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N.° 31

SESSÃO DE 10 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, lendo-se dois officios e tendo segunda leitura o projecto de lei pelo qual se concede a pensão annual de 300$000 réis ao tenente-coronel de artilharia Sr. Antonio José de Araujo. - Presta juramento e toma assento o Sr Deputado Rodolpho Augusto de Sequeira. - O Sr. Oliveira Mattos pede a palavra para um negocio urgente, que a mesa não considera como tal, dispensando aquelle Sr. Deputado a consulta da Camara.- O Sr. Antonio Cabral realizado seu aviso previo sobre a dissolução da Junta Geral do districto de Angra do Heroismo, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Reino (Hintze Ribeiro). - Mandam documentos para a mesa os Srs. Motta Veiga, Dias Ferreira, Mathias Nunes, Frederico Ramirez, Raposo Botelho, José Gallas, Joaquim de Sant'Anna, Alipio Camello, Matheus de Sampaio, Arthur Brandão, Alexandre Cabral, Conde de Penha Garcia, Anselmo Vieira e Rodrigues Nogueira.

Ao entrar-se na ordem do dia (Orçamento Geral do Estado) dá-se um incidente, porque o Sr. Oliveira Mattos protesta, allegando que a discussão deve começar pelo parecer da commissão de saude sobre as emendas ao projecto de criação do hospital colonial, como o Sr. Presidente annunciára na sessão anterior. O Sr. Presidente (Matheus de Azevedo) declara que, effectivamente, fez esse annuncio, mas que precisa agora consultar a Camara para suspender a discussão do Orçamento. O Sr. Oliveira Mattos insiste, e, como se estabelece agitação, o Sr. Presidente interrompe a sessão por meia hora. Reaberta a sessão, a Camara resolve que, antes de concluidos os trabalhos, seja discutido o parecer sobre as emendas ao projecto n.° 10 (hospital colonial).

Na primeira parte da ordem do dia (Orçamento Geral do Estado) usa da palavra o Sr. Mello e Sousa, e na segunda (emendas ao projecto do hospital colonial) o Sr. Oliveira Mattos É approvado este ultimo parecer - O Sr. Rodrigues Monteiro communica a constituição da commissão de obras publicas, a que são aggregados os Srs. Poças Leitão, Sousa e Silva, Bolard da Fonseca, Belchior Machado, Alvaro Rego e André de Freitas. - Antes de se encerrar a sessão, trocam-se explicações entre os Srs. Oliveira Mattos e Agostinho Lucio.

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 7 Senhores Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas.

Abertura da sessão - Ás 3 horas e 1 quarto.

Presentes - 57 Srs. Deputados.

os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Sergio da Silva, e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico dos Santos Martins, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Francisco, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José
Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José
Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José de
Mattos Sobral Cid, Luciano Antonio Pereira da Silva,
Manuel Joaquim Fratel, Marianno Cyrillo de Carvalho,
Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Paulo de Barros Pinto Osorio e Visconde de Reguengo (Jorge).

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Alfredo de Faria, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodolpho Augusto de Sequeira, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Au-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

gusto Pinto da Silva, Antonio Alberto Charula Pessanha Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Banto, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda Conde de Paço Vieira, Eduardo Burnay, Francisco João Patricio, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz João Dias, Manuel de Sousa Avides, Marquez de Reriz e Rodrigo Affonso Pequito.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

De Henrique Baptista de Andrade, agradecendo o voto de sentimento d'esta Camara pelo fallecimento de seu pae o almirante João Baptista de Andrade.

Do juizo de direito da 3.ª vara da comarca de Lisboa solicitando a necessaria permissão da Camara para que Sr. Deputado José Dias Ferreira possa depor como testemunha em uns autos de acção ordinaria, movida pelo Dr. José Aureliano de Mattos aos herdeiros do Visconde da Trancoso.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se concede a autorização pedida neste officio.

Foi concedida.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O tenente-coronel de artilharia Antonio José de Araujo prestou ao país serviços brilhantes e relevantes com risco da propria vida.

Aos representantes da nação compete fazer justiça a quem tão nobremente engrandeceu o nome do exercito português.

Por isso confio, a exemplo do que se tem praticado com outros officiaes do nosso exercito, que este projecto será approvado na presente sessão legislativa.

PRROJECTO DE LEI

Artigo 1.º É concedida a pensão annual de 300$000 réis ao
tenente-coronel de artilharia Antonio José de Araujo.

Art. 2.º Esta, pensão será vitalicia e paga em mensalidades a partir da promulgação d'esta lei.

Art. 3.° É revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara do Deputados, em 8 de março de 1902. = Belchior Machado, Deputado pelo circulo da Guarda.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

[...] a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 9 de abril do anno findo, pelo Sr. Deputado Antonio [...] Boavida, e relativo a creação do logar de capellão em chefe no quadro dos capellães do exercito.

Sala das sessões, em 8 de março de 1902. = O Deputado, Alfredo de Albuquerque.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É criado no exercito o logar de capellão em chefe com a graduação de major.

§ unico. O quadro de capellães ficará tendo a menos um capellão de 1.ª classe.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Constando-me que está nos corredores da Camara, para prestar juramento, o Sr. Deputado Rodolpho Sequeira, convido os Srs. Joaquim de Santa Anna e Lopes Navarro a introduzirem S. Exa. na sala.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Oliveira Mattos pediu a palavra para um negocio urgente, que a mesa não considerou como tal. Vou consultar a Camara.

O Sr. Oliveira Mattos: - É escusado V. Exa. incommodar-se, porque a maioria, como não pode deixar de fazer, ha de pronunciar-se pela opinião de V. Exa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio Cabral para realizar o seu aviso previo annunciado na sessão de 15 de janeiro ao Sr. Ministro do Reino, sobre a dissolução da Junta Districtal de Angra do Heroismo.

O Sr. Antonio Cabral: - Antes de entrar no assumpto do meu aviso previo, permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu renove a iniciativa de um projecto de lei, que tive a honra de apresentar nesta Camara em 1898, e que tem por fim auctorizar o Governo a trasladar para o Pantheon, dos Jeronymos os restos mortaes de Camillo Castello Branco.

Escusado será justificar novamente este projecto, porque elle por si proprio se justifica. As grandes e poderosas faculdades d'este notavel escriptor e os serviços por elle prestados ás letras patrias, bem merecem que, por parte do país, se lhe pague esta divida ha tanto tempo em aberto.

Mando tambem para a mesa uma representação de varios ourives estabelecidos, que protestam contra a maneira por que se está procedendo para com elles, pois ao passo que a fiscalização sobre elles exercida é muito apertada, para com os ourives ambulantes procede-se de maneira differente. Pedem tambem entes ourives que os meus collegas ambulantes, para poderem exercer a sua industria, sejam obrigados a matricula e que provem pagar contribuição industrial.

A qualquer dos Srs. Ministros presentes espero dever a fineza de recommendar o assumpto d'esta representação ao seu collega da Fazenda.

Vou entrar agora no assumpto do meu aviso previo, fazendo algumas considerações sobre a dissolução da Junta Geral do districto de Angra do Heroismo.

Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, em uma das anteriores sessões, tive ou a honra de, falando á Camara, referir os escandalos, que outro nome não teem, que se praticaram em Angra, do Heroismo com as inspecções para o serviço militar. Não foi, porem, esse facto immoralissimo da isenção dos 133 mancebos, posto em pratica unicamente para vencer as eleições municipaes, que ali se não apresentavam bem desenhadas para o Governo, o unico que se praticou; hoje tenho de referir-me a outro facto, e este da exclusiva responsabilidade do Sr. Ministro do Reino, praticado no mesmo districto, o qual, como a Camara sabe, tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento.

Eu creio que nenhum estadista podia, no momento presente, como o Sr. Hintze Ribeiro, assignalar a sua passagem pelos Conselhos da Coroa, quer promulgando medidas de importancia, quer fazendo as economias que a situação do Thesouro reclama, quer emfim manifestando as suas faculdades de trabalho, de homem do governo, por forma que ficasse na historia do nosso país bem destacada

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a sua gerencia. Mas, como V. Exa. sabe, o Sr. Hintze Ribeiro, em logar de seguir este caminho, que era o unic que devia seguir um estadista que merecesse este nome preferiu entreter-se com as pequenas questões de politica partidaria, com as mesquinhas questões eleitoraes, que a ninguem aproveitam e com as quaes perde principalmente o país. De modo que eu chego á conclusão de que aquella celebre lapide, com que adornaram a casa onde S. Exs., nasceu, em logar de lhe ser para o futuro um padrão de gloria, ha de ser o seu pelourinho de ignominia, porque a historia, as gerações vindouras, hão de vir a saber que naquella casa nasceu um homem que, no momento mais difficil da nacionalidade portuguesa, em vez de tomar a peito os negocios publicos, preferiu entregar-se ás questões partidarias, á lavagem da roupa suja da sua familia politica, o que merece, não direi já a indifferença do país, mas o castigo da opinião, porque a opinião publica repudia e castiga a maneira de proceder do Sr. Hintze Ribeiro.

Entendo, portanto, que a tal lapide ha de ser a sua condemnação, e a historia, que não se corrompe, nem se compra com logares de commissarios regios, de provadores de aguas thermaes, que S. Exa. inventou para aggregar em volta de si alguns politicos, ha de fazer-lhe a justiça devida.
Eu creio que o Sr. Hintze Ribeiro nada lucrou com o seu modo de proceder.

Muitos dos seus adversarios politicos, que tinham por S. Exa. toda a consideração, esses mesmos foram aquelles que S. Exa. procurou ferir mais profundamente, consentindo que lhes roubassem, por intermedio dos governadores civis, verdadeiros capitães-mores, as eleições que tinham legalmente vencido. Não me refiro ás ultimas eleições, ás do anno passado, mas ás de ha dois annos, em que muitos dos actuaes Deputados, que hoje se sentam d'este lado da Camara, foram roubados nos seus diplomas, nos seus direitos, nos votos que tinham recaido sobre o seu come.

Ha de talvez dizer o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino que eu, apesar de me classificar entre os roubados, tenho assento nesta casa do Parlamento. Se tenho assento nesta Camara, não o devo aos favores de S. Exa., devo-o unica e exclusivamente á força do meu partido, e aquelle diploma a que eu tinha direito nas anteriores eleições, esse roubou-m'o S. Exa. ou consentiu que me fosse roubado por uma horda de bandoleiros protegidos por um governador civil inepto e prepotente, e auxiliados pelos caciques de Vouzella, circulo por onde tive a honra de me propor.

É por isso que censuro o Sr. Presidente do Conselho: por neste momento se occupar principalmente com estas pequeninas questões de hyssope, com estas mesquinhas pugnas partidarias, em logar de olhar a fito para os grandes problemas que impendem sobre a governação publica e que S. Exa. devia encarar por outra forma. S. Exa. preferiu desorganizar tudo.

Ainda ha dias vimos, quando se discutiu a interpellação tão brilhantemente iniciada pelo Sr. José do Alpoim, meu velho amigo, a maneira como o Governo, alem de augmentar extraordinariamente as despesas publicas, desorganizou todos os serviços. Não admira que o Governo do Sr. Hintze Ribeiro assim procedesse, porque S. Exa., que desorganizou tudo, deixou que o seu partido tambem se desorganizasse.

E julga-se S. Exa. herdeiro e discipulo de Fontes Pereira de Mello, d'esse grande estadista, como se porventura um pardal pudesse acompanhar a aguia no sou vôo gigante!...

Isto chega a parecer troça.

De modo que, dizia eu, nós vemos que a unica preoccupação do Sr. Presidente do Conselho tem sido e é a questão politica, a trica eleitoral.

Em virtude d'esta sua má orientação, entendeu S. Exa. que se devia fazer uma syndicancia á Junta Geral do districto de Angra, e essa syndicancia foi mandada fazer em 11 de julho de 1900.

A commissão de syndicancia funccionou durante dois meses e meio: de 11 de julho a 26 de setembro.

Depois de a commissão funccionar por tão largo periodo, sabe V. Exa. quantos dias foram dados á Junta Geral do districto para responder ás accusações que lhe foram feitas? Tres dias e duas horas, para responder a um processo volumosissimo, em que se tinham inquirido testemunhas, vasculhado todos os recantos da secretaria da junta, em que se envolviam questões de tal ordem complexas, que a Junta Geral do districto não tinha tempo de responder em tão curto prazo a um processo que tinha levado a organizar dois meses e meio!

Em vista d'isto, a Junta Geral do districto pediu para que fosse prorogado esse prazo por mais algum tempo e pediu um mês para organizar a sua resposta, mas foi-lhe negado.

Pois, Sr. Presidente, apesar das instancias da Junta Geral do districto, e eu tenho aqui uma representação que a Junta fez, na qual apresenta uma longa serie de argumentos justificativos do seu pedido de prorogação de prazo para responder ao processo de syndicancia, apesar das instancias repetidas da Junta Geral, dizia eu, foi-lhe systematicamente negada a prorogação d'esse prazo, não obstante as accusações serem complexas e de envolverem actos praticados em ilhas distantes.

Apesar de tudo isto, foi negada a prorogação do prazo, ficou portanto a Junta impossibilitada de apresentar a sua resposta; ficou indefesa perante um processo inquisitorialmente organizado e de que não se lhe deu conhecimento, pois se lhe indicaram apenas os quesitos a que tinha de responder. Parece-me tudo isto, repito, um modo de proceder como o da antiga Inquisição. Isto pastava-se em 27 e 29 de setembro de 1900, e em 8 de novembro d'esse mesmo anno era cummunicado officialmente á Junta Geral do districto de Angra, que o processo de syndicancia mandado organizar contra ella, tinha sido mandado archivar pelo Sr. Ministro do Reino.

Tenho aqui presente o documento que o comprova. Diz este documento:

(Leu).

Note V. Exa.: a 8 de novembro de 1900 era communicado officialmente á Junta Geral do districto que o processo de syndicancia tinha sido mandado archivar; quer dizer: ao Sr. Ministro do Reino não convinha dissolver então a Junta Geral do districto, e não a dissolveu, mas depois, passados dez meses, dissolveu-a, porque assim lhe convinha!

Repito, em 8 de novembro de 1900, depois da Junta ter sido syndicada, desde julho até setembro, não lhe convinha dissolvê-la, e, portanto, não a dissolveu; mas passados dez meses, por decreto de 2 de setembro de 1901, que tenho presente, e que foi publicado no Diario do Governo de 6 d'esse mês, a Junta era dissolvida. Sabe V. Exa. o que serviu de fundamento á dissolução da Junta Geral de Angra? Foi o processo de syndicancia que lhe tinha sido mandado levantar de julho a setembro de 1900, processo que tinha sido mandado archivar officialmente!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, a correcção e seriedade de proceder do Sr. Ministro do Reino (Apoiados), mandando syndicar do procedimento da Junta Geral, desde 11 de julho a 26 de setembro, mandando-lhe communicar que tinha três dias e duas horas para responder ás accusações que lhe tinham sido feitas, e depois não prorogando o prazo para a resposta da Junta, apesar das instancias por esta feitas.

Não obstante a syndicancia, não quis dissolver a Junta; passados dois meses mandou communicar á Junta que o processo tinha sido archivado, ficando portanto á Junta das accusações contra ella architectadas; mas

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passam-se mais dez meses, e, como então convinha ao Sr. Ministro do Reino, dissolveu aquella corporação, por decreto de 2 de setembro de 1901, fundamentando-se para isso, no processo de syndicancia que lhe tinha sido feita, processo que, como acabo de demonstrar, tinha ficado officialmente archivado e de nenhuma valia. Como tudo isto é correcto!...

Eu já sei que o Sr. Hintze Ribeiro se vae defender com o parecer da Procuradoria Geral da Coroa.

Effectivamente esse parecer tinha sido favoravel á dissolução da Junta. Mas, em primeiro logar, devo dizer a V. Exa. que se dissolveram varias corporações administrativas, em contrario dos pareceres da Procuradoria Geral da Coroa.

Mas, alem d'isso, ha mais: é que o Sr. Presidente do Conselho não se conformou com o parecer da Procuradoria Geral da Coroa, porque mandou archivar o processo de syndicancia feito á Junta Geral do districto de Angra. Se mandou archivar esse processo, foi porque não concordou com o parecer da Procuradoria Geral da Coroa, que lhe aconselhava a dissolução da Junta. Isto é claro e evidente.

E porque é que o parecer da Coroa era favoravel á dissolução? Porque a Junta, não tendo podido defender-se, porque a apertaram inquisitorialmente dentro do prazo mesquinho de tres dias e duas horas, num processo que levou a organizar dois meses e meio, a Junta que não tinha podido responder ás accusações, contra ella formuladas, viu-se indefesa perante a Procuradoria Geral da Coroa!

E a Procuradoria Geral da Coroa, apreciando unicamente a accusação e não vendo a defesa da Junta, como era de presumir, deu parecer favoravel á dissolução.

Mas, repito, fundado unicamente na falta de resposta da Junta, tornada impossivel, não só porque não podia, em tres dias e duas horas, organizar o processo de defesa, mas porque tinha de recorrer a documentos e a testemunhas que havia em ilhas distantes da Terceira e estava por isso impossibilitada de responder, não respondeu, e foi esse o motivo que influiu na Procuradoria Geral da Coroa para dar parecer favoravel á dissolução! (Apoiados).

Mas o Sr. Ministro do Reino não se conformou, como já provei, com esse parecer, porque mandou archivar o processo do syndicancia. Portanto, pergunto: como é que S. Exa., fundado em um parecer proferido num processo de syndicancia, officialmente archivado, dez meses depois se serviu d'esse mesmo processo de syndicancia para dissolver a Junta?!

Não comprehendo ou comprehendo de mais: é que o Sr. Hintze Ribeiro receava perder as eleições em Angra, e então recorreu a esta trica da dissolução da Junta Geral do districto, baseando-se em um processo que já estava archivado! (Apoiados). Não ha exemplo de outra violencia igual a esta. (Apoiados).

O Sr. Hintze Ribeiro vae naturalmente dizer, como diz neste considerando do decreto de dissolução: " Sem embargo da mesma syndicancia, tem continuado a mostrar-se a Junta prejudicial aos interesses do districto ".

Mas pergunto: como é que se evidenciou, durante esses dez meses, que a Junta Geral do districto continuou a proceder de forma irregular, na sua gerencia, para os interesses do districto?!

Pois como é que se podia averiguar isso a não ser por um novo processo de syndicancia?

Mandou-o S. Exa. fazer? Não mandou. Em que se fundamentou então S. Exa. para dissolver a Junta? Fundamentou-se nas irregularidades que, S. Exa. diz, ella commetteu?

Mas averiguaram-se essas irregularidades? Não. Essas suppostas irregularidades eram as que ella tinha commettido o que se provaram pelo processo de syndicancia?

Não, porque esse processo tinha sido mandado archivar, ficando a Junta completamente illibada.

Só por nova syndicancia é que se podia averiguar essas novas irregularidades.

Mas quer V. Exa. saber, Sr. Presidente, até que ponto chegou a correcção e seriedade do Sr. Hintze Ribeiro? Em janeiro de 1901, o Sr. Presidente do Conselho nomeou presidente da Junta Geral um tal Frederico Augusto Lopes da Silva, natural da Praia da Victoria.

Este homem era quem tinha a maior responsabilidade nas suppostos irregularidades que a Junta praticou, mas este Lopes da Silva era correligionario do Sr. Hintze Ribeiro, e por isso S. Exa. não teve duvida em o nomear primeiramente presidente da Junta Geral do districto e depois em o nomear vogal da commissão administrativa.

Succedeu o mesmo com outro vogal da Junta, Luiz Correia Ourique, que fez parte da commissão de syndicancia! Veja a Camara que correcção e que lisura de processo.

Mas ha mais. Quando Suas Majestades foram aos Açores, o Sr. Presidente do Conselho julgou tão correcto o procedimento da Junta Geral do districto e da Camara Municipal de Angra, que tambem foi dissolvida, que não hesitou em aconselhar Sua Majestade a galardoar com a Gran Cruz da Conceição não só o presidente da Junta, mas tambem o da Camara Municipal. Pois apesar de os julgar dignos d'esta mercê, de aconselhar Sua Majestade a condecorá-los com a Gran Cruz da Conceição, dois meses depois dissolvia essas duas corporações!

Uma de duas: ou o Sr. Hintze Ribeiro estava realmente convencido da verdade dos factos que determinaram a dissolução d'aquellas duas corporações, e nesse caso pergunto, como é que S. Exa. aconselhou Sua Majestade El-Rei a conceder a Gran Cruz da Conceição a estes homens, que eram reus de altos crimes, que tinham particado tantas irregularidades; ou não estava convencido de que elles tivessem praticado essas irregularidades, e então como é que S. Exa. ousou desacreditar duas corporações, com uma leviandade injustificada em annos que já não são verdes e que não se coaduna com a experiencia de homem do Governo?

E note V. Exa., que o Presidente da Camara Municipal, nosso collega ha dois annos, o Sr. Homem de Noronha, renunciou a mercê, porque entendeu que era incompativel com a accusação de que tinha sido victima a Camara Municipal, da sua presidencia, e nesse sentido, mandou um officio para o Ministerio respectivo.

Pois, Sr. Presidente, não lhe acceitaram a renuncia, fizeram-lhe a liquidação dos direitos de mercê, e agora querem obrigá-lo a pagar esses direitos!

Dá-se, portanto, uma grave contradicção, o que é habitual no modo de proceder do Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. Ministro do Reino entendeu que deviam ser agraciados estes dois cavalheiros com uma alta mercê, e, dois meses depois, dissolve as corporações a que elles presidiam, lançando sobre estas duas corporações o labéo de que ellas não davam as suas contas, não administravam regularmente os dinheiros publicos, nem zelavam os interesses dos seus administrados como deviam.

Dissolvem-se estas corporações, e um dos individuos agraciados renuncia a mercê; pois apesar d'isso, querem obrigá-lo a pagar os direitos de uma condecoração a que renunciou!

Isto pode ser? Isto pode consentir-se?

Portanto, e em resumo, chega-se a esta conclusão: faz-se uma syndicancia a uma corporação administrativa; essa corporação tem um prazo limitadissimo para responder ás accusações que lhes são feitas; em seguida archiva-se o processo de syndicancia, e dez meses depois de se ter communicado a essa corporação que o processo tinha sido archivado, o proprio Sr. Ministro do Reino rasga a assignatura do seu officio, não se importa com o seu bom nome, e dissolve-a, fundando-se naquella syndicancia, allegando

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que havia novas irregularidades, quando estas só podiam provar-se por um novo processo de syndicancia:

Desviando-se completamente do caminho recto e legal, o Sr. Ministro do Reino dissolveu a Junta Cloral e a CamarA Municipal de Angra a cujos Presidentes tinha concedido pouco antes uma alta mercê, como é a Gran Cruz da Conceição. Eis a minha accusação contra o Sr. Presidente do Conselho.

Diga me V. Exa., Sr. Presidente, se a serie de irregularidades de que dei conhecimento á Camara não merece a minha censura aspera e violenta.

Mas não pára aqui o que de illegal e incorrecto se fez em Angra do Heroismo.

Ha mais.

O diploma legal que alterou a organização administrativa insular, que tem a data, se me não engano, de 12 de julho de 1901, auctorizeu o Governo a fazer a distribuição de procuradores á Junta Geral do districto, a eleger por cada concelho, conforme a população dos concelhos, as contribuições que pagam, a sua importancia industrial, etc.; mas o Governo, desprezando todos estes elementos, fez arbitrariamente a distribuição, por forma, que os tres concelhos das Ilhas Graciosa e de S. Jorge supplantaram em numero de procuradores os dois concelhos da Ilha Terceira.

De modo que Angra do Heroismo elege quatro procuradores e o concelho da Praia tres, o que prefaz sete procuradores. O concelho de Velas elege tres, o de Calheta dois e o de Santa Cruz tres, ao todo oito procuradores.

Quer V. Exa. ver como o Governo apreciou os elementos de população e de riqueza d'estes differentes concelhos para a distribuição dos procuradores?

Tenho aqui um mappa por onde se vê qual é o numero de habitantes de todos os concelhos do districto de Angra do Heroismo. Por esse mappa, que tenho presente e que é de 25 de julho de 1901, os dois concelhos de Angra do Heroismo e Praia teem uma população - numero redondo - de 50:000 pessoas e os concelhos de Velas, Calheta e Santa Cruz teem tambem - numero redondo - 24:000 pessoas: menos de metade. Pois estes dois concelhos elegem oito procuradores e aquelles somente sete! Isto é enacriditavel. (Apoiados).

Agora vamos aos elementos de riqueza.

Ouça a Camara as contribuições que pagam os diversos concelhos do districto de Angra.

(Leu).

Em face d'estes numeros, pode V. Exa., Sr. Presidente, ver a maneira como se fez a distribuição dos procuradores á Junta.

Mas agora perguntará V. Exa.: Com que fim fez o Governo tudo isto? É que o Governo receava perder as eleições na Ilha Terceira, e por isso, onde tinha maioria na votação, elevou o numero dos procuradores, como succedeu nos concelhos de Velas, Calheta e Santa Cruz da Graciosa.

Veja V. Exa. como o Sr. Hintze Ribeiro se dedica todo a estas pequenas questões. Mas ainda ha mais:

O decreto que fixou o quadro do pessoal da secretaria da Junta Geral do Funchal exige para o respectivo secretario o curso de bacharel em direito, mas para o secretario da Junta Geral de Angra não exige habilitação alguma!

Com o Governo do Sr. Hintze Ribeiro não ha regras fixas, adopta-se o que é da conveniencia de S. Exa. (Apoiados), ou dos seus partidarios, porque estes legares levam sobrescripto, evidentemente. (Apoiados).

O Sr. Hintze Ribeiro fez o mesmo que o Sr. Ministro da Justiça na reforma da secretaria do seu Ministerio, em que não exigiu o curso de bacharel em direito para o director geral da Secretaria dos Negocios Ecclesiasticos e exige esse curso para os chefes de repartição e para os primeiros officiaes, subordinados do director geral! (Apoiados).

O Sr. Hintze Ribeiro procedeu de modo identico Mas ainda fez mais. Á commissão administrativa da Junta Geral de Angra adeantou o Governo, por conta da receita do anno corrente, 25:000$000 réis, isto sem razão, nem motivo que justificasse este modo de proceder.

Mas então porquê e para que fim se fez isto? Para a Junta ter dinheiro para gastar e poder fazer as eleições, em harmonia com os interesses politicos do Sr. Hintze Ribeiro.

Isto á hora em que os credores externos nos fazem pesadas exigencias!

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, a exposição de tudo o que se passou, e fi-la muito resumidamente, a correr, porque quero deixar tempo ao Sr. Ministro do Reino para me responder. Não desejo que S. Exa. diga, como me disse o Sr. Ministro da Guerra, ha dias, que eu não lhe tinha deixado tempo para a resposta. Isto não é razão para S. Exa. não responderem, porque a maioria pode conceder-lhes o tempo que desejarem. Nós, Deputados da opposição, é que estamos aqui apertados pelo tempo, em vista da maneira injustificavel por que o nosso Regimento é interpretado; mas os Srs. Ministros teem a sua maioria que lhes dá o tempo de que precisarem para nos responder.

O Sr. Ministro da Guerra disse que eu lhe tinha deixado apenas 8 minutos; mas não era assim porque eu deixei-lhe 15 minutos, mas ainda que assim fosse, S. Exa. podia contar com a maioria, que lhe dava o tempo necessario para tratar da questão.

Em todo o caso, não quero que o Sr. Hintze Ribeiro deixe de ter tempo para me responder, e por isso vou concluir as minhas considerações; mas, antes d'isso, consinta V. Exa., Sr. Presidente, que eu faça uma comparação.

Quando encaro qualquer homem publico, Sr. Presidente, comparo-o logo a qualquer figura historica, de que eu tenha conhecimento.

Sabe V. Exa. a quem comparo o Sr. Hintze Ribeiro? É ao Imperador romano Vitellio. Vou dizer a razão d'isto.

Eu sou um pouco lido na historia antiga, e delicio-me nas horas vagas lendo Suetonio, que é um historiador que encanta sempre pela singeleza do estylo e pela maneira como narra as anedoctas picantes da Roma antiga.

Suetonio, historiando a vida de Vitellio, diz que elle passou a sua juventude na ilha Caprêa, no golfo de Napoles.

Conheço aquella encantadora região, uma das mais bellas do mundo. De um lado, o cabo Miceno, e no mar as Ilhas de Procida e Ischia; do outro, Sorrento, Castella-mare, e em frente a Ilha Caprêa. Ao fundo, Napoles reclinando-se na encosta, por entre verduras, e lá ao longe o Vesuvio, coroado sempre pelo seu eterno pennacho de fumo. Pois foi na Ilha Caprêa, embalada pelo doce murmurar da agua azul do mar Thyrreno, que o Imperador Vitellio passou os primeiros annos da sua juventude.

Ora o Sr. Hintze Ribeiro tambem passou a sua mocidade numa ilha. Não direi que ella seja propriamente como a Ilha Caprêa, porque não conheço a ilha em que S. Exa. nasceu, mas creio que ella não deve ficar a dever nada, em bellezas, aquella ilha da Italia. Isto é já um ponto de comparação. Mas ha mais.

Vitellio obteve, nos reinados de Caligula e Claudio, as maiores honras e dignidades a que o cidadão, em Roma, podia aspirar - o Sr. Hintze Ribeiro, tambem ninguem pode ignorar que subiu ás maiores dignidades nos dois ultimos reinados: Presidente do Conselho, membro do Conselho de Estado, Ministro por mais de uma vez, Gran Cruz da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito; tem, emfim, assumido as maiores dignidades a que pode subir um homem publico. Tal qual como Vitellio.

O celebre imperador romano combateu o seu rival Othon, que foi vencido na celebre batalha de Bédriac. O Sr. Hin-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[...] seu rival não Franco, naquella [...] se travou nesta casa, do Parlamento [...] sessão passada, se discutiu a contribuição predial.

[...] refere uma celebre phrase do imperador [...], quando visitou o campo da batalha de Bédriac, ainda juncado de batalhadores, cujos cadaveres, em estado da decomposição, exhalavam péssimo cheiro. Sendo isto notado no imperador, Vitellio respondeu: - "O corpo de um inimigo morto cheira sempre bem". Não direi que o Sr. Presidente do Conselho descesse a esta crueza, dizendo o mesmo de cadaveres politicos dos seus inimigos; mas que S. Exa. não teve duvida foi em vir aqui, com uma crueldade que mede parelhas com a do Imperador Vitellio, e a proposito da commemoração funebre do nosso chorado collega Guilherme de Abreu e na ausencia dos seus inimigos, falar das lealdades politicas que devia haver, defender a doutrina de que todos devem seguir cegamente o seu chefe, e, emfim, apunhalar pelas costas esses seus inimigos de hoje, que eram os seus amigos de hontem, e que se não estavam mortos, estavam, pelo menos ausentes.

Compare-se esta crueldade do Sr. Presidente do Conselho com a crueldade do Imperador Vitellio, que, ao ver os inimigos mortes, dizia que os cadaveres dos inimigos cheiravam sempre bem!

O reinado de Vitellio foi o reinado dos histriões, dos cocheiros e dos encravos libertos; o consulado do Sr. Presidente do Conselho é o dos commissarios régios, dos fiscaes do sêllo e da transfugas politicos. Tambem é o dos candungueiros, como disse, ha dias, o Sr. Francisco José Machado, no seu bello discurso.

Contra Vitellio revoltaram-se as legiões Vespazianas contra o Sr. Presidente do Conselho revoltaram-se as legiões [...]. Para manter, alguns fieis, Vitellio teve de distribuir á larga dadivas e liberalidades; o Sr. Presidente do Conselho seguiu o mesmo systema: para ter partidarios, tem dado a larga toda a casta de empregos, desde os [...] regios até ao logar de provador de aguas mineraes.

E aqui está outo ponto de comparação que faço entre [...].

[...] do Concelho tratou de distribuir á [...] conhecemos, fazendo do [...] de graças e de mercês. (Apoiados].

[...], e com isto vou rematar, foi obrigado a abdicar [...] ás gemonias e trucidado pelos [...] levado ao supremo poder. Ao [...] do Conselho não direi que esteja [...] futuro, mas quer-me parecer que S. Exa., [...] annos, será deposto de chefe de partido e [...] de Governo.

[...] o Sr. Presidente, pela maneira como S. Exa. [...] negocios publicos e como tem esquecido os [...], neste momento historico em que [...] a um chefe de governo, comme il faut, [...] uma estrada aberta e franca, em vez de se [...] os atalhos das mesquinhas questões politicas [...] rivalidades, e, emfim, para as galopinagens [...] que nada interessam ao país, e servem unicamente para desprestigiar o poder, e o nome de um estadista.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Redolpho Hintze Ribeiro): - Queixou-se o illustre Deputado de que o tempo lhe era escasso para desenvolver o assumpto do seu aviso previo. Imaginei eu que o illustre Deputado ia fazer uma larga accusação desdobrada em capitulos aos factos, com argumentos vehementes e [...] acêrca da dissolução da Junta Geral do districto do [...], afinal, tão escasso era o tempo que o illustre Deputado tinha para tratar do assumpto que preferiu refugiar-se na historia romana a discutir mais desenvolvidamente os casos negros da dissolução da Junta Geral de Angra.

O illustre Deputado ora me comparava com Fontes para me desmerecer - e nessa parte concordo eu com o illustre Deputado - ora mo comparava ao imperador Vitelio para accumular sobre mim, não digo já accusações mas quantas apreciações desagradaveis encontrou. Houve momentos até em que me senti tomado de alguma commoção. Foi quando S. Exa. disse que Vitelio tinha sido trucidado antes dos 57 annos! S. Exa. não chegou a dizer que eu havia de ser tambem trucidado antes dos 57 annos, mas disse que tinha de ser deposto de chefe do Governo antes d'essa data. Ora como eu só tenho 52 annos, posso ainda ser chefe do Governo durante 5 annos, o que já não é mau!

Pelo que toca aos commissarios régios offereci-me para discutir esse assumpto e estou sempre ao dispor dos illustres Deputados. Até agora, porem, S. Exa. ainda não formularam perguntas sobre o caso. Quando quiserem estou prompto a discutir. E veremos onde ha commissarios régios, as funcções que exercem e como teem sido nomeados, por todos os partidos e em todos os tempos.

Tambem a respeito de candongueiros não quero deixar de responder ao illustre Deputado. Como S. Exa. se referiu a algumas apreciações do Sr. Machado, apenas lho direi que o discurso d'esse illustre Deputado foi um discurso vigoroso, sentimental, de apreciações historicas, de tudo, emfim, para accusar o Governo pelo uso que fez das auctorizações concedidas o anno passado. Mas S. Exa. veiu referir-se a factos que se passaram antes da reforma da Guarda Fiscal e em virtude dos quaes eu fiz essa reforma quando Ministro da Fazenda.

Nos poucos factos que citava via uma cousa: é que candongueiros do nosso lado não estavam. O meu intuito foi exactamente pôr cobro a esses actos. Portanto, os commissarios régios, os candongueiros, quando os illustres Deputados os quiserem discutir, estamos promptos. Porque a minha consciencia não me accusa de ter praticado estes actos do liberalismo criminoso, a que o illustre Deputado se refere, nem de ter deixado de exercer acção vigilante, repressiva e fiscalizadora, que é propria de um Governo. (Apoiados). E se o illustre Deputado quer continuar a discutir neste terreno, continuarei.

Vamos, porem, á dissolução da Junta Geral do districto de Angra do Horoismo, assumpto que se discute, S. Exa. no sou discurso invocou a figura esplendida, de uma memoria perduravel, fulgurante para mim e que me deixou saudades, que nunca mais se apagarão: a do meu antigo chefe politico, o Sr. Fontes! Qualquer que seja a situação em que o illustre Deputado me queira collocar com o meu chefe e amigo, desde que essa situação seja digna de um admirador e de um discipulo, eu acceito a. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Orador (continuando): - Posto isto, vamos á Junta Geral do Districto.

O illustre Deputado, depois de ter dito muito mal de mim - e isso é natural da opposição - veiu com factos e citou o seguinte. Disse a que eu dera apenas 3 dias á Junta Geral do Angra do Heroismo para responder ao que constava da syndicancia"!

Eu digo ao illustre Deputado uma cousa, de que talvez se vá admirar: é que nem os 3 dias eram necessarios. Quer saber porque? Porque nem a syndicancia era precisa. (Apoiados).

Que diz o Codigo Administrativo? Diz isto:

"Artigo 17. Os corpos administrativos, salvo o disposto para a commissão districtal, podem ser dissolvidos pelo Governo, sendo previamente ouvidos, e precedendo consulta do Procurador Geral da Coroa.

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2.º Quando, sem motivo justificado, não prestem contas das suas gerencias, em conformidade com a lei".

Para isto não é necessario sindicancias.

Deixou ou não deixou a Junta Geral de apresentar os orçamentos nos termos e prazos? Deixou. Então está incursa no artigo do Codigo. (Muitos apoiados).

Mas qual o primario fundamento do decreto de dissolução? "Que sem motivo justificado, deixou de prestar contas e orçamento, nos prazos legaes"! Basta.

Diz-se "que não foi ouvida a Junta Geral e que isto era inexacto"! Pois estavam no Ministerio do Reino ou nas estações competentes os documentos da Junta Geral do districto de Angra do Heroismo, como estão os outros das diversas juntas?!... O facto é que estava incursa no Codigo Administrativo, e, Sr. Presidente, estava...

(Interrupção do Sr. Antonio Cabral).

O illustre Deputado não quererá, que num minuto condense a minha resposta a tudo quanto o illustre Deputado disse em tres quartos de hora.

Isto é quanto ao primeiro ponto acêrca de não ter dado prazo para responder.

Ora, infringi nisto algum preceito legal? Nenhum...

Quer V. Exa. saber? O unico diploma legal que ha sobre o assumpto é a circular de 9 de julho de 1890, e essa circular manda dar o prazo reputado sufficiente para a resposta.

Foi ouvido o funccionario que tinha de informar, e esse na sua informação disse o seguinte:

"Ao, governador civil pareceu, no presente caso, sufficiente o prazo de quatro dias, o que se me afigurou plausivel, visto que os factos, a que se referem as arguições" não são de sua natureza, de alta indagação, e mais que de qualquer outrem devem ser conhecidos da syndicada.

Quanto aos depoimentos, não ha diploma que auctorize a exigencia da reclamante; e, pelo que toca aos documentos, foram postos á sua disposição os que serviram de base á syndicancia".

A Junta Geral não respondeu, porque não tinha que responder, porque os factos eram de tal ordem que não tinham resposta. E porque os factos se achavam provados, é que a Procuradoria Geral da Coroa, que foi ouvida e que é uma instancia absolutamente insuspeita, num parecer firmado por quem não tenho a honra de contar no numero dos meus amigos politicos, mas que é um funccionario dignissimo, o Sr. D. João de Alarcão, dizia o seguinte:

"Tendo-se procedido a uma syndicancia á gerencia da Junta Geral do districto de Angra do Heroismo, apuraram-se varios factos que constituem vinte e nove artigos de accusação, os quaes foram justificados com varios documentos e certidões alem da prova testemunhal.

Bastaria o primeiro artigo da arguição para que, nos termos do artigo 17.°, n.° 2.º, do Codigo Administrativo, se pudesse decretar a dissolução d'este corpo administrativo. Com effeito prova-se que a Junta não prestou as suas contas nos prazos legaes, sem que do processo constem quaesquer razões ou motivos que a pudessem absolver d'essa falta.

D'ellas resultam irregularidades não só na escrita e contabilidade districtal, mas infracção manifesta das leis, censuravel falta de, escrupulo na administração dos fundos do districto em proveito de particulares, o manifesto prejuizo dos interesses districtaes.

Á vista d'estes factos que constituem graves irregularidades commettidas, acêrca das quaes não ha no processo explicação alguma, que as possa refutar, sou de parecer que esta corporação poderá ser dissolvida com fundamento nos n.os 2.° e 4.° do artigo 17.° do Codigo Administrativo".

Mas, diz S. Exa.: porque a não dissolveu se esse parecer é de 1900 e a dissolução só foi decretada em 1901? Permitta-me S. Exa. que lhe diga que não está bem ao facto da questão. Effectivamente, fez-se a syndicancia, foi ainda a Procuradoria Geral da Coroa que deu o parecer que acabo de ler, mas depois recebi um telegramma do Sr. Governador Civil de Angra pedindo que, até prestar mais amplas informações sobreestivesse na dissolução da Junta. Esse telegramma dizia o seguinte:

"Exmo. Presidente do Conselho.- Lisboa.- Peço V. Exa. não decretar dissolução Junta Geral ou Camara Municipal Angra do Heroismo sem telegramma meu. - Governador Civil".

E porque sobreestive? Porque o Sr. Governador Civil informava que estando-se proximo de janeiro e tendo então o Governo a faculdade de nomear um novo presidente para a Junta, podia nomear, porque era vogal da Junta, o Sr. Frederico Lopes, exactamente o vogal a que S. Exa. se referiu, que por differentes vezes tinha sido presidente da Camara Municipal o reitor do Lyceu, e que, portanto, com uma presidencia differente poderia caminhar melhor a administração sem necessidade de se recorrer a um acto extremo como era a dissolução da Junta Geral.

Concordei. E perante uma Junta composta, na sua maioria, de meus inimigos politicos, desde que o governador civil me informava nesse sentido eu não tive duvida em acceder ao que elle me propunha. E é nestas condições que S. Exa. me vem accusar de eu só fazer politica! Ora o que aconteceu depois é que em vez da administração da Junta melhorar, pelo contrario, os abusos continuaram, os erros tambem.

E tendo sido advertidos os vogaes da Junta, que se tinham compromettido a modificar os processos de administração na observancia da lei, em vez d'isso, o "Sr. Governador Civil viu-se obrigado a ponderar-me em officio de 16 de agosto que a administração estava exactamente nos mesmos termos, com os mesmos abusos, praticando as mesmas irregularidades, e que era impossivel continuar aquelle estado de cousas.

Eu leio a V. Exa. e á Camara esse documento. É o seguinte:

Officio

"III.mo e Exmo. Sr.- Cumpre-me, a bem dos interesses do districto, e dos d'este concelho de Angra, levar ao conhecimento de V. Exa. que a administração, tanto da Junta Geral, como da Camara d'aquelle concelho, continua a ser irregular, quer fazendo despesas, sem auctorização orçamental, quer tomando resoluções contrarias aos interesses publicos. Desvirtuam por completo a sua missão, quer não cohibindo abusos de empregados, quer attendendo mais a interesses de ordem particular, que publicos. Em face do exposto, tenho a honra de propor a V. Exa. a dissolução da Junta Geral d'este districto e da Camara Municipal do concelho de Angra do Heroismo, cuja administração se tornou incompativel com os interesses dos seus administrados, como aliás já foi sobejamente provado nos processos de syndicancia existentes nesse Ministerio.

Deus guarde a V. Exa. - III.mo e Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino.

Governo Civil do districto de Angra do Heroismo, 16 de agosto de 1901.= O Governador Civil, Emygdio Lino da Silva Junior".

Perguntou o illustre Deputado se eu tinha a prova d'isso. A prova é esta.

Qual o primeiro fundamento da syndicancia de 1900?

Não ter a Junta Geral prestado contas; não ter apresentado o orçamento. Não precisei de mais nada. Não era uma questão de alta indagação. O abuso dava-se, a irregularidade repetia-se...

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam apenas 5 minutos para ao passar á ordem do dia.

O Orador: - Eu farei a diligencia para responder nesses 5 minutos.

... A irregularidade repetia-se, e desde que assim era cumpri a lei.

Quer o illustre Deputado ver qual ella é?

É o artigo 17.° do Codigo Administrativo, que no seu n.° 3.° diz o seguinte:

"3.° Quando, depois do advertidos, deixem de tomar os deliberações indispensaveis ao desempenho dos deveres que os leis lhes incumbem, ou quando faltem á obediencia legalmente devida ás auctoridades publicas".

Ora francamente, eu dei tempo de sobra, esperei que mudando o presidente e compromettendo-se os vogaes da Junta Geral a mudarem de processo, de norma de administração, tudo se regularizaria; mas em vez d'isso os abusos continuaram, e tendo sido advertidos os mencionados vogaes, incorreram na disposição do Código Administrativo a que acabo de me referir.

Que fiz eu? Cumpri a lei. (Apoiados}.

Diz o illustre Deputado que eu nomeei presidente o Sr. Frederico Lopes o que esse cavalheiro, na qualidade de presidente é que tem os maiores responsabilidades.

Perdão; - tem maiores responsabilidades o presidente da Junta Geral quando é connivente nos abusos praticados pela maioria da Junta; mas quando um presidente ou qualquer vogal protesta, assignando vencido nas deliberações tomadas, não tem responsabilidade alguma. Foi o que aconteceu com o Sr. Frederico Lopes, que em vez de se tornar connivente com as deliberações da Junta, que representavam abusos flagrantes, assignou vencido. E tanto isto é assim, que o illustre Deputado conhece decerto o artigo 19.° do Codigo Administrativo, que não permitte que os vogaes de uma corporação dissolvida sejam reeleitos, excepto os vogaes que assignarem vencidos as deliberações que forem tomadas pela corporação.

Foi isto o que aconteceu com o Sr. Frederico Lopes, e foi por isso que pôde ser reeleito. Tinha protestado, tinha assignado vencido, portanto não tinha responsabilidade alguma.

Disse o illustre Deputado que quando foram Suas Majestades ás ilhas, eu aconselhei El-Rei para que fosse dada a Gran-Cruz da Conceição ao presidente da Junta e ao presidente da Camara Municipal.

Quanto ao presidente da Junta Geral, já eu disse que não tinha responsabilidades, porque não resolveu, nem podia resolver, porque as maiorias é que resolvem nas corporações, nem podia levar para melhor caminho administrativo...

(Aparte da esquerda).

Permitia o illustre Deputado que lhe diga que não aconselhei El-Rei a que desse a Gran-Cruz da Conceição ao Sr. Dr. Frederico Lopes. El Rei na visita official que fez ás ilhas foi recebido com aquelle enthusiasmo e com aquelle acolhimento caloroso com que em toda a parte, felizmente, são acolhidos pelos povos os membros da Familia Real. (Apoiados). Mas é possivel que nas ilhas ainda o fosse mais, visto que aquelles povos nunca tinham visto o seu Rei, o seu Soberano. (Apoiados).

Por isso El-Rei, querendo distinguir as juntas geraes e as camaras municipaes dos archipelagos da Madeira e dos Açores deu a Gran-Cruz da Conceição aos presidentes das mesmas juntas geraes e aos presidentes das mesmas camaras municipaes. Para que? Para os distinguir pessoalmente? Não. Para distinguir a corporação.

É claro que não podendo conceder as gran-cruzes ás juntos geraes e ás camaras municipaes e desde o momento em que as queria distinguir pelo acolhimento que lhe tinham dispensado, manifestou esse agrado pela unica forma por que o podia fazer, sem que nisto houvesse apreciação politica acerca dos actos dos presidentes das juntas geraes e das camaras municipaes. (Apoiados).

Por ultimo, o illustre Deputado arguiu-me porque fiz a distribuição dos procuradores das juntas geraes, por forma que a Ilha de S. Jorge vae ter maior numero de procuradores do que a Ilha da Terceira, quando a Ilha da Terceira é muito mais importante; citou os dois concelhos de Angra e da Praia com a sua população, os seus elementos de riqueza, com tudo emfim, e disse que a Ilha de S. Jorge faca com maior numero de procuradores do que a Ilha da Terceira.

O Sr. Antonio Cabral: - Peço licença. Eu não disse isso. O que disse foi que as duas ilhas juntas teem menos população do que a Ilha Terceira e que os tres concelhos de Velas, Calheta e Santa Cruz dão mais procuradores do que os concelhos de Angra e da Praia, apesar de terem metade da população d'estes.

O Orador: - Se o illustre Deputado assim o disse, eu acceito a sua affirmação.

Ora se as Ilhas de S. Jorge e Graciosa teem maior numero de concelhos, teem tambem maior extensão e por isso não admira que estas duas Ilhas fiquem com maior numero de procuradores do que a Ilha Terceira. (Apoiados).

Disse o illustre Deputado que eu dei maior numero de procuradores para as duas ilhas do que para a Ilha Terceira, porque receava perder as eleições em Angra do Heroismo. Ora isto comprehendia-se, se fosse tão temerosa a luta politica em Angra, de forma que os meus amigos pudessem perder a eleição. (Apoiados).

Mas, quando a Camara saiba que em todo o districto o partido regenerador não perdeu nem na Junta Geral um unico vogal, nem na Camara Municipal um unico vereador, nem nos juntas do parochia uma unica freguesia (Apoiados), a que fica reduzido o argumento do illustre Deputado de eu ter dado maior numero de procuradores pelo receio de perder as eleições, visto que o resultado é o mesmo: (Apoiados) porque o resultado foi serem todos eleitos? (Muitos apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não revê os seus discursos).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de me dizer se já vieram os documentos que pedi pelos Ministerios da Fazenda e das Obras Publicas.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Rogo a V. Exa. que mais uma vez inste para que esses documentos me sejam enviados.

O Sr. Motta Veiga: - Fui encarregado pela Camara Municipal do concelho de Ceia, que faz parte do circulo que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, de apresentar á Camara uma representação, reclamando contra a base 1.ª da proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro das Obras Publicas na sessão de 3 do corrente, proposta que, visando a attenuar os effeitos da actual crise vinicola, prohibe nesse intuito a plantação de vinhas durante tres annos
Entendem, porem, os reclamantes que a adopção d'esta medida prejudicará fortemente os proprietarios d'aquelle concelho e por isso pedem que aquella base seja eliminada, expondo ao mesmo tempo os fundamentos que justificam a sua pretenção.

Não é agora o ensejo proprio para apreciar o assumpto. Limito-me, por isso, a pedir ás respectivas commissões que tomem na devida consideração as razões allegadas pela Camara reclamante, e que se me afiguram de todo o ponto justas e attendiveis.

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Concluo pedindo que a representação seja publicada no Diario do Governo.

Assim se resolveu.

Vae por extracto no fim da sessão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Dias Ferreira: - Da melhor vontade me prestei a trazer á Camara duas representações: uma de alguns commissionados dos operarios da classe corticeira, e outra da Camara Municipal do concelho de Almada. Ambas reclamam providencias contra a temerosa crise que está sofrendo aquella industria e que tende a alastrar-se com as suas funestas consequencias.

Não me detenho, neste momento, a ponderar á Camara quanto são dignas de attenção dos poderes publicos as razões que fundamentam tão justa pretenção. Opportunamente o farei. Por agora apenas accentuo que os alvitres apontados nas duas representações, quando realizados, serão, como diz a Camara representante, de largo alcance para a industria corticeira, sem prejuizo algum para a agricultura.

Não duvido, pois, recommendar estas representações á consideração das respectivas commissões e pedir que, não só pela importancia do assumpto, mas porque se acham redigidas nos termos mais correctos e respeitosos, sejam publicadas no Diario do Governo.

Assim se resolveu.

Vão por extracto no fim da sessão.

(S. Exa. não reviu).

Sr. Mathias Nunes: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se tivesse estado presente na sessão de 24 do mês proximo passado teria approvado a moção do Sr. Deputado José de Alpoim, e rejeitado a do Sr. João Arroyo. = O Deputado, Mathias Nunes.

Para a acta.

O Sr. Frederico Ramirez: - Apresento a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se tivesse assistido á sessão de 24 do mês proximo passado teria approvado a moção do Sr. Deputado José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e rejeitado a do Sr. Deputado João Arroyo = Frederico Ramirez.

Para a acta.

O Sr. Raposo Botelho: - Apresento uma representação dos diversos funccionarios dos correios de Lisboa e Porto, pedindo que seja remodelado o respectivo quadro, de modo a, sem consideravel augmento de despesa, melhorar as condições de accesso, o que julgo ser de toda a justiça, não só em vista do crescente augmento da circulação postal, o que obriga tão prestantes funccionarios a um aturado trabalho, como tambem pelo consideravel accrescimo dos lucros que o Estado aufere dos serviços postaes.

Peço para ser publicada no Diario do Governo.

Assim se resolveu.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. José Gallas: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que se estivesse presente á sessão de 24 de fevereiro findo teria approvado a moção do Sr. Deputado João Arroyo. = José Gallas.

Para a acta.

O Sr. Joaquim Antonio de Sant'Anna: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim criar uma nova comarca com sede na villa de Ourique.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Alipio Albano Camello: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim conceder a Gonçalo da Costa Maquitá e Mello a aposentação nos termos da lei reguladora da aposentação dos professores, de ensino primario.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Matheus Augusto Ribeiro Sampaio: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 136, de 1899, a fim de que seja reformado em general de brigada o major reformado do exercito de Africa Occidental, Frederico Carvalhal da Silveira Telles Bettencourt.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Arthur Brandão: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto n.° 26-B, de 1896, que conta a Alexandre José de Carvalho, capellão do exercito, para o effeito da reforma, o tempo que serviu como professor de instrucção primaria.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada, com urgencia, uma nota, designando quaes os districtos administrativos em que os governadores civis fizeram visita aos respectivos concelhos, nos annos de 1898, 1899, 1900 e 1901. = Alexandre Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar S. Exa. o Sr. Ministro do Reino, sobre varias violencias politicas praticadas ultimamente no concelho da Covilhã, e nomeadamente sobre as transferencias dos professores da Conceição (Covilhã), Verdelhos e Córtes. = Conda de Penha Garcia.

Apresento igualmente o seguinte

Requerimento

Tendo requerido diversos documentos nas sessões de 20 e 28 de janeiro e 3 e 5 de fevereiro, para me habilitar a discutir actos do Governo, e não tendo até hoje sido enviados a esta Camara esses documentos, apesar de já ir decorrido mais de um mês depois da minha ultima requisição, requeiro a V. Exa. se sirva instar como for conveniente, para que esses documentos sejam enviados sem demora a esta Camara. = Conde de Penha Garcia.

O aviso previo mandou-se expedir e o requerimento mandou-se satisfazer.

O Sr. Raposo Botelho: - Mando para a mesa as seguintes

Declarações

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do alferes Eduardo de Azambuja Martins, pedindo que para a promoção a tenente por diuturnidade lhe seja contado o curso da Escola Polytechnica. = Raposo Botelho.

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento em que o Sr. General de Brigada graduado, José de Mattos Cid, pede sejam equitativamente reguladas as condições de reforma. = Raposo Botelho.

Para a acta.

O Sr. Anselmo Vieira: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Deseja fazer algumas considerações ao Sr. Ministro da Fazenda sobre varios assumptos que respeitam ao serviço

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das alfandegas, e mais especialmente ao modo por que se estão realizando os despachos do mercadorias o á forma por que se cobram diversos emolumentos pessoaes. = O Deputado, Anselmo Vieira, Mandou bis

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Mando para a mesa

Aviso previo

Desejo interrogar S. Exa. o Sr. Ministro do Reino sobre violencias politicas praticadas pelos seus representantes no concelho da Covilhã depois das ultimas eleições municipaes.

ala das sessões, 10 de março de 1902. = O Deputado, Antonio Rodrigues Nogueira.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do Orçamento

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o capitulo 2.° do Orçamento.

Lê-se.

O Sr. Oliveira Mattos (interrompendo a leitura): - Isto não pode ser! O que primeiro se deve discutir é o parecer sobre as emendas do projecto n.° 10.

O Sr. Presidente: - Peço no illustre Deputado que não interrompa a leitura.

O Sr. Oliveira Mattos: - O que V. Exa. indicou para ordem do dia, em primeiro logar, não foi o Orçamento. Tem que cumprir o que disse.

Vozes: - Ordem, ordem!

O Sr. Presidente: - Effectivamente na sessão de hontem disse que os trabalhos da ordem do dia de hoje começariam pelo parecer á emendas do projecto n.º 10; mas para isso, é necessario auctorização da Camara, porque sem que elle o consinta não posso interromper a discussão do Orçamento.

O Sr. Oliveira Mattos: - Isso não pode ser, porque V. Exa. não precisou de auctorização para marcar para discussão as emendas ao referido projecto.
Portanto são ellas que se devem discutir.

Vozes: - Ordem, ordem!

O Sr. Oliveira Mattos: - V. Exa. é que fazem a desordem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não tem a palavra, e ou chamo-o á ordem.

(Levante-se sussuro).

Vozes: - Ordem, ordem.

(Criam-se ápartes e augmenta a agitação).

O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.

Ás 51/2 horas da tarde reabre a sessão.

O Sr. Presidente: - Deve entrar em discussão o capitulo 2.° do Orçamento. Antes porem, de começar a discussão, vou consultar a Camara sobre se permitte que seja interrompida essa discussão intercalando-se, a discussão das emendas do projecto n.º 10.

Consultada a Camara, resolveu afirmativamente.

Lê-se na mesa o capitulo 2.º do Orçamento,

O Sr. Mello e Sousa: - Começa por historiar o que succedeu em 1892, quando Portugal, á beira de uma bancarrota, teve do declarar aos seus credores externos que apenas lhe pagaria, um terço do coupon, tendo antes tomado o compromisso de reduzir as despesas publicas em 3:000 contos.

Parece-lhe interessante ver hoje, a dez annos do distancia do decreto de 1892, como teem sido cumpridas as suas disposições, o examinar qual a forma como o pais poderá cumprir, não só o que em 1892 se deliberou, mas o que se procura estabelecer em um novo convenio, cujas bases são mais ou menos conhecidas.

Recorre para isso ao confronto dos quadros estatisticos do Sr. Ressano Garcia, os mais completou que conhece, com os que foram apresentados pelo actual Sr. Ministro da Fazenda, devendo notar desde já que no tocante aos encargos da divida, ambos os quadros teem deficiencias, a que mais tarde ha de referir-se.

Assim, encontra que em 1890-1801, um anno antes de realizado o contrato dos tabacos, a receita ordinaria, que hoje é de 53:269 contos, foi de 40:825 contos, e a despesa ordinaria, que então foi do 43:556 contos, é hoje de 54:410 contos, o que quer dizer que as despesas augmentaram em 10:860 contos.

Isto, tomando por base o Orçamento actual, que, como muito bem disse o Sr. Moreira Junior, digno do todo o elogio pelo seu aturado estudo, não é a expressão da verdade, porquanto as receitas estão propositadamente augmentadas e HB despesas figuram consideravelmente acanhadas.

Pode talvez objectar-se que em 1890-1891 não havia o encargo dos tabacos, nem o agio do ouro; mas havia o pagamento dos juros da divida por completo, o que compensa perfeitamente aquelles encargos.

Tal é a situação. Verá agora se é possivel, para fazer-lhe face, recorrer ao imposto ou ao credito, pontos principaes de recurso.

O augmento da receita durante os dez annos, comprehendidos do 1890-1891 a 1901-1902 foi conseguido pelo aggravamento constante da tributação, já no sêllo o registo, já na contribuição predial, já na contribuição industrial, ainda na de renda de casas e até no imposto sobre lotarias. Quer dizer que o recurso ao imposto está esgotado, e tanto que o proprio Sr. Ministro da Fazenda ao apresentar uma proposta sobro contribuição industrial, declara que ella traz diminuição de receita.

Por aqui se vê que é impossivel recorrer ao imposto.

Será então possivel recorrer ao credito?

Em 28 de fevereiro de 1891 a divida fluctuante era de 38:025 contos, e comquanto se dissesse já então que era impossivel caminhar assim, o que é certo é que casa divida em 31 do dezembro de 1901 era de 58:381 contos.

Tudo isto consta de documentos officiaes, que podem ser consultados por quem quizer vê los; é, portanto, certo que a situação do Thesouro Publico é das mais difficeis, porque não ha, sequer, com que pagar as despesas mais indispensaveis, as mais sagradas, as que mais religiosamente devem ser pagas e é impossivel recorrer ao credito, como impossivel é recorrer ao imposto.

Para tornar mais evidente a insignificancia do deficit que o Orçamento apresenta, o Sr. Ministro da Fazenda faz, no seu relatorio, quatro edições de deficits; mas para não ficar mal com a sua consciencia fala, tambem, em contas escripturadas, o que quer dizer que houve contas que não se escripturaram, para não avolumarem o deficit.

O que é certo, porem, é que a situação é gravissima, coroo o attesta ainda um documento, que lhe foi facultado polo Sr Espregueira e que pertence ao numero dos que a S. Exa. foram enviados pelo Sr. Ministro da Fazenda. Por esse documento, copia do um officio dirigido ao Governo pelo Banco de Portugal, vê se que o Governo, logo no principio da sua gerencia não tinha com que pagar a primeira prestação do emprestimo das classes inactivas.

Isto é que é serio e grave.

Vê se que apesar da diminuição dos dois terços do coupon; a pesar do aggravamento da tributação, do recurso ao credito, nos estamos na mesma situação difficilima e embaraçosa em que nos encontravamos em 1891. E esta a verdade. E, se, temos vivido até hoje, é isso unicamente devido ao papel cunhado, em grande quantidade. Agora, porem, a situação mostra se ameaçadora; apresenta ao mesmos symptomas da de 1891, o cumpro liquidá-la.

Precipita o Governo as negociações do convenio, unicamente para arranjar dinheiro, lá fora, visto não encon-

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trá-lo no país. Portanto, a situação é igual á de 1891. A razão que, então, se dava para a operação que se fez sobre os tabacos, é a mesma que se dá agora, para o convenio; quando, aliás, já está provado, que nós não podemos satisfazer os encargos actuaes.

Porque é esta precipitação? Porque é que se pretende fazer esse convenio, custe o que custar? Não deseja elle, orador, ser proposta na sua terra; mas crê que ha de succeder o mesmo que aconteceu com o contrato dos tabacos, em 1891; tudo isso desapparecerá, para surgir, então, num quadro mal esboçado, a venda das colonias.

Em 1891 era o contrato dos tabacos que nos ameaçava de bancarrota; agora é um convenio, obrigando-nos a pagar mais, quando nós temos a consciencia de não podermos fazê-lo.

A seu ver, arranjar emprestimos, continuar a viver da mesma forma por que temos vivido até agora, é um crime. Disse o Sr, Deputado Moreira Junior, na sua analyse do orçamento, que as receitas estão excessivamente valorizadas. Não ha duvida; mas ha ainda outras verbas que precisam de minuciosa analyse. Uma d'ellas é a que se refere aos conventos supprimidos, verba que vae de 100 a 200 contos, o que, tendo já desapparecido do Orçamento, agora resuscitou. Os conventos já supprimidos no anno passado, apparecem, este anno, com a importantissima verba de 60 contos, que, aliás, não podem constituir receita do Estado, porque o Orçamento do anno passado dizia que ella não podia ter applicação differente da marcada na lei de 1899.

No que toca á verba, referente a sêllo e registo, foi ella inscripta por quantia superior á cobrança effectiva.

Fala tambem o Orçamento na auditoria, junto ás inspecções geraes dos impostos sobre bens nacionaes; folheia-se, porem, tudo o Orçamento, em procura dos bens nacionaes, e tal cousa não se encontra.

Procura-se com grande trabalho no relatorio de fazenda se o auditor recebe pela verba de quotas; mas nada se encontra, quando certamente esse funccionario, aliás distinctissimo, devia, ter a sua verba descripta no Orçamento.

Criam-se tambem receitas, como a da bolsa e outros impostos, que não são escripturados nas contas do Thesouro; o que faz lembrar o testamento attribuido a Dideret, que não tinha nada, devia muito e deixou tambem aos pobres.

Por parte do Ministerio das Obras Publicas não é menos interessante o resultado de economias que se apresenta no Orçamento.

Arranja o respectivo Ministro uma economia de 19 contos no pessoal do Mercado Central de Productos Agricolas, que deixa de inscrever, em virtude de uma doa suas reformas; mas não apresenta, como augmento, a verba de 20 contos que dá a esse pessoal, e trás á Camara um Orçamento com saldo de 40 contos!

Relativamente ao Ministerio da Fazenda, a apregoada diminuição de despesa com a Guarda Fiscal, é puramente ficticia, porque a verdade é que, em vez de diminuição, ha um augmento de 238 contos.

Alem d'isso, o Sr. Ministro da Fazenda calculou os encargos geraes e da divida fluctuante em 58:000 contos, mas em dezembro passado já essa cifra estava augmentada de 400 contos.

Finalmente, como era justo, porque à tout seigneur, tout houneur, o Ministerio do Reino marcha en tête de todos estes augmentos de despesa.

É assim que, não obstante nas primeiras paginas do relatorio de fazenda se declarar que não existe augmento de despesa, havendo ata um saldo de cerca de 19 contos, por encontro de varias despesas e verbas, mais adeante o Sr. Presidente do Conselho diz que a verdade é terem-se gasto mais de 68 contos. Ainda não é, porem, assim, porque o facto é que as despesas subiram a 126 contos a mais.

Ora, nas circumstancias actuaes do país; quando projectamos negociar um convenio; quando a situação do Thesouro é a que todos conhecem; quando o Ministerio do Reino, da responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho fez reformas que aggravam as despesas em 126 contos, como pode o Governo e a sua commissão sustentar que se fizeram economias?

Reconhece a commissão haver faltas no Orçamento; por exemplo: não reparou o Sr. Ministro das Obras Publicas que, tendo baseado o imposto da exportação dos vinhos, devia ter calculado com essa diminuição de receita.

O processo da commissão, porem, para fazer contas, é tudo quanto ha de mais original e excede, ainda, o relatorio do proprio Sr. Ministro da Fazenda. O orador explica este ponto.

Relativamente ao Ministerio da Marinha, diz que a commissão reduz todas as verbas relativas a material de sobresalente para navios armados, á construcção o reparação de navios, quando, aliás, o Sr. Ministro da Marinha já está auctorizado a abrir creditos especiaes para esses serviços!

É esta a forma por que, no Orçamento, só arranjam pequenos deficits!

A verdade é que o augmento da despesa 6 muito superior ao que está computado no Orçamento; calcula elle em que este será de 365 contos; e não figuram nesta quantia os 310 contos para estradas, que o Sr. Ministro das Obras Publicas houve por bem eliminar.

Temos portanto: 238 contos para a Guarda Fiscal, que só no papel são economia; 64 contos no Ministerio da Marinha, que não podem reduzir-se; 26 contos para o Orçamento do Ministerio da Guerra, que a commissão alterou e a verba de 61 contos dos conventos, que é uma irrisão, porque não pode considerar-se receita do Estado.

Isto, sem contar os fundos de instrução primaria, - trinta mil alçapões, por onde se somem as diversas despesas, e as outras reformas decretadas em dictadura, que importaram num augmento de 1:l05 centos de réis.

Elle, orador, cansaria, por certo a Camara e elle proprio se fatigaria, fazendo uma demonstração mais detalhada sobre as varias verbas do Orçamento; deixa por isso, de o fazer e vae concluir, mas não sem salientar um ponto.

Durante quatro annos esteve na opposição, ao lado dos cavalheiros que hoje estão no poder, falando, combatendo, atacando, defendendo, exactamente na mesma orientação, no mesmo sentido em que o fez hoje. Atacava com a mesma violencia, a mesma razão, o mesmo criterio, seguindo as indicações e o mesmo impulso do Sr. Hintze Ribeiro. S. Exa. não se contentou um falar da mesma forma, escreveu e fez publicar os seus discursos, sustentando as mesmas doutrinas que elle. orador, sustenta hoje, e de que não se arrependo. O que foz hontem, di-lo hoje e di-lo-ha ámanhã, nem faltou, foi S. Exa. e os seus collegas. Quem faltou foram elles - necessario é frisá-lo - porque ha actos praticados, absolutamente iguaes aos que S. Exas. censuravam, e ha ainda outros muito mais nefastos e peores, do que aquelles que, então, eram por S. Exa. criticados.

O Sr. Presidente do Conselho, porem, que, por uma, indicação symptomatica da sorte, é sempre o vice, do Sr. José Luciano de Castro, julgou que, tendo o apoio do S. Exa., podia praticar tudo, e tudo praticou. Todas as reformas do actual Governo tendem, exactamente, a um augmento de despesa publica, que elle, orador, c o Sr. Presidente do Conselho, quando na opposição, sempre estygmatizaram.

Hoje, porem, foi S. Exa. e foram os seus collegas os que abandonaram esse programma. Por sua parte, elle, orador, está dizendo, hoje, o que disse hontem e o que dirá amanhã.

Essa falta, na presente occasião, em que tratamos com os credores externos, tendo um augmento de despesa de

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de 1:000 contos, é um crime; a responsabilidade, porem, fica só ao Sr. Presidente do Conselho.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. José Jeronymo Rodrigues Monteiro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra concedendo ao primeiro sargento graduado cadete, João Eduardo Franco Antunes Centeno, licença para se matricular no firmo commum aos cursos de cavallaria e infantaria da Escola do Exercito, com dispensa da condição l.ª do artigo 1.º das alterações á organização da mesma escola.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de communicar a V. Exa. e á Camara, que se acha installada a commissão de obras publicas, tendo ficado presidente o Sr. Conselheiro Pereira dos Santos, e eu secretario. = José Jeronymo Rodrigues Monteiro.

Mando ainda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de obras publicas os Deputados os Srs. Joaquim Faustino Poças Leitão, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Belchior José Machado, Alvaro de Sousa Rego e João Joaquim André de Freitas. = José Jeronymo Rodrigues Monteiro.

Posta á votação, foi approvada.

A participação foi para a acta.

O requerimento mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Cumprindo a deliberação da Camara vou pôr em discussão o parecer sobre as emendas ao projecto n.° 10.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Pertence ao n.° 10

Senhores. - As vossas commissões do ultramar, marinha, saude publica, instrucção especial e fazenda reunidas, estudaram e discutiram com rigoroso escrupulo as emendas ao projecto n.° 10, apresentadas pelos illustres Deputados Dr. Moreira Junior e Dr. Egas Moniz.

Sendo este projecto considerado como questão aberta, aquelles dois illustres Deputados, com a maxima sinceridade e isenção politica, vieram utilissima e proficuamente collaborar na obra do nobre Ministro da Marinha e Ultramar, no sentido de melhorará-la e completá-la sem preoccupações nem intuitos partidarios.

A apreciação e estudo das emendas apresentadas teriam necessariamente que ser cuidadosamente feitos, unica forma de que poderiamos usar para corresponder ao valioso e leal auxilio dos illustres Deputados.

É pois o resultado d'esse trabalho que vimos apresentar á vossa esclarecida apreciação, sentindo que nem todas as emendas pudessem ser acceites por motivos justos e sinceros, como teremos ensejo de vos expor quando apreciarmos cada uma d'ellas.

Começaremos por publicar as propostas de emendas que foram sujeitas ao nosso exame.

São ao seguintes:

l.ª - A base l.ª Em vez de se dizer "é criada em Lisboa uma installação hospitalar ..." deve dizer-se "é criada nos arredores do Lisboa, em sitio salubre e de fácil accesso, uma installação hospitalar", seguindo depois como no projecto de lei. - Moreira Junior.

2.ª - § 1.° Este hospital e o laboratorio annexo serão installados com o producto das subscripções abertas na metropole e provincias ultramarinas. = Moreira Junior.

3.ª - § 2.° Se o producto d'estas não attingir a quantia precisa, será a despeza restante inscripta nos orçamentos das provincias ultramarinas, proporcionalmente as suas guarnições militares. = Moreira Junior.

4.ª - § 3.°, como o § unico do projecto de lei.: Moreira Junior.

5.ª - Á base 2.ª O serviço clinico d'este hospital acra desempenhado pelo pessoal docente de medicina tropical, coadjuvado em caso de necessidade pelo pessoal technico da Repartição de Saude da Direcção Geral do Ultramar ou por facultativos reformados dos quadros de saude das provincias ultramarinas e da armada, nomeados provisoriamente para esse fim, sob proposta do director do hospital. - Moreira Junior.

6.ª - § unico. Os facultativos reformados a que se refere esta base, terão direito, como gratificação, a 20 por cento dos seus vencimentos. = Moreira Junior.

7.ª - Á base 9.ª Addicionar o seguinte paragrapho:

"§ unico. O director do pessoal docente será tambem o director do hospitais. = Moreira Junior.

8.ª - Á base 10.ª Acrescentar o seguinte paragrapho: "§ 2.° A gratificação respectiva figurará no orçamento do Ministerio da Marinha". - Moreira Junior.

9.ª - Na base 13.ª Substituir as palavras "provas theoricas e trabalhos de laboratorio o pelas aprovas theoricas, clinicas e trabalhos de laboratorio".

10.ª - Á base 17.ª Deve ser redigida assim: "A despesa annual do ensino da medicina tropical será:

l Medico, director, gratificação 100$000

3 Medicos auxiliares, a 400$000 réis 1:200$000

1 Preparador - vencimento 360$000

2 Serventes - vencimentos, a 180$000 réis 360$000

Material 1:000$000

Somma 3:020$000

§ unico. O medico director poderá desempenhar serviço numa das cadeiras criadas, vencendo a gratificação correlativa. = Moreira Junior.

ll.ª - A base 20.ª São extinctas, sem prejuizo dos alumnos actualmente matriculados, as escolas medico-cirurgicas do Funchal e do Nova Goa, revertendo a economia, resultante d'esta medida, para o custeio e ampliação do ensino da medicina colonial.

12.ª - § unico. Emquanto esta economia se não tornar effectiva, poderá realizar-se a organização do ensino medico-tropical, caso a subscripção publica dê a quantia sufficiente ao seu custeio, alem das de installação hospitalar e do laboratorio, ou no orçamento das despesas geraes do Ministerio do Ultramar se possa effectuar a economia precisa. = Moreira Junior.

13.ª - Á base 1.ª Proponho que se accrescente á base 1.ª, antes do § unico, o seguinte:

"Fica o Governo auctorizado a gastar com esta installação hospitalar a verba de ... " = Egas Moniz.

14.ª - Á base 7.ª Proponho que á base 7.ª se addiccione o seguinte:

"§ unico. A pratica da bacteriologia e parasitologia tropicaes será ministrada no Real Instituto Bacteriologico de Lisboa, onde haverá um preparador destinado a occupar-se especialmente d'estes trabalhos". - Egas Moniz.

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15.ª - A base 13.ª Proponho na base 13.ª a seguinte substituição: em vez de "que versará sobre provas theoricas e trabalhos de laboratorio", ponha-se "que versará sobre provas theoricas e trabalhos clinicos". = Egas Moniz.

16.ª - Á base 15.ª Proponho que á base l5.ª se junte o seguinte:

"§ unico; O pessoal docente d'este curso será constituido pelos clinicos do Hospital Colonial, ou pelos professores do curso colonial, com a gratificação de 10$000 réis mensaes" = Egas Moniz.

17.ª - Á base 19.ª Proponho que se complete o disposto na base 19.ª com o seguinte:

"§ unico. Ás propinas de matricula e de exame serão de importancia nunca superior a 5$000 réis cada uma". = Egas Moniz.

Emenda 1.ª - A base 1.ª Rejeitada, porque as condições economicas do projecto não permittem, desde já, uma installação tão dispendiosa, como seria a de um sanatório cm taes condições de hygiene, accesso e commodidade, embora fosse esse o maior desejo do illustre Ministro da Marinha e das vossas commissões. Como recurso disponivel para já, aproveitar-se-ha um edificio do Estado que melhores garantias offereça, adaptando-o ao fim a que se destina, sem grandes faltas e defeitos, mas tambem sem condemnaveis exageros de luxo e de despesas que difficilmente se poderão fixar previamente.

Emenda 2.ª - § 1.° á base 1.ª Rejeitada, por ser urgente a installação hospitalar e não julgarmos plausivel que o Governo fique á mercê das problematicas fluctuações de uma subscripção publica, sem que por isso só desprezo essa generosa concorrencia, que eficazmente seria applicada ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do plano inicial do illustre Ministro da Marinha.

Emenda 3.ª - § 2.° á base 1.ª Rejeitada, por estar prejudicada.

Emenda 4.ª - Ao § unico da base l.ª Prejudicada.

Emenda 5.ª - Á base 2.ª Rejeitada, por julgarmos preferivel que o pessoal do corpo docente fique livre de qualquer encargo clinico que determinasse a sua permanencia no Hospital Colonial nos oito meses restantes, alem dos quatro destinados ao ensino, para serem, quanto possivel, empregados em missões scientificas, reconhecendo-se todavia a conveniencia que resulta para o ensino de cada professor ter sob a sua direcção uma enfermaria, ou mais, do Hospital Colonial. Confiamos que o director saberá conjugar os interesses clinicos e docentes de modo a colher-se o maximo proveito.

Emenda 6.ª - Á base 2.ª Prejudicada.

Emenda 7.ª - Á base 9.ª Acceita, accrescentando-se um § unico á base 9.ª, que ficará redigido do seguinte modo:

"§ unico. O director do pessoal docente será tambem o director do Hospital Colonial".

Emenda. 8.ª - Á base 10.ª Acceita, accrescentando um paragrapho, que ficará assim* redigido:

"§ 2.° A gratificação respectiva d'este professor figurará no orçamento do Ministerio da Marinha".

O § unico da base 10.ª passa a § 1.°

Emenda 9.ª - Á base 13.ª Acceita. A base 13.ª terá a seguinte redacção : "Os facultativos que tiverem frequentado com regularidade o curso de medicina tropical, e quiserem o diploma de medico colonial, terão de submetter-se a um exame final, que versará sobre provas theoricas, clinicas e trabalhos de laboratorio".

Emenda 10.ª - Á base 17.ª Acceita, ficando a base 17.ª com um § unico redigidos do seguinte modo:

"A despesa annual do ensino de medicina tropical será:

l Medico, director - gratificação 100$000

3 Medicos auxiliares - gratificações, a 400$000 réis 1:200$000

1 Preparador - vencimento 360$000

2 Serventes - vencimentos, a 180$000 réis 3600000

Material 1:000$000

Somma 3:020$000

§ unico. O medico-director poderá desempenhar serviço numa das cadeiras criadas, vencendo a gratificação correlativa".

Emenda 11.ª - Á base 20.ª Rejeitada, por não ser exequivel tal medida no momento actual, e não resultar d'ella tão sensivel economia immediata para custeio do ensino da medicina tropical.

Emenda 12.ª - § unico á base 20.ª Rejeitada, por estar prejudicada pelos motivos expostos nas emendas 2.ª e ll.ª

Emenda 18.ª - Á base l.ª Rejeitada e justificada a rejeição na emenda l.ª

Emenda 14.ª - Á base 7.ª Rejeitada, por se julgar conveniente e indispensavel que o laboratorio seja annexo ao hospital colonial, e não distante d'elle, para que não fique prejudicado simultaneamente o ensino e a clinica.

Emenda 15.ª - Á base 13.ª Rejeitada, por se julgar preferivel, como mais completa, a emenda 9.ª

Emenda 16.ª - Á base 15.ª Rejeitada, porque deve entender-se que os professores do curso secundario serão os do corpo docente do ensino especial, já gratificados pela base 17.ª

Emenda 17.ª - Á base 19.ª Acceita, completando-se a citada base com o seguinte § unico:

"§ unico. As propinas de matricula e de exame serão do importancia nunca superior a 5$000 réis cada uma".

Sala das sessões das commissões da Camara dos Senhores Deputados, 5 de março de 1302. = Marianno de Carvalho = Conde de Paçô-Vieira = Abel Andrade = Augusto Louza = Alberto Charula = Manuel de Sousa Avides = João Arroyo = Anselmo Vieira = Clemente Pinto = Domingos Eusebio da Fonseca = Moraes Carvalho = Custodio de Borja = Rodrigo Affonso Pequito = Agostinho Lucio = L. G. dos Reis Torgal = Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda = Luciano Pereira da Silva = José Maria de Oliveira Simões = Alfredo de Albuquerque = Matheus Augusto Ribeiro Sampaio = José da Cunha Lima = Alberto Navarro = Avelino Monteiro = Manuel Fratel = Pereira Lima = José Caetano de Sousa e Lacerda = Antonio de Almeida Dias, relator.

O Sr. Oliveira Mattos: - Antes de entrar propriamente no assumpto, sobre o qual já desejava inscrever-me quando se entrou na ordem do dia, quero dar um pequeno esclarecimento á Camara, a V. Exa., Sr. Presidente, e ao publico que presenceou os actos que provocaram a interrupção da sessão.

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu tinha ouvido a declaração do V. Exa., o lido no Summario da sessão, que a discussão da primeira parte da ordem do dia seria o parecer ás emendas ao projecto de lei n.° 10.

Vendo que, ao entrar-se na ordem do dia, se ia discutir um outro projecto, permitti-me formular uma reclamação que me corria o direito do fazer, mantendo d'esta forma o prestigio da Camara, do Regimento e da propria declaração de V. Exa.

Não entenderam assim os illustres Deputados da maioria, porque não comprehenderam a reclamação, pois que S. Exa. me interromperam, chefiando a gritar ordem, ordem, como se eu estivesse, porventura, fora da ordem.

V. Exa. entendeu dever interromper a sessão para serenar o tumulto, que eu não provocara, pois que só defendia os bons principios.

Au reabrir a sessão V. Exa. continuou na ordem do dia que tinha encetado, declarando que daria meia hora, antes de se encerrar a sessão para se discutir o projecto que hontem dera para discussão.

Acceitei a resolução de V. Exa. para evitar novo conflicto, mas fica, todavia, do pé a razão que me assistia quando protestei contra semelhante procedimento, no intuito de que não ficasse estabelecido o precedente, e para evitar que amanhã o mesmo facto se tornasse a repetir.

Sempre que V. Exa. der para ordem do dia, em determinadas circumstancias, uns determinados projectos, e declarar que elles entram em discussão na l.ª, 2.ª ou 3.ª parte, v. Exa. não tem que se soccorrer da opinião da Camara: tem de cumprir o que disse e nós temos que lhe exigir esse cumprimento.

Ora, foi em virtude d'esse direito que me assiste que eu formulei a exigencia.

Dito isto para explicar o meu procedimento, porque não me é nada agradavel imaginarem que sempre, com razão ou nem ella, levanto conflictos nesta Camara, quando não os provoco, embora não recue deante d'elles desde que coteja convencido do que tenho razão, não é nada agradavel, repito, ficar com a responsabilidade, quando os outros é que ou produzem.

Como V. Exa. decerto comprehende, eu não posso occupar-me detidamente, neste momento, do parecer sobre as emendas no projecto de lei n.° 10, actualmente em discussão, impressionado como fiquei e estou, e, como eu, com certeza, toda a Camara, com o discurso que acabou de pronunciar o Sr. Mello o Sousa. (Apoiados).

Discutir cousa tão insignificante para o Governo, um projecto de que resulta apenas um augmento de desposa de algumas dezenas do contou, quando o Sr. Mello e Sousa acaba de provar a maneira esbanjadora como o Governo dissipa á larga centenas o milhares de contos, seria tomar tempo á Camara sem utilidade, sem proveito para a discussão, e nem honra nem gloria para mim.

Combati o projecto na parto em que augmentava a despesa, declarei que elle era anti-patriotico, como todos aquelles que tragam augmento do despesa, e sinto que não se pudesse ter tomado uma resolução energica, decisiva, annullando as grandes despesas que se fizeram com as auctorizações, que estão agora dando o resultado que o Sr. Mello e Sousa acaba de expor á Camara.

Essa demonstrarão que tinha já sido feita pela vez eloquente do illustre orador Sr. Moreira Junior, foi agora repetida pelo Sr. Mello e Sousa, que pintou com vivas côres o estado da Fazenda Publica e o descredito do Governo, forçado a recorrer a expedientes improprios de quem tom credito e de quem administra bem, a fim de levar a vida amargurada em que se tem debatido nos ultimos tempos.

Não é, pois, em seguida u ouvir a exposição de um sudario do tantas amarguras e desgostes para a nação e para a propria maioria - que vota tudo quanto o Governo lhe apresentar para votar, porque suppõe ser esse o seu dever, embora no fundo da sua consciencia, ao ouvir isto o ao ver a inanidade das medidas do Governo, se sinta vexada por este estado de cousas - que eu devo discutir as emendas ao projecto do hospital colonial.

Não quero amargurar mais a maioria neste momento, no ouvir a palavra auctorizada do Deputado que acaba de falar, mostrando o sudario de miserias que o Governo tem commetido desde o Orçamento que elle acaba de apresentar cheio de falsidades e de trucs improprios de documentos do Estado.
Acho portanto.

O Sr. Agostinho Lucio: - É o Orçamento que está em discussão?

O Orador. - Não se afflija o illustre Deputado...

O Sr. Agostinho Lucio: - V. Exa. chamou anti-patriotico ao projecto.

O Orador: -Lamento que V. Exa. não saisse em defesa d'elle.

O Sr. Agostinho Lucio: - Eu saio quando quero.

O Orador: - V. Exa. que é um medico distincto, mas que é um medico de quatro orçamentos, pois que figura em quatro Ministerios, não tem auctoridade para se insurgir contra mim. Eu sou prudente, sou correcto, mas tambem sei castigar quando é preciso.

O Sr. Agostinho Lucio: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - A minha phrase, para V. Exa. que me veiu interromper, representa um castigo, porque não costumo tratar assim ninguem.

V. Exa. acha que neste momento é improprio, para um documento que augmenta a despesa, que eu diga o que acabo de dizer?

V. Ex.a que tora concorrido para este estado de cousas e d'elle se aproveita, é que vem interromper-me?

Eu tenho defendido sempre estas idéas quer do lado da maioria ou da minoria. Sou coherente, e cotou no meu papel. E lastimo profundamente que o illustre Deputado tão injustamente me viesse interromper, sem motivo algum, achando mal empregado o tempo que estou levando a tratar esta questão, lamentando que as despesas se augmentem.

Quando aqui se votou uma moção, pedindo que se fizessem economias, foi rejeitada. Esta maioria que não quer economias é digna de um Governo que augmenta as despesos. E emquanto o pais tolerar uns e outros, continuem o sejam muito felizes.

Quando me inscrever sobre o Orçamento, eu farei as criticas que entender a tal respeito, pelos diversos Ministerios.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscrito; vae votar-se.

Foi approvado o parecer.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Agostinho Lucio pediu a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão, vou consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Agostinho Lucio: - Sr. Presidente: pedi a palavra para perguntar ao illustre Deputado Sr. Oliveira Mattos, se porventura S. Exa. pretendeu fazer alguma insinuação quando disse que eu figurava, accumulando o exercicio profissional por quatro Ministerios.

Desejo saber se S. Exa. considera esta accumulação como menos digna, ou illegal; só porventura ha alguma lei que prohiba, no seu modo de ver, o exercicio da minha profissão, prestando serviços em qualquer Ministerio ou em qualquer parte, e ainda se me considera inhibido de os prestar a S. Exa., o que aliás faria da melhor vontade.

V. Exa. sabe perfeitamente que se eu figuro nesses Ministerios é porque natural e legalmente fui nomeado por

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SESSÃO N.º 81 DE 10 DE MARÇO DE 1902

elles no pleno uso de um direito, que não pode ser contestado, e assim fui nomeado medico da Penitenciaria e sub-delegado de saude, bem como desempenho commissões de serviço publico, umas remuneradas e outras não. E mais nada.

Não sei em que isto possa maguar tão profundamene as tendencias economicas de S. Exa., melindrando-se a ponto de me reputar incompativel com esses vencimentos que S. Exa. naturalmente julga muito elevados, o sobre carregando o Orçamento, com alguns contos de réis, quando a verdade é que tudo se reduz á algumas centenas de mi réis, dentro da lei.

Mas não admiro os reparos do illustre Deputado, porque S. Exa. ato classificou- o projecto do hospital colonial de anti-patriotico só porque obrigava a uma despesa de 3 ou 4 contos de réis.

E faz S. Exa. uma affirmação d'esta ordem que no meu modo de ver é apenas deshumana, por contestar a necessidade d'esse hospital. (Apoiados).

Diz que elle traz despesas. Com certeza que o projecto traz augmento de despesa.

Mas onde quer o illustre Deputado, que sejam recebi dos e tratados os doentes que regressam das colonias que todos temos visto, magros, abatidos, anemicos, cheios de doenças adquiridas nesses climas insalubres? (Apoiadas) Onde se hão de tratar? (Apoiados).

Hão de metter-se no Hospital de S. José? Ou em outros hospitaes ainda peores? (Apoiados).

Necessariamente era forçoso remediar este estado de cousas (Apoiados) e chega a ser deshumano e cruel que S. Exa. fale d'esta forma, quando apparentemente é tão humanitario e patriota. (Apoiados).

S. Exa. reputa a criação do hospital inopportuna, mas ha de fatalmente reputá-lo necessario e, desde que seja necessário, ha de ser opportuno. (Apoiados).

Por isso me insurgi contra as palavras do illustre Deputado, porque a proposito do Orçamento veiu discutir cousas já discutidas e que não tinham relação alguma com o assumpto, desperdiçando um tempo precioso. Mas não fiz insinuação alguma a S. Exa., e só perguntei ao illustre Presidente o que era que estava em discussão, no pleno uso de um direito. (Apoiados).

O Sr. Oliveira Mattos: - Peço a palavra para explicações.

Consultada a Camara sobre se devia ser concedida a palavra a S. Exa.. resolveu afirmativamente.

O Sr. Oliveira Mattos: - Folguei de ouvir o illustre Deputado Sr. Agostinho Lucio, declarar que eu nada disse com intuito offensivo para S. Exa.

Chamei anti-patriotico a este projecto como a todos os projectos que trouxessem augmento de despesa, na orientação de idéas que tenho defendido sempre nesta casa do Parlamento, e que me tem custado grandes amarguras e grandes desgostos, porque entendo cumprir o meu dever nesta hora angustiosa em que estamos. Não é porque eu não sympathise com o projecto que eu discuti e combati a obra do Sr, Ministro da Marinha; ella é humanitaria; mas insurgi-me contra ella na parte economica. Em outras circumstancias seria eu o primeiro a votar o projecto; nas circumstancias actuaes lamento que não haja uma lei que prohiba, tanto ao Governo como aos membros do Parlamento, apresentarem propostas de augmento de despesa. Neste momento solemnissimo da nossa vida historica, quando se joga, talvez sem querermos, a nossa independencia o a nossa autonomia, acha então o illustre Deputado que eu não procedo bem e que mereço o sou reparo?

Eu ainda não reprovei nem que S. Exa. nem que aquelles que trabalham vivam do Orçamento; ainda não tive uma palavra de censura para aquelles que trabalham, que recebem do Thesouro aquillo que merecem. E tanto assim que falando nesta casa d'esses logares de commissarios e tantos outros a que me tenho referido, apesar das minhas palavras energicas, ainda não citei um nome e ainda não proferi uma palavra, que pudesse melindrar alguem. S. Exa. dá-se por maguado, acha que tem apenas a remuneração condigna dos seus serviços. Será pouco; - não posso nem quero avaliar os merecimentos de S. Exa., que são muitos. O que estimarei é que o Sr. Presidente do Conselho, tão generoso, avalie devidamente os merecimentos de S. Exa. e em vez de lhe dar quatro logares lhe dê... oito.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é amanhã de manhã.

O ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 50 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Do pessoal do quadro dos Correios de Lisboa e Porto, pedindo para que seja elevado o referido quadro em mais quatro primeiros officiaes e treze aspirantes auxiliares, reduzindo-se a classe dos aspirantes auxiliares.

Apresentada pelo Sr. Deputado Raposo Botelho, enviada á Commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

Dos operarios manipuladores de tabacos do Porto, pedindo fixação do prazo da convocação do Tribunal Arbitral para resolução de duvidas suscitadas entre a classe e a Companhia.

Apresentada pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada ao Sr. Ministro da Fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

Dos operarios manipuladores de tabacos no Porto, pedindo para que seja decidida a pendencia que existe entre o Conselho de Administração e os operarios manipuladores de tabaco.

Apresentada pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada ao Sr. Ministro da Fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

Da classe dos manipuladores de tabacos em Lisboa, pedindo a fixação do prazo de convocação do Tribunal Arbitral.

Apresentada pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada ao Sr. Ministro da Fazenda e a publicar no Diario do Governo.

Da classe de manipuladores de tabacos no Porto e da classe dos manipaladores de Lisboa, pedindo para fixar o prazo da convocação do Tribunal Arbitral.

Apresentada, pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada ao Sr. Ministro da Fazenda e a publicar no Diario do Governo.

Da Camara Municipal do concelho de Grandola, representando contra a proposta de lei n.° 19-D, na parte que dispõe sobre as taxas do real de agua, não possam incidir percentagens dos corpos administrativos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

Da Camara Municipal de S. Tiago do Cacem, pedindo a prohibição de saída de qualquer cortiça que não seja cosida, raspada e recortada e de todas as cortiças enguinadas, bem como dos pedaços que não attinjam Om,20 em

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quadrado, e que sejam realizados tratados de commercio para o desenvolvimento d'esta industria.

Apresentada pelo Sr. Deputado Augusto Fuschini, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do Governo.

De uma commissão de operarios da classe corticeira, pedindo a prohibição de saída de cortiça em certas condições e de um tratado de commercio que favoreça a industria corticeira.

Apresentada pelo Sr. Deputado Visconde de Mangualde enviada á commissão de fazenda e a publicar no Diario do Governo.

De uma commissão de operarios da classe corticeira, pedindo a prohibição o da saída da cortiça em certas condições, e de um tratado de commercio que favoreça a industria corticeira.

Apresentada pelo Sr. Deputado Dias Ferreira, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do Governo,

Da Camara Municipal do concelho do Almada, pedindo a prohibição de saída de cortiça em certas condições e de am tratado de commercio que favoreça a industria corticeira.

Apresentada pelo Sr. Deputado José Dias Ferreira, enviada a commissão de agricultura e a publicar no Diario do Governo.

Da Camara Municipal do concelho de Ceia, contra a base 1.ª da proposta de lei acêrca da questão vinicola. Apresentada pelo Sr. Deputado Motta Veiga, enviada á commissão de agricultura e a publicar no Diario do Governo.

Da Camara Municipal do concelho de Ourique, pedindo a criação de uma comarca, com a sede n'aquella villa.

Apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim de Sant'Anna, enviada á commissão de legislação civil e a publicar no Diario do Governo.

Justificações de faltas

Participo a V. Exa. e á Camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = José da Cunha Lima.

Participo a V. Exa. e á Camara que por motivo justificado faltei ás duas ultimas sessões = Sousa Tavares.

Participo a V. Exa. que tenho faltado a algumas sessões d'esta Camara por motivo de doença. - O Deputado, Mathias Nunes.

Participo a V. Exa. que o Sr. Deputado Fialho Gomes tem faltado a algumas sessões por motivo de doença de pessoa de sua familia. O mesmo Sr. Deputado continuará a faltar a mais algumas sessões.

Sala das sessões, 10 de março de 1902.= O Deputado, Francisco Ravasco.

Declaro que por motivo de doença tenho faltado a algumas sessões d'esta Camara. = José Gallas. Para a acta.

O redactor interino = Mello Barreto.

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