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N.° 32

SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios-os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conta de um officio do Ministerio da Justiça e de dois do Ministerio da Fazenda. - Teem segunda leitura: dois projectos de lei - criado de uma nova comarca com a sede em Ourique e concessão da aposentação a Gonçalo da Costa Mesquita e Mello - e tres propostas de renovação de iniciativa, que respectivamente são: contagem de tempo, como professar de instrucção primaria, para os effeitos da reforma, ao capellão do exercito Alexandre José de Carvalho; reforma em general de brigada ao major reformado do exercito de Africa, Frederico Carvalhal da Silveira Telles Bittencourt; trasladação para os Jeronymos dos restos mortaes do Visconde de Correia Botelho. - O Sr. Presidente pede aos Srs. Deputados que se mantenham em silencio para na mesa se poder ouvir o que os oradores dizem - O Sr. D. Luiz de Castro participa a constituição da commissão de agricultura, o propõe que a ella sejam aggregados alguns Srs. Deputados, o que é approvado.-O Sr. Oliveira Mattos pede providencias para os estragos produzidos pelas cheias em Coimbra e nos campos do Mondego, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - Os Srs. Queiroz Ribeiro e Oliveira Mattos instam pela remessa dos documentos que requererão". - Os Srs. Sergio de Castro, Queiroz Ribeiro e Madureira Beça requerem varios esclarecimentos. - O Sr. Magalhães de Barros apresenta um parecer da commissão de guerra e o Sr. Mario Monteiro um projecto de lei.

Na ordem do - dia, a requerimento do Sr. Conde de Castro e Solla, entra em discussão o parecer sobre as emendas apresentadas no projecto de lei n.º 18, que é approvado, depois de algumas considerações do Sr. Antonio Cabral. Em seguida prosegue-se na discussão do capitulo 2.° do Orçamento, usando da palavra os Srs. Abel Andrade, relator, e Arthur Montenegro, que fica com a palavra reservada.-O Sr. Vaz Ferreira participa a constituição da commissão de petições, e propõe que a ella sejam aggregados alguns Srs. Deputados, o que é approvado. - Antes de encerrada a sessão, trocam explicações sobre palavras proferidas na discussão os Srs. Mello e Sousa, Abel Andrade e Presidente do Conselho.

Abertura da sessão-Ás 11 1/4 horas da manhã.

Presentes-57 Senhores Deputados.

São os seguintes:-Abel Pereira de Andrade, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, José Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José Nicolau raposo Botelho, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo e Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Entraram durante a sessão os Srs.:-Agostinho Lucio Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Viária de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues fogueira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Donde de Penha Garcia, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico dos Santos Martins, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Dias Ferreira, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José de Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Petra Vianna, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher' Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Paulo de, Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto Sequeira e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.:-Affonso Xavier Lopes Vieira, Alberto Botelho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Joaquim André de Freitas, João

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da dama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manual de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Justiça, communicado que as informações pedidas pelo Sr. Deputado João Augusto Pereira, acêrca dos magistrados judiciaes da comarca de Santa Cruz, da Ilha da Madeira, se acham juntas ao processo de syndicancia, que está pendente do Conselho Disciplinar da Magistratura Judicial, como foi informado no officio d'aquelle Ministerio, datado de 20 de fevereiro ultimo.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação no requerimento do Sr. Deputado João Maria de Oliveira Simões, copia do officio da Direcção Geral de Estatistica e dos Proprios Nacionaes, acompanhado da nota da madeira em bruto, exportada pelo porto de Lisboa, nos annos de 1897 a 1901.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Centena, enviando copia do officio da Direcção Geral da Thesouraria, e bem assim a nota relativa ao rendimento do imposto sobre as operações de bolan, fundou publicou e particulares o outros papeis de credito, conforme o decreto de 10 de outubro de 1901, com designação da respectiva despesa.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Todas as divisões comarcas se teem inspirado na conveniencia e necessidade de dar commodidade aos povos, poupando-os aos graves transtornos e dispendios, a que os longos percursos obrigam, e esse intuito por parte dos Governos mais se accentua na criação das comarcas, que só operou em 1890 e 1899.

D'este beneficio não partilharam, antes foram excluidos os povos que constituiam a antiga comarca do Ourique, depois da transferencia da sua sede para Almodar; e porque é principio de eterna justiça, que seres iguaes devora ser tratados igualmente, julgamos impreterivel dever propor a criação de uma comarca em Ourique, demonstrando a justiça d'esta proposta.

A actual comarca de Almodovar comprehende 18 freguesias, distando dois terços d'ellas mais de Almodovar do que de Ourique.

E se isto é já um mal, o grande, mais aggravado se mostra esse mal, se se considerar que Ourique construiu á conta de enormes sacrificios um edificio apropriado para nelle se installar o Tribunal, todas as repartições publicas e até moradia para o juiz, emquanto que em Almodovar tribunal e repartições estão possimamente accommodados.

Sem falar do outras, apontarei apenas as seguintes freguesias:

Conceição, que dista de Almodovar 32 Kilometros e de Ourique 13; Garvão, de Almodovar 30 e de Ourique 12; Panoias, do Almodovar, 32 e de Ourique 12; Sant'Anna da Serra, de Almodovar, 28 e de Ourique 18; Entradas, de Almodovar 28 e de Ourique 18; Santa Luzia, de Almodovar 35 e de Ourique l5; Casevel, de Almodovar, 30 e de Ourique 11; Messejana, de Almodovar, 40 e de Ourique 20; S. Martinho das Amoreiras que pertencia á comarca de Ourique, dista de Odemira, para onde passou, 26 e de Ourique 15.

Estes numeros o confronto são por si bem eloquentes e demonstram que a justiça reclama a necessidade da criação do uma comarca em Ourique.

Esta terra pela riqueza do seu solo, pela sua posição central, pelas relações commerciaes com as povoações vizinhas, foi sempre cabeça de comarca, já no antigo regime, já no periodo constitucional, havendo apenas uma interrupção do 1855 a 1874, devido a condições especiaes, que nos, não propomos apreciar agora.

E se estas razões não bastassem, uma outra se impõe aos poderes publicos o que só por si justifica o projecto de lei, que temos a honra do apresentar.

Desavenças e questões graves tornaram impossivel a convivencia dos habitantes de Ourique com os de Almodovar, reflectindo-se mais ou menos nas freguesias que compõem os dois concelhos. A vida em commum é impossivel e a imprensa deu ha pouco tempo noticia do conflictos tilo violentos que reclamaram a intervenção do poder judicial.

O mal tende a aggravar-se, sendo por isso impossivel qualquer conciliação. É pois uma questão de ordem publica e para estas é de melhor conselho, que o remedio se procuro prevenindo o não reprimindo.

A comarca de Almodovar póde e deve continuar a existir, mas é de absoluta necessidade e justiça, que se crie outra em Ourique. Por todas estão razões temos a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É criada uma nova comarca, com a sede em Ourique, que ficará constituida com as seguintes freguesias : Conceição, Garvão, Ourique, Panoias, Sant'Anna da Serra, Santa Luzia, todas do concelho do Ourique; Entradas e Casevel, do concelho do Castro Verde: Messejana, do concelho de Aljustrel e S. Martinho das Amoreiras, do concelho de Odemira.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. = Joaquim, F. Pôças Leitão = Joaquim Antonio de Sant'Anna = Antonio do Sousa Pinto de Magalhães = João de Sousa Tavares.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. -Gonçalo da Costa Mesquita e Mello requereu, em 17 de outubro de 1900, a sua aposentação como professor de ensino primario. Foi-lhe, porem, indeferido o pedido com o fundamento legal de não juntar um diploma do nomeação definitiva, não obstante contar já mais de 73 annos de idade e 40 de bom e effectivo serviço.

Não tem, effectivamente, esse funccionario o diploma que a lei exige, para lhe ser concedida a aposentação nos termos da lei reguladora das aposentações de funccionarios d'esta natureza, mas possue outros diplomas e documentos que bem fundamentam a justiça do seu podido o que são os seguintes:

Provisão regia de 7 de março do 1854, que o nomeia professor da escola do logar do Lixa; alvará de 3 de outubro do mesmo anno, pelo qual é approvado para exercer o magisterio primario. Este diploma é assignado e mandado passar pelo immortal Feliciano de Castilho; provisão de 6 de abril de 1857 que o reconduz na mesma cadeira; alvará de 2 de maio de 1862 prorogando as funcções do mesmo professor; alvará de 7 de outubro de 1881 que o nomeia professor primario no concelho de Felguei-

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rãs; alvará de 14 de outubro de 1886, nomeando-o para a cadeira de Friando e alvará de 23 de maio de 1892, reconduzindo-o naquella cadeira onde se conservou até fevereiro de 1897, saindo por ter sido provida por um professor effectivo.

Ora estes documentos, que estão patentes ao vosso reflectido exame e ponderação provam exuberantemente a justiça do seguinte projecto que tenho a honra do submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É o Governo auctorizado a conceder a Gonçalo da Costa Mesquita e Mello a sua aposentação nos termos da lei reguladora da aposentação dos professores de ensino primario.

§ unico. Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados em 10 de março de 1902.= O Deputado, Allipio Albano Camello.

Foi admittido e enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 26-B, de 1896, já renovada em 1897 sob o n.° 31-A, em que se pede para contar o tempo de serviço primario ao capellão de l.ª classe do exercito, Alexandre José de Carvalho, para a reforma. = Artur Brandão.

Foi admittida e enviada a commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É contada ao reverendo Alexandre José de Carvalho, capellão do regimento de infantaria n.° 6, para os effeitos da reforma, o tempo de serviço que tem como professor official de instrucção primaria na freguesia de Luso, concelho da Mealhada, desde 25 de agosto de 1869 a 30 de outubro de 1871.

§ unico. Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 136, do anno de 1899 a fim de que seja reformado em general de brigada o major reformado do exercito de Africa Occidental, Frederico Carvalhal da Silveira Telles Bettencourt. = O Deputado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio.

Foi admittida e enviada á commissão do ultramar.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida a Frederico Carvalhal da Silveira Telles Bettencourt, major reformado do exercito da Africa Occidental, a reforma no posto de general de brigada.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que tive a honra de mandar para a mesa d'esta Camara, em sessão de l de fevereiro de 1898, que tem por fim fazer trasladar para o Pantheon dos Jeronymos os, restos mortaes do eminente escriptor Camillo Castello Branco, Visconde do Correia Botelho, pagando-lhe assim a nação uma divida de honra ainda em aberto.

Sala das sessões, 10 de março de 1902.= O Deputado Antonio Cabral.

Foi admittida e enviada ás commissões de instrucção primaria e secundaria, superior, especial e de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Por virtude dos seus altos merecimentos, e serviços prestados ás letras patrias pelo eminente escritor Camillo Castello Branco, Visconde de Correia Botelho, serão os seus restos mortaes trasladados do Cemiterio da Lapa, no Porto, onde se acham, para o Templo dos Jeronymos, em Belem, como homenagem que a patria agradecida presta á memoria do grande romancista.

Art. 2.° E o Governo auctorizado a fazer com esta trasladação a necessaria despesa, dando depois conta ás Cortes do uso que fizer da presente auctorização.

O Sr. Presidente:-Peço aos Srs. Deputados a fineza especial de não conversarem e estarem com a attenção devida.

Não sendo, como de todos é sabido, as condições acusticas d'esta sala boas, difficilmente se ouve na mesa, por effeito do susurro produzido pela conversação, o que dizem os oradores, inhibindo por esta forma a presidencia de dirigir convenientemente os trabalhos da Camara.

O Sr. D. Luiz de Castro: - Por parte da commisão de agricultura, e na ausencia do Sr. Secretario, mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de agricultura, escolhendo para presidente o Sr. Conselheiro Marianno de Carvalho, e para secretario o Sr. Visconde de Reguengos. = 0 Deputado, D. Lufa de Castro.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a V. Exa. e á Camara que sejam aggregados á commissão de agricultura os Srs. Deputados José Maria de Oliveira Simões, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Joaquim Dias Gallas e Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro. = 0 Deputado, D. Luiz de Castro.

Foi approvada.

A participação foi para a acta.

O Sr. Presidente : -Devia nesta altura dar a palavra ao Sr. Deputado Vaz Ferreira para realizar o seu aviso previo; roas como não está presente o Sr. Ministro a quem o Sr. Deputado pretende dirigir as suas perguntas, reservo-lh'a para outra sessão e vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram, pela ordem da inscripção.

Tem a palavra o Sr. Oliveira Mattos.

O Sr. Oliveira Mattos: - Sinto não ver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas a quem mais especialmente tinha que dirigir-me, por correrem pela, sua pasta os assumptos a que vou referir-me, mas como está presente o chefe do Governo, espero que S. Exa. tomará na devida conta as minhas considerações, que bem o merecem.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que para tratar de um assumpto que reputei importante, e até urgente, desde quinta-feira envido esforços para usar da palavra, sem nunca a ter podido obter, mercê da nova forma por que este anno se tem interpretado o Regimento, não podendo os Deputados usar da palavra, antes da ordem do dia, para tratar dos negocios dos seus circulos, ou das localidades que se lhe dirigem.

Custou-me a accommodar com esta nova ordem de cousas, porque lá fora os nossos constituintes, como se diz que ha acordos politicos em tudo, contra o que eu protesto, podem suppor que tambem estamos de acordo para

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não tratar, no cumprimento do nosso dever, dos negocios dos circulos que representamos, ou que para poupar o Governo, guardamos silencio sobre as reclamações que nos são feitas. (Apoiados).

Eu comprehendo que o (Governo queira o silencio de todos os seus actos, porque não sendo elles nem legaes, nem regulares, pouco agradavel lhe será ouvir as recriminações da opposição; mas esta é que não pode nem deve fazer lhe a vontade, o por isso protesta contra este regime de mordaça o de silencio que nos querem impor como á imprensa, não nos dando antes da ordem do dia tempo preciso para tratarmos de negocios que, parecendo de somenos importancia, não o sito, porque todos os negocios que dizem respeito as país, devem merecer igual attenção ao Governo e á Camara.

Posto isto, tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da Camara Municipal da cidade de Coimbra, muito semelhante a uma outra que ha dias foi dirigida ao Governo o do que decerto o Sr. Presidente do Conselho já tem conhecimento, na qual a Camara pede providencias imediatas e urgentes, a fim de se repararam os grandes estragos produzidos pelas ultimas inundações do rio Mondego, na cidade de Coimbra.

Depois da cheia de fevereiro de 1900, que foi extraordinariamente grande, como de outra assim não ha memoria, e que demandou providencias excepcionaes, que só começaram a ser executadas, mas que não se concluiram, nada se fez para prevenir os prejuizos que agora se deram porque apenas então se repararam os estragos principaes, e as verbas para as obras a realizar foram desviadas do seu legitimo fim, e estas ficaram paradas.

O resultado d'esta indiferença e desleixo censuraveis, foi que, com a ultima cheia os estragos produzidos foram ainda maiores o mais perigosos, estando a cidade cinco ou seis dias completamente alagada.

A Camara Municipal de Coimbra relembrando este facto, vem, numa representação, muitissimo bem redigida, em termos que não pode deixar de ser attendida e publicada na Folha Official, solicitara o Governo que, immediatamente, por providencias extraordinarias, mande não só reparar os grandes estragos produzidos, quer a jusante quer a montante da ponte, mas que se completem os trabalhos ha muito iniciados, dos cães e avenidas, que foram agora em grande parte inutilizados, por estarem parados ha cinco ou seis meses.

A cheia d'este anno foi de tal ordem, que chegou a interromper o transito na estrada da Beira, ao porto dos Beatos, o mais bello passeio da cidade; e igual desastre só deu na linha ferroa entre a estação nova e a velha, pois foi ahi que se rompeu um dique inundando as insuas e predios da vizinhança até á cidade.
Devido ao constante assoriamento do rio, com grande elevação no leito, a mais pequena porção de agua que elle leve, faz com que as insuas marginaes se inundem e a cidade baixa porra eminente risco.

Já em 1900 quando foi da outra enorme enchente, uma vistoria que ali ao fez, reconheceu a necessidade de se altear naquelle ponto não só a linha ferrea mas os muros de supporte e defesa na margem do Mondego.

A Companhia do Caminho do Ferro, vendo que não podia obter que esse trabalho fosse mandado fazer pelo Governo, tratou ella mesma de altear a linha o assim defendeu, até certo ponto, a cidade pelo lado Amado e da Sophia.

Da falta do promptas e acertadas providencias, como se prometteram, de 1900 até hoje, resultou o grande prejuizo que se deu agora, chegando as aguas a attingir tal altura, que entrando no centro da cidade e no Templo de Santa Cruz, foram até ao altar mor, estando esta monumental igreja 3 ou 4 dias com alguns metros de altura de agua.

Imaginem V. Exa. quando isto succedeu no Templo de Santa Cruz, como estariam as Olarias, a Sotta, Ruas da Louça, da Solla, da Moeda, o Largo do Padrão, o os prejuizos que esta inundação causou, tendo as familias que ali habitavam de serem retiradas pelas janellas dos segundos e terceiros andares, para os barcos que se empregavam no soccorro e salvamento das victimas, na maior parte gente sem meios a quem a Camara e a Misericordia eram obrigada? a fornecer alimentos.

Pede tambem ao Governo esta Camara Municipal, na sua representação, que o Governo fará concluir as obras do projecto já approvado para o alteamento do cães, que esta orçado em 120:000$000 réis, e de que apenhas se gastaram 90:000$000 ou perto de 100:000$000 réis, empregando-se o resto da dotação, desde já, no alteamento e complemento do cães e no da Avenida Emygdio Navarro, que vae da antiga portagem até ao Porto dos Bentos, que está só em meio, pois para isso não precisa verba especial porque já está consignada de ha muito nos orçamentos.

As ponderações que a Camara Municipal faz, são de tal justiça e devem de tal forma calar no animo do S. Exa. que espero que o Sr. Presidente do Conselho recommendará ao Sr. Ministro das Obras Publicas, com todo o empenho, as providencias necessarias e urgentes, para que no proximo inverno não haja muitos mais estragos e victimas a lamentar e que se não repitam estes factos.

Começa agora a epoca mais apropriada de principiar os trabalhos, e se o Governo quiser mostrar um pouco de boa vontade, dando pressa para que se concluam as obras encetadas, prestará um grande serviço á cidade do Coimbra, e a todo o país aonde os membros das familias que ali teem seus filhos nos estudos estão constantemente sobresaltadas pelas más noticias que recebera.
Outro assumpto importante sobre que a camara municipal representou ao Governo, é o da canalização dos esgotos.

V. Exa. Sr. Presidente, não calcula o que succedeu, agora, com as inundações na parte da canalização que estava feita, por signal que pessimamente construida.

Como não tem bons escoantes, nem saída nos collectores, o resultado foi que a força da corrente das inundações faz refluir todas as immundicies d'esses canos pelas ruas da baixa, e os dejectos se espalharam nesta parte da cidade, com grande perigo para a saude publica.

V. Exa., Sr. Presidente, não pode calcular bem o que havia nisto de grave, de perigoso, para a hygiene da grande população agglomerada em Coimbra.

É preciso, é urgente, acabar por uma vez com taes perigos e com tão repugnantes expectaculos, improprios de uma cidade com foros de civilizada, aonde existe o nosso primeiro estabelecimento scientifico, e se abriga a flor da mocidade portuguesa.

Voltando á canalização. Foi projectado que as suas obras se dessem de empreitada.

O Governo transacto abriu concurso para as obras da canalização dos esgotos da cidade de Coimbra, segundo o projecto e plano que mandou elaborar e apresentou approvado; mas é certo que para esta cidade, succedeu e o mesmo que succedeu para a cidade de Lisboa; o concurso ficou deserto e as obras tiveram que começar por administração, mas muito vagarosamente. Estabeleceu-se então que no Orçamento se destinassem 10:000$000 réis annuaes, para se irem fazendo parcialmente alguns canos nos pontos onde fossem mais indispensaveis em relação ás condições hygienicas da cidade. E com esta pequena verba que todos os annos se vem applicando, começaram e tem continuado lentamente na cidade alta, a construcção dos primeiros canos em harmonia com a rede geral do piano que fora objecto do concurso.

No anno passado porem, succedeu o seguinte facto extraordinario: eu apresentei ao Parlamento, na discussão do Orçamento, uma emenda para que se distrinçasse da verba de 80:000$000 réis, destinados para obras hydrau-

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licas, os 10:000$000 réis para a continuação das obras dos canos já começados. Esta emenda foi acceite pela commissão na forma dos annos anteriores, e ficou assente que os 10:000$000 réis tivessem aquelle destino e applicação inconfundivel.

Sabe V. Exa. o que succedeu ? D'essa verba de réis 10:000)51000, gastaram-se apenas 4:000$000 réis pouco mais ou monos, depois pararam-se os trabalhos no meio do anuo economico, dizendo-se que não havia verba, que a verba, estará esgotada, que não havia mais dinheiro para a continuação dos trabalhos !

E não houve ! As eleições, e as obras eleitoraes, parece que tinham precisado até das migalhas destinadas ás malfadadas obras da canalização dos esgotos de Coimbra.

Não quero cansar a attenção da Camara e fazer d' este assumpto uma arma de accusação ao Governo, mas peço apenas ao Sr. Presidente do Conselho, que pondere o que ha de deshonesto e i maioral no desvio d'esta verba para fins diversos d'aquelle para que foi votada. Não me quero agora occupar d'esse assumpto, mesmo porque não tenho tempo, nem me tarei echo d'esses boatos que correram- acerca do caminho que levaram os dinheiros assim desviados, e porventura mal gastos, mas quero unicamente que se veja a razão que tem a cidade de Coimbra, quando se queixa do desvio d'esse dinheiro. A obra não se fez, e a cidade ficou prejudicada em alguns metros da sua canalização.

Peço, pois, a S. Exa. que em harmonia com o pedido que se faz nesta representação, torne a mandar pôr em praça a construcção da canalização da cidade do Coimbra, em condições mais favoraveis, de maneira que não fique deserto o concurso. S. Exa. sabe muito bom o que. são os concursos, e S. Exa. sabe também que quando se quer, elles são organizados propositadamente de maneira à ninguem poder concorrer. Este é um facto, sabido e muito antigo, dos maus costumes da nossa politica.

O Governo vê-se muitas vezes apertado com pedidos, com instancias, quer satisfazer as reclamações, manda fazer um concurso mas de maneira que não concorra ninguem. Satisfaz, fica livre dos importunos, mas passado algum tempo, a desculpa é que o concurso ficou deserto.

Peço a S. Exa. que attenda ás condições hygienicas da cidade de Coinbra, o que mande abrir um concuso em condições de elle não ficar deserto. É isto o que deseja e pede a Camara Municipal, nesta representação em que não ha intuito algum politico, pois se trata apenas do bem publico. O digníssimo Presidente da Camara de Coimbra é o Sr. Dr. Manuel Dias da Silva, um dos mais distinctos ornamentos da Universidade de Coimbra, onde é professor da faculculdade de direito, e tem feito uma administração de tal ordem, economica e moralizadora, que se tem imposto até á consideração aos seus mais ferrenhos adversarios.

Pondo completamente de parte a questão politica na administração do Municipio de Coimbra, pois que o Sr. Dias da Silva honra o partido progressista em que milita, tem feito uma administração exemplar, modelo, tão isenta de partidarismo, que tem merecido os elogios de todos, impondo-se ao respeito publico, sem distincção de côr politica. Isto mesmo deve constar dos documentos que estão no Ministerio do Reino, por onde se pode aquilatar o merito dos seus elogiaveis serviços ao Municipio. Este cavalheiro tem administrado com tal dignidade e zêlo, levados ao mais escrupuloso rigor, que até tem prejudicado politicamente os seus amigos e correligionarios, que nem por isso o estimam menos. O sen caracter ó dos intransigentes, dos que se impõem sem fraquejar, traçado uma vez o caminho direito que tem a seguir, nada o faz desviar. Folgo em neste momento e tanto a proposito aqui o reconhecer, como é de toda a justiça.

Tambem não quero deixar de me referir ao actual director das obras publicas de Coimbra, para que se não vá suppor que a cilpa da paralysação das obras a que me referi e de outras que estão paradas, é do Sr. engenheiro, Pinheiro Borges, que é muito distincto e cumpridor dos seus deveres, mas que nada pode fazer sem lhe darem dinheiro para isso.

Tem-se dito que, por parte da Direcção das Obras Publicas, já por mais de uma vez foi solicitada uma syndicancia á maneira condemnavel corno se fizeram os últimos trabalhos da canalização, que parece não foram feitos como deviam ser, e que o Sr. Pinheiro Borges, não quer assumir, e tem razão, a responsabilidade dos trabalhos feitos, com que nada tem. O Sr. Ministro das Obras Publicas, seguramente, conhece o que ha sobre este assumpto, mas eu o que peço a S. Exa. é que não sirva isto de pretexto e desculpa para que as obras não continuem com a urgencia precisa.

Quanto aos campos do Mondego, a que tambem se refere a Camara, igualmente sabe S. Exa. que os estragos ali produzidos pela cheia foram muito importantes, começando no formosissimo Choupal, que foi convertido em mais do que um lago, em differentes poços e vallados, sendo muitas arvores derrubadas e ficando intransitavel aquelle magnifico passeio. Ainda neste momento, segundo me informam, está coberto de agua, estando destruidas todas as pontes e offerecendo um lamentavel espectaculo de devastação e prejuizo incalculavel.

Para acudir aos grandes prejuizos no Choupal e campos do Mondego, é necessaria uma verba extraordinaria, e não pequena, que o Governo não pode deixar de gastar. Agora, com relação á cidade, ha verba no orçamento ordinario na dotação antiga, sem precisar de providencias extraordinarias para isso.

Entre a ponte da Sidreira e Pereira, nas duas margens do rio, abriram-se quatro ou cinco quebradas das maiores que se teem visto, da largura de 1 e 2 kilometros, por onde as aguas entraram e, foram alagar os campos. Ainda hoje, em carta da respeitavel Associação Commercial, que acompanha a Camara Municipal no seu pedido, se diz que os prejuizos causados são por ora incalcuaveis, pois apesar de irem passados já oito dias depois da cheia, os campos continuam litteralmente cobertos de agua.

Portanto, já S. Exa. vê que a Camara Municipal de Coimbra e a Associação Commercial, a pedido da qual me referi ha dias a este assumpto, em consequencia de um telegramma que me foi enviado, pedindo providencias, estão de acordo sobre os melhoramentos de que necessita a cidade, e de que é preciso acudir immediatamente aos campos do Mondego, com providencias de vedação e outras urgentes.

O Sr. Castro Freire, que está á testa dos serviços hydraulicos, como V. Exa. sabe, e muito melhor o Sr. Ministro das Obras Publicas, é um funccionario muito zeloso no cumprimento dos seus deveres, digno de todo o respeito, e os meus elogios não podem ser suspeitos, por isso que S. Exa. não é progressista, nem mesmo politico, tem andado neste momento percorrendo os campos cura o seu pessoal, prestando todos os serviços que de momento lhe são possiveis, pelo que é digno de todos os louvores.

O Sr. Presidente: - Tenho a prevenir o illustre Deputado de que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Este illustre funccionario, que tem percorrido esses pontos, declarou não ter ainda podido calcular bem todos os prejuizos que ali se deram, mas accrescenta não estar habilitado com meios para poder fazer face ás despesas indispensaveis a realizar. É forçoso habilitá-lo, e sem demora. Depois, será tarde. Pense o Governo bem no perigo da demora.

Os agricultores, em vista da forma em que os campos se encontrara, não podem preparar os seus terrenos para fazer as sementeiras, cujo tempo se approxima, se o Governo lhes não acudir immediatamente com qualquer providencia. Se lhes acudirem, os prejuizos serão maio-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

res, porque esses individuos virão requerer a isenção da contribuirão predial, a que teem todo o direito, e o Estudo ficará lesado nas receitas.

Portanto, os prejuizos augmentarão, se elles não forem attendidos a tempo, como se reclama.

Não quero tomar mais tempo á Camara, nem que quisesse d'elle podia dispor ; o Sr. Presidente já me avisou. Concluo, pedindo o capotando que a representação merecerá de S. Exa. o do Sr. Ministro das Obras Publicas, todo o cuidado.

Peço u V. Exa. Sr. Presidente, se digne consultar a Camara sobre se consente que a representação soja publicada no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

Vae no fim da sessão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho da Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro) : - A propria natureza do assumpto paru que o illustre Deputado, o Sr. Oliveira Mattos, veiu ehamar a attenção no do Governo, deve-o ter convencido de que não houve, nem podia haver, proposito de impedir que ti. Exa., nesta Cumara, fizesse as considerações que ha pouco apresentou.

Se ha assumpto que não seja politico, mas de interesso para todos e em que, por conseguinte, o Governo e a opposição forçosamente, teem do conjugar os seus esforços paru obtemperar ás reclamações de momento perfeitamente justificadas, é exactamente esse a que o illustre Deputado só referiu. (Apoiados).

Isto mostra que S. Exa. foi absolutamente injusto ainda na sessão de hontem, julgando haver o propósito por parte da Cumara ou do seu Presidente de impedir que S. Exa. chamasse a, attenção do Governo, no tocante aos estragos produzidos pela cheia do Mondego, e á necessidade do melhoramento da canalização da cidade de Coimbra. (Muitos apoiados).

Ou illustres Deputados queixam- se de que, pedindo a palavra para se occuparam de assumptos locaes, não a alcançam, sem se lembrarem do que S. Exa. são os proprios que preenchem todo o tempo disponivel antes da ordem do dia com ou seus avisos previos. (Muitos apoiados},

E como não é posivel, dentro da mesma Camara, na mesma sessão e á mesma hora, tratar-se de duas cousas ao mesmo tempo, - avisos previos e assumptos locaes - evidente é que, em cumprimento do Regimento, teem de ser eates ou prejudicados.

U illustre Deputado pediu-me que recommendasse eu ou Sr. Ministro das Obras Publicas dois assumptos que são realmente de interesse para Coimbra, os reparos que hão necessarios fazer para impedir as cheias, e a canalização dos esgotos da cidade.

E. Exa. sabe que este anno houve intensos frios, a que se seguiram dopois os degelos, e d'ahi cheias abundantissimas que se alastraram por differentes partes do pais, nomeadamente Coimbra, Leiria, o Santarem, cheias desusadas, até ao ponto de em algumas localidades attingirem alturas até hoje não vistas.

Não foi só em Coimbra que houve cheias; em Leiria rompeu-se uma comporta e d'ahi resultou alastrarem-se as aguas pelos campos, o que produziu enormes prejuizos. Em Coimbra houve cheias mais violentas do que nos ultimos annos, e por isso mesmo que as obras não estavam concluidas, é que as aguas se alastraram pela cidade, o que não o novo, pois mo lembro de já ter presenceado isso nos meus tempos de estudante.

O que ou posso assegurar a S. Exa. é que o Sr. Ministro das Obras Publicas deu promptas providencias para que ou provesse o de remedio, tanto quanto possivel, aos estragos e prejuzos soffridos. Para os campos de Santarem foram vaporou do Arsenal o da fiscaalização, prestaram-se soccorros e distribuiram-se subsistencias aos mais necessitados; para Leiria foram engenheiros competentes que tomaram providencias promptas, e para Coimbra deram-se ordens immediatas para que se remediasse de prompto o mal.

O que te podia fazer, fez-se, e para isso não é necessario desviar verba da sua natural applicação.

S. Exa. referiu-se também á canalização de Coimbra, mas isso não é de hoje, é de sempre. Não pode, por isso, a sua responsabilidade ser attribuida ao Governo, a não ser que queiram reproduzir o que se dizia noutro tempo,' em referencia ao Governo do Conde de Thomar: Se vão ao milho os pardaes, a culpa é dos Cabraes. (Riso. - Vozes: Muito bom. - Muitos apoiados).

A questão da canalização é antiga; tem-se adoptado varias providencias, mas sem resultado, e se ainda não está concluída, é exactamente pela razão que S. Exa. citou, ficar deserto o concurso que se abriu. (Muitos apoiados).

S. Exa. pede agora ao Governo que se abra novo concurso, mau em condições que possa dar outro resultado. Eu concordo com as considerações que S. Exa. fez, o quo quer dizer que não só vou recommendar ao Sr. Ministro das Obras Publicas o assumpto, mas quo já, em virtude de outra representação que mo foi presente, eu tive occasião do talar com o meu collega a esse respeito, o quo representa por parte do Governo o desejo de dar plena satisfação ao que lhe é reclamado. (Muitos apoiados).

(S. Exa. não reviu).

Sr. Presidente: - Deu a hora do se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis para mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a V. Exa. que me diga se já chegaram os documentos que eu pedi ha muito tempo.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Queiroz Ribeiros!: - Continuo a pedir a informação do V. Exa. para que me sejam enviados esses documentos.

O Sr. Oliveira Mattos: - Eu pedia a V. Exa. a fineza de me dizer, se já vieram os documentos que pedi pelo Ministerio da Fazenda do que careço para a discussão do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O Sr. Oliveira Mattos: - Peço a V. Exa. que inste novamente por elles.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Por parte da commissão do guerra mando paru a mesa um parecer sobre o projecto de lei n.° 9-C, que tem por fim equiparar aos segundos sargentos os artifices do exercito para os effeitos do vencimento, readmitia-lo o reforma.

Fui a imprimir.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja remettido á illustre commissão de fazenda o requerimento e documentos, que estão archivados, relativos á concessão de unia pensão a D. Maria Emilia Cabral, filha do marechal do campo reformado, Manuel Maria Cabral. - Sergio de Castro.

Mandou-se a pedir.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Tendo saido do nosso porto a barca Clara, com o carregamento de seiscentas pipas de vinho, dirigidas ao mercado de Cuba, pela direcção do Mercado Central de Productos Agricolas, requeiro pelo Ministerio das Obras Publicas :

1.° Nota circumstanciada de todas as despesas feitas com o carregamento d'aquelle vinho, incluindo qualquer pagamento a titulo de adeantamento do custo do vasilhame ou por conta de consignação;

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SESSÃO N.° 32 DE 11 DE MARÇO DE 1902 7

2.° Copia da carta de fretamento com o proprietario do navio ou seu representante, e na falta d'esta a copia ou copias dos conhecimentos, e, caso estes tenham a designação á ordem, declaração da pessoa ou pessoas a quem foram endossados;

3.° Copia do manifesto da Barca Clara, de que o mercado como expedidor, deve possuir um exemplar;

4.° Declaração de, a todo o carregamento do vinho, ter • sido ou não apposta marca official nas vasilhas;

5.° Copia dos certificados enviados ao''nosso cônsul com a indicação dp numero de registo das vasilhas que levaram marca official;

6.° Nota das analyscs realizadas no referido vinho pelos nossos provadores officíaos, relativamente a aspecto, cor, aroma, salor, qualidade e rama, declarando-se se o julgaram capaz de se conservai* cm uma viagem de percurso incerto;

7.° Qual o seu álcool em volume e em pezo, ácidos voláteis, acidez total, extracto seoco e exame microscópico;

S.° Qual o nome do agente de propaganda enviado como intermediário da venda, declarando-se se elle acompanhou o carregamento no próprio navio, ou segue viagem por outra via;

_ 9.° Copia do recibo da entrega do dinheiro a titulo de ajudas de custo, declarando se a somma que lhe foi fornecida em carta de credito é de 5:000 dollars ou de quanto;

10.° Quaes as qualidades, especificando-se os nomes de cada expedidor e o numero de typos de vinho, de que aquelles se comprometterem a dispor de prompto, me-dcante encomiuenda;

11.° Nota da collecção de mostruários que acompanham o agente, com os nomes dos expedidores e especificação de cada typo de amostra. = Queiroz Ribeirv.

Mandou-se expedir.

O Sr. Madureira Beoa:-Mando para a nussa o seguinte

Requerimento

Roqueiro que, pelo Ministério das Obras Publicas me «eja enviada com urgência nma nota de todos os fornecimentos e concessões de madeira ou de productos das matas uaoionues, feitos a titulo gratuito ou por preços inferiores áa tabeliãs de venda que tenham sido satisfeitos ou hajam do se satisfazer por contratos ou despachos minis-teriaes durante os últimos dez ânuos.

Sala das sessões da Camará dos Deputados, cm 11 de março de 1902. = O Deputado, José de Madvreira Beca.

Mandou-se expedir.

O Sr. Mário Monteiro:-Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim desannexar as freguesias de Gaftete e Monte da Pedra pertencentes à comarca de Portalegre e incorporá-las na comarca de Niza.

Igualmente envio para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que maudo para a mesa duas representações cm que a Junta de Parochia da freguesia de Gaftete o os proprietários da freguesia do Monte da Pedra, concelho do Oato, pedem para que ellas sejam annexadas á comarca de Niza, desannexaado-se da de Portalegre a que actualmente pertencem, o um projecto de lei no mesmo sonti-do. =s= Mário Monteiro.

O projecto Jícou para segunda leitura. A declaração vae para a acta.

OKDEM DO DU

O Sr. Conde de Castro e Solla:-Por parte da coiutnissffo de legislação criminal, mando para a mesa o seguinte

Requerimento
Roqueiro que entre já em discussão o parecer de emendas ao projecto u.° 13. =Conde de Castro e Solla. Foi approvado.
O Sr. Presidente:-Vae ler-se o parecer para entrar em discussão.
Pertence ao n.° 13
Senhores.-Â vossa commissílo de legislação criminal vem dar-vos o seu parecer sobre as propostas de emendas ao projecto n.° 13, apresentadas na sessão de l do corrente inês e auno pelo Deputado Sr. Dr. António Cabral.
1.* emenda proposta:
Que no artigo 1.° as palavras «no districto administrativo do Portou sejam substituídas pelas seguintes: «na cidade do Porto ou seus subúrbios».
Não concorda a vossa commissão com esta emenda, porque entende que a Casa de Correcção deve ser instaliada em edifício do Estado, que tenha todas as condições precisas a um bom systema correccioual e todos os requisitos que a saúde dos menores e a hygiene reclamam, e assim não deve limitar-se a faculdade do Ministro a mais do que *o artigo a restringe.
2." emenda proposta;
Que no § 1.° do referido artigo se substituam as palavras «existentes no mesmo districto D por estas: «existentes na referida cidade ou seus subúrbios», e que se sup-primain as palavras finaes do citado § 1.°: «e no caso de não o haver, fica o Governo auctorizado a construi-lo».
Não concorda u vossa uouuuissão com esta emenda, pelos motivos expostos na l.a, e por ser preciso prevenir o caso de não haver estabelecimento do Estado susceptível de se utilizar para este fira.
3.* emenda proposta:
Que no artigo 3.° se supprimam as palavras «ou se tiverem pães, tutores ou outras pessoas que os reclamem e que estejam era circumstancias de lhes dar a educação conveniente».
Não concorda também a vossa commissão com esta emenda, porque bastantes casos ha em que esses crimes se dão, independentemente da vontade dos pães ou tutores e sem se poderem attribuir a descuido ou negligencia, e desde que os reclamem, estando em circumstancias de lhes dar educação conveniente, devem ser postos em liberdade.
4* emenda proposta:
Que no artigo 16.° só expliquem as palavras: «se forem julgados corrigidos», e bem assim as seguintes: «se estes forem pessoas idóneas e capazes». Deve accrescen-tar-se a este artigo um paragrapho em que se prohiba que o recluso menor seja entregue aos pães ou tutores que estejam nas seguintes condiçSes:
1.° Que tenham sido condemnados como co-auctores ou cúmplices pelo crime cotnmettido pelo menor;
2.° Que tenham sido condemnados como auctores ou cúmplices de um crime de que, por acto voluntário ou negligencia sua, o menor tenha sido victúna;
3.° Quo tenham abandonado voluntariamente o menor;
4.° Que nunca exerceram sobre o menor a vigilância devida ou lhe ministraram a educação compatível com a sua posiyão e haveres;
5.° Que publica c notoriamente sejam tidos como uial comportados.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Finalmente, não concorda a vossa commissão com esta ultima emenda, porque estão suffieientemente claros os artigos 15.º e 10.º do projecto, e nos termos das leis.

Quanto ao paragrapho a accrescentar ao artigo 10.° ao poder judicial pertence decidir quando os menores não podem ser entregues aos paes e tutores, nos casos e nos termos que forem determinados no respectivo regulamento.

Tal é o parecer da vossa commissão.

sala das sessões da comissão, 5 do março de 1902.= J. M. Pereira de Lima --- Conde de Paçô Vieira = Manuel Fratct -= Sergio de Castro - Alberto Navarro =Alberto Charada - Reis Torgal = Conde de Castro e Solla, relator.

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: V. Exa. comprehendo que eu não vou fazer um discurso ; vou dizer apenas duas palavras para justificar as minhas emendas a este projecto e dizer as razões por que não concordei com o parecer da illustre commissão. Não me alonga-rei muito nesse assumpto, em primeiro logar porque já justifiquei as emendas que tive a honra de mandar para a mesa, e em segundo logar porque tenho a certeza que não lograria convencer a commissão com as minhas modesta reflexões.

A primeira emenda que tive a honra de mandar para a mesa, foi relativa ao artigo 1.° do projecto, e propunha eu: que as palavras no districto administrativo do Porto» fossem substituidas pelas seguintes: na cidade do Porto os seus suburbios». Disse eu a razão d'esta emenda, a qual ora evitar as delongas que num processo-crime haviam de dar- se, em vista de ser necessario trazer os menores dos confins do districto á cidade do Porto para perguntas e outras diligencias do processo.

A illustre commissão entendeu não dever acceitar esta emenda, e dá como razão que não se devia limitar a faculdade do Minislro mais do que o artigo a restringe. Ora esta faculdade não está restricta no projecto, porque este até dá ao Governo a faculdade de construir um edificio para a Casa de Correcção do Porto.

Se o Governo até pode fazer isto, então como é que a commissão affirma que a minha emenda lhe iria restringir a sua acção ? Pareçe -me que o Sr. Ministro da Justiça poderia ter muito mais facilidade em obter um edificio, propriamente no Porto ou seus arrabaldes, do que porventura num concelho longinquo dos confins do districto; e alem d'isso, como muito bem disse o illustre Deputado Sr. Francisco José de Medeiros, quando discutiu o projecto, as casas de correcção são mais proprias para existirem nas cidades e nos seus arrabaldes, emfim, nos grandes centros de população, como as colonias penaes agricolas são mais proprias para os concelhos ou povoações ruraes.

Por consequencia, parece-me que a minha emenda podia ser acceita, porque a faculdade do Ministro não ficava restricta e por que S. Exa. tinha mais facilidade em obter um edificio na cidade do Porto do que nos confins do districto.

A segunda emenda era para que no § 1.° do mesmo artigo se substituisem as palavras : «existentes no mesmo districto» por estas: «existente na cidade do Porto ou seus suburbios», e para que no supprimissem as palavras finaes : «e no caso de não haver, fica o Governo auctori-zado a construi-lo».

Já se vê que esta segunda emenda, na sua primeira parte, obedece a mesma ordem de considerações que acabei de fazer, com relação á emenda anterior.

A comissão não quis concordar com esta emenda, na sua segunda parte porque, diz ella, era preciso prevenir o caso de não haver estabelecimento do Estado susceptivel de se utilizar para este fim.

Eu propunha que se supprimisse aquellas palavras, porque tendo o Governo abusado, como abusou, das auctorizações parlamentares, ficar autorizado a construir um edificio, era dar-lhe ensejo para que elle novamente abusasse das auctorizações.

Ficar o Governo auctorizado a construir um edificio sem limitação de quantia, francamente, é não saber a Camara o que vota, porque é tão vaga esta auctorização, que me parece que ao menos a comissão devia ter fixado a quantia dentro da qual o Governo podia construir um edificio. Assim, a camara não sabe o que vota e o Sr. Ministro da Justiça fica auctorizado a mandar construir um edificio, gastando, para isso, o que muito bem lhe aprouver! Seja assim, mas não com o meu voto.

A outra emenda que tive a honra de mandar para a mesa, é a que diz que no artigo 3.° se supprimam as palavras ou se tiverem paes, tutores ou outras pessoas que os reclamem e que estejam em circumstancias de lhes dar uma condição conveniente».

A commissão entendeu que não devia concordar com esta emenda, porque bastantes casos ha em que esses crimes se dão independentemente da vontade dos paes ou tutores.

A illustre comissão confundiu os menores que forem internados na Casa da Correcção por virtude de crimes ou de vadiagem. Este artigo refere-se aos segundos.

Diz o artigo 3.°:

(Leu}.

Portanto, estes são os menores vadios e não os que tenham commetido crimes. Os menores internados por virtude de crimes são aquelles a que se refere o artigo 16.

A commissão, repito, confundiu os menores que estiverem internados por virtude de vadiagem, com os que estiverem internados por crimes que tenham commetido.

A vadiagem é, em regra geral, praticada pelos menores por culpa ou negligencia dos paes, dos tutores ou das pessoas encarregadas de velar por elles.

Nestas condições, isto é, que sendo por culpa ou negligencia dos paes ou tutores, entendo que neste artigo se deviam supprimir as referidas palavras, porque os paes ou tutores tinham dado provas evidentes de que não estavam em condições de vigiar pela boa educação e pelo regular comportamento dos menores, consentindo que se entregassem á vadiagem.

A illustre commissão entendeu não dever acceitar a minha emenda: a responsabilidade d'este erro será sua.

A outra emenda é a que diz respeito ao artigo 15.°, para que se esclareçam as palavras «se forem julgados corrigidos».

A commissão diz que estão bem claras estas palavras.

Não sei quando é que os menores possam ser julgados corrigidos.

Isso fica ao arbitrio do Conselho Disciplinar?

Mas qual é o criterio que lhe deve seguir de guia?

Tambem não acceitou a illustre commissão a outra emenda que eu propunha, para que fosse accrescentado a este artigo um paragrapho, em que se explicassem as condições em que aos paes ou tutores, nas circumstancias que eu indicava, não fossem entregues os menores.

A illustre commissão não acceitou esta emenda, e diz que é ao poder judicial que compete dizer quando é que os menores não podem ser entregues aos paes e tutores.

Não sei porque a commissão não acceitou a minha emenda, que me parecia tão fundamentada, porque effectivamente ha paes e tutores a quem não podem nem devem ser entregues os menores.

Não devem, por exemplo, os menores ser entregues aos paes ou tutores, quando estes forem co-auctores dos crimes commettidos por esses menores.

Não sei, repito, por que a illustre comimssão não acceitou este paragrapho.

Diz a illustre commissão que é ao poder judicial que pertence julgar em taes condições.

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Não me parece talvez conveniente que sejam commettidas taes funcções ao poder judicial; parece-me que devia ser antes ao Conselho Disciplinar, como se diz no artigo antecedente.

Ha ainda outro ponto, neste artigo, em que a comissão entendeu não dever corrigir a redacção, e continua a ficar no projecto aquelle erro palmar, que já, notei, de serem entregues aos paes os internados maiores de vinte e um annos e os emancipados!

Continua a subsistir este erro juridico no artigo 16.°, de modo que se colloca esta lei de encontro ás regras estabelecidas no Codigo Civil, com respeito á maioridade; e eu lamento profundamente este facto.

Por aqui termino as minhas considerações, que foram feitas unica e simplesmente no intuito de justificar novamente as minhas emendas, ou antes, de explicar a razão por que não dou o meu voto ao projecto, sem as emendas que mandei para a mesa.

Tenho dito.

.Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente: - Não ha mais nenhum Sr. Deputado inscripto, e por isso vae votar-se.

, Lido na mesa, foi em seguida approvado.

O Sr. Presidenta: - Continua em discussão o capitulo 2.° do Orçamento.

Tem a palavra o Sr. Abel de Andrade.

O Sr. Abel Andrade (relator): - Propõe-se responder, na qualidade de relator, ás considerações apresentadas, sobre o orçamento, por alguns dos illustres Deputados da opposição, e muito especialmente ás dos Srs. Moreira Junior e Mello e Sousa; mas no intuito de se manter, completamente, dentro do assumpto, nada dirá em resposta ás affirrmações mais ou menos connexas, feitas por S. Exa., sobre a situação da Fazenda Publica e administração do país.

A these sustentada pelo Sr. Mello e Sousa é de que as receitas aumentaram no periodo de 1890-1891 a 1901-1902, sendo isso devido quasi exclusivamente ao aggravamento dos impostos de toda a ordem e não em resultado do agmento da riqueza publica e do desenvolvimento do trabalho nacional.

Collocado no campo opposto, a these que elle, orador, sustenta, é exactamente a contraria a esta, e assim vae demonstrar que o augmentodas£receitas prova o desenvolvimento da nossa riqueza e do nosso trabalho.

Estabelecida esta premissa, as verbas referentes ao calculo das receitas comprehendem-se e explicam-se por si mesmas.

Como disse o anno passado, e é já hoje um ponto axiomatico, o desenvolvimento do trabalho nacional é o corollario da crise do ouro e da alta Cambial. E se do campo theorico passar para o terreno pratico as estatisticas e os factos demonstram este axioma.

No periodo a que alludiu o Sr. Mello e Sousa notam-se tres phases completamente distinctas, comprehendendo a primeira, os annos de 1890-1891 a 1892-1893; a segunda, os que vão de 1893-1894 a 1897-J898 e a terceira, finalmente, desde 1898-1899 até hoje.

O augmento da receita que na primeira phase foi de 3:260 contos, foi na segunda de 3:096 e attinge na ultima a totalidade de 14:000 contos.

Basta a indicação d'estes algarismos para se ver que se o augmento proviesse do aggravamento dos impostos teriam sido energicos os protestos do contribuinte, porque seria intolerável uma tal proporção. Logo, o augmento das receitas proveem, especialmente, do desenvolvimento do trabalho nacional e do crescimento da riqueza publica e, apenas numa proporção insignificante,'do aggravamento do imposto.

É até uma injuria ao trabalho do país querer explicar o augmento da receita pela aggravaçao tributaria. ;
Um facto a que não pode deixar de alludir vem ainda confirmar esta these. É que na maior parte dos Orçamentos, no mesmo periodo de dez annos, o calculo das receitas previstas é excedido nas receitas arrecadadas.

Este argumento é perfeitamente irrespondivel e firma-se em algarismos.

Na opinião d'elle, orador, deve acabar-se com o systema indigena de, a proposito de tudo, elogiar as nações estrangeiras e dizer mal dos Ministros da Fazenda portugueses, e, em geral, das Direcções geral d'esse Ministerio.

É mesmo falso este principio, porque Portugal pode hoje ufanar-se de ver excedidas, na arrecadação, as suas receitas previstas, emquanto que na Inglaterra e na França succede exactamente o contrario.

Em França até succedeu ultimamente que o Ministro da Fazenda se viu obrigado a dirigir uma circular aos seus collegas, pedindo-lhes que diminuissem os encargos dos seus orçamentos, por isso que muitas das verbas de receita prevista começaram a não ser attingidas na arrecadação.

Entre nós, como disse, succede exactamente o contrario, e esse facto, que é uma gloria para o Ministro da Fazenda, é no mesmo tempo um orgulho para o povo que trabalha, porque esse excesso na arrecadação não é um facto isolado; numa ou em outra verba accentua-se em diversas e nomeadamente na contribuição industrial, renda de casas, predial, etc.

Elle, orador, ha de referir-se mais tarde a outros symptomas reveladores do augmento da riqueza publica, quando tiver de responder, precisamente, ás arguições feitas ao orçamento, pela opposição; não quer, porem, deixar de apreciar, desde já, um ponto que é importante.

Quer referir se ao desenvolvimento que tem tido a verba de direitos de importação, especialmente de fios e tecidos, materias primas, machinas e mercadorias de capitalização.

Outras receitas, como por exemplo a de exportação, receitas dos caminhos de ferro, encommendas postaes, rendimento dos correios e telegraphos, vales nacionaes emittidos e muitas outras, emfim, revelam, tambem, um progredimento successivo e attestam o desenvolvimento extraordinario da riqueza publica e do trabalho nacional.

É esta, evidentemente, a conclusão a que se chega: augmento das receitas vem, directamente, do desenvolvimento do trabalho nacional.

E se isto não quer dizer que a questão economica esteja resolvida, mostra, todavia, que o modo como o Governo tem procedido leva, facilmente, á solução do problema.

A prova d'esta animação está, até nas proprias palavras da opposição, quando censura o Sr. Ministro da Fazenda por trazer ao Parlamento propostas de lei, diminuindo a receita! E é por isto que accusam o Ministro que dizem ser mau?

Terminada esta parte das suas considerações, responde agora aos Srs. Moreira Junior e Mello e Sousa, quando S. Exas., referindo-se ao calculo das receitas ordinarias, procuraram demonstrar que ellas tinham sido consideravelmente exageradas.

O Sr. Moreira Junior até disse que havia sido desrespeitado o artigo 23.° do regulamento da contabilidade publica, no calculo d'essas receitas.

Antes de mais nada precisa estabelecer doutrina.

Quem organiza o Orçamento é impreterivelmente obrigado a cumprir o artigo 23.° do regulamento de contabilidade? Se é, deve dizer que em algumas receitas elle não foi seguido, pela grande dificuldade que existe em calcular as receitas do Estado.

Na organização do Orçamento tiveram-se principalmente em vista os preceitos aconselhados por um economista distincto - fidelidade e sagacidade.

Seguiram-se tambem os dois systemas do automatismo e de addições, e não podem elles ser suspeitos á opposi-

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ÇAO, porque foram enthusiasticamente elogiados e defendidos pelo Sr. Montenegro, quando fez parte da maioria parlamentar, conforme consta de um trecho de um discurso, proferido então por S. Exa.

Não se traia, portanto, da doutrina sua; mas doutrina que deve merecer todo o credito ao Sr. Moreira Junior.

Posto isto vae entrar na analyse, verba ad verba, do orçamento de receita. O que encontra nelle é que os calculos da previsão são sempre excedidos pela receita arrecadada. Assim, a contribuição industrial apresenta um excesso de 107 contos; a de renda de casas um augmento na arrecadação de 44 contos, e a contribuição sumptuaria um excesso de 33 contos.

Inutil lhe parece insistir neste ponto, porque a demonstração de que as receitas estão bem calculadas, está já feita.

Não quer, porem deixar de referir-se aos direitos de mercê, para dizer que a commissão augmentou essa verba, porque tinha documentos que lhe provavam que essa receita devia ser inferior e que estava calculada.

A mesma doutrina subsiste ainda em relação a outras verbas, como a de emolumentos por mercês honorificas, imposto de sêllo, e imposto de consumo sobre vinhos communs, etc.

Nesta altura referiu-se o Sr. Moreira Junior á verba relativa á importação do trigo e estranhou a forma como ella foi calculada.

A doutrina seguida neste ponto foi a que adoptou o Sr. Espregueira; nem podia ser outra; e é mesmo de admirar que o Sr. Moreira Junior, paladino tão ferveroso do regulamento do contabilidade publica, viesse com a argumentação que a Camara ouviu.

Referiram ao tambem S. Exas. á crise vinicola, estranhando que a verba de imposto de consumo fosse augmentada; mas S. Exas. esqueceram que essa crise não é organica, é eventual, e não se comprehende mesmo quando com ella coincide a grande acceitação dos nossos vinhos.

Portanto, a commisão fez bem, mantendo a proporção estabelecida na proposta do Sr. Ministro da Fazenda.

Ainda de outras verbas trataram S. Exas., e o Sr. Mello e Sousa referiu-se especialmente á proveniencia dos bens dos conventos supprimidos.

Convem em que a verba, como estava nos annos anteriores, não devia continuar no Orçamento, porque tem uma applicação especial; mas quem ler a observação 125, vê que está nella a defesa d'essa verba.

Comquanto o tempo lhe não permitia apreciar detalhadamente outras verbas, já demonstrado fica que as receitas foram bem calculadas.

Referir-se-ha agora ao calculo das despesas.

Comela pelo Ministerio da Fazenda e logo nosso Ministerio encontra uma reducção de 5l contos.

O Sr. Presidente : - Adverte o orador de que deu a hora, tendo S. Exa. mais quinze minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Resumirá as suas considerações. Referiu-se o Sr. Mello e Sousa á reforma da Guarda Fiscal, dizendo que, com ella, deu-se um extraordinario augmento de despesa. No parecer, porem, da commissão, vem, claramente exposto, aquillo que realmente se deu, qual o augmento que houve com essa reforma.

Relativamente ao Mercado Central de Productos Agricolas, a resposta ao que, sobre esse ponto, disse o Sr. Mello e Sonsa, está em que o Sr. Ministro da Fazenda não calculou, especialmente, a verba do pessoal, porque ella é paga unicamente com o rendimento do mesmo Mercado.

Relativamente aos calculos, por S. Exa. apresentados,no intuito de demonstrar que o deficit é de 7:000 ou 8:000' contos, tambem nelles ha erro; e provém isto de que S. Exa.não se recordou de que a divida fluctuante tem sempre de acompanhar o deficit.

Julgou tambem o illustre Deputado que existem quatro deficits no Ministerio da Fazenda; mas não é assim: S. Exa. confundiu deficits de exercicio, com deficits de gerencia.

Alludiu depois aos supprimentos, citando, em primeiro logar, um contrato feito com a casa Baring; mas não se lembrou S. Exa. de que esse contrato não é de hoje; o Governo actual encontrou-o e fez, portanto, o supprimento, nos termos em que outros teem sido feitos. Se, portanto, o contrato é bom, ou mau, não pertence ao Governo a responsabilidade.

Durante todo o seu discurso, comparou o Sr. Mello e Sousa a situação financeira economica de hoje com a anterior á crise de 1901. A este respeito, apenas elle, orador, deve dizer: 1.°, que não lhe compete defender as gerencias todas desde 1901 até hoje; 2.°, que d'essa situacão, teem responsabilidades todas as gerencias.

Portanto, o que houver de verdade, ou de inexacto, em relação a ella, é resultante de todas as gerencias; mas, comparando a situação de hoje com a de 1901, não pode elle, orador, deixar de affirmar que ella é superior á d'aquelle tempo.

Sobre o projectado convenio teve o Sr. Mello e Sousa arrobos de indignação e affirmou que elle não deve ser votado, porque envolve um emprestimo. Ora, é para admirar que S. Exa. não conhecendo o projectado contrato de convenio, venha lançar em publico uma idea que pode prejudicar o resultado d'ella, e alimentar um movimento, que ainda assim não se dará, porque está no poder o Sr. Hintze Ribeiro.

Não é verdade o que S. Exa. disse. O convenio não envolve um emprestimo; e S. Exa. fazendo essa affirmação veiu lançar no publico uma idea, que não corresponde á realidade dos factos.

Alem d'isso, nem é preciso conhecer as bases do convenio ; basta saber-se que nas cadeiras do poder está representada uma situação regeneradora, a que preside o Sr. Hintze Ribeiro que, pelo seu patriotismo, pela sua dignidade de homem honrado, não podia fazer um convenio com o unico fim de levantar um emprestimo.

Disse, por ultimo, o Sr. Mello e Sousa, que foi o Governo quem faltou e que S. Exa. está no seu logar.

Ora, é bom que a Camara e o país saibam quem está no seu logar, se o Sr. Hintze Ribeiro e o gabinete que está sendo atacado dia a dia pela opposição parlamentar e d'ella se defendem, ou S. Exa. que tendo combatido ao lado dos actuaes Ministros o partido progressista, hoje, durante o seu discurso foi sempre calorosamente apoiado pelos Deputados d'esse partido.

O Sr. Mello e Sousa: - Nunca foi regenerador.

Appella para o testemunho do Sr. Hintze Ribeiro.

O Orador: - É elle quem está no uso da palavra. Quem mudou de situação ? Foi o Sr. Hintze Ribeiro ou o Sr. Mello e Sousa? Quem está, evidentemente, no seu papel, é o Sr. Presidente do Conselho, é o actual Gabinete, saido do partido regenerador, accusado pela opposição parlamentar, mas apoiado dedicadamente pela maioria d'esse partido.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygrapicas).

O Sr. Sergio de Castro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 10, hospital colonial, e mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a Camara se consente que a commissão de redacção reuna durante a sessão. = Sergio de Castro.

Foi lido e approvado.

O Sr. Arthur Montenegro: - Começa por ler a seguinte moção:
«A Camara, considerando que o orçamento em dispus-

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SESSÃO N.º 32 DE 11 DE MARÇO DE 1902 11

são, a despeito de numerosos erros e deficiencias, confessa um augmento de despesa na importancia de 2.005:376$439 réis (tabellao de despesa, e projecto de lei que as precede, artigo 19.°, alineas e), n.° 3.°, segunda parte, d) e e), censura o Governo pelo seu desregramento na administração da Fazenda Publica. - Arthur Montenegro».

Continuando, e antes de mais, cumpre-lhe notar que a verba de 2:005 contos, confessada neste Orçamento, como augmento de despesa, está muito abaixo da verdade. Está, portanto, a Camara discutindo um Orçamento falso, em que ninguem pode ter confiança.

Que idéa se pode fazer de um devedor, que se apresenta em estado de insolvencia, e pede uma concordata, mas que, ao mesmo tempo, apresenta um Orçamento com um fabuloso augmento de despesa, só para servir amigos?

Portanto, neste Orçamento só falta uma cousa: é a verdade.

Já o Governo declarou que o augmento de despesa é resultante dos projectos que tenciona apresentar. Mas quaes são elles? Qual é, por exemplo, o projecto, que ha de ser apresentado, sobre contribuição predial?

Na contribuição de renda de casas ha, tambem, diz-se, um augmento de receita de 1:800 contos.

Mas levou-se em conta a diminuição, proveniente do decreto de 1901, que isentou d'essa contribuição os chefes fiscaes, os sub-cbefes c os fiscaes, em numero, ao todo, de 800? Alem d'isso, ha tambem os militares arregimentados, que igualmente são isentos d'essa contribuição, o que, necessariamente, ha de trazer tambem uma diminuição.

Alem d'isso, os calculos feitos sobre as decimas de juros, emolumentos de cartas de saude, imposto de rendimento, imposto de minas, juros de mora de dividas á Fazenda, imposto de pescado, de fiscalização de consumo e outros, não são, neste Orçamento, feitos com exactidão.

Não se pode por isso, assegurar que o augmento de despesa não seja muito maior.

Passa, em seguida, o orador, á analyse circumstanciada de varios artigos do Orçamento, fazendo notar que ha augmento de despesa nalguns d'elles, como succede em relação á Inspecção Geral do Thesouro; á Inspecção Geral dos impostos, que tem um accrescimo de despesas de cêrca de 13 contos; á Administração Geral das Alfandegas, e, por ultimo, á Guarda fiscal, que, custando anteriormente 1:003 contos de réis, hoje pode calcular se a respectiva despesa em 1:236 contos.

O Sr. Presidente: - Não desejava cortar a palavra a S. Exa., mas está proxima a hora de encerrar-se a sessão, e ainda tem de dar a palavra ao Sr. Presidente do Conselho, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Agradece a advertencia, e pede, nesse caso, para ficar com a palavra reservada.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Sousa Tavares: - Mando para a mesa, por parte da respectiva commissão, a ultima redacção aos projectos : n.° 10, criação de um hospital colonial, e n.° 13, Casa de Correcção do Porto. A commissão não fez alteração alguma no projecto.

O Sr. Presidente: - Os dois projectos vão ser enviados á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Vaz Ferreira: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de petições, escolhendo para presidente o Sr. Conselheiro Neves Carneiro e honrando-me com o cargo de secretario.=Vaz Ferreira.

Para a acta.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de petições os Srs. Deputados, Conselheiro Custodio Miguel de Borja e Luiz Gonzaga dos Reis Torgal. = Vaz Ferreira.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

Os Srs. Deputados que permittem que S. Exa. use da palavra, teem a bondade de se levantar.

Foi concedida a auctorizacão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: quando o illustre Deputado o Sr. Abel Andrade, rematava, na sessão de hoje, o seu discurso, interrompeu-o- o illustre Deputado o Sr. Mello e Sonsa, dizendo que nunca fora regenerador, e appellando para mim, para eu o confirmar.

Sr. Presidente: ninguem invocou, o meu testemunho que o não encontrasse.

Efectivamente, o Sr. Mello e Sousa declarou-me sempre, quando eu tinha a honra de ter com S. Exa. relações politicas, que não pertencia ao partido regenerador, que não era regenerador e que, por isso, se abstinha de comparecer nas reuniões politicas do partido regenerador.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mello e Sousa: - Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho a sua declaração, confirmando a asserção que eu tinha feito e que destroe, por completo, o effeito da phrase final do discurso do Sr. Abel Andrade, a unica de que S. Exa. podia tirar effeito, porque de tudo mais nenhum effeito tirou.

Essa phrase, portanto, ficou absolutamente anulada.

Mas ainda quando ou houvesse sido regenerador, e estivesse hoje onde estou, sustentei e demonstrei, em consciencia, e sirva isto para aquelles que eram regeneradores e que não acompanham hoje o Sr. Hintze Ribeiro, demonstrei, repito, em minha consciencia e tambem com factos, a razão por que não acompanhara o Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. Abel Andrade é que não o demonstrou, ouvindo a sua consciencia.

Apalpou talvez a algibeira, mas não a consciencia.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Abel Andrade: - Mente, mente.

Sussurro.

O Sr. Mello e Sousa, com vehemencia, replica em termos que não foram distinctamente percebidos na mesa da tachygraphia.

Augmenta o sussurro.

O Sr. Presidente: - Antes de mais nada eu peço ao illustre Deputado o Sr. Mello e Sousa a fineza de explicar a sua phrase - apalpou na algibeira - que provocou, da parte do Sr. Abel Andrade, a phrase que pronunciou, e que, estou certo, não a disse no intuito de aggravar o illustre Deputado, e somente como resposta aquella que V. Exa. lhe dirigiu e que destoa, por completo, dos seus habitos e do seu procedimento, sempre correcto.

Peço, pois, a V. Exa. que a explique ou retire, para depois pedir igual favor ao Sr. Abel Andrade.

S. Exa. não reviu).

Sr. Mello e Sousa: - V. Exa. equivocou-se, dirigindo-se a mim. Foi o Sr. Abel Andrade quem disse, em plena Camara, que eu mentia. V. Exa., por consequencia, procede de uma forma menos regular, dirigindo-se a mim, para que eu retire uma phrase que foi a consequencia daquella que ouvi.

(S. Exa. não reviu).

Sr. Presidente: - Se me dirijo primeiro ao illus-

ff

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ire Deputado, é porque V. Exa. precedeu na aggressão o Sr. Abel Andrade, soltando a phrase - apalpou na algibeira- - que, como já disse, está fora dos habitos do illustre Deputado e é até impropria d'esta casa .

Insisto, pois, em pedir-lhe que a explique ou retire, depois farei igual pedido ao Sr. Abel Andrade em relação á phrase que proferiu em seguida á de V. Exa.

O Sr. Mello e Sousa: - Perdoe-me V. Exa., mas eu não tenho nada que retirar, pela simples razão de que proferi a phrase em desforro de uma outra do Sr. Abel Andrade que o proprio Sr. Presidente da Conselho disse ser inexacta.

Aquelle Sr. Deputado procurou tirar efleito, de uma asserção que era absolutamente inexacta, e eu estava, por consequencia no meu direito de empregar a phrase que empreguei que não é offensiva da Camara.

Repito, foi o Sr. Abel Andrade quem primeiro empregou uma phrase offensiva para mira e eu, como homem que sou, não podia deixar de repelli Ia.

Entendo, portanto, que não devo retirar absolutamente nada do que disse.

O Sr. Presidente : - Peço a attenção da camara. A phrase que eu peço a V. Exa., com instancia, para retirar primeiro, não é aquella com que repelliu a do Sr. Abel Andrade, essa está explicada; eu refiro me á primeira que V. Exa. empregou - apalpar na algibeira - que destoa da sua habitual correcção, é impropria do Parlamento e deu origem ao incidente.

Depois dirigirei igual pedido ao Sr. Abel Andrade.

O Sr. Mello e Sousa: - JÁ expliquei a V. Exa. a razão por que disse: - apalpou na algibeira - . Mantenho inteiramente essa phrase, porque, se a proferi, foi para repellir uma asserção do Sr. Abel Andrade, a unica com que tinha conseguido tirar effeito do seu discurso.

Estava no meu direito, mais uma vez e digo, de empregar uma phrase mais dura para castigar uma asserção inteiramenta falsa.

Nada tenho, portanto, a retirar.

(S. Exa. não reviu),

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Abel Andrade a explicar a sua phrase.

O Sr. Abel Andrade: - Collocada assim a questão por V. Exa., eu devo dizer que quando me dirigi ao Sr. Mello e Sousa, considerando-o como regenerador, baseei-me num facto que eu e todos presenceamos, qual foi o de S. Exa. ter sempre acompanhado o partido regenerador nas discussões e votações da Camara.

Isto e nada mais. E creio que alludindo a este facto, não houve da minha parte uma qualquer phrase offensiva.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente : - Depois da explicação que acaba de dar o Sr. Abel Andrade, convido o Sr. Mello e Sousa a explicar ou retirar a sua phrase.

O Sr. Mello e Sousa: - Não tenho nada que explicar. O Sr. Abel Andrade disse que não me queria fazer uma offensa. Então, portanto tudo explicado. Tudo o mais não existe, desde que S. Exa. declarou que não soube o que disse.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Não me parece que V. Exa. deva insistir nesse ponto. Não pode ser offensiva para ninguem a qualificação de regenarador ou progressista.

E dada a explicação do Sr. Abel Andrade, V. Exa. não deve ter duvida nenhuma em dar-se por satisfeito, retirando a sua phrase a que me tenho referido.

O Sr. Mello e Sousa: - Peco licença para observar que V. Exa., intervindo para explicar se é bom ou mau ser regenerador ou progressista, vem alterar a questão na sua essencia e tornar-se julgador nesta causa.

V. Exa. viu que o Sr. Abel Andrade confessou que não sabia o que disse; que a sua asserção não era verdadeira, e isto mesmo tinha sido animado pelo Sr. Hintze Ribeiro; portanto, tudo o mais não existe.

fS. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. se dá por satisffeito em relação a uma e outra phrase, eu dou o incidente por terminado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro):-Eu é que não me dou por satisfeito, porque não posso ficar sob a impressão de que eu contribuisse, por qualquer forma, para este incidente.

Quando falou o Sr. Abel Andrade, S. Exa. fez as considerações de caracter financeiro e politico que entendeu dever fazer, e que estava no seu direito fazer.

Nessa occasião o Sr. Abel Andrade estranhou, e eu não entro na apreciação d'essa estranheza, porque não devo nem quero agora entrar nella, estranhou o procedimento politico do Sr. Mello e Sousa, cousa que, por assim dizer, diariamente, fazem os membros do Parlamento, uns aos outros.

Não houve uma palavra do Sr. Abel Andrade que pudesse ferir pessoalmente o Sr. Mello e Sousa.

Interrompeu-o, então, este illustre Deputado, para lhe dizer que nunca fora regenerador e appellou para mim. Desde que S. Exa. assim fez, o meu dever de cortesia e deferencia a que nunca costumo faltar seja para quem for, obrigava-me a responder, e por isso pedi a palavra.

É claro que tinha de dar o meu testemunho com a verdade e com a inteireza que é propria do meu caracter, e por isso disse que o Sr. Mello e Sousa declarou sempre que não era regenerador, embora acompanhasse esse partido.

É este o facto de apreciação politica; d'ahi, porem, ao incidente que se levantou no final d'esta sessão, e que eu deploro, vae um abysmo para o qual eu não contribui e de que na quero a responsabilidade, deixando-a a quem caiba.

Do que assumo a responsabilidade, como parlamentar e como homem, é do que disse em resposta ao Sr. Mello e Sousa; do mais que se passou sobre as palavras que foram aqui proferidas, declino-a, por completo, por que nunca podia estar na minha intenção desauctorizar um amigo politico meu, ou contribuir de qualquer forma para que elle pudesse ser molestado nos seus creditos de homem publico.

Se fosse necessario pôr-me ao lado de S. Exa., ter-me-hia a seu lado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mello e Sousa: - Digo a V. Exa., Sr. Presidente, com o sangue frio com que estou falando, que não percebo a razão por que o Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra e porque declarou que está ao lado do Sr. Abel de Andrade, disposto a acompanhá-lo e ao mesmo tempo que não quer a responsabilidade do incidente! Mas quem lh'a pediu ?

Quem disse que S. Exa. tinha a minima parcella d'essa responsabilidade ?

Será porque S. Exa. pense que o Sr. Abel Andrade está fraco? Evidentemente não. O Sr. Abel Andrade continua a ser o mesmo.

V. Exa., Sr. Presidente, já tinha liquidado a questão e o Sr. Presidente do Conselho entendeu fazer um pequeno discurso muito acalorado e forte para repetir o que já tinha dito; isto é, que eu tinha dito a verdade e que o Sr. Abel Andrade não sabia o que tinha dito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Tomo a responsabilidade das minhas palavras.

O Orador: - Francamente, tomar a responsabilidade já é uma mania, chega a ser uma doença em S. Exa.

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SESSÃO N.° 32 DE 11 DE MARÇO DE 1902 13

O Sr. Presidente do Conselho está atacado de uma responsabilidade que ninguem lhe pediu.

Como podia eu pedir a responsabilidade da declaração de S. Exa., se eu é que falei verdade?

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Abel Andrade: - É apenas para insistir no que já disse.

Quando no final do meu discurso, signifiquei que considerava o Sr. Mello e Sousa, como tendo sido regenerador, deduzi essa apreciação de factos occorridos numa serie de sessões a que assisti e em que vi S. Exa. acompanhar enthusiasticamente, por todos os modos e feitios, o partido regenerador.

É este o facto que eu registei, que é do conhecimento de todos e de que tirei a conclusão que a Camara ouviu.

No entanto, desde que S. Exa. declarou que nunca foi regenerador e tendo appellado para o testemunho do Sr. Presidente do Conselho, S. Exa. confirmou essa declara ção, desapparece o effeito das minhas palavras, reconhecendo que as apparencias me illudiram.

Nada mais.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Parece-me que depois d'estas explicações, não pode o Sr. Mello e Sousa ter duvida em retirar as palavras a que me tenho referido.

O Sr. Mello e Sousa: - Retirou o Sr. Abel Andrade tudo o que disse?

O Sr. Presidente: - O Sr. Abel Andrade já explicou que, no final do seu discurso, não tinha havido proposito algum offensivo, para V. Exa. Convido-o, por isso, a que por sua parte, retire a phrase: "metteu a mão na sua algibeira" .

Agitação.

Vozes : - Isto é uma vergonha.

Não é aqui que se liquidam estas questões.

Outras vozes: - Não apoiado.

O Sr. Presidente (agitando a campainha e pedindo a attenção da Camara): - O Sr. Mello e Sousa exigia que o sr. Abel Andrade explicasse as phrases que tinha dirigido na ultima parte do seu discurso; S. Exa. já explicou, e retirou as suas phrases, na parte em que ellas podiam ser consideradas offensivas.

Cabe agora ao Sr. Mello e Sousa e eu assim lh'o peço novamente, retirar a phrase que proferiu, na hypothese de serem offensivas as palavras que o Sr. Abel Andrade já explicou e retirou.

O Sr. Mello e Sousa: - Unicamente por consideração para com V. Exa. e para com a Camara é que tenho continuado neste demoradissimo debate; e tambem movido por essa mesma consideração, direi que se V. Exa. me assegura que o Sr. Abel Andrade já retirou tudo até ao ponto em que eu proferi a minha phrase, está tudo muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Não ha duvida de que já deu essa explicação.

E V. Exa. retirou a phrase?

O Sr. Mello e Sousa: - O Sr. Abel Andrade retirou tudo até ao ponto que indiquei?

O Sr. Presidente: - Retirou.

O Sr. Mello e Sousa: - Retirado está o resto.

O Sr. Presidente (dirigindo-se ao Sr. Abel Andrade): - V. Exa. retira a palavra - mente?

O Sr. Abel Andrade: - Como o Sr. Mello e Sousa acaba de declarar, depois da minha explicação, que pela sua parte, o resto está retirado, eu retiro tambem essa palavra.

O Sr. Presidente: - Está, portanto, liquidado o incidente.

Amanhã ha sessão, á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 40 minutos da tarde.

Representação enviada para a mesa nesta sessão

Da Camara Municipal do concelho de Coimbra pedindo que, no Orçamento, pendente da commissão, seja consignada uma verba especial e exclusiva para as obras de esgoto e saneamento da mesma cidade.

Foi apresentada pelo Sr. Deputado José Maria de Oliveira Mattos, enviada á commissão ao orçamento e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor interino = Albano da Cunha.

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