da Fazenda créditos especines para as despesas abaixo mencionadas e que serão escripni,rad'is nos respectiros exercidos.

Logo, não estão ainda escripturadas e portanto não^fa-zem parte do déficit.

Despesas para as recepções de Sua Ma-gfestade o Rei de Inglaterra e de Sua Magestnde o Rei de Hespanha......

Despesas com a preparação das equipagens* de gala para o mesmo fim...

Somma.........

224:51301325

Página 30

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DIÁRIO DA CAMARÁ DOS SENHORES DEPUTADOS

Veja V. Ex.a Sr. Presidente, como é possível n'este mar magnum de algarismos descortinar a verdade. (Apoia-

Em cada documento diz-se a sua cousa e nós não sabemos como se ha de descobrir o que é exacto. (Apoiados).

Pode consentir-se que isto assim continue? (Apoiados). Deixo á Camará e ao paiz a resposta.

Eu declaro a V. Ex.a Sr. Presidente, cora a maior sinceridade e com a mais profunda convicção, que tenho medo do futuro do meu paiz, porque nZío sei para onde vamos. Não vejo processos de emenda; o que vejo é o Governo querer através de tudo, continuar no poder, não para defender os interesses do seu paiz, não para fomentar o desenvolvimento da riqueza publica, mas para só at-tender a si, á sua clientela e aos seus amigos. (Apoiados).

Aquelles que não souberem pôr em pratica os seus artifícios, esses não serão contemplados; mas os outros, os que teem artes e manhas, esses é que levarão a brasa á sua sardinha. (Apoiadas). Não são decerto os mais competentes os 'que serão escolhidos para os diversos legares, mas tão somente os que souberem mexer-se melhor.

Sr. Presidente: eu tinha ainda muito que dizer, mas não posso continuar, sinto-me fatigado. Além d'isso a hora regimental está a terminar e eu quando oiço a campainha presidencial, fico aterrado porque esse som produ-me um ataque nervos! (Risos).

Portanto, para não ouvir cantar o badalo da campainha que é mais uma responsabilidade que eu atribuo ao Sr. Ministro da Fazenda, embora essa seja a menor, (Risos), vou terminar dizendo ao Governo que metta a mão na sua consciência, que veja o futuro desgraçado que tem preparado a este pobre paiz, digno de melhor sorte, que se compeneti%e de que o pniz não pode pagar mais e de que nada mais encontrará para desenvolver a riqueza publica, porque n'estes três últimos annos o Governo tem-lhe arrancado tudo quanto tem podido, não lhe deixando os re-

cursos necessários para que os diversos ramo» de actividade nacional possam progredir.
Tenho dito.— (Vozes: Muito bem).
Termina mandando para a mesa as seguintes
Propostas
Proponho que sejam impressas todas as reclamações e representações que teem sido enviadas a esta Camará protestando contra as propostas de fazenda aqui apresentadas, para serem distribuídas pelos Srs. Deputados a tím de as poderem estudar e apreciar.=.F. J. Machado.
A experiência e a pratica de muitos dias teem levado ao convencimento publico que se pode d^pensar o administrador geral das alfândegas e o director geral da Contabilidade Publica, pois que os serviços teem corrido com toda a regularidade desde o falleeimento d'aquelles illus-tres funcionários. E como o Sr. Ministro da Fazenda declarou no seu discurso programma inserto a pag. 11, l.a columna do Diário dns Sessões dos /Senhores Deputa-dt>s n.° 28, de 3 de março de 1903, que é prtciso reduzir as despesas publicas.
Proponho que sejam supprimidos aquelles logares para se fazer a economia dos seus ordenados, o que é tão ne-necessario n'uma época tão calamitosa, que o Governo reconhece a inadiável necessidade de pedir ao contribuinte mais 2.500:0003000 réis de irnpostos.= í1. J. Machado,
Em virtude das poderosíssimas e irrespondiveis razões apresentadas durante a discussão do projecto, e tendo-se mostrado que elle é era parte inexequível e em parte iníquo e desigual: proponho que o projecto volte á commis-são para novamente ser estudado e mndificado de forma a desapparecerem os defeitos e inconvenientes que realmente n'elle existem. = F. J. Machado.

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