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PARTE NÃO OFFICIAL

CORTES

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sessão do 13 de maio de 1868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios — os srs.

José Tiberio do Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.

Chamada — 67 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Fevereiro, Ornellas e Vasconcellos, A. E. de Seabra, Annibal, Costa Simões, Villaça, A. Azevedo, Bernardino de Menezes, Falcão de Mendonça, Gomes Brandão, Antas Guerreiro, A. J. da Rocha, A. J. Teixeira, A. L. de Seabra Junior, Falcão Povoas, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Torres e Silva, Miranda Montenegro, Cunha Vianna, B. F. de Abranches, Carlos Bento, Conde de Thomar (Antonio), Pereira Brandão, Fernando de Mello, Silva Mendes, F. L. Gomes, Silveira Vianna, Rolla, J. José de Sousa, Freitas e Oliveira, Almeida Araujo, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Mendonça Cortez, J. M. da Cunha, João M. de Magalhães, Pinto de Vasconcellos, Ribeiro da Silva, Galvão, Coelho de Mello, Klerk, Sette, Correia de Oliveira, Monteiro, Carvalho Falcão, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, Costa e Silva, Ferraz de Albergaria, Rodrigues de Carvalho, Toste, Mesquita da Rosa, José de Moraes, Batalhoz, Tiberio, Camara Leme, Ferreira Junior, Motta Veiga, M. J. J. Guerra, Pereira Dias, Lavado de Brito, P. A.. Franco, P. M. Gonçalves de Freitas, R. V. Rodrigues, Ricardo de Mello, e Sabino Galrão.

Entraram durante a sessão — os srs.: Braamcamp, Rocha París, Alves Carneiro, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Ferreira Pontes, Barros e Sá, A. J. de Seixas, Arrobas, A. Pequito, Faria Barbosa, Araujo Queiroz, A. de Faria, Saraiva Carvalho, Barão da Trovisqueira, B. J. Garcez, Carlos Testa, Vieira da Motta, C. J. Freire, E. Cabral, E. Tavares, F. da Gama, F. F. de Mello, Albuquerque Couto, Coelho do Amaral, Dias Lima, F. M. da Rocha Peixoto, Pinto Bessa, Van-Zeller, Moraes Pinto, Gaspar Pereira, Guilhermino de • Barros, Joaquim Cabral, Faria Blanc, Meirelles Guerra, Baima de Bastos, Santos e Silva, J. A. Vianna, Mártens Ferrão, Gaivão, Aragão Mascarenhas, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, J. Pinto de Magalhães, Fana Guimarães, J. T. Lobo d'Avila, Gusmão, Xavier Pinto, J. A. Maia, Costa Lemos, Mardel, J. Dias Ferreira, Pinho, Achioli de Barros, J. M. Frazão, J. M. Lobo d'Avila, J. M. de Magalhães, Sá Carneiro, J. Coelho do Amaral, Pinto Basto, Levy, Lourenço de Carvalho, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Aralla e Costa, Pereira de Lacerda, Canto, Ornellas Bruges, Oliveira Lobo, Deslandes, e Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs.: Ferreira de Mello, Silva e Cunha, Azevedo Lima, Lopes Branco, Falcão da Fonseca, Silveira da Motta, Judice, João de Deus, Albuquerque Caldeira, Silveira e Sousa, Leite de Vasconcellos, e Mathias de Carvalho.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

1.° Do ministerio da fazenda, remettendo 160 exemplares das contas da gerencia d'aquelle ministerio, relativas ao anno economico de 1866—1867, e ao exercicio de 1865 — 1866, e igual numero da conta da receita e despeza do thesouro publico.

Mandaram-se distribuir.

2.° Do presidente da associação commercial do Porto, remettendo 160 exemplares do relatorio dos trabalhos da mesma associação, no decurso do anno findo.

Mandaram-se distribuir.

Representação

Da camara municipal de Constança, pedindo se lhe conceda o rendimento da barca de passagem existente no rio Zezere.

A commissão respectiva.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara uma nota das verbas consignadas nos orçamentos da camara municipal do concelho de Almada, posteriores á promulgação da lei de 6 de junho de 1864, com applicação á construcção, reparo e conservação das estradas, como determina o § 1.° do artigo 9.° da mesma lei. = Eduardo Tavares, deputado por Almada.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara uma nota do numero de escólas publicas que em todo o reino e ilhas ensinam pelo methodo repentino, e bem assim do numero de frequentadores das mesmas. = Eduardo Tavares, deputado por Almada.

3.° Requeiro que seja remettida a esta camara, pelo ministerio das obras publicas, uma nota do rendimento bruto por kilometro de caminho de ferro do norte e leste, em cada anno, desde que cada um d'estes caminhos foi entregue á exploração até ao fim do anno de 1867. = Augusto Montenegro.

4.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja esta camara informada do seguinte:

I Se em algum tempo saíu dos cofres d'aquelle ministerio alguma somma para construir, reparar ou auxiliar alguma obra ou estrada no concelho de Cezimbra, quanto, e porque fórma concedida?

II O mesmo com relação ao concelho do Seixal. = Eduardo Tavares, deputado por Almada.

5.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara uma nota das estradas que relativamente aos concelhos de Almada, Seixal e Cezimbra foram classificadas pela respectiva commissão de viação, em conformidade com o artigo 4.° da lei de 6 de junho de 1864, como estradas municipaes de 1.ª classe. = Eduardo Tavares, deputado por Almada.

6.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, se me diga, com brevidade, o dia, mez e anno em que entrou no mesmo ministerio o projecto de estatutos do seminario das missões ultramarinas de Sernache do Bomjardim, elaborado pelo actual superior, o bispo eleito de Macau; se os mesmos estatutos já foram approvados, e no caso negativo aonde pendem e a rasão da demora. = O deputado, Baima de Bastos.

7.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja informada esta camara:

I Sobre se á camara municipal do. concelho de Almada foi communicada, em conformidade com o artigo 4.° § 2.° da lei de 6 de junho de 1864, a classificação definitiva das estradas municipaes realisada pela respectiva commissão de viação;

II A data de tal communicação;

III Se, posteriormente a essa communicação, a supracitada camara reclamou ou propoz qualquer alteração a tal classificação no tocante ao seu concelho, como lhe faculta o § 2.° do artigo 4.° da já citada lei de 6 de junho de 1864;

IV Quaes reclamações fez ou alterações propoz. = Eduardo Tavares, deputado por Almada.

Foram remettidos ao governo.

Nota do interpellação

Pretendo interpellar, com a maior urgencia possivel, o sr. ministro da justiça, para saber em que estado se acha a revisão do codigo commercial. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo 1.° circulo da Figueira.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS Projecto de lei Senhores. — Attendendo á crise financeira em que nos achâmos, crise realmente medonha e aterradora, e a que, pelos meios ordinarios, que até agora têem sido empregados, é impossivel fugir á bancarota, que inevitavelmente nos espera;

Considerando, por outro lado, que, realisada a bancarota para que assim caminhámos, ficaremos completamente arruinados e perdidos, sem que possa antever-se segurança ou garantia alguma possivel para o proprietario, para o industrial, para o commerciante, para o empregado publico, em uma palavra para todas as classes da sociedade;

Sendo, por consequencia, necessario e urgentissimo até que todos concorramos, quanto possivel, embora com algum sacrificio, para obviar a tão medonho futuro, e evitarmos tão fatal cataclysmo, que póde acabar mesmo, e provavelmente acabará, com a nossa autonomia nacional;

E não devendo, alem d'isso, lançar-se mão do> imposto sem que primeiro' se façam as possiveis economias em todos os ramos da publica administração, começando pelo funccionalismo;

Não podendo a reducção dos quadros dos empregados publicos e a sua fixação produzir desde já o resultado prompto e efficaz que se deseja, e é preciso;

Attento, por assim dizer, o estado de sitiou financeiro, em que nos achâmos, e de que urge saír o mais breve possivel; I

Tenho a honra de propor á consideração da camara, e submetter á sua judiciosa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Deduzir-se-hão, só e unicamente no proximo anno economico de 1868-1869, 50 por cento nos ordenados e vencimentos de todos, os funccionarios publicos que recebem do thesouro, seja qual for a sua categoria.

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Art. 2.° Nos ordenados ou vencimentos inferiores a réis 600$000, far-se-ha a deducção por fórma que os empregados não recebam ordenado inferior a 300$000 réis.

Art. 3.° Não ficam sujeitos a deducção alguma os ordenados de 300$000 réis ou d'ahi para baixo.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos senhores deputados, 12 de maio de 1868. = O deputado pelo circulo de Ceia, M. E. da Motta Veiga.

Projecto de lei

Senhores. — Sendo presentemente dispensavel a commissão de pesos e medidas, por isso que os serviços que esta poderia actualmente prestar podem, sem gravame para o thesouro, ficar a cargo das camaras municipaes ou das auctoridades administrativas, tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica supprimida a commissão de pesos e medidas.

Art. 2.° E o governo auctorisado a regularisar o que respeita á fiscalisação dos afilamentos de pesos e medidas, no continente do reino e ilhas adjacentes, o que até agora pertencia á dita commissão, mas por fórma que d'ahi não provenha encargo ou despeza alguma com empregados no thesouro.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos senhores deputados, 12 de maio de 1868. = O deputado pelo circulo de Ceia, M. E. da Motta Veiga.

Projecto do lei

Senhores. — A nobre e antiga cidade de Elvas, padrão, immorredouro de tantas glorias e de tantos feitos gloriosos e notaveis, acha-se como cabeça de comarca quasi completamente privada de casa para tribunal judicial, de cadeias para os numerosos presos que ali affluem, de casas para paços municipaes e onde se accommodem as outras repartições publicas.

A unica casa que existe é por tal fórma acanhada, que mesmo agora tem de servir para tribunal judicial, serve para as sessões da camara, não havendo onde recolher as testemunhas e jurados; de sorte que se o tribunal funccionava em audiencia geral, a camara não podia ali funccionar e celebrar as suas sessões.

As prisões alem de serem só duas pequenas e mal seguras, são de mais a mais insalubres e immundas, e um verdadeiro fóco de infecção, não tendo uma unica das condições que a hygiene publica e a sciencia do direito penal recommenda que ellas tenham.

O edificio é por tal fórma ridiculo e indecente, que faria vergonha a qualquer terra ainda a mais insignificante, quanto mais a uma cidade que como a de Elvas esta na fronteira e proxima da raia de Hespanha, e todos os dias visitada por muitos estrangeiros, que por certo hão de censurar que a justiça se administre em uma casa que não passa de ser uma lobrega pocilga, que nem susceptivel é de melhoramento algum.

Não podendo nem devendo por mais tempo continuar-se n'um tal estado, e 'não havendo edificio algum na cidade que tenha a capacidade e condições convenientes para n'elle se poderem estabelecer com largueza e aceio todas as repartições publicas e constituir prisões espaçosas, seguras, salubres, e em numero sufficiente para se estabelecer a separação que a sciencia aconselha, e não havendo até outro local proprio para tal edificio se constituir, a não ser no local do antigo e arruinado castello da cidade; por isso tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a conceder á camara municipal de Elvas o local e terreno do antigo castello da cidade para a construcção de um edificio que possa servir para n'elle se accommodarem todas as repartições publicas e edificarem as prisões que forem precisas, nos termos da legislação vigente.

Art. 2.° Fica sem effeito a auctorisação concedida pela presente lei, se ao dito terreno se não der o destino n'ella designado.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 12 de maio de 1868. = O deputado pelo circulo de Villa Nova de Foscôa, José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello.

Renovo a iniciativa do projecto de lei publicado no Diario de Lisboa n.° 60 de 1867, pag. 756, pelo qual é extincto o corpo de artilheiros auxiliares na ilha da Madeira. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo 1.° circulo da Figueira.

Foram remettidos á respectivas commissões.

O sr. Secretario (José Tiberio): — Vou ler os artigos da carta que respeita a um projecto de lei do sr. José de Moraes.

Os artigos 140.° e 141.° da carta constitucional dizem:

«Art. 140.° Se passados quatro annos depois de jurada a constituição do reino, se conhecer que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na camara dos deputados, e ser apoiada pela terça parte d'elles.

«Art. 141.° A proposição será lida por tres vezes, com intervallos de seis dias de uma á outra leitura, e depois da terceira deliberará a camara dos deputados se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais que é preciso para a formação de uma lei.»

O sr. Presidente: — Em virtude da disposição da carta, é necessario que esta proposta seja apoiada pela terça parte dos srs. deputados, depois de lida tres vezes com intervallo de seis dias.

Leu-se na mesa a seguinte

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei publicado no Diario de Lisboa n.° 18, de 1867, pag. 181, pelo qual se estabelece que o poder judicial é o competente para conhecer dos delictos dos deputados durante o periodo da legislatura. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo 1.° circulo da Figueira.

Ficou sobre a mesa para se cumprir o preceito da carta.

O sr. João Carlos: — Mando para a mesa um projecto de lei. Não leio o relatorio, para não tirar tempo á camara, mas passo a ler o projecto (leu).

Sinto não ver presente o sr. ministro da fazenda, a quem desejava ouvir sobre o assumpto de que trata o meu projecto.

Pesam actualmente sobre as sociedades destinadas á industria do pescado, denominadas companhas, varias execuções, ás quaes não podem satisfazer, porque importam em muitos contos de réis. Por parte da fazenda é que foram promovidas ainda ha pouco tempo. Não foi cumprida uma lei de 1843, creio que de 10 de julho, e uma portaria do mesmo anno, que regulava a cobrança d'este imposto. Como houvesse desharmonia entre a lei e a portaria, as companhas não pagaram as contribuições que estavam em divida, accumularam-se grandes quantias, sommas que elles não podem hoje satisfazer de prompto, e estão em circumstancias de fallirem, porque as pessoas que estão n'estas companhas nada têem de seu, e os utensilios das mesmas companhas não podem satisfazer ás importancias em divida.

Attendendo ás circumstancias em que estamos, e á necessidade de recursos que têem aquelles pescadores, era conveniente que se suspendessem estas execuções, e que o governo desse algumas providencias sobre este assumpto.

Não sou mais extenso, visto não estar presente o sr. ministro da fazenda; mas como s. ex.ª lê o Diario de Lisboa, dirá depois o que se lhe offerecer a este respeito.

O sr. Julio Guerra: — A camara de Constancia apresentou ao parlamento anterior um requerimento, pedindo o rendimento da barca de passagem que existe no rio Zezere.

O requerimento foi para a commissão de fazenda, sendo por fim archivado.

A camara mandou-me novamente outro requerimento, que recebi ha dois ou tres dias, fazendo o mesmo pedido.

A lei a que elle se refere, é a carta de lei de 29 de maio de 1843.

Mando para a mesa o requerimento, e peço a v. ex.ª o faça remetter á commissão, assim como rogo á commissão que o estude devidamente, dando o seu parecer com brevidade.

O sr. Costa Simões: — Mando para a mesa um projecto de lei (leu).

Peço a urgencia d'este projecto, porque os interessados estão á espera da solução d'esta questão, cuja demora tambem prejudica o serviço publico.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Proponho o seguinte projecto de lei, de que peço a urgencia:

Artigo 1.° Ficam abolidas todas as propinas que ao prelado, lentes, doutores e empregados da universidade, pagavam até agora:

1.° Os candidatos aos graus de licenciado e de doutor;

2.° Os lentes no acto da posse de seus despachos;

3.° Os aspirantes de pharmacia de 1.ª e de 2.ª classe;

4.° Os antigos alumnos da extincta escola de cirurgia ministrante annexa á faculdade de medicina, que por terem frequentado a mesma escola antes da sua extincção ficaram com direito a serem examinados;

5.° Os medicos e cirurgiões com diplomas estrangeiros para so habilitarem ao exercicio da profissão em Portugal e seus dominios.

Art. 2.° O prelado, lentes e doutores não serão indemnisados da abolição das propinas de que trata o artigo antecedente, em conformidade com a sua consulta assignada em claustro pleno de 10 de abril de 1867.

Art. 3.° Todos os empregados da universidade, não comprehendendo os mencionados no artigo 2.°, serão indemnisados da abolição das propinas de que trata o artigo 1.°, segundo a media das quantias que tiver cabido a cada classe d'estes empregados durante os ultimos cinco annos.

§ unico. A importancia d'estas propinas será provisoriamente paga pela verba da dotação geral da universidade, emquanto este pagamento não for definitivamente regularisado.

Art. 4.° A falta dos lentes aos exames e actos cujas propinas são abolidas por esta lei, será considerada para todos os effeitos como falta de regencia de cadeira.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, em sessão de 13 de maio de 1868. = Costa Simões.

Vencida a urgencia foi admittido, e enviado á commissão respectiva.

O sr. Costa e Almeida: — Mando para a mesa um requerimento pedindo diversos esclarecimentos, e outro para que sejam enviados para a mesa os documentos relativos á eleição do 2.° circulo de Angola.

Já hontem pedi a v. ex.ª a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da justiça, e como s. ex.ª não appareceu, antes da ordem do dia, renovo o pedido, visto que o que pretendo dizer exige imperiosamente a presença de s. ex.ª, a quem particularmente já preveni que havia formulado o meu requerimento na sessão passada.

O sr. Fevereiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Abstenho-me de fazer considerações a respeito da materia de que n'elle se trata.

Estou persuadido que o nobre ministro dará as providencias necessarias com respeito ao meu requerimento; e se ellas não sortirem effeito, farei uma interpellação, dizendo então as causas que imperam no animo do juiz de direito, para não obrigar ao juramento em que fallo no requerimento, e para não cumprir a lei rigorosamente.

O sr. Teixeira Marques: — Declaro a v. ex.ª que não compareci á sessão de 11, por motivo justificado.

O sr. Levy: — Mando para a mesa um requerimento de Mathias Diederich Feuerheed.

O sr. Augusto Galvão: — Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei apresentado na sessão do dia 22 de junho de 1861.

Tem elle por fim fazer a concessão á camara municipal de Montemór o Novo do castello da mesma villa, seus terrenos interiores e adjacentes.

Devo declarar que a minha proposta vae tambem assignada pelo sr. José de Moraes, porque era do meu rigoroso dever convida-lo para este fim, por isso que s. ex.ª em todas as sessões que se tem tratado d'este assumpto, com aquelle zêlo que a camara lhe reconhece, tem pugnado para que seja convertida em lei a proposta, cuja iniciativa renovo agora.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO DE RESPOSTA AO DISCURSO DA CORÔA

O sr. Ornellas: — Mando para a mesa a seguinte substituição ao § 5:° do projecto de resposta ao discurso da corôa (leu).

Apresentando esta moção, estou muito longe de querer prolongar o debate sobre o projecto de resposta ao discurso da corôa, porque é minha opinião que elle é uma simples cortezia, e quanto mais brevemente se votar, mais cedo poderemos occupar-nos das importantes medidas que hão de ser submettidas á approvação da camara, e devem tranquillisar o paiz da agitação por que passou, e de que ainda restam vestigios.

Mas fui forçado a romper o silencio pelas continuas provocações da opposição, que quer necessariamente lançar ao governo a responsabilidade da agitação por que passou o paiz, e dos tumultos que tem havido em diversas localidades, e principalmente na Madeira.

Desde o momento que se suscitou a questão de saber a quem pertence a responsabilidade da agitação, é necessario que se levante uma voz que, franca e lealmente, diga a quem ella inteiramente cabe.

Saber quem foram e são hoje os interessados na continuação dos tumultos é cousa muito facil. Basta recorrer á scena que hontem aqui se passou, e que consternou a todos os amigos das instituições liberaes.

Houve um sr.1 deputado que, com argumentos sempre reproduzidos e sempre refutados, quiz attribuir ao governo a responsabilidade da agitação na Madeira.

Quando o sr. ministro do reino respondia victoriosamente aos argumentos do sr. deputado, foram elles reforçados pelo susurro das galerias.

Não quero dizer que houvesse concerto previo ou premeditação, mas houve uma tendencia instinctiva nos tumultuarios das galerias para apoiarem o deputado que tinha fallado na camara. (O sr. Gonçalves de Freitas: — Peço a palavra.)

Acredito que a agitação por que passámos foi devida a medidas, sem duvida, bem intencionadas, originadas por homens que julgavam com isso melhorar o estado do paiz, mas que infelizmente, por inopportunas, longe de melhorarem o nosso estado financeiro e administrativo, nos fizeram talvez recuar alguns annos no caminho do progresso, que tinhamos encetado.

Não quero entrar, porque não desejo tomar o tempo á camara, nos tumultos que se deram nas differentes localidades do reino, mas é evidente que se manifestou por toda a parte o descontentamento contra as medidas adoptadas pelo ministerio passado.

Esse descontentamento foi tambem extensivo á Madeira; e se o continente do reino que, a par de encargos sempre crescentes, tem recebido tantos beneficios, visto melhorar as suas condições de viação e desenvolver a sua riqueza publica, se revoltou contra o augmento do imposto, o que diriam as ilhas, especialmente a Madeira, onde não ha 8 kilometros de estrada carreteira, onde ha mais de trinta, ou quarenta annos se não fez uma obra importante, um só melhoramento, que podesse desenvolver a riqueza publica, onde ainda não nos restabelecemos do golpe profundo que deu na nossa prosperidade, a molestia das vinhas?

Mas os tumultos da Madeira estão longe de terem a gravidade que aqui lhes querem attribuir.

Confesso que só depois de chegar a Lisboa soube quaes os factos que se tinham passado na terra onde me achava. Não chegaram á minha noticia muitos d'elles emquanto lá estive. Já tive occasião de aqui mostrar a verdadeira importancia de alguns. Agora tocarei só aquelles de que se fez. menção hontem.

Ha uma asserção que diz respeito á affixação de editaes por parte da auctoridade, promettendo isenção de impostos aos povos que votassem nos candidatos do governo.

Esta asserção já appareceu nos discursos do illustre deputado por Penacova, mas no discurso d'elle tinha proporções muito maiores do que no discurso do illustre deputado por Sotavento.

;No discurso do illustre deputado por Penacova era uma medida administrativa que tinha tido logar em todos os circulos da ilha, mas, segundo a opinião do illustre deputado, os editaes não eram authenticos ou o povo não os julgava taes, porque o povo, disse o illustre deputado, exigiu e com muito boa rasão, uma declaração das auctoridades, em que lhe assegurassem que votando nos candidatos ministeriaes nunca mais pagariam impostos! Isto diz o illustre deputado por Penacova. Mas o illustre deputado por Sotavento limitou-se a dizer que = o caso se dera unicamente no con-

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celho do Porto do Moniz, e que a auctoridade que tinha assignado o edital era o administrador d'aquelle concelho =.

Declaro positivamente que ignorava a existencia d'este facto, não tomo sobre mim a responsabilidade de nega-lo desde já, mas espero muito cedo ter documentos que me auctorisem a faze-lo.

Além d'isto apresentaram-se tantas e tão variadas asserções que já não me lembro de parte dellas; e espero não ser obrigado a pronunciar o nome de um jornal que teve hontem a immerecida honra de ser citado n'esta camara.

Creio que o sr. presidente do conselho respondeu de sobejo a essa observação.

Esta já annunciada uma interpellação sobre os aconteci-tos da Madeira, e o sr. ministro do reino pediu que se esperasse que elle estivesse habilitado com o relatorio das auctoridades, para responder francamente sobre o que lá se passou, e dizer effectivamente se as auctoridades foram culpadas, porque acredito que o governo não tem tenção de perdoar nenhum erro que se tenha commettido, mas infelizmente as pessoas que têem interesse em suscitar constantemente esta questão não lhes convem esperar pelos documentos, não lhes convem que se lhes responda com as provas na mão; querem que de repente estejamos promptos a responder ás asserções que lhes lembram, talvez na occasião em que tomam assento na camara.

Houve infelizmente tumultos; muitos daquelles que tomaram n'elles uma parte ostensiva estão já entregues á auctoridade judicial; os que não tomaram uma parte ostensiva, mas que influiram para que os tumultos tivessem logar, serão talvez descobertos, e estou convencido de que não deixarão de receber o castigo da lei.

Só mais duas palavras.

Folguei muito de ver que o illustre deputado por Sotavento estava penetrado do mais santo amor p'ela justiça, do mais ardente zêlo pela punição do crime. N'esse sentimento acompanho eu o illustre deputado com todas as minhas forças e de todo o meu coração.

Desejo ver todos os crimes punidos, não só os publicos, mas tambem os privados (apoiados). Quero que o furto seja punido, como tambem a pirataria, como a sedição, como a assuada, como os tumultos; quero que outros crimes mais abjectos, se bem que menos ruidosos, não fiquem tambem sem punição.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho a seguinte substituição ao § 5.° do projecto de resposta ao discurso da corôa:

A camara lamentando que reformas mais bem intencionadas que opportunas provocassem no paiz resistencias ás vezes tumultuosas, acredita todavia que essa agitação, longe de alterar a pureza do acto eleitoral, serviu para compenetrar mais os povos da importancia dos direitos que lhes garantem as nossas instituições. = O deputado por Santa Cruz, Agostinho de Ornellas.

Foi admittida, e entrou em discussão com a materia.

O sr. Pereira Dias: — A camara acaba de ouvir, que v. ex.ª me inscreveu contra a resposta ao discurso da corôa; devo porém declarar, que eu sou a favor, e muito a favor do projecto de resposta.

A camara tem presenciado que todos aquelles que n'este debate têem pedido a palavra, sentem verdadeira e sincera repugnancia em se inscreverem contra ou a favor. Isto é uma charada parlamentar que tem o seu conceito. Eu vejo n'isto o estado de espectativa geral, o estado de duvida em que se acha o paiz, em que se acha a representação nacional. Nada mais, e nada menos.

Todos aguardam os actos do actual ministerio, e, creio que posso assevera-lo, em todos existem duvidas ácerca do cumprimento do seu programma.

Propalam-se boatos, em que sinceramente o digo, eu não creio.

Que se diz? Diz-se que o governo, não tendo medidas promptas e acabadas em harmonia com as aspirações geraes do paiz, procura ociosamente dilatar esta sessão parlamentar de maneira que, chegando os calores do estio, exponha a necessidade de adiar, e com effeito adie o parlamento.

Não creio que seja este o intento governativo do actual ministerio; sou o primeiro a fazer-lhe inteira justiça, e estou convencido de que o contrario succederá depois que ouvi a declaração que aqui fez o sr. ministro da fazenda. Mas que demora esta?! Disse-nos aqui o sr. ministro da fazenda que aguardava a votação do bill de indemnidade na outra camara para apresentar essas medidas; muito bem, esperemos ainda, aguardemos essa occasião.

Mas não poderão ss. ex.ªs desde já declarar á camara, para acalmar esta anciedade publica em que todos vivem, de que todos estão inspirados, duvidando uns com esperanças, e duvidando outros quasi desesperados, não digo o minucioso conteudo de todos os projectos que tencionam apresentar, mas pelo menos a somma das economias que tentam fazer? Não poderá dizer o illustre ministro do reino a verba das economias que projecta fazer no orçamento das repartições a seu cargo? Não poderá dizer o sr. ministro da fazenda outro tanto, e assim successivamente todos os collegas de s. ex.ª?

Na altura em que esta a sessão, e depois de se dizer que o motivo real e verdadeiro que houve para a convocação antecipada das côrtes era a pressa que o governo tinha de que o parlamento se pronunciasse sobre as providencias que tencionava apresentar, entendo que esses projectos ou providencias se não estão completamente concluidos, pelo menos estão proximos da sua conclusão; e por isso creio que ss. ex.ªs devem estar habilitados para nos dizer se na realidade existem e propõem economias, se essas economias subirão ou não a 1.000:000$000 réis; respondendo ss. ex.ªs a esta minha innocente pergunta, poderá terminar a incontestavel agitação de espirito que se observa na camara e no paiz, muito differente e diversa da agitação dos desordeiros.

Visto que não posso deixar de fazer, todos os dias que tomo a palavra, uma. profissão de fé politica, principalmente depois de alguem ter dito aqui que eu tinha sido contradictorio quando declarei á camara que era opposição clara e evidente, declarando depois que seria governamental se o governo cumprisse o seu programma, entendo que de novo devo repetir o que já disse.

Não renego a minha procedencia politica, nem declino a responsabilidade das providencias que votei, que votámos (apontando para o sr. presidente do conselho de ministros).

Acompanharei o governo na realisação do seu programma, não por favor ou consideração politica aos actuaes ministros da corôa, mas por julgar que no estado actual das nossas circumstancias devo ser antes deputado do paiz, do que deputado de qualquer parcialidade politica. Sou opposição politica ao gabinete, e serei governamental do seu programma economico. Onde esta a contradicção? Porventura poderia alguem de boa fé persuadir-se que pelas minhas declarações primeiras havia resolvido, estava disposto a combater a torto e a direito, a negar o meu apoio a todas as providencias que o governo apresentasse? Se eu fizesse tal declaração, se tal fosse o meu proposito, de certo não era digno de sentar-me aqui. Seria declarar-me opposição acintosa. E eu não quero ser opposição dessa ordem; antes pelo contrario estou disposto a ser governamental, uma vez que o governo adopte como chefe, o chefe do sr. Coelho de Amaral, o deficit. É um chefe que gosa de um triste privilegio; ao mesmo tempo que commanda, inspira nos commandados o sentimento de revolta. O novo partido tomando como chefe o deficit, deverá empregar todas as diligencias para o derrotar, para livrar-se do seu commando.

Eu creio que a situação actual do paiz exige paz, pede socego, e requer tranquillidade, aqui e em toda a parte; e deve haver toda a prudencia e toda a cautela no atirar de uma pedra, porque suppondo-se que ella irá caír n'este ou n'aquelle individuo, n'este ou n'aquelle grupo partidario, póde talvez, resvalando, caír e ferir muitos que pertencem á maioria, e alguns que eu vejo sentados nos conselhos da corôa.

No momento actual o que devemos fazer é inspirar-nos da situação grave do paiz e concorrer todos para que essa situação se resolva o mais breve possivel e da maneira a mais satisfactoria (apoiados). Ponhamos de parte os sentimentos politicos de cada um, e encaremos só e unicamente o presente e o" futuro do nosso paiz.

A camara sabe, e o paiz sabe tambem que a responsabilidade de tudo quanto tem succedido, isto já aqui se disse e é necessario repeti-lo mais de uma vez — pertence mais ou menos a todos, e se esta é a verdade, como entendo que é, deve haver toda a reserva e prudencia no formulario das questões, desviando-as do terreno politico que póde produzir a desharmonia e desintelligencia quando a rasão nos aconselha a paz e concordia entre todos.

Sr. presidente, devo declarar que ainda espero muito do actual gabinete; mas de quem espero muitissimo é do talentoso ministro da fazenda.

Como a camara sabe, sou medico, e por isso ás vezes conheço pela physionomia o que se passa lá dentro.

Julgo que o sr. ministro da fazenda não esta ali á sua vontade, parece estar incommodado.

Vejo, adivinho no sr. ministro, o intento de querer marchar e progredir no caminho do seu programma. (O sr. Barros e Sá: — Apoiado); tambem é o que mais responsabilidade tem.

Se o paiz, se todos nós estamos convencidos de que devem fazer-se largas e grandes economias, d'onde nos veiu esta convicção? Veiu do joven deputado, do talentoso ministro da fazenda quando aqui expoz aquelle celebre e memorando programma. E agora que esta sentado nos conselhos da corôa, que espera s. ex.ª que o paiz queira? - A realisação d'esse programma. Porém declaro que o julgo quasi impossivel de realisar-se. Mas faça s. ex.ª o rasoavelmente possivel. Creio que s. ex.ª quer e deseja satisfazer ao que lhe peço; mas talvez que, permitta-se-me a phrase, esteja mettido em talas (riso).

A velhice por mais respeitavel que seja não serve para commettimentos d'esta ordem; eu vejo s. ex.ª, joven doutor, como menino entre os doutores (riso). Parece-me que se confrange todo, quer caminhar (referindo-se aos srs. ministros da justiça, reino e guerra), e ss. ex.ªs não o deixam. Sr. ministro da fazenda, avante! Caminhe, e se o não deixarem, peço-lhe que cáia de pé, para no dia immediato se sentar n'esse mesmo logar (apoiados).

Não sacrifique o seu talento e reputação á vaidosa e mesquinha ambição de uma pasta, que, se a perder, póde em breve readquiri-la. O paiz espera isto de s. ex.ª; não o illuda, para que a sua descrença se não transforme em mal incurável.

Desprenda-se da velhice, que não tem força para progredir (apoiados). Nada mais direi.

O sr. Alves Carneiro: — Mando para a mesa, por parte da commissão de verificação de poderes, o parecer sobre o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo n.° 19.

Como s. ex.ª esta nos corredores, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara sobre se quer que se dispense o regimento, a fim de que este parecer entre já em discussão.

Dispensado o regimento, e posto a votos o parecer foi logo approvado, e seguidamente foi proclamado deputado, introduzido na sala e prestou juramento o sr. Costa Lemos.

O sr. Motta Veiga: — Pedi a palavra para participar a v. ex.ª que se acha constituida a commissão de instrucção 'publica, tendo nomeado para seu presidente o sr. Costa Simões, e a mim para secretario.

O sr. Freitas e Oliveira: — E dever de todo o homem publico, que se apresenta pela primeira vez a fallar ao seu paiz no seio da representação nacional, definir franca e claramente quaes são as suas idéas politicas, qual é o seu pensamento com relação ao estado presente da publica administração, quaes são as suas aspirações de reforma e de melhoramentos d'essa mesma administração.

Cumprindo com este dever, peço licença a v. ex.ª e á camara para fazer a minha profissão de fé politica, antes de entrar no assumpto que se discute; assumpto essencialmente politico, assumpto exclusivamente politico, o mais politico de todos, que se podem tratar no parlamento.

Em todas as legislaturas se tem levantado a questão de, se a resposta ao discurso da corôa deve ser um mero cumprimento ao rei, ou se é a occasião opportuna para definir a politica da camara e para se fazerem observações sobre a politica do governo.

Ha boas opiniões a favor de um e outro systema; mas quando mesmo fosse caso assentado e julgado de que a resposta ao discurso da corôa devesse ser um mero cumprimento ao chefe do estado, eu entendo que esta regra póde ter excepções e que, se nas sessões de uma mesma legislatura, quando não houve uma mudança ministerial, ou alteração sensivel nos negocios publicos, a resposta ao discurso da corôa póde e devo ser um mero comprimento, ha occasiões em que ella é o campo opportuno para discutir a politica do gabinete e manifestar a politica da camara. Esta é uma d'essas occasiões.

Da minha declaração de que vou fazer uma profissão de fé politica, já V. ex.ª e a camara podem deduzir quanto sou inhabil para estadista e quanto é pequena a minha ambição em face dos poderes publicos.

Fazer uma profissão de fé politica n'uma epocha de transacções quasi periodicas, n'uma epocha em que a coherencia póde ser um perigo, e é sempre um estorvo a quaesquer allianças com as differentes facções, que se revezam na governação do estado, se não é uma inhabilidade politica, é por sem duvida uma prova significativa da franqueza e desprendimento com que pretendo entrar na vida politica.

Se n'esta terra houvesse partidos politicos, em duas palavras fazia eu a minha profissão de fé. Dizendo que pertencia a este ou áquelle partido, dizia que as minhas idéas, os meus principios e as minhas crenças eram as idéas, os principios e as crenças d'esse partido politico em que eu estivesse filiado. Mas, infelizmente para a nação e mais infelizmente ainda para o systema representativo, os partidos politicos morreram asphyxiados pelas facções interesseiras, pelos corrilhos pessoaes e pela ambição insoffrida de todas as mediocridades politicas, que se viram á larga e desaffrontadas com o desapparecimento dos grandes caracteres no pó da terra, e com o aniquilamento sceptico dos que vivem sepultados no seu gabinete de estudo.

Desapparecendo os partidos, ficaram as facções e os corrilhos; e o homem liberal tem que optar entre ficar só e isolado de tudo e de todos na politica, ou vestir a libré de uma mordomia repugnante, ou de aceitar um appellido que não herdou de seus paes.

Para o homem livre, de caracter independente, sem ambições e sem vaidades, mas com a estima de si proprio, e com o respeito pela pouca ou muita intelligencia com que a Providencia o dotou, a opção é facil. Fica só, e por isso mesmo obrigado a definir as suas idéas, ap extremar os seus principios, e a patentear a sua doutrina. E o que vou fazer em poucas palavras, e desde já prometto a v. ex.ª que serei o mais breve possivel nas considerações que fizer, não só por conveniencia propria, mas sobretudo por consideração para com uma assembléa que tanto respeito, e que não desejo cansar.

Nasci quando em Portugal se agitava o espirito publico com as idéas que produziram a revolução de setembro de 1836; meu pae, e todos os homens da minha familia, foram I soldados fidelissimos do partido que se creou com essa revolução. Quando a rasão começava a desenvolver-se-me rebentou a revolução de maio de 1846, todos os meus se envolveram n'ella. Posso pois dizer que bebi com o leite as idéas do mais avançado partido progressista que houve n'esta terra, e que aprendi as suas doutrinas ao mesmo passo que aprendi a ler.

Entrando na vida publica, desde que tomei o ultimo logar entre os escriptores honrados da imprensa periodica, dos que dão a sua penna ao serviço de uma idéa, e não dos que a vendem ao serviço de um, homem, até este momento, em que tenho a honra de levantar a minha voz n'esta casa, ainda não desmenti, uma vez sequer, aquelles principios e aquellas doutrinas em que fui educado.

Sou portanto progressista, sr. presidente, não na accepção vaga em que ultimamente se tem tomado esta palavra, mas na accepção clara, restricta e terminante que ella significava para todos os homens que fizeram ou applaudiram as revoluções liberaes que houve n'este paiz antes da evolução militar a que se deu o nome de regeneração.

Sou portanto progressista, e de mais a mais revolucionario; mas não se assuste V. ex.ª nem a camara, com a audacia d'esta declaração, que, se póde ferir ouvidos ordeiros, só a mim póde prejudicar. Sou revolucionario, sr. presidente, como o [têem sido todos os caracteres publicos d'esta terra desde 1833; com uma differença porém, e é que muitos d'elles, a sua maioria talvez, têem sido revolucionarios no dia seguinte ao da revolução triumphante, e eu sou revolucionario da vespera da revolução indecisa e posso vir a se-lo do dia seguinte ao da revolução vencida.

Não conheço nenhum ordeiro de hoje que não fosse revolucionario hontem, e se não são revolucionarios da praça

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publica é porque a sua ambição é maior do que a sua coragem, embora o seu pulmão seja mais forte do que o seu pulso. Dantons no club, vem depois a ser Guizots na tribuna e nas cadeiras do governo, onde a revolução os levou. * Sou pois radicalmente progressista na politica, radicalmente progressista no modo de zelar a fazenda publica, radicalmente progressista no modo de considerar todos os ramos da administração. Como politico, sou partidario do governo monarchico representativo, debaixo da fórma mais liberal que possa apresentar-se; como deputado, serei escrupulosissimo fiscalisador dos dinheiros publicos, partidario da mais ampla descentralisação dos serviços e da maxima latitude dada aos fóros e regalias municipaes.

Todos os governos que tiverem este programma podem contar com o meu fraco mas lealissimo apoio; todos os partidos que se organisarem com estas aspirações podem contar-me entre os seus mais fieis soldados. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Definida assim a minha posição politica n'esta casa com relação ao meu paiz, resta-me defini-la com relação ao ministerio que se senta naquellas cadeiras. Fa-lo-hei com a mesma isenção, com a mesma franqueza e com o mesmo desprendimento.

Todos sabem que devo a minha cadeira de deputado á influencia pessoal do sr. ministro da fazenda e dos seus amigos no circulo da sua naturalidade; e como quando dois homens de bem um faz e outro aceita favores d'esta ordem, é porque de antemão se conhecem reciprocamente, e porque ha entre elles accordo mutuo de idéas politicas, analogia de principios e identidade de doutrinas; segue-se que sou ministerial na accepção mais lata d'esta palavra, emquanto acreditar, como acredito, que este ministerio é solidario e que as idéas politicas de um dos seus membros, manifestadas na tribuna e na imprensa são as idéas de todo o gabinete. Sou ministerial, sr. presidente, e não governa, mental, palavra moderna na politica, inventada pelos Catões de farça para solicitarem os votos dos regedores de todos os governos e virem depois alardear a sua independencia; sou ministerial, entendendo-se este meu ministerialismo pelo apoio franco, leal e sincero que hei de dar a esta situação' emquanto ella por algum acto seu não attentar contra os principios de liberdade que professo, e emquanto me não convencer de que a sua inercia póde ser estorvo aos progressos e civilisação d'este paiz. O meu ministerialismo pára porém desde o momento em que para o continuar seja necessario haver quebra nos meus principios politicos, prejuizo nos interesses do paiz, ou offensa á minha dignidade pessoal. O meu ministerialismo quer dizer accordo, nunca póde significar subserviencia. Hei de aceitar todas as indicações do governo com que me conformar, e repellir com desassombro todas as imposições que pretender fazer-me por via dos seus mordomos (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Quanto a esta camara, cuja physionomia liberal tanto me agrada, serei sempre aqui e em toda a parte o seu mais sincero respeitador. Nunca sairá da minha bôca uma palavra que mesmo subtilmente se possa suppor uma allusão á vida particular dos srs. ministros ou á do qualquer dos meus collegas, mas se alguma vez for forçado a alludir a actos da sua vida publica, fa-lo-hei sempre por fórma que não rebaixe a dignidade da tribuna, e serei tão claro, explicito e verdadeiro que nunca terei do fazer uma retractação, porque aqui e em toda a parte, agora e sempre, tomo, quero e exijo a responsabilidade inteira e indivisível das minhas palavras. (Vozes: — Muito bem.)

Entrando no assumpto que se discute, preciso chamar a attenção de v. ex.ª e da camara para os acontecimentos que produziram a crise ministerial do principio do anno, e que trouxeram a formação do actual gabinete e a dissolução da camara transacta.

Quando os antecessores dos actuaes ministros subiram ao poder foram recebidos pela opinião publica com applauso enthusiastico, p durante anno e meio essa mesma opinião, a imprensa e o parlamento esperaram com uma paciencia, rarissima nos paizes meridionaes, e unica entre nós, os actos d'esses ministros para os apreciarem e julgarem.

Esta prudente espectativa foi mal interpretada pelo gabinete de então. Julgou-se morta a opinião publica, e o povo completamente indifferente e alheio á gerencia dos negocios, e entenderam os srs. ministros que podiam dar largas á sua caprichosa phantasia, despender os dinheiros publicos nas mais reprehensiveis ostentações e revolucionarem todos os ramos de administração com os philosophicos projectos que preparavam no remanso do gabinete, entre os in-folios de publicistas de emmaranhada doutrina, eliminando com um traço de penna, os fóros e regalias municipaes, e traçando de compasso em punho, circulos onde podesse caber a sua grande popularidade, mas de area demasiado larga para satisfazer as necessidades dos povos.

Cansado de esperar, o paiz começou a observar o que se passava nas regiões do poder.

O nepotismo que presidia á nomeação dos funccionarios publicos, e a generosidade com que se mandavam passear pela Europa á custo do thesouro, não só os talentos, mas todas as insignificancias da litteratura e da sciencia, foi a pouco e pouco escandalisando a opinião publica.

A Europa de ha muito agitada pelas mais graves questões internacionaes, e ainda mal restabelecida do espanto com que vira, em poucos dias e no fim de uma só batalha, abater-se o poder da Austria, diante das espingardas prussianas, parecia preparar-se para novas campanhas. Era propicio o ensejo para a vaidade dos estadistas portuguezes brilhar esplendida á luz do sol.

Este cantinho de terra, que pela sua posição geographica, estava e esta felizmente, completamente alheio a todas as grandes questões europeas, quiz mostrar ao mundo que tambem era habitado por homens aguerridos, e lançar a espada do sr. ministro da guerra, o Berno lusitano, na balança dos destinos.

A Europa sobressaltou-se e os jornaes estrangeiros gritaram a alerta! Portugal arma-se».

Effectivamente por essa occasião, vimos entrar por aquella porta o sr. ministro da guerra, e pedir auctorisações e fundos para comprar armamento e estabelecer um campo de manobras.

«Senhores (disse aquelle illustre estadista que sinto profundamente não ver n'esta camara), as nuvens agglomeram-se no horisonte europeu; a tempestade é ameaçadora e a guerra geral esta imminente, e n'estas circumstancias a autonomia dos povos não se conserva com as boas palavras das notas diplomaticas e com as argucias dos Taleyrands. Podemos ser envolvidos na grande onda, e precisâmos apresentarmos para a defensão dos lares e da integridade do territorio. Peço 100:000$000 réis para um campo de manobras que ha de custar 400:000$000 réis; onde com ataques simulados, com marchas e contra marchas adestrarei os soldados, instruirei os officiaes, ensinarei tactica aos generaes e farei terminar todo este bellicoso espectaculo pelas mais pomposas cavalhadas de que ha memoria desde os torneios da idade media. Dae-me dinheiro para a guerra e eu salvarei a patria.»

A camara votou, mas o paiz levantou a cabeça e começou a prestar ouvidos ao que se passava.

Um mez depois d'esta scena se ter realisado, entrou n'esta mesma casa o sr. ministro dos negocios estrangeiros do mesmo governo, subiu á tribuna e exclamou:

«O estado da Europa é assustador; as pequenas nacionalidades vão desapparecendo absorvidas pelos grandes estados, e a Europa vae assistindo impassivel á legalisação dos factos? consumados.

«E melindrosissima a nossa situação; mas não é pela força das armas que consolidaremos a nossa autonomia, não é pela voz dos canhões que fazemos valer o nosso direito. Na diplomacia, senhores, na diplomacia é que hoje se levantam as linhas, os baluartes e as fortalezas que hão de defender as nossas fronteiras. Vale mais uma nota de qualquer dos nossos diplomatas do que todas as legiões aguerridas do nosso exercito.

«Votae-me auctorisação para a reforma do ministerio dos negocios estrangeiros; abri-me os cofres do thesouro para eu elevar a diplomacia portugueza á altura da sua grande missão e dos altos destinos que lhe preparo.»

A camara votou, - mas (o paiz encostou-se sobre o cotovelo, e começou a resmungar (riso).

Mal tinham passado os dois andores d'esta procissão de triumpho, e já áquella porta assomava o terceiro. Era o sr. ministro do reino, hoje illustre deputado por Paredes, quem o sustinha nos seus braços robustos.

«A previdencia dos meus illustres collegas, disse s. ex.ª, e á vossa docilidade em annuirdes aos seus pedidos, devemos a segurança externa. Socegados por este lado tratemos da segurança interna, do estabelecimento da ordem e do predominio da auctoridade.

«Aqui esta a reforma administrativa. O que ha de mais transcendental em todas as philosophias, que sei e aprendido côr, nos livros da minha vastissima bibliotheca, aqui esta. Mais liberal do que isto não conheço codigo algum. Guarda civil, imitação correcta e augmentada com os primores do meu liberalismo, de que copiei da nação vizinha; guardas campestres, parochia civil, divisão territorial;'tudo copiado dos melhores auctores; tudo photographado dos mais bellos figurinos (riso).

«Por deferencia para com o meu collega da guerra, e por analogia com o estado da Europa, tracei todo este plano á militar; tomei o paiz como um grande exercito, de que os districtos são as brigadas, os concelhos os batalhões, e as parochias as companhias. Tudo isto esta numerado, e todos estes corpos têem igual numero de soldados. No cerrar das filas porém é que podereis encontrar pouca belleza e uniformidade. Ha batalhões que têem as companhias a 10 leguas de distancia umas das outras, e em que estas se deixam atravessar pouco marcialmente por montanhas e rios. Mas a arithmetica foi a minha base, e tudo isto é mathematico.»

A vista de tão substancioso relatorio a camara votou a reforma administrativa; mas o paiz levantou-se de um salto, e do resmungar passou a queixar-se em voz alta (apoiados).

« Deixa-los fallar», gritava o mestre de ceremonias, e não se interrompa a procissão.

Ao terceiro andor seguiu-se o quarto com o imposto de consumo galhardamente vestido e enfeitado com o mais chibante regulamento que até hoje o secretariado tem produzido (riso). Este andor era trazido pelo nobre ministro da fazenda.

«Estamos contentes de Vós, disse s. ex.ª, tendes salvado a patria, não ha duvida, mas tudo isto custa dinheiro, é preciso que o povo pague todos estes beneficios com que o dotámos.

«Aqui esta o imposto, e para que elle seja doce, benigno e bem aceite, escolhamos o mais vexatorio, aquelle para cuja arrecadação é necessario um maior numero de tribunecas e um maior numero de funccionarios. De um só golpe satisfazemos duas necessidades; arranjamos dinheiro para a guerra de Tancos e para todas as outras guerras que por ahi se têem feito, e arranjamos para accommodar os licenciados das nossas fileiras.»

A camara, como sempre, votou o imposto cheia de enthusiasmo patriotico, mas o paiz começou a mecher-se (apoiados)...

A heroica cidade do Porto, a guarda avançada de todas as campanhas da liberdade, quer ellas se pelejem no campo de batalha, quer se pelejem no campo constitucional, tomou a iniciativa, e, pela voz da sua patriotica e illustrada vereação, representou á camara dos senhores deputados contra as medidas que ella e o paiz julgavam prejudiciaes aos seus interesses e ás suas liberdades.

A camara dos senhores deputados e o governo desprezaram a representação da vereação portuense, e o sr. ministro do reino, hoje illustre deputado, mostrou por essa occasião a má vontade que sempre teve á cidade liberal, que as canções do absolutismo oppunham á Braga fiel, Braga fiel, que n'estas eleições mais que nunca provou, na derrota de um illustre orador do partido realista, quanto era injusto o epitheto com que a pretendiam isolar das outras cidades liberaes.

Acceso em ira contra a representação da camara do Porto, exclamou o illustre deputado que naquella cidade não havia dez homens que assignassem aquelle documento. Feliz fanfarronada!

Feliz fanfarronada, sr. presidente, que teve em resposta 11:000 assignaturas, não solicitadas de porta em porta, mas trazidas espontaneamente pelo punho de 11:000 cidadãos contribuintes que podiam sustentar uma espingarda, e que, para darem mais significação e mais solemnidade ao acto, as foram escrever na praça publica, á sombra das estatuas do rei soldado e do cidadão rei! (Vozes: — Muito bem.)

Mas isto era pouco ainda para demover a vontade energica de partidarios ferrenhos. Eram só assignaturas, mas, quando o exemplo dado pelo Porto foi seguido por todo o paiz, e quando ás assignaturas se seguiram protestos mais energicos, entendeu o ministerio que era chegada a occasião de entregar ao nobre ministro do reino, como filho da melhor escola politica, a direcção dos negocios e o encargo de castigar os rebeldes.

A escolha teria sido acertada e o escolhido digno da alta missão que lhe entregaram, se o paiz podesse ter retrogradado quarenta annos para o interior do seculo; mas ainda uma vez a philosophia illudiu-o, a ambição cegou-o e a sciencia ensoberbeceu-o. Julgou-se superior a todos os seus concidadãos, não se lembrando que o homem livre acima de si só vê Deus, abaixo a campa que a todos iguala, e aos lados a humanidade que a todos abraça (Vozes: — Muito bem).

Refutar o que digo? Combater o que penso? Rebelar-se contra o que ordeno? Quem o ousa? Que vozear é esse que se levanta nas praças? Quem attenta contra a ordem publica? Quem se levanta contra o principio da auctoridade?

Chamemos os nossos alcaides e mandemos dispersar pela força a canalha que tumultua. Canalha é o nome que o governo d'essa epocha, que os ordeiros de todas as epochas deram e dão ás multidões desgraçadas; que as agitações populares vomitam nas praças publicas, e até ao povo que pacificamente vae á praça publica peticionar o que julga justo.

Canalha! Mas a canalha é a humanidade sem pão e sem vestidos. Canalha é o corpo de delicto de todos os governos, que edificam quarteis em vez de abrir escolas!

Canalha! Nome ignominioso e VII com que apóstatas e renegados têem infamado o povo, que sacrifica a sua vida nas revoluções para os elevar ao poder, não se lembrando que os tyrannos de Roma tambem chamava canalha ás multidões que seguiam o homem Deus, multidões d'onde saíam os apostolos, que depois vieram prégar o Evangelho, codigo divino da liberdade e da democracia. (Vozes: — Muito bem.)

Corrigindo, instruindo e dirigindo isso a que chamaes canalha, tereis povo, nação e governo.

Quem tem feito as grandes revoluções, que têem dado á humanidade o direito de pensar, de escrever e de fallar livremente? Não tem sido de certo os barões, os condes, os duques, os frades, não tem sido o burguez egoísta e inutil, nem os philosophos e metaphysicos!

Protesto, sr. presidente, com toda a energia de que sou capaz contra este epitheto affrontoso, com que em todas as epochas se tem querido manchar a parte mais desgraçada da sociedade; e protesto ainda mais contra a brutalidade com que se manda dispersar pelas armas estes desgraçados.

Dispersando pela força das armas, pela bôca das espingardas, isso a que chamaes canalha, fazeis cadaveres; e se os dispersásseis pela palavra alumiada, pela rasão e pela virtude, faríeis heroes. (Vozes: — Muito bem.)

Já uma vez a palavra eloquente de Lamartine póde mais que vinte esquadrões de gendarmes. Já uma vez a voz sympathia de Passos Manuel teve mais força do que todas as bayonetas da guarnição de Lisboa.

Mesquinha politica e ridicula auctoridade é a que precisa da força das armas para fazer conter nos limites da ordem e do respeito á lei o povo inerme.

Para governar um paiz militarmente é estadista qualquer brigadas. Para conter uma sociedade no respeito á lei pela força das bayonetas, basta um sargento. Mas para governar homens liberaes, para conter na ordem multidões agitadas de cidadãos livres, são necessarios ministros intelligentes, prudentes, liberaes e energicos, com auctoridades suas subordinadas, que saibam ouvir o povo e fallar-lhe ás paixões, porque é por ellas que o povo se governa nas grandes crises, e não por argumentos e rasões titubiadas a medo por auctoridades sem prestigio de nome, de intelligencia, de virtude civica e até de figura. O estado da agitação tornou-se geral, e ao governo só restava o poder das bayonetas, e tencionava emprega-lo, para o que pediu ao poder moderador o adiamento das camaras.

O rei, que comquanto seja irresponsavel pela carta, tem uma responsabilidade moral que a opinião publica lhe impõe, e que a historia regista, usou de um direito, negou ao ministerio o adiamento pedido, e o ministerio deu a sua demissão.

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Chamou Sua Magestade para organisar um novo gabinete o sr. conde d'Avila. Foi um acto do poder moderador que não posso, não devo nem quero discutir.

S. ex.ª chamou para o gabinete... quem?

No estado de agitação, em que estava q paiz, olhou para os homens da revolução que tinham assento n'esta camara, encontrou um nas circumstancias de poder entrar no gabinete, representando a politica d'essa revolução, porque se havia opposto aqui a todas as medidas do ministerio passado, contra as quaes o paiz se rebellára, e tinha feito constante opposição a esse ministerio. Escolheu-o para a pasta da fazenda.

Escolheu para a pasta da justiça o primeiro jurisconsulto d'este paiz, o auctor do codigo civil, cuja execução devia começar no dia 22 de março.

Para a pasta da guerra um general illustre, bemquisto de todos os seus camaradas, com um bello nome em todos os corpos que commandou.

Para a pasta da marinha e. ultramar, um dos mais distinctos governadores das provincias ultramarinas, um bravo militar, um homem de uma probidade reconhecida.

Para a pasta das obras publicas um engenheiro distincto, um homem cuja probidade e cuja inteireza de caracter fazem recordar os homens bons de Sparta (apoiados).

E é este o ministerio que se disse, que saíu da lama e da rua! Da lama!

Eu não vim da lama, sr. presidente, porque não chovia no dia em que vim para esta casa; mas sim da rua, e creio que todos nós viemos da rua.

Queriam um ministerio do paço? Um ministerio de aulicos? Uma embuscada?

Esse tempo acabou, porque, graças á Providencia, temos sentado no throno portuguez um monarcha essencialmente liberal, educado nos melhores principios constitucionaes, respeitador da opinião do povo que rege, e fidelissimo ao pacto que jurou (muitos apoiados).

O primeiro dever do ministerio era acalmar a agitação publica.

Para isso tinha que revogar as leis contra as quaes o paiz se havia revoltado. Era a sua condição de existencia.

Mas, pergunto eu, podia e devia o ministerio solicitar a revogação d'essas leis, da camara que as tinha votado? Nunca!

Ainda mesmo que a maioria votasse essa revogação, o governo, que deve zelar a dignidade do paiz, não podia consentir em um tal aviltamento do systema representativo.

Dissolveu a camara, e revogou dictatorialmente aquellas leis.

Foi limitada a dictadura. Perdeu-se uma boa occasião. Felizes, sr. presidente, felizes os homens constitucionaes contra os quaes se não póde dançar em rosto outra culpa, que não seja a de não quererem dictatorialmente reformar a administração publica (apoiados).

Prepararam-se os trabalhos eleitoraes. Appareceram as ambições. Atropellaram-se os candidatos nas secretarias. Appareceram os despeitos. O ensejo era famoso para os especuladores agitarem as massas e desviarem o espirito do publico do respeito á lei, pregando-lhe doutrinas erradas e perigosas.

Eu não pertenço, sr. presidente, a uma classe de espiritos fortes, que desprezam a popularidade. Eu estimo-a e desejo-a, mas para a obter jamais mentirei á minha consciencia, jamais me afastarei dos principios que professo e julgo bons (apoiados).

Fallou-se no direito ao trabalho. Pregou-se esta doutrina do direito ao trabalho. Que é o direito ao trabalho? Que direito é este? E um direito que não existe, que nunca existiu e não póde existir (apoiados). O direito ao trabalho é a vontade de trabalhar. Que quer dizer que o governo tem obrigação de dar trabalho aos operarios? Toda a obrigação é correlativa de um direito. Se o governo tem obrigação de dar trabalho, tem o direito de o dirigir; dirigindo-o sujeita-o, e não ha trabalho proficuo senão o trabalho livre. Portanto condemno essa idéa do direito ao trabalho, porque é uma utupia perigosa, quando é professada de boa fé, uma especulação desastrosa, quando é proclamada com hypocrisia.

Mas estes erros de entendimento, ou estes crimes de vontade foram propalados e especulados por ambiciosos sem' merecimento, que aspiram a um logar para o qual a Providencia os não fadou, illudindo as classes mais desgraçadas da sociedade, trazendo as para as praças publicas, agitando as e instigando as a por todos os modos assustarem o animo publico.

, Por esta occasião foi accusado de fraqueza o nobre presidente do conselho, por não ter feito dispersar pelas armas esses desgraçados que percorriam as ruas. Feliz fraqueza! Abençoada fraqueza a de s. ex.ª! Queriam que fuzilasse os amotinadores! Mas nas praças publicas não havia amotinadores, havia amotinados. Os amotinadores estavam em casa, estiveram sempre em casa (apoiados), e quando appareceram em publico declararam cobardemente que não tomaram a responsabilidade d'esses actos (apoiados). Queríeis que o sr. ministro do reino mandasse fuzilar os amotinados, e que a bala que matasse ou ferisse algum daquelles desgraçados ferisse tambem ou matasse o vosso pae, o vosso filho, o vosso irmão, que a curiosidade ou o acaso levasse á praça publica? — Mas atiravam pedras, insultavam. — E facto; mas quando o assassino nomeio de uma rua apunha-la ou esfaqueia um cidadão, manda-o o governo degolar pelos cabos de policia? Que liberaes são estes que se revoltariam contra o governo se mandasse espancar o assassino, e que o censuram, porque não mandou espingardear meia duzia de desordeiros? Ainda uma vez louvo a fraqueza do sr. ministro do reino; louvo-a em nome da liberdade, em nome da religião, em nome da humanidade (apoiados).

Fizeram-se as eleições, e em dois ou tres circulos do reino houve excessos que eu deploro. Mas que culpa tem o governo d'esses excessos? Promoveu-os? Auctorisou-os? Mandou-os louvar? D'esses excessos não ha victimas, não ha queixosos? Prohibiram-se as queixas? Embaraçaram-se? O poder competente negou-se a recebe-las? Não, nada d'isto succedeu. Então qual é a culpa do governo?

Houve corrupções!... Sr. presidente, antes de eu ter assento n'esta casa fui por tres vezes candidato infeliz, sempre candidato contra o governo e contra a opposição, nunca empreguei senão os meios constitucionaes, nem de outros podia dispor, para fazer valer a minha candidatura; mas vi os meios que os meus adversarios empregaram para me vencerem e para se vencerem reciprocamente, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que nenhum d'elles nada deixou a desejar, nenhum póde lançar a pedra ao outro. Agora aconteceria o mesmo, e eu sobre este ponto peço licença para não dizer mais nada, porque não quero ficar mal com,p clero, nobreza e povo (riso).

Temos pois o ministerio em face do parlamento, cada um com a sua responsabilidade e ambos com a mesma missão.

Qual é o programma do ministerio? Economias. Confesso, sr. presidente, que comquanto eu seja muito inclinado ao laconismo não gosto de programmas de cinco syllabas sómente. Que se dissesse que o programma economico do governo era este ou aquelle, entendia eu; mas dizer-se que o programma do governo são economias, isto dito assim isolada e seccamente, confesso que não percebo.

Mas aceito o termo, não pelo que elle exprime, mas pelo sentido que deseja manifestar.

Economias em que? No pessoal do funccionalismo? Approvo, mas com estas restricções: ao que servir e servir bem, pague-se-lhe muito bem; ao que não servir ou servir mal, não se lhe pague nada.

Supprimam-se todos os empregos e todos os tribunaes inuteis, mas seja igual esta medida. Não fique o chefe inutil para saír o amanuense util. Não fique o alto funccionario corrupto ou desleixado para se pôr fóra o pequeno. Isso não seria economia, isso seria immoralidade.

Estas economias, feitas assim igualmente, com os olhos fechados, dôa a quem doer, na phrase do meu nobre amigo o sr. ministro da fazenda, não produzirão talvez uma grande alteração na cifra do deficit, mas hão de produzir muito bom effeito moral; e são condição necessaria para o paiz aceitar e para a camara votar o imposto fatalmente necessario.

Mas isto não é a questão financeira, isto é uma questão de expediente, que deve ser acompanhada de uma lei de habilitações e de responsabilidade de todos os funccionarios publicos e que se deve executar em todas as epochas, ainda mesmo que o deficit desappareça.

A questão financeira é outra.

As grandes economias não estão nos córtes que é necessario fazer no ministerio da fazenda, estão nos córtes que é preciso fazer em todos os ministerios, estão na boa organisação dos serviços publicos, na economia de tempo e de trabalho, que tambem é economia.

Percorrendo os orçamentos da despeza dos ultimos dez annos, nota-se o seguinte: os orçamentos dos ministerios da guerra, marinha, fazenda e obras publicas, sempre a crescerem; os orçamentos dos ministerios, do reino e justiça, isto é os que representam a instrucção e a moralidade, no statu quo, não sobem nem descem!

Portanto as economias que podem e devem fazer-se nos quatro primeiros ministerios é preciso ir emprega-las nos dois ultimos.

No ministerio da guerra sei eu que podem fazer-se muito importantes economias, e sei-o por boa fonte. Não me foi dito em segredo, disse-o n'esta casa o sr. ministro da guerra.

Disse s. ex.ª que com o exercito se gastavam réis 3.600:000$000, mas que com o que era propriamente o exercito só se gastavam 1.000:000$000 réis, pouco mais, e o resto levavam-no os accessorios.

Abaixo os accessorios, que forem só de luxo! (Apoiaãos.)

Com o que é propriamente exercito não se podem fazer economias, não se póde tirar nada ao soldado e ao official; o que se póde é fazer córtes no generalato e no estado maior de todas às armas (muitos apoiados).

Mas permitta-me s. ex.ª que eu muito rapidamente faça uma observação. Explicando os motivos do crescimento do orçamento do ministerio da guerra/ s. ex.ª referiu-se aos sargentos da junta do Porto. Confesso que não sabia que estes pobres homens, alem de outros crimes, tinham tambem o de fazer crescer o nosso deficit! Esta citação, quasi exclusiva, dos sargentos da junta do Porto pareceu-me, e com isto não quero de fórma alguma offender o nobre ministro da guerra, que era uma especie de reprovação do movimento que teve á sua frente aquella junta, de reprovação que eu não applaudo, e de certo não applaude o nobre ministro das obras publicas, nem o sr. ministro da justiça, se, como creio, não se arrependeu ainda de se ter posto á frente d'aquelle movimento (riso).

A base da reforma do exercito esta no recrutamento (apoiados). Sem bom recrutamento não temos exercito. E como se ha de fazer o recrutamento? Este é o imposto mais difficil e mais custoso a pagar que póde existir. Mas porque é elle difficil e custoso? Porque é desigual.

(Interrupção do sr. Camara Leme que se não percebeu.)

Sim, tambem; e porque tem sido sempre arma eleitoral.

Ha muitos districtos do reino que não mandam um só soldado (apoiados); e ha outros, principalmente a Beira (apoiados), que dá o seu contingente...

Uma voz: — E o Algarve.

E o Algarve tambem. Ha alguns que não pagam este imposto de sangue, que não querem pagar nada (apoiados).

(Susurro.)

Não admitto recrutamento, não approvo recrutamento, com substituições por dinheiro (apoiados). O paiz quando exige este imposto não quer dinheiro; quer homens, quer recrutas (apoiados). Façam lá o contrato particular como quizerem; mas quando se pede um homem, dê-se um homem, e um homem valido, - nas circumstancias de ser soldado.

Mas ainda vejo uma outra cousa sem ser o recrutamento. Votam-se 3.600:000$000 réis para 18:000 homens em, tempo de paz. Não ha talvez 12:000; quem é o anthropophago que devora os 6:000? (Riso.)

(Interrupção do sr. Camara Leme que se não percebeu.),

Mas não ha 18:000 homens. A questão é de cifra. Emfim não quero alargar mais estas considerações, porque mereservo para quando se discutir o orçamento.

Vamos ao ministerio da marinha. As economias n'este ministerio são muito parecidas com as economias do ministerio da guerra. É preciso pagar bem á marinha que serve para o mar; é preciso não pagar nada á marinha que só serve para a terra (apoiados). Sobretudo o que é necessario é muita fiscalisação nas construcções. O paiz votou aqui sommas consideraveis ainda ha bem poucos annos para ver navios que estão hoje completamente perdidos. Os desperdicios de alguns governos têem ao menos aproveitado a alguem; mas os desperdicios que se fizeram com. estas construcções não aproveitam senão aos peixes.

É deploravel que um navio apenas com tres annos de existencia já não possa navegar. Além d'isso tem havido um systema pessimo em construir navios de guerra, corvetas. O nobre ministro da marinha sabe perfeitamente que os navios de guerra não são corvetas; os navios de guerra sãs fragatas. Se queremos marinha de guerra é preciso ter fragatas, porque, se a despeza de construcção é muito maior, faça-se em vez de duas corvetas uma fragata, que a despeza que se fizer com a sua guarnição não ha de ser muito maior do que a que se esta fazendo com as corvetas, porque quasi todas ellas estão sendo commandadas por capitães de mar e guerra, o que é contra o regulamento.

Eu desejava que os nossos navios de guerra não fossem só para a costa de Africa; precisâmos que todos os nossos navios de guerra visitem as nossas colonias, e é mesmo util que ali haja estações navaes; mas tambem é bom que de quando em quando appareça bandeira portugueza nos portos da Europa ou no tope dos navios que não envergonhem a nação nem a briosa classe dos officiaes de marinha, na qual se conta uma brilhante plêiade de officiaes distinctos, sendo um d'elles um illustre ornamento d'esta casa, o illustre deputado por Alemquer. Na classe dos officiaes da nossa armada ha distinctissimos officiaes, e eu espero que com esses, que servem com muita distincção e honra para o paiz, não vá tocar a reforma, e só sim com aquelles que nunca embarcaram, e que ganham os postos em serviço alheio ao da arma de marinha.

Quanto á questão das colonias, ouvi dizer ao illustre deputado, o sr. Testa, que = a civilisação das colonias estava nas missões =. Permitta-me s. ex.ª que, sem offensa do seu espirito religioso, que eu muito respeito, declare que não me conformo com este meio, pela simples rasão de não haver missionarios que queiram ir para aquellas regiões. Eu sei que ha muito sacerdote distincto, que podia muito bem ser empregado nas missões, mas esses não querem ir morrer pela cruz, esperançados só nas recompensas do céu.

E depois eu não me conformo muito com a idéa das grandes vantagens que se hão de tirar de mandarmos" missionarios para as nossas colonias, porque conheço os resultados que se têem tirado dos missionarios que no continente têem andado a pregar. Dos missionarios que foram a Aveiro pregar resultou o incendio das minas do Braçal.

Quanto ao ministerio das obras publicas, as reformas a fazer não podem ser feitas pelo governo. As economias d'este ministerio não ha de ser o nobre ministro que as ha de fazer; mas sim o paiz e nós. O paiz quando quizer construir as estradas municipaes e districtaes; e nós quando não votarmos contratos ruinosos e declarações, e quando nos não constituirmos tutores de emprezarios inhabeis ou atravessadores.

No ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça havia só uma economia a fazer, mas creio que a camara se não conformaria com ella, e era decretar a liberdade dos cultos. D'este modo o ministerio dos ecclesiasticos ficava supprimido. Creio porém que a camara não quererá decretar este meio de economia, muito principalmente quando a constituição diz que — a religião catholica apostolica romana será a religião do estado.

Portanto no ministerio da justiça a economia que ha a fazer é gastar mais, porque, se nós tivemos a fortuna de ser o primeiro e até hoje unico paiz da Europa que decretou a abolição da pena de morte, dissemos tambem que se haviam de estabelecer penitenciarias, e estas penitenciarias não existem. Nós não temos cadeia nenhuma a que se possa dar este nome. Os tribunaes judiciaes estão uma vergonha, e a magistratura não me parece que esteja bem remunerada. Não ha paiz algum que pague tão pouco aos seus magistrados como nós.

E seria até uma barbaridade se elles tivessem de soffrer o golpe dos 50 por cento de reducção, que o nosso collega o sr. Motta Veiga quer applicar a todos os ordenados dos, funccionarios publicos. Se este projecto aqui viesse, eu proporia por essa occasião a suppressão das faculdades de theologia, de medicina e de mathematica na universidade, e com rasões que me parecem muito mais justas do que as poderá apresentar o meu illustre amigo para a defeza do seu projecto.

No ministerio do reino não se póde fazer economia nenhuma; é preciso ao contrario fazer muitas despezas; é pre-

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ciso abrir muitas escolas com bons professores; mas não ha bons professores por 90$000 réis por anno unicamente (apoiados). Não os ha nem os póde haver. Portanto n'este ministerio a economia é despender mais.

Resta o ministerio da fazenda. Que economia ha a fazer n'este ministerio? Distribuir igualmente o imposto por todas as classes da sociedade, proporcionalmente com os haveres de cada um: arrecadar este imposto pontualmente e com a maior igualdade, e quem o não pagar soffra as penas da lei, qualquer que seja a sua classe ou jerarchia. É preciso fiscalisar esta arrecadação, e para esta fiscalisação tambem é precisa mais despeza do que a actual.

Vou terminar. Por estas poucas considerações que fiz sobre o programma de economias do governo se vê que immediatamente, de momento, não se podem fazer economias que representem algarismo sensivel no orçamento. O que se póde é preparar o campo para o augmento da receita, estabelecer um bom methodo de arrecadação do imposto e de boa organisação de serviços. Entremos n'este campo, façamos todas essas economias, mais de effeito moral que numérico, que é possivel fazer, e então estou persuadido de que a camara votará, e o paiz aceitará, os sacrificios que seja necessario fazer, depois de todos estarem convencidos de que o governo vae entrar n'este bom caminho de administração.

Pela minha parte, conto desde já que lhe hei de dar o meu voto se assim praticar.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados).

O sr. Pequito: — Sr. presidente, eu não tencionava pedir a palavra para tomar parte n'esta discussão, por me persuadir que a resposta ao discurso da corôa seria considerada, como já por vezes o tem sido n'esta camara, um mero comprimento dirigido ao augusto chefe do estado. Mas, quando na sessão em que começou o debate, e na seguinte, vi que tinham pedido a palavra tantos membros d'esta casa; e sobretudo quando ouvi expender certas opiniões e doutrinas ao illustre deputado o sr. Testa, por quem tenho a maior consideração e estima; resolvi pedir a palavra sobre a ordem, e agora, no uso d'ella, asseguro desde já a camara e a v. ex.ª, que não hei de por muito tempo cansar a sua attenção, nem abusar da sua paciencia.

Em observancia das prescripções regimentaes, vou ler a minha moção de ordem, que diz respeito ao paragrapho final da resposta, o qual se acha formulado nos termos seguintes (leu).

A minha moção, que me parece poder classificar-se como emenda, é assim redigida (leu).

Sr. presidente, confesso francamente a v. ex.ª e á camara, que me não agrada a redacção d'aquelle paragrapho do projecto, e que não me parece bem que a camara o approve tal como esta.

Na minha humilde opinião, elle contém uma phrase, que poderá, com fundamento até certo ponto, ser taxada de pretenciosa e inconveniente, e que a camara, por tal motivo, não quererá por certo adoptar. Se a camara declarasse, como ali se diz, que —tem a convicção de que saberá corresponder á confiança que Sua Magestade se digna depositar n'ella— poderia dizer-se, que a camara passava a si propria o diploma de capacidade e sufficiencia. Eu sou o primeiro a prestar homenagem ás luzes e patriotismo da camara, mas é por isso mesmo que ella possue em tão subido grau essas qualidades, que eu julgo interpretar fielmente a sua vontade, suppondo que ella ha de querer exprimir-se em linguagem mais modesta, e tambem mais em harmonia com a missão ardua e espinhosissima de que esta encarregada. A minha proposta tem portanto em vista evitar este inconveniente, e preencher tambem a grande lacuna, a que alludiu o illustre deputado o sr. Testa, porque n'ella se implora o divino auxilio para os nossos trabalhos. Se me não engano, o illustre deputado julgou ver n'aquella lacuna ou omissão um tal ou qual indicio do predominio das idéas irreligiosas. A mim não se me afigurou o mesmo. Creio até que não ha n'esta casa um só membro que não tenha crenças e religião, sem exceptuar os mais dicididos partidarios das idéas de liberdade, porque esta não é inimiga daquella nem é necessario, para ser liberal, ser o que se chama espirito forte.

Sr. presidente, eu sou christão catholico romano, e considero a minha fé e a minha - religião, que é sincera e convicta, como o maior bem da minha existencia. E no entretanto asseguro á camara e a v. ex.ª que se com o volver dos annos a minha fé e religião se vão tornando mais vivas, cada vez se me vae ao mesmo tempo arreigando mais no coração e no espirito o amor que tenho á liberdade. Nem pude nunca achar rasão, e cada vez a acho menos, aos que sustentam que os governos livres são por sua natureza inimigos da religião. A meu ver, é exactamente o contrario. Quanto mais livre é a fórma de um governo, menos forte é a acção da soberania e menor a porção de poder que existe nas mãos dos governantes; a acção individual tem muito menos restricções, fica muito mais ampla e desassombrada; é indispensavel portanto, para a manutenção da boa ordem, que existam no interior, na consciencia de cada individuo, mais e mais fortes elementos de repressão, e "estes só os podem e sabem dar as crenças e a religião viva e sincera. Assim é que na minha humilde opinião póde,.até certo ponto, considerar-se como contradictorio o homem liberal que não é religioso; e o proprio Mazzini, em um dos seus ultimos manifestos, exhortava a mocidade italiana a abandonar as idéas do atheismo e materialismo, que elle considerava como inimigos da sociedade e da liberdade humana. E inutil declarar que não approvo as idéas religiosas de Mazzini; mas adduzi este exemplo para mostrar o que pensam os partidarios das formas mais livres do governo ácerca da necessidade da religião para o bom regimen dos estados. Assim, estou perfeitamente de accordo com o illustre deputado o sr. Testa, em que a religião e a moral christãs são indispensaveis; mas estou por outro lado intimamente convencido de que não só são compativeis com a liberdade, mas até que mal podem existir separadas d'ella, e vice-versa. A religião sem liberdade é hypocrisia para um grande numero; a liberdade sem religião é licença para a maior parte (apoiados). E pois n'este sentido que redigi a minha moção, parecendo-me que não era improprio invocar na resposta ao discurso da corôa o auxilio divino, que o generoso e grande Lincoln invocava quasi sempre ao terminar as suas mensagens ao parlamento dos Estados Unidos, que invoca ainda hoje o seu illustre successor, e que estão finalmente todos os dias invocando os chefes e os representantes das nações mais poderosas do globo.

Permitta-me tambem a camara, e especialmente o illustre relator da commissão, que ouse indicar-lhes igualmente a conveniencia, a meu ver, de alterar um pouco a redacção do § 2.° da resposta, na parte em que se diz: «Que a viagem de Sua Magestade a Rainha á Italia propiciará mais um ensejo, etc...» Não me parece que o verbo propiciar seja proprio para exprimir a idéa que se teve em vista n'este logar, pois que aquelle verbo, na sua natural accepção, exprime a idéa de tornar propicia ou favoravel a divindade por meio de sacrificios, obras meritórias, etc... segundo a significação do verbo latino propitiare, de que é derivado, e não sei que se empregue ainda na accepção translata, no sentido em que d'elle aqui se faz uso. Tambem me parece que se deve fazer uma pequena emenda na redacção do § 6.°, onde se diz: «Espera convencer-se que aquellas resoluções assentaram, etc...»

Peço ao illustre relator da commissão, que me desculpe as observações que acabo de fazer sobre a redacção do projecto de resposta, e que não supponha da minha parte a minima intenção de lhe dar lições, as quaes eu preciso mais receber, do que estou habilitado a dar em tal materia. Pareceram-me ligeiras inadvertências, a que todavia era mister attender e por isso as notei, terminando por lhes applicar os conhecidos versos de Horácio:

Verum ubi plura nitent in carmine, non ego paucis Offendar maculis, quas aut incuria fudit, Aut humana parum cavit natura

Sr. presidente, as singelas reflexões, que ousei aventurar, dizem respeito á fórma do projecto; quanto ás idéas que elle contém, approvo-as da melhor vontade, quer se considere como mero comprimento, quer como programma do governo. Não são porém, sr. presidente, os programmas que nos faltam. Elles estão convertidos em puras banalidades, em phrases estafadas e vãs que enjoam os homens que se não contentam só com as apparencias, mas que desejam reformas efficazes e reaes. No estado extremamente melindroso, em que nos achâmos, torna-se indispensavel uma serie de providencias prudentes, mas energicas, capazes de esgotar a vitalidade politica não só d'este mas de uns poucos de ministerios.

A questão financeira é o nosso grande mal, e mata-nos o desequilibrio que se dá entre a nossa despeza e a nossa receita. Para acabar com elle temos ouvido dizer mil vezes que é indispensavel gastar menos e receber mais. Mas o que é preciso é fazer o que se diz, e faze-lo do melhor modo possivel; o que é necessario é descer da theoria para a pratica, dos principios para a execução, das palavras para as obras. É para este campo que eu convido e espero que venha o governo. Elle não tem nada que receiar dos perigos que possam suscitar-lhe os poucos homens que ainda desejam a resurreição da situação passada.

Nas lutas politicas actuaes esses homens apparecem, como se dizia que nas batalhas dos tempos antigos appareciam as almas dos mortos no numero dos combatentes; e façamos justiça aos homens serios d'essa situação; nenhum talvez deseje o que póde chamar-se uma restauração, porque sabem, porque o devem saber, que o povo a repelliria indignado.

Convidando, pedindo pois ao governo que entre n'este caminho, permitta-me elle que eu lhe dirija as palavras que o grande poeta Byron dirigiu a si proprio, no seu cantico de cysne, quando ía fazer á liberdade da Grecia o nobre sacrificio da sua vida:

«Não acordes a Grecia, dizia elle, a Grecia esta acordada; acorda tu, oh meu espirito! O campo da morte honrosa esta aqui; era pois, ao campo.»

Permittam os illustres ministros que eu lhes diga o mesmo. Não acordeis Portugal; bem acordado esta elle. Acordae antes o vosso espirito. O campo da gloria e da morte honrosa esta ahi; era pois, ao campo. Collocae-vos á frente da camara, que deseja sinceramente auxiliar-vos na adopção de providencias efficazes e reparadoras; e quando, n'esse nobre empenho, sentirdes exhaustas as forças, olhae em roda de vós, escolhei o terreno, caí, e morrei com gloria propria, e utilidade da patria, facilitando aos que vos succederem a continuação da vossa obra (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Senhor. — A camara dos deputados da nação portugueza empregará todos os esforços para corresponder á honrosa confiança de Vossa Magestade, e espera, com o auxilio divino, desempenhar-se da tão nobre, como difficil missão, que lhe foi confiada por um povo livre e generoso. = Antonio Pequito.

Admittida.

O sr. Carlos Bento: — Eu já tomei parte n'esta discussão. Já expuz as minhas idéas, e essa circumstancia dispensa-me de fazer mais amplas considerações. Demais estou n'uma posição má, porque eu entendi que podia vir vantagem para a discussão tratando-se simultaneamente d'estes dois projectos. Mas como um illustre deputado, que eu muito respeito, viu n'esta minha indicação uma especie de surpreza, cedi immediatamente do meu requerimento.

Agora declaro que sinto certa violencia para tomar parte n'esta discussão, porque me não posso explicar clara e sufficientemente não considerando em toda a sua extensão e em todos os seus effeitos a resposta ao discurso do throno com o parecer sobre a proposta do governo que depois tem de entrar em discussão. Por consequencia tenho só a declarar que me levanto para dizer que guardo silencio. Este silencio não tem porém a significação que tem passado já como um proverbio entre nós: quem cala, consente. Nas circumstancias actuaes entendo que, abstendo-me de dar maior desenvolvimento ás minhas opiniões, habilito o governo e a camara para poder pronunciar a sua opinião sobre o verdadeiro programma, que são as propostas que o governo ha de apresentar para melhorar o estado da fazenda publica; mas essas propostas já o governo declarou pela bôca do sr. ministro da fazenda que só serão apresentadas quando estiverem resolvidas e votadas as propostas que estão na camara. Portanto é guardando silencio n'esta occasião que eu subscrevo para as urgencias do estado.

O sr. Camara Leme: — Se a camara quer votar eu não tenho empenho nenhum em tomar a sua attenção.

Pedi a palavra quando o meu illustre amigo, o sr. relator da commissão, se referiu ao ministerio da guerra, parecendo querer demonstrar que se tinham consumido no campo de instrucção e manobras os creditos extraordinarios que se abriram por decreto de 1 de setembro de 1866, na importancia de 600:000$000 réis. Se não fôra esta circumstancia eu tinha-me abstido de fallar n'esta occasião, votando a resposta ao discurso da corôa no mesmo sentido do meu nobre amigo o sr. Mártens Ferrão.

Ninguem póde explicar melhor ao illustre relator da commissão o que é o campo de instrucção e manobras do que o sr. ministro da guerra. S. ex.ª sabe perfeitamente as vantangens que o exercito póde e deve tirar d'esta instituição; porquanto s. ex.ª já por diversas vezes tem commandado ali tropas, e ultimamente com distincção na qualidade de general de brigada.

Além d'isto s. ex.ª foi encarregado de ir ao campo do Chalons, e escreveu um bem elaborado relatorio, no qual prova que o campo de manobras é uma instituição indispensavel para a instrucção pratica do exercito.

Abrindo o orçamento vejo que o sr. ministro da fazenda esta agora de perfeito accordo com o seu illustre collega da guerra n'este ponto. N'outro tempo s. ex.ª fulminou aqui o campo de instrucção; pois quer a camara ver o que acontece hoje? Abra-se o orçamento da guerra, e n'elle encontrar-se-ha no capitulo = diversas despezas = uma verba de 60:000$000 réis destinada para o que em outras epochas era considerado um desperdicio.

Esta era a verba que vinha já consignada no orçamento do ministerio da guerra transacto. Eu não venho agora mostrar aqui as vantagens d'aquella instituição; opportunamente creio poder demonstrar á camara as vantagens incontestaveis que da mesma instituição resultam para a instrucção pratica do exercito.

O illustre deputado que acaba de fallar tão eloquentemente, o meu amigo o sr. Freitas e Oliveira, referiu-se tambem ao campo de manobras de uma maneira um pouco lisonjeira para o illustre ministro da guerra transacto; e eu esperava que s. ex.ª, não vendo presente no parlamento aquelle illustre cavalheiro, fosse mais benevolo para com s. ex.ª; mas fique certo o illustre deputado que, se aqui estivesse o sr. Fontes, o que eu sinto profundamente, porque a falta de uma intelligencia tão robusta é sempre muito sensivel na tribuna portugueza, havia de responder triumphantemente (apoiados).

Até se quiz metter a ridiculo o campo de manobras por ter lá havido cavalhadas; devo dizer que estes divertimentos estão hoje introduzidos em todos os campos de instrucção e manobras.

No anno passado, no campo de Chalons, onde se achava um corpo de exercito que podia ser tomado como modelo para todos os exercitos, assisti eu a divertimentos d'estes, aos quaes compareceu tambem o proprio Imperador.

O campo de instrucção não custou 600:000$000 réis, como me pareceu querer mostrar o sr. Santos e Silva, nem custou 400:000$000 réis, como tambem parece mostrar o sr. Freitas e Oliveira. O campo de manobras custou cerca de 300:000$000 réis, porque para elle foram applicados 100:000$000 réis do credito extraordinario que se abriu em virtude do decreto que já citei, e por outro que ultimamente foi decretado na importancia de 199:000$000 réis, o que faz approximadamente 300:000$000 réis.

Uma voz: — E a reserva?

O Orador: — Mas a reserva não é o campo de manobras. Os creditos estraordinarios foram para se comprarem 10:000 mochilas, 5:000 armas de Elfild, 8:000 carabinas, 2 clavinas, e 1:000 pistolas do novo systema, excellentes armas com que se acham armados os nossos caçadores a pé e a cavallo, alem de um numero soffrivel de baterias estriadas de campanha que se fabricaram no arsenal do exercito.

Aqui tem o illustre deputado em que foram consumidos os creditos extraordinarios, e não se diga agora que elles foram applicados só no campo de manobras, por que não é exacto. O nobre ministro da guerra transacto já aqui respondeu cabalmente sobre o assumpto na sessão passada e mostrou até á saciedade a conveniencia das suas medidas.

Quer a camara saber como se consumiram os 600:000$000 réis dos creditos extraordinarios a que já me referi. Foram 474:000$000 para compra de material de guerra. O sr. ministro da guerra esta presente, e eu appello para s. ex.ª para que me diga se isto não é exacto. Devemos ter hoje

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no arsenal proximamente 100 bôcas de fogo estriadas de campanha com todo o material competente.

Ora, sempre que se falla em economias apparece logo o exercito como alvo obrigatorio. Eu tambem as quero; estou mesmo persuadido que muitas economias se podem fazer no exercito e tambem estou firmemente convencido de que, com a verba de 3.700:000$000 réis, que nós gastamos com o exercito, não sendo a reserva uma pura ficção, se póde rapidamente transformar o exercito de pé de paz para o pé de guerra e apresentar uma força de 50:000 ou 60:000 homens. Sem isto, a despeza que se faz com este primeiro elemento da força publica é completamente inutil.

Para que se possa conseguir este fim é necessario organisar militarmente a reserva, o que não se faz sem despeza.

Portanto todas as economias, que se poderem realisar no exercito devem ser applicadas para este fim e para outras necessidades, a que é imperiosamente preciso satisfazer. Por exemplo: armamentos. A nossa infanteria de linha esta armada ainda com armas de carregar pela bôca, o que equivale a estar armada de chuços. E preciso pois, é indispensavel, é urgente attender a esta necessidade.

Não se illuda a camara a respeito das economias que se podem fazer no exercito. Algumas se podem effectuar, mas não em tão larga escala como se suppõe.

O sr. ministro da guerra disse ha poucos dias n'esta camara que o exercito propriamente dito consumia apenas 1.000:000$000 réis, e que 2.700:000$000 réis eram consumidos pela administração.

Este facto causa realmente pasmo, e eu associo-me á opinião de s. ex.ª

O que é preciso é que a camara se convença de que a verba de 3.700:000$000 réis que vem no orçamento para o exercito deve ser melhor applicada. Um exercito que só serve para fazer a policia do paiz não corresponde de certo ao fim da sua elevada missão. E urgente, é necessario organisado em melhores condições; é necessario infundir-lhe espirito militar. Circumstancias extraordinarias têem concorrido para enfraquecer este elemento moral, que é preciso fortalecer e animar. É indispensavel ainda arma-lo, instrui-lo pratica e teoricamente. Um exercito n'estas condições, ainda que pequeno, póde corresponder ao fim que todos nós desejámos e que é indispensavel manter para garantia da independencia nacional e da ordem publica. Que seria do paiz, se não fôra o exercito? Em que estado de anarchia não nos achariamos nós n'este momento?

O que não é possivel é estarmos a gastar 3.700:000$000 réis, continuando o exercito como actualmente, quando nós com esta quantia podiamos ter um exercito tão convenientemente organisado que podesse rapidamente passar do pé de paz ao pé de guerra, principio fundamental a que deve satisfazer toda a boa organisação militar.

O sr. ministro da guerra disse outro dia, a primeira vez que fallou n'esta camara, que tinha o pensamento de apresentar uma reforma do exercito de tal modo elaborada, que sem augmentar a despeza se augmentasse a força.

Eu não vou tão longe; não me parece que se possa alcançar tão feliz resultado.

Entretanto é preciso saber se o sr. ministro da fazenda esta de accordo com o sr. ministro da guerra. O sr. ministro da guerra declarou muito positivamente aqui que não podia fazer economias no exercito, e o sr. ministro da fazenda declarou em diversas occasiões n'esta camara e no seu pomposo programma que no ministerio da guerra se podiam fazer 1.500:000$000 réis de economias. Por consequencia o sr. ministro da guerra esta em desaccordo com o seu illustre collega da fazenda. Notavel contradicção com o principio da solidariedade ministerial.

O sr. ministro, da fazenda fulminou aqui o campo de instrucção e manobras. Mas este campo esta auctorisado pelo orçamento que acaba de se apresentar á camara, e eu dou por isso os parabens ao governo, porque era uma calamidade desperdiçar-se um material como aquelle que ali se empregou. Mas n'este ponto digo tambem ao sr. ministro da guerra que se entenda com o seu collega da fazenda, cujas opiniões são contrarias ao campo de manobras.

A respeito de economias a camara ouviu ha pouco o que disse q illustre deputado, meu amigo, o sr. Freitas e Oliveira. S. ex.ª declarou muito especialmente que as economias do governo se limitavam á melhor organisação do serviço e á melhor arrecadação dos tributos. Aqui tem a camara em que fica todo este plano gigantesco de economias.

Eu conformo-me com algumas das observações que o illustre deputado apresentou relativamente ao exercito. Eu desejaria que o soldado, em logar de servir cinco annos, servisse sómente tres; sei que existem inconvenientes para instruir em tão pouco tempo um soldado de artilheria ou cavallaria; mas na Prussia, que é uma nação que póde ser tomada por medeio nas cousas militares, não ha este inconveniente, aliás para tomar em consideração.

Sr. presidente, os exercitos organisam-se para a guerra, e, comquanto este flagello se considere como um accidente na vida dos povos, não deve a harmonia que convem guardar, entre a sua organisação militar, civil e politica, contrariar a realisação da mais importante e honrosa de todas as missões que lhes é confiada — a defeza da independencia nacional.

Conciliar pois os interesses e commodidade dos povos, tornando, quanto possivel, suave e equitativo o tributo de sangue que a imperiosa lei da necessidade impõe ao cidadão que abdica da vontade pela obediencia, da conservação pelo perigo, do interesse pela modicidade, quasi pobreza, da sua paga, seria um bom serviço feito ao paiz e ao exercito. A reducção no tempo de serviço no exercito activo, e o augmento nas reservas, é um principio fundamental a attender na nova reforma que por ventura haja de ser submettida á apreciação do parlamento. Era este o pensamento do nobre ministro da guerra transacto, que tinha já elaboradas importantes propostas de lei para apresentar ao parlamento, e que de certo satisfariam a expectativa publica, se circumstancias extraordinarias não determinassem a sua queda do poder.

Tambem concordo com o illustre deputado quando se pronuncia contra o systema das remissões. Este systema não esta adoptado só entre nós, esta adoptado em muitos paizes.

Mas diz-se temos dinheiro nos cofres, mas não temos soldados nos corpos—. Isto não depõe contra este systema; é devido a outras circumstancias. A nossa questão militar não é muito difficil de resolver, o sr. ministro da guerra não o ignora. Nós já tivemos uma organisação militar que foi tomada por modelo de outras nações.

Toda a gente falla em integridade nacional, mas quando se trata dos meios precisos para a garantir, nem todos estão de accordo.

O illustre deputado, o sr. Freitas e Oliveira, appellou, em relação á defeza do paiz, para as notas diplomaticas. Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer, que não confio nada nas notas diplomaticas" para este fim. Temos muito bons exemplos do que tem acontecido em algumas nações de 2.ª e 3.ª ordem.

Todos os paizes estão tratando de organisar o melhor possivel os seus exercitos. Ainda ha pouco em França se tratou desenvolvidamente d'este importante assumpto no corpo legislativo d'aquelle grande imperio.

Nós desde 1834 para cá temos tido muitas organisações, mas todas ellas têem sido deficientes.

Não ha amor da patria bastante que possa supprir o primeiro elemento de força publica, consagrado, na guerra a defender a autonomia do paiz, e na paz a fazer respeitar as leis e a reprimir as. demasias das facções. E santa, nobre e honrosa a missão que um povo assim constituido presta á sua independencia e segurança interna.

O levantamento em massa para que muitos appellára, sem exercito permanente que o auxilie, seria o mais deploravel de todos os systemas.

Não desejo entrar na questão politica, que, com bastante azedume levantou o meii illustre amigo o sr. Freitas e Oliveira, mas realmente parece-me que s. ex.ª foi injusto para' com o governo transacto.

S. ex.ª quiz lançar sobre elle uma grande responsabilidade pelos tumultos que tiveram logar em janeiro, pintando com côres negras um quadro que só esta patente a seus olhos, mas, se se examinarem os factos, ver-se-ha que não houve um ferido, ao passo que de janeiro para cá as victimas são já bastantes.

Não sei quantas victimas tem havido nos differentes conflictos que se..têem dado no paiz, não sei. quantas pessoas morreram; mas a verdade é, e toda a camara o sabe, que dentro de uma igreja em Vinhaes houve um tumulto, onde ficaram feridos cem individuos. Foi um conflicto medonho, segundo se diz, e pouco edificante n'aquelle logar, onde só se deve pensar em Deus.

E notavel que o illustre deputado quizesse lançar sobre o ministerio transacto a responsabilidade de uma imaginada batalha campal, quando nós todos sabemos o que aconteceu!

O illustre deputado veiu para aqui levantar questões em que a camara não estava muito disposta a entrar. A camara não tinha encarado a resposta ao discurso da corôa, pelo lado por que o illustre deputado a encarou, transportando-se a 1837 e 1844, quando se faziam discursos de um genero que esta fóra de moda.

Com quanto eu seja o primeiro a dar os parabens a s. ex.ª pelo seu brilhante discurso, não posso deixar de dizer que me parece, que a occasião não foi opportuna.

E digo isto para mostrar que s. ex.ª foi injusto na apreciação que fez com respeito a alguns dos membros do gabinete transacto, que não estão presentes, e com quem s. ex.ª devia, só por esse facto, ser mais indulgente.

Eu tinha tomado mais apontamentos, mas não me animo a continuar n'esta discussão, porque, falho dos recursos e da eloquencia do illustre deputado, a camara de certo não póde ouvir-me com attenção.

A minha situação continua a ser melindrosa. Ha um assumpto que vejo que se torna interminavel. Refiro-me aos tumultos da Madeira, que nunca têem fim, apesar do governo receber participações categoricas em sentido contrario.

Eu tomei alguns apontamentos a respeito das accusações feitas pelo sr. deputado por Cabo Verde contra o governador civil do Funchal. Entre outras, citou s. ex.ª as suspeições politicas. O sr. ministro do reino já respondeu satisfactoriamente, na minha opinião, a esta accusação. O governador civil do Funchal não estabeleceu, suspeições politicas, fique a camara certa d'isso.

Estando a cidade do Funchal n'uma certa excitação, como o illustre deputado confessa, julgou aquella auctoridade que era conveniente adiar a eleição municipal para mais tarde. Aqui esta em que consistiram as suspeições politicas. Este facto é muito differente do que aconteceu n'outra epocha, no districto de Villa Real.

A primeira auctoridade do districto o que quiz foi evitar que tivessem logar novos tumultos no momento d'aquelle acto eleitoral.

O sr. deputado fallou nos criminosos que se deviam punir e na imprevidencia do governador civil.

Pois quereria o sr. deputado que n'um tumulto de tres a quatro mil pessoas, se prendessem os culpados? E quem eram elles? Era impossivel descrimina-los. Que certeza tem o sr. deputado de que o governador civil não procedeu como lhe cumpria? Já o sr. ministro do reino disse na sessão de hontem que tinha mandado uma portaria para que se instaurassem os competentes processos.

O sr. deputado referiu-se aos tumultos que tiveram logar no dia 19 de abril, que foi quando se devia verificar a eleição na Ponta, do Sol; mas quer saber a camara como na ilha da Madeira são apreciados esses tumultos? Peço a sua attenção para lhe ler um pequeno periodo de um dos jornaes que se publica n'aquella ilha (leu).

Agora quer a camara saber uma circumstancia muito notavel que o sr. deputado não póde negar? Logo que o governador civil do Funchal soube dos tumultos da Ponta do Sol, promptamente appareceu n'aquelle local d'onde fugiu o sr. deputado para bordo do vapor que partiu no dia I immediato para Lisboa. (O sr. P. Gonçalves de Freitas: — Peço a palavra para explicações, se se votar a resposta.)

Pois é facto novo que um deputado que é eleito para muitas legislaturas o deixe de ser uma vez? O sr. deputado não sabe o que aconteceu a José Estêvão em 1859, o deputado mais popular que houve, e que mais beneficios fez á sua terra natal? Aconteceu ficar fóra da camara. Porque se admira o sr. deputado que não fossem eleitos os seus amigos? Não deve admirar-se; foi porque os eleitores preferiram outros representantes.

Disse-se que a nomeação do governador civil da Madeira não foi bem recebida. Eu já declarei a primeira vez que fallei n'esta questão alguma cousa em contrario. Referi-me a uma representação assignada por mais de mil pessoas em que figuravam os primeiros proprietarios, negociantes e muitas outras pessoas de distincção, na qual se agradecia ao governo a nomeação do tal governador civil impopular e inhabil, como o qualifica o sr. deputado.

Mas não contentes os madeirenses com esta demonstração, trataram de arranjar outra, que eu peço licença á camara para ler (leu).

Tem a data de 23 de março e as assignaturas avultam a seiscentas. Não sei se o governo já recebeu esta representação, mas consta-me que lhe fôra remettida. Como é que depois d'estes factos o sr. deputado vem levantar a sua voz e accusar o governador civil do Funchal? Eu não desejo ser mais explicito n'este assumpto; repugna ao meu caracter entrar em questões pessoaes.

Estou persuadido que o governador civil do Funchal ha de proceder convenientemente, ha de descobrir os criminosos e fazer instaurar os competentes processos; oxalá que não appareça mais um, aonde tenha de figurar o sr. deputado. Concluo com estas palavras: o accusado é o governador civil da Madeira, e o accusador o sr. deputado.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Magalhães Aguiar: — Participo a v. ex.ª que se acha installada a commissão de agricultura, tendo nomeado para seu presidente ao sr. visconde dos Olivaes, a mim para secretario, e havendo relatores especiaes, conforme os negocios que á mesma commissão forem incumbidos.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da marinha, e previno a camara de que se não póde julgar a materia discutida sem que isso se requeira, porque ha ainda muitos senhores inscriptos.

O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Almeida Araujo: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Fradesso da Silveira: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar ler os nomes de todos os srs. deputados que estão inscriptos sobre este assumpto.

O sr. Presidente: — Estavam inscriptos os srs. Garcez, Fernando de Mello, Mardel, Fradesso da Silveira, Lobo d'Avila, pela segunda vez, Queiroz, José Paulino, e o sr. Barros e Sá, que veiu á mesa declarar que desistia da palavra.

O sr. Fradesso da Silveira: — Como a palavra me não chegou, consinta V. ex.ª que eu mande para a mesa para terem o destino conveniente, duas propostas que tinha para apresentar.

O sr. Presidente: — Póde mandar.

São as seguintes

Propostas

Emenda ao 7.°:

Occupar-se-hão os eleitos do povo, com a solicitude que as necessidades publicas reclamam, de todas as medidas que por iniciativa propria, ou do governo de Vossa Magestade, lhes forem presentes.

A instrucção publica, especialmente a primaria e a profissional, a viação ordinaria e accelerada, a organisação da força publica com as condições de maxima utilidade, e as providencias que poderem promover o melhoramento da agricultura, da industria e do commercio, serão attendidas com o cuidado que devem merecer os principaes elementos de que depende a illustração e a liberdade do povo, a segurança das pessoas e da propriedade, a independencia do paiz, o seu engrandecimento, e a sua prosperidade.

Todas as reformas conducentes a economisar na despeza, e a promover com acerto a justa distribuição do imposto, e o bom regimento da fiscalisação e cobrança dos dinheiros publicos, ou tendentes a melhorar, simplificar e descentralisar discretamente os serviços nos variados ramos da administração, serão consideradas pela camara com a seriedade que exigem. = Fradesso da Silveira.

Emenda ao 9.°:

Organisados convenientemente os serviços do estado, attendidas estas regras elementares de boas finanças, que de certo estão no espirito illustrado do governo de Vossa Magestade, estabelecendo os preceitos que devem reger a emis-

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são dos titulos da divida publica, fluctuante ou consolidada, para que o credito nacional se firme em bases seguras; e adoptados os expedientes financeiros indispensaveis em um periodo que se deve reputar de transição; a camara espera que brevemente deixarão de existir as irregularidades que são actualmente" notadas no orçamento geral do paiz, e os embaraços que ellas produzem. = Fradesso da Silveira. Foram admittidas.

O sr. Santos e Silva: — É para declarar á camara, que a commissão ha de tomar na devida consideração todas aquellas moções -que foram mandadas por differentes srs. deputados para a mesa. Se entender que algumas dellas têem cabimento na resposta ao discurso da corôa, de certo não terá duvida em as aceitar, mas desde já declara que não póde aceitar aquellas que porventura envolvam censura á falla do throno, ou a qualquer dos paragraphos da resposta.

O sr. Faria Blanc: — Vendo que a minha proposta se acha effectivamente comprehendida na letra e no espirito dos dois ultimos periodos da resposta ao discurso da corôa, aonde se falla em economias e despeza, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me permitte que a retire.

Foi retirada.

O sr. A J. de Seixas: — Depois das explicações do nobre ministro da marinha, e do meu amigo o sr. Santos e Silva, peço tambem a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que igualmente retire a minha proposta, porque em occasião mais opportuna se tratará da questão.

Foi retirada.

O sr. Presidente: — Antes de se votar a resposta ao discurso da corôa tenho a declarar que, com relação a um artigo d'ella, ha uma substituição do sr. Testa, e por consequencia approvado o artigo fica ella prejudicada.

Com relação a outro ponto, tambem o sr. Carlos Testa apresentou uma emenda...

O sr. Santos e Silva: — Já disse ha pouco, e repito agora, que a commissão ha de tomar na sua devida consideração todas aquellas moções que por differentes srs. deputados foram mandadas para a mesa; e se entender que algumas dellas têem cabimento na resposta ao discurso da corôa, de certo não terá duvida em as aceitar. Mas desde já declaro que a commissão não póde aceitar todas aquellas moções que envolvam censura.

Em seguida foi approvada a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Pequito: — Peço a v. ex.ª queira ter a bondade de me dizer se foi approvado o paragrapho final da resposta ao discurso da corôa, a respeito do qual tinha mandado uma proposta para a mesa.

O sr. Presidente: — A resposta ao discurso da corôa foi approvada, e as propostas vão ser remettidas á commissão para dar sobre ellas o seu parecer.

O sr. Mardel: — Declaro que faço tambem minha a moção do ordem do_ sr. Pequito.

O sr. Presidente: — O sr. Pedro Gonçalves de Freitas pediu a palavra para uma explicação pessoal; e como o regimento sómente permitte que ellas sejam dadas na prorogação de sessão, vou consultar a camara a este respeito.

Vozes: — Ordem do dia, ordem do dia.

Constatada a camara, decidiu que se devia passar á ordem do dia.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Leu-se e entrou em discussão o projecto n.° 2

É o seguinte:

N.º 2

Senhores. — Foi presente á vossa commissão especial o relatorio em que o governo expõe os motivos que o levaram a adoptar algumas providencias legislativas fóra das attribuições do poder executivo, e bem assim a proposta de lei, em que pede que sejam confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, essas providencias, que se acham contidas nos decretos de 14, 15 e 25 de janeiro, 13 de fevereiro e 18 de março do corrente anno, e no de 27 de novembro' de 1867, ficando relevado da responsabilidade em que incorreu pela sua promulgação.

Senhores. — A vossa commissão, ponderando a gravidade das circumstancias que levaram o governo a decretar taes providencias; e que, assumindo attribuições extraordinarias, se limitou a adoptar as que eram urgentemente exigidas, ou pela imperiosa necessidade da ordem publica e incontestavelmente indicadas pela opinião geral da nação, ou pelas impreteriveis necessidades da boa administração, manifestando assim a vontade de se conter nas suas legaes attribuições, e o seu respeito pelas instituições liberaes; é de parecer que seja relevado da responsabilidade em que incorreu, e que sejam confirmados todos os decretos que adoptou.

Por estes motivos a commissão tem a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercicio de funcções legislativas.

Art. 2.° São confirmadas, para terem força de lei e continuarem em vigor, as providencias de natureza legislativa contidas nos decretos de 27 de novembro de 1867, 14, 15 e 25 de janeiro, 13 de fevereiro e 18 de março de 1868.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 8 de maio de 1868. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila = Antonio Cabral de Sá Nogueira = Antonio Correia Caldeira = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães = Manuel Joaquim Penha Fortuna, relator.

O sr. Fernando de Mello: — Aproveitarei o pouco tempo que resta da sessão, para fazer ligeiras observações ácerca do projecto que acaba de ser entregue á discussão.

Sr. presidente, parece-me que seria extemporanea e inutil a renovação das discussões que tiveram logar n'esta e na outra casa do parlamento, quando foram apreciadas e votadas as medidas revogadas em dictadura pelo actual governo, e pelo que se pede hoje bill de indemnidade.

Foi larga a discussão, e illustrada pelas primeiras capacidades do parlamento portuguez. Esses projectos foram votados por uma grande maioria, e eu, como membro d'ella n'essas votações, tambem tive a honra de os votar; e folguei de ver que os srs. presidente do conselho e ministro da justiça, que tanta confiança inspiraram ao governo passado, aceitando altas commissões de confiança, commungavam tambem as mesmas doutrinas.

No principio do corrente anno levantaram-se tumultos, não sei sei se em todo o paiz, mas com especialidade em Lisboa e no Porto; tumultos para restabelecer a ordem publica, diz-se, e á frente d'elles na capital viram-se cavalheiros respeitaveis, que foram pedir ao augusto chefe do estado que reunisse as camaras legislativas para prover de remedio aos males que tinham sido espalhados no paiz. Essa commissão foi bem recebida, nem outra cousa era de esperar. Vieram tempos depois em que as commissões peticionarias, em logar de serem elevadas ás cadeiras do poder, foram encerradas nas masmorras de uma prisão.

Pedia-se a abertura do parlamento para n'elle se avaliarem as queixas que fazia o publico contra as tres leis, de cuja revogação se trata n'este projecto. _

Suppunha-se que o governo d'essa epocha não desejava o parlamento aberto, tinha tenção de o adiar.

Rasões, que não veem para aqui, fizeram com que houvesse mudança de ministerio.

Os cavalheiros que foram chamados para os conselhos da corôa, que são os actuaes srs. ministros, mas que pensavam então de outra fórma, julgaram que se remediava todo o mal e se aquietavam todos os espiritos, suspendendo duas d'essas leis, e não tocando na outra, que era a primeira que se discutiu e votou no parlamento.

'O sr. presidente do conselho declarou isso mesmo n'uma reunião de toda ou quasi toda a camara, no ministerio da guerra; não era intenção do governo revogar a lei, pertencente ao ministerio dos negocios estrangeiros, nem mesmo tocar-lhe de leve. Mais tarde o mesmo governo suspendeu a execução d'esta lei.

O governo apresentou á camara duas propostas; uma pedindo auctorisação para revêr e alterar a lei da reforma administrativa, e outra para a suspensão da lei do imposto de consumo.

As commissões reconduzidas do anno antecedente formularam os seus pareceres, a de fazenda acceitando a suspensão da lei do imposto de consumo; a de administração dividiu-se, uma parte propondo a suspensão de toda a lei de reforma administrativa, e a outra parte propondo a suspensão apenas da circumscripção territorial.

Já vê V. ex.ª a maneira por que as commissões satisfaziam ás reclamações do paiz. Uma suspendia a circumscripção territorial, contra a qual se tinham levantado mais reclamações, o que ninguem, até mesmo o seu auctor, presumia que estivesse um trabalho som defeitos. A outra aceitava a suspensão da lei de consumo, contra a qual se tinham levantado grandes clamores da parte dos contribuintes, especialmente n'uma cidade respeitavel pelas suas tradições, pela sua população, e pela ordem mesmo em que figura na classificação das povoações d'este paiz.. O parlamento, como se presumia do voto das commissões, attendia ás reclamações dos povos, e tratava, que era a consequencia logica, ou de substituir as leis por outras, ou de as melhorar de-tal fórma que satisfizessem a anciedade" publica. O melhoramento da circumscripção territorial e a reforma do regulamento da lei de consumo seria talvez bastante para tudo ficar em paz. O governo, julgo que cioso de tanta gloria para a camara, sem esperar resolução alguma sobre estes pareceres das commissões, dissolveu o parlamento! Quem havia pouco tempo tinha pedido ao augusto chefe do estado que reunisse as camaras para ouvirem as queixas dos povos, passados dias, sem rasão de ser, tomava, a responsabilidade da dissolução, e assumia a dictadura! E um facto consummado; pertence á historia do nosso systema representativo!!

Eu porém não posso louvar esse facto, não posso dar o meu voto do approvação a essa medida dictatorial, porque lhe rejeito a fórma e porque não sei quaes são as providencias com que o governo tem tenção de substituir aquellas que revogou.

A sciencia de destruir é facil, na reconstrucção é que ha difficuldades.

Revogou-se a primeira lei, que na ordem por que foram votadas no parlamento era a lei organica do ministerio dos negocios estrangeiros. O sr. presidente do conselho de certo reconsiderou nas serias ponderações que tinha feito no relatorio onde esta compromettida a sua assignatura. S. ex.ª nos explicará as rasões por que mudou de opinião.

Foi revogada a lei sobre administração civil, apesar do paiz só reclamar contra a circumscripção territorial. Não se teve attenção por um trabalho ha tanto tempo pedido por todos os que se pejavam do nosso atrazo em legislação administrativa e do cahos em que vivíamos n'esta parte das nossas providencias governativas. Precisava de ser revista a circumscripção territorial, ninguem o contesta, mas por isso não deviam decepar-se os principios progressistas e eminentemente liberaes em que estava modelada a lei.

Revogou-se a lei do imposto de consumo, que era uma fonte de receita para o estado, tão pobre de recursos, tão alcançado nas suas contas! Diz-se que o povo não gostava da lei ou do regulamento, que era bem facil de melhorar; eu tambem não gosto de impostos de qualidade alguma, pago-os com sacrificio e por uma necessidade urgente. Qual será o paiz em que se goste de impostos? Onde estará o povo que os pague sem repugnancia? Que genero de imposto colheria já ás bençãos de todos?

Na posição desfavoravel em que nos achâmos, com um deficit tão espantoso, quando todos estamos verdadeiramente assustados com o estado financeiro do paiz, destruir uma fonte de receita para os cofres publicos sem se dizer ou que não são precisos mais impostos, ou por que meio se substituem aquelles que já estão creados, é um mau serviço para o paiz, se não é um engano para os incautos. I

Se o governo actual póde fazer face ás despezas do estado sem novos impostos e sem emprestimos, fez um bom serviço em revogar a lei; se sabe de algum outro imposto cuja base e genero seja mais suave e mais equitativo do que o de consumo, ainda foi acertada a medida que tomou; mas diga-o com franqueza, e já, para poder ser livre de toda a suspeita a approvação que solicita. Antes d'isso só muita fé ministerial póde conquistar-lhe a absolvição.

Mas, sr. presidente, foram quatro mezes os da dictadura o correu já um com o parlamento aberto, o governo que foi elevado nas azas da popularidade com o pendão das economias e da extincção do imposto não mostrou ainda o que economisa, e treme de annunciar que vae lançar impostos.

Pedem-se todos os dias ao governo as medidas salvadoras; pedia-lh'as o paiz antes do parlamento estar aberto, pela imprensa e por todos os modos têem-se-lhe pedido n'esta e na outra casa do parlamento, e o governo diz = ámanha, depois e sempre depois; vão votando e depois saberão =.

E possivel que o governo tenha dito qual é o seu plano governativo aos seus amigos mais particulares, mas eu não o conheço. Se elle fosse sabido de todos antes da votação d'este parecer, creio que todos votariam com melhor consciencia o bill de indemnidade ácerca dos actos da dictadura.

Que inconveniente póde haver, se as medidas adoptadas pelo governo são boas, em que ellas appareçam antes da votação d'este parecer? Parece que se tem pouca confiança n'ellas; parece que se receia que, depois dellas se mostrarem, não sejam tantos os votos a favor do bill de indemnidade!

Eu desejava muito, e era este um pedido sincero que fazia ao governo, que nos dissesse quaes são as medidas que tenciona apresentar, pelo menos em relação á questão de fazenda; em quanto sommam as economias que julga realisaveis, e se carece ou não de novos impostos. No caso de nova imposição, qual é-a sua natureza, e até que ponto sobrecarrega os contribuintes.

Sem eu saber se o imposto que substitue o de consumo não é peior do que elle, não voto pela sua extincção.

Uma voz: — Póde ser peior ou melhor.

O Orador: — Póde ser peior ou melhor, mas não sei como entender este melhor ou peior. O que declaro a v. ex.ª, sr. presidente e á camara, é que substituir o imposto de consumo por um novo imposto sobre a propriedade, nas circumstancias actuaes, é cousa que eu não voto.

Ralharam os proletários contra um, hão de ralhar os proprietarios contra o outro; e se se ouviu a voz de uns, ha de ouvir-se tambem a voz dos outros. Queixaram-se contra o imposto, porque elle custa a pagar; mas, visto que se attenderam esses queixumes apenas se levantaram pequenos ou grandes tumultos, é justo que depois se attendam tambem outros queixumes que podem acompanhar-se, quando desattendidos, do tumultos ainda mais graves.

Eu lamento este caminho, lamento esse passo retrogrado que se deu na nossa administração, porque creio que é o passo mais desastroso que temos dado.

Especular com as massas, dizendo-lhes = reajam contra o imposto = dizendo-lhes = reajam contra este, porque não pagarão mais = parece-me que é fecharmos completamente ' as fontes de receita do estado, e por consequencia não vivermos, porque não se póde viver sem receita. Mas, sr. presidente, mau foi o exemplo.

O povo levantou-se em toda a parte porque lhe ensinaram que gritasse contra os impostos.

(Áparte que não se ouviu.).

Sabia-o o Porto, é verdade, porque lá havia pessoas muito illustradas, e muito interessadas, que conheciam o que era imposto de consumo; mas no centro das provincias posso eu afiançar á camara que o povo gritava contra todo o imposto, e já em muitos pontos tem sido difficil a cobrança dos impostos antigos, daquelles muito anteriores ao que foi creado pelo governo passado. Que quer dizer a destruição das matrizes em tantos concelhos e o perigo em que têem estado em quasi todos? Parece-me que foi mais este meio que o governo adoptou. Oxalá que elle não traga resultados desgraçados para este pobre paiz!

A hora já deu, e eu concluo porque não quero cansar mais a attenção da camara. Voto contra o bill de indemnidade pelas rasões que apontei; e principalmente porque o governo não tem querido dizer quaes são as providencias governativas com que pretende substituir as que revogou. Se a discussão se demorar, o que eu não desejo, darei maior desenvolvimento ás rasões que pela escassez do tempo só de leve apontei. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é, na 1.º parte, a discussão dos pareceres ácerca das eleições de Vinhaes e 2.° circulo de Angola.

O sr. Costa e Almeida: — Peço a palavra para um requerimento.

Vozes: — Não póde ser.

O sr. Costa e Almeida: — Póde ser, porque a sessão ainda não esta encerrada.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Costa e Almeida: — Requeiro que sejam enviados para a mesa os documentos relativos á eleição do 2.° circulo de Angola, porque preciso examina-los. Distribuiu-se hoje o parecer, vae já entrar em discussão ámanhã, e nem sequer vi ainda os documentos (apoiados).

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O sr. Presidente: — Á hora já tinha dado, e eu, em rigor, não podia dar a palavra ao sr. deputado; mas o seu requerimento é tão rasoavel, que ã mesa vae dar as convenientes ordens n'esse sentido.

Portanto a 1.ª parte da ordem do dia de ámanhã é a discussão do parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição de Vinhaes, sómente, e a 2.ª parte é a continuação da que está dada. Fiz esta alteração, porque os srs. ministros têem de ir ao paço.

Está levantada a sessão.

Era pouco mais de quatro horas da tarde.

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