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N.º 33

SESSÃO DE 29 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios – os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Lido o expediente, tem segunda leitura o projecto de lei apresentado pelo sr. conde de Valle Flor, isentando de impostos determinados serviçaes da provincia de S. Thomé. — O Sr. presidente participa a recepção de representações das camaras de Guimarães e Grandola. — Faz declarações o sr. Simões Baião. — A proposito do estado das estradas no districto de Braga trocam explicações os srs. Oliveira Guimarães e ministro das obras publicas. — Os srs. Ferreira Marques e Dantas da Gama mandam para a mesa diversos requerimentos e pareceres. — Os srs. Abilio Beça e ministro das obras publicas continuam a troca de impressões, começada n’uma das passadas sessões, sobre o estado precario do districto de Bragança, e meios de se corrigirem as necessidades que ali se notam.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 9, confirmando os decretos que reformaram a lei da contribuição industrial, fallando sobre o assumpto os srs. Salgado de Araujo, Mello e Sousa, Marianno de Carvalho, Dantas da Gama, presidente do conselho, João Arroyo, Guilherme de Abreu e D. Luiz de Castro. — Antes de se encerrar a sessão, trocam explicações sobre o direito da cortiça no tratado com a Russia, os srs. Mello e Sousa e ministro dos negocios estrangeiros. — Dá tambem explicações sobre o seu discurso o sr. Salgado de Araujo.

Abertura da sessão — Ás tres horas da tarde.

Presentes a chamada, 43 srs. deputados. São os seguintes: — Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Adriano da
Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Candido da Costa, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro
dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Conde de Anadia, Conde de Pinhel, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Joáo Lopes Carneiro de Moura, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Eduardo Simões Baião, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Marianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira e Visconde de Leite Perry.

Entraram durante a sessão os srs.: — Antonio Hygino Salgado de Araujo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco Rangel de Lima, Jacinto José Maria do Couto, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Alves Bebiano, João Marcellino Arroyo, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José dos Santos Pereira Jardim, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Maria Pinto de Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Theodoro Ferreira Pinto Basto e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: — Adolpho da Cunha Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio d’Azevedo Castello Branco, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Velloso da Cruz, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Carlos de Almeida Braga, Conde de Jacome Correia, Conde de Tavarede, Diogo de Macedo, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José Patricio, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jayme de Magalhães Lima, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Coelho Serra, José Correia de Barros, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Mendes Lima, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José Teixeira Gomes, Licinio Pinto Leite, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avides, Visconde do Banho, Visconde da Idanha, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, acompanhando representações de diversos moradores da freguezia da Povoa de Santa Iria, da Azoia, concelho de Loures, e da freguezia de S. Quintino, concelho de Torres Vedras, secundadas pela camara municipal do concelho de Villa Franca de Xira.

Para a secretaria.

Do ministerio da justiça, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Mendes Lima, que o processo de aposentação do parocho da freguezia de S. Thiago, da cidade de Beja, Manuel Henriques de Menezes Feio, com todos os documentos que o instruem, se acha no ministerio da fazenda, para onde foi remettido nos termos e para os effeitos do artigo 6.º do decreto n.º 2, de 15 de dezembro de 1894.

Para a secretaria.

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Do ministerio da marinha, remettendo um requerimento, em que o primeiro tenente da armada Alvaro Herculano da Cunha, capitão do porto de Olhão, pede que seja annullado o decreto n.º 8, de 1 de fevereiro de 1895, e restabelecido o subsidio decretado em 31 de março de 1890.

Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Mello e Sousa, copias dos balancetes da agencia de Crédit franco-portugais, e os duplicados dos de outras sociedades estrangeiras, relativos aos mezes de outubro, novembro e dezembro de 1895, apresentados na repartição do commercio pelas agencias e succursaes dos estabelecimentos estrangeiros.

Para a secretaria,

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. — Todo o cidadão deve contribuir para as despezas do seu paiz com a quota que couber nas suas forças, mas ha impostos que pela sua natureza devem ser elliminados das receitas do estado, como são aquelles que recáem sobre o serviçal na provincia do S. Thomé e Principe.

Como v. exa. o a camara sabe, os serviçaes que vão desenvolver esta colonia são resgatados em Angola e vão prestar grandes serviços ao desenvolvimento d’aquellas ilhas, saindo das suas terras quasi selvagens e sem noções do que é o trabalho, e por conseguinte com o salario compativel com as suas poucas aptidões. Pedir a esses trabalhadores com pequenos salarios, e que poucos serviços prestam nos primeiros annos, uma contribuição pecuniaria, parece pouco equitativo, porque já não concorrem com pouco prestando-se ao trabalho regular do arroteamento das terras, que, cultivadas, trazem a riqueza ao nosso paiz.

Este imposto, senhores, que é de 5 por conto, não tem rasão de existir, porque quando foi creado destinou-se para uma escola de artes e officios, onde o serviçal ou os seus filhos poderiam aprender, mas é certo que em tal escola nunca mais se pensou.

Não desejo que deixem de pagar impostos aquelles a quem as circumstancias o permittam, parecendo-se justo todavia que sejam isentos os que têem pequenos salarios.

Na metropole está este serviço regularisado e é bom que o seja no ultramar, especialmente na provincia de S. Thomé e Principe.

Como v. exa. e a camara sabe, esta colonia tem um grande saldo na sua receita, e por isso ainda menos se justifica este imposto.

Em vista do que acabo de expor, vou apresentar um projecto de lei que é digno de ser approvado, porque é de justiça:

Artigo 1.º Não é sujeito a imposto o serviçal contratado na provincia de S. Thomé e Principe, quando o ordenado mensal é inferior a 6$000 réis.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões dos deputados, 26 de janeiro de 1896. = O deputado, Conde de Valle Flor.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Participo á camara que recebi uma representação da camara municipal de Guimarães, adherindo a uma outra representação da camara municipal de Marco de Canavezes, pedindo que se não approvem, ou que, pelo menos, se modifiquem as disposições contidas no decreto de 1 de dezembro de 1892, e regulamento do mesmo anno com respeito ás correntes de agua não navegaveis nem fluctuaveis.

Tambem está na mesa outra representação da camara municipal da villa de Grandola, pedindo que seja incluida na tabella da contribuição, em terceira revisão, a industria da engorda, para venda, de gado suino em chiqueiros.

A primeira representação será remettida á commissão de obras publicas e a segunda á commissão de fazenda.

O sr. Simões Baião: — Sr. presidente, mando para a mesa uma proposta para que sejam aggregados á commissão de legislação civil os srs. deputados visconde do Banho, Teixeira Gomes e Adolpho Guimarães.

Peço a v. exa. que a submetta á apreciação da comara.

O sr. deputado Cunha da Silveira não póde comparecer á sessão por falta de saude, encarregando-me de participar esta sua falta. É este o motivo por que s. exa. não vem pessoalmente apresentar uma representação da camara municipal da villa da Calheta de S. Jorge, que diz respeito á classificação das terras para os eífoitos da contribuição industrial o, como esta representação respeita ao projecto que está em discussão na ordem do dia, tornava-se urgente o seu exame, s. ex.s o sr. Cunha da Silveira, cncarregou-me, pois, de apresentar a representação em seu nome.

Mando-a, pois, para a mesa, pedindo a v. exa. que lhe dê o devido destino.

Visto que estou com a palavra aproveito a occasião para declarar que a deputação nomeada por v. exa. para assistir no dia 27 ás exequias que se haviam de celebrar em Santarem, suffragando as almas das victimas do incendio no club artistico da mesma cidade, desempenhou a sua missão, tendo a satisfação de dizer a v. exa. e á camara que a mesma deputação foi recebida pelos habitantes, pela camara municipal e auctoridades civis da cidade com todas as manifestações de deferencia e consideração, e ainda com muita bizarria pelo nosso illustre collega n’esta camara, o sr. deputado João Rodrigues Ribeiro.

A representação vae, por extracto, no fim da sessão.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de legislação civil os srs. deputados visconde do Banho, Teixeira Gomes o Adolpho Guimarães. = Simões Baião.

Dispensado o regimento, foi approvada. A representação publica-se por extracto no fim de sessão.

O sr. Oliveira Guimarães: — Sr. presidente, desejo chamar a attenção do nobre ministro das obras publicas para o estado em que estão as obras da escola industrial da cidade de Braga, e o da estrada real d’aquella mesma cidade á villa de Chaves.

Esta estrada foi começada em 1863 a 1864, tendo construidos no districto de Braga 54 kilometros, faltando ainda por construir cerca de 5 ha mais de seis annos, 2 dos quaes estão em terraplenagem e, portanto, em pessimo estado, ao passo que no districto de Villa Real tem-se construido sómente 10 kilometros, faltando por fazer 35.

Muito fôra para desejar que se podesse completar esta estrada o mais depressa possivel, porque ella é a communicação mais curta e rapida e directa entre Braga e Chaves; e segue até á fronteira hespanhola, do Verim, que dista d’esta villa cerca de 9 kilometros, atravessa concelhos importantes, como Povoa de Lanhoso, Vieira e Montalegre, servindo assim muitas e valiosas terras do Minho e Traz os Montes, cujo commercio, em logar de se fazer do prompto, facil e economicamente para a capital do Minho em direitura, faz-se com grande esforço, com grande despendio do tempo e de dinheiro pelas estradas que ligam Chaves a Villa Real, Amarante, Lixa e Guimarães.

Muitas representações já foram dirigidas á camara dos

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senhores deputados pelos povos de Braga e de Chaves, no sentido da conclusão desta estrada, que tem, alem das vantagens commerciaes e agrícolas, a de ser uma estrada estrategica, como foi ponderado pelo illustre engenheiro das obras publicas do districto de Braga, o sr. Agnello José Moreira quando se começou a sua construcção. Consta-me que excede a quantia de 200 contos de réis, a despeza feita com a parte já construida e que ainda passará de muito mais de metade desta somma, a verba precisa para a sua conclusão. Em vista disto não me animo a pedir que desde já se faça,por completo despeza tão avultada, porque sei que não ha meios para tanto; mas se os não há para se fazer tudo, ao menos é bom que se conserve a parte que está feita em estado de poder servir para o fim para que foijconstruida e se mande reparar os 2 kilometros que estão em simples terraplenagem e fazer os 3 que restam por construir no districto de Braga.

O outro assumpto, para o qual tambem desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, são as obras da escola industrial de Braga. O estado d'estas obras é realmente mau, ellas estão ha muitos annos em simples paredes, sem resguardo, expostas á intemperie das estações, e por consequencia, se não as cobriram e lhe fizerem os reparos necessarios, perde-se tudo o que está feito; perde o estado, perde o paiz o que despendeu e continua o despendio com a casa particular onde funcciona a escola industrial, que ainda que seja muito boa, nem sempre terá as aptidões e commodidades que ha a esperar de uma casa construida expressamente com fins especiaes.

As mesmas considerações de falta de meios que poderiam impedir de prompto a conclusão d'estas obras, certamente não me inhibem de pedir que se faça desde já o que for possível, a fim de que se resguarde e se conserve o que está feito, e se disponha de alguns meios para successiva e constantemente se proceder á conclusão d'essas mesmas obras.

Repare v. exa. e a camara, que Braga, alem da justiça que ha nestes pedidos, merece isto e muito mais do governo e do partido regenerador que elle representa no poder.

Ainda ha poucos dias entraram os amigos do governo ali por uma enormissima maioria na administração camararia, da qual se achavam excluídos havia mais de quinze annos.

As eleições de deputados tambem se fizeram em todo o districto com grande concorrencia, sem attritos nem cousa alguma que perturbasse um acto tão solemne.

Ora, parece-me de conveniência que se conserve e augmente este estado favoravel dos espiritos com relação á situação, em uma terra tão importante como Braga, fazendo-se-lhe justiça e attendendo de prompto quanto possível aos seus justos pedidos, rascaveis, nobres e legitimas aspirações, entre as quaes se contam tambem a conclusão das obras da escola industrial e a elevação do seu lyceu nacional a lyceu central.

A isto tem Braga tanto e mais direito do que a maior parte das terras que entre nós possuem estes grandes melhoramentos, pela sua população, situação topographica, pelo movimento de suas escolas, pelas suas muitas e variadas industrias, artes e officios, pelo que paga para o estado, pelas aptidões, pelo genio trabalhador e pacifico de seus habitantes, que são tão bons catholicos como honrados patriotas.

Não quero cansar a attenção da camara, nem molestar o nobre ministro das obras publicas, do cuja competencia, boa vontade e bons e raros serviços ao paiz todos podemos dar honroso testemunho, e cujo genio franco, serviçal e obsequiador tantas sympathias e benevolencias tem conquistado com toda a justiça.

Espero, porém, que s. exa. ha de poder das apertadas arcas do orçamento, do seu vasto e despendioso ministerio tirar alguma cousa com que se possa ir attendendo aos pedidos que deixo feitos, e me parecem e são verdadeiramente de toda a justiça, e que certamente satisfarão a vontade de uma terra tão importante como é Braga.

Disse.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Sr. presidente, pedi a palavra para dizer ao ilustre deputado, o sr. Oliveira Guimarães - a quem agradeço muito reconhecido as palavras de elogio que se dignou dirigir-me.- que ouvi com grande attenção as judiciosas considerações apresentadas por s. exa. e que, com o maior cuidado e com toda, a solicitude, estudarei os assumptos a que s. exa. se referiu. Será com verdadeiro empenho que procurarei, dentro dos recursos do orçamento, satisfazer os pedidos e os desejos manifestados por s. exa., que, realmente muito se justificam, não só pelo interesse da cidade de Braga, - a qual como s. exa. affirmou, e é exacto, bem merece a boa vontade da parte dos poderes publicos e do governo (Apoiados.),- mas tambem se justificam polo interesse da região, a que s. exa. se referiu, e do paiz em geral.

E esta a resposta que por agora tenho a dar a s. exa. podendo affirmar-lhe novamente que da melhor vontade procurarei satisfazer, tanto quanto possível, os pedidos de s. exa.

O sr. Ferreira Marques: - Mando para a mesa o merecer da commissão do ultramar sobre o decreto de 25 de abril de 1895, referente ao capitão do exercito da Africa oriental João José de Almeida Pirão.

Mando tambem para a mesa um requerimento de contra-almirante reformado da armada João Carlos Adrião, pedindo melhoria de reforma.

O parecer foi a imprimir.

O requerimento váe, por extracto, no fim da sessão.

O sr. Dantas da Gama: - Mando para a mesa duas representações, sendo uma da companhia de seguros, pedindo que seja dispensada pelo estado larga protecção á marinha mercante, quer pela concessão de premios aos constructores e armadores navaes, quer pela isenção de pagamento de certos direitos, como embandeiramento, carga, descarga, etc.; e outra da associação industrial portuense, pedindo a protecção do estado para a marinha mercante e discordando de algumas das propostas apresentadas, em representação, pela commissão permanente de defeza da marinha mercante portugueza.

A representação da companhia de seguros já foi distribuida n'esta camara, e, por consequencia, já os srs. deputados têem conhecimento d'ella. A da associação industrial portuense não foi impressa, mas, como é muito longa, não a leio, pedindo á camara lhe dispense a attenção que ella merece.

Vão, por extracto, no fim d'esta sessão.

O sr. Abilio Beça: - Sr. presidente, expuz n'uma outra sessão ao governo e á camara a situação precaria em que se encontra o districto de Bragança, devido principalmente á falta de communicações ordinarias e de systema accelerado.

Hoje pedi a palavra para apresentar ao nobre ministro das obras publicas alguns alvitres sobre a maneira pratica do se construir um caminho de ferro para Bragança.

Peço a attenção da camara para este assumpto, pois que não é uma questão de interesse meramente local aquella do que me occupo: é esta uma questão que interessa a economia de todo o paiz; porquanto com o fomento das riquezas que eu preconiso para o districto de Bragança, e com o qual se conseguirá prender á terra patria a população emigrante d'aquella região, lucraremos todos, lucrará a nação inteira.

De resto, prometto não abusar por muito tempo da attenção que me for dispensada.

Sr. presidente, eu disse já aqui que, no actualmento da nossa vida economica, em que da parte das nações coloniaes só nota um accentuado movimento de expansão

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ultramarina, procurando as potencias europeas, á porfia, sabor qual d'ellas sobraçará maior quinhão do continente africano, é necessario reflectir sobre a orientação que, depois de termos affinnado com expedições scientificas e militares a nossa vitalidade colonial, nos está naturalmente indicada.

Convirá realmente lançarmo-nos na empreza de um rasgado fomento colonial, com preterição do fomento das riquezas em regiões ainda mal exploradas da metropole, como é, por exemplo, a que fica alem do Tejo até ao Algarve, a qual tem uma extensão territorial igual á da Hollanda e maior que a da Belgica, e cuja densidade de população é apenas de 17 habitantes por kilometro quadrado, emquanto que n'aquelles paizes é respectivamente de 140 e 410; ou como é a região de Traz os Montes, onde o districto de Bragança occupa uma área quasi tão grande como a do Porto, Braga e Vianna e cuja densidade relativa é apenas de 27 habitantes, quando n'aquelles districtos é de 238, 124 e 93?

Não será mais prudente, seguro e vantajoso que, sem se descurar o fomento colonial, se trate de promover de preferencia o alargamento da producção cerealifera no Alemtejo, augmentando, por qualquer systema de colonisação, a sua população, actualmente tão diminuta, e tratando assim de obtermos trigo para consumo de todo o paiz, do qual sáem annualmente 4:000 a 5:000 contos de réis para a compra d'este genero?

Não será preferivel promover a conveniente valorisação dos productos do solo e sub-solo do extenso districto de Bragança, pelo desenvolvimento n'elle da viação accelerada e ordinaria, evitando por este modo o incremento incessante que a emigração está ali tomando?

Sr. presidente, é triste e desconsolador ter de assistir de braços cruzados ao depauperamento continuo das forças vitaes de um districto como o de Bragança, que em si contém variadissimas riquezas inexploradas o que a natureza dotou com abundantes recursos para fazer d'elle um vasto campo de trabalho agricola e industrial.

A camara e o governo devem convencer-se de que é indispensavel e urgente dar remedio á situação precaria em que ao encontra aquella região.

Eu já aqui indiquei as providencias que de prompto convem adoptar, para se pôr um dique á corrente de emigração, ali sempre crescente: mandar construir immediatamente os lanços que faltam na estrada, em grande parte construida, que vae de Bragança a Vimioso e a Miranda do Douro, e resolver com urgencia a construcção de um caminho de ferro do Mirandella a Bragança, quer seja o prolongamento do de via reduzida do Tua, quer um caminho de ferro pelo systema Decauville, assente na berma da estrada real.

Sr. presidente, reconhecida que seja pelo governo e pela camara a necessidade de se construir desde já o caminho de ferro de Mirandella a Bragança conviria resolver qual o systema de construcção que mais convenha adoptar.

Na imprensa periodica de Bragança tem-se já discutido com certa largueza a questão da preferencia a dar a uma ou outra, das duas seguintes opiniões. Eis a primeira.

Verificada a hypothese de que o governo não póde construir tão depressa como é de desejar o prolongamento do caminho do ferro de Mirandella a Bragança, deve tratar-se de effectuar a construcção, ou por conta do estado, ou por intermedio de uma companhia, de um caminho de ferro pelo systema Decauville, que tem de bitola 60 centimetros e no qual as locomotivas podem passar em curvas de 25 metros de raio e subir rampas de 8 por cento de inclinação, podendo, portanto, adaptar-se às nossas estradas reaes e districtaes, que, por via de regra, não têem curvas abaixo d'aquelle limite, nem rampas superiores a 6 por conto.

O orçamento da construcção de um caminho de ferro pelo systema Decauville, de Mirandella a Bragança, está calculado em 400 a 500 contos de réis.

Esta opinião foi proficientemente desenvolvida n'uma serie de excellentes artigos publicados na Gazeta de Bragança pelo distinctissimo engenheiro, o tenente coronel sr. Pereira Dias, que se acha em commissão do governo no porto de Leixões e que foi já director das obras publicas do districto de Bragança.

Vejâmos a segunda opinião.

O caminho de ferro pelo systema Decauville é insufficiente para servir as zonas septentrional e media do districto de Bragança, que só do prolongamento do caminho de ferro de Mirandella póde esperar o conveniente desenvolvimento da sua riqueza e esphera de actividade.

Alem do que, sendo o caminho, de ferro do Douro, que é do via larga, a principal arteria da circulação da provincia de Traz os Montes, e sendo uma ramificação d'elle o caminho de ferro de Mirandella, que é de via reduzida, o plano de viação naturalmente indicado para aquella região é o prolongamento d'esta ramificação ferroviaria, e nunca a adopção de um novo typo do linha ferrea, que, exigindo novos trasbordos, privaria o movimento de mercadorias e o commercio das facilidades que, quanto possivel, se lhes deve proporcionar.

A construcção do prolongamento do caminho de ferro de Mirandella a Bragança está orçada em cerca de 1:000 contos de réis.

Será ocioso declarar aqui que eu me manifesto agora, como na imprensa me tenho manifestado, pela preferencia por esta segunda opinião.

O melhoramento de que o districto de Bragança realmente carece, é, com effeito, o prolongamento do caminho do ferro de Mirandella.

Sr. presidente, sobre a necessidade da construcção de um caminho de ferro de Mirandella a Bragança estão desde ha muito de accordo os dois grandes partidos monarchicos que têem dirigido os destinos do paiz.

Em duas epochas, não muito distanciadas, dois ministros das obras publicas, um regenerador e outro progressista, mandaram proceder aos estudos necessarios para se realisar o prolongamento até Bragança do caminho de ferro de Mirandella.

Foi um o fallecido conselheiro Lourenço de Carvalho, em 1878; e o outro o sr. conselheiro Emygdio Navarro, em 1887.

Tendo por base estes estudos, foi apresentado ao parlamento, em 1888, por este illustre homem d'estado um projecto para a construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

Mas, porque ia envolvido no novello, como então pittorescamente se chamou ao projecto da rede dos caminhos de ferro ao norte do Mondego, aquelle projecto sossobrou n'esta camara de companhia com os outros.

Um novo projecto de caminho de ferro de Mirandella a Bragança foi apresentado no anno seguinte, em 1889; e referiram os jornaes d'esse tempo que todos os deputados, progressistas e regeneradores, maioria e minoria da camara, estavam dispostos a votar este projecto, que representava um acto de boa administração e de justiça; mas que o não fizeram, porque elle ia envolvido n'outro projecto de um caminho de ferro de Arganil á Covilhã, que a camara não quiz votar. Quer dizer, á sombra do caminho de ferro de Bragança, que era necessario e viavel, tentou-se fazer passar o caminho de ferro de Arganil á Covilhã, que talvez o não fosse: o resultado foi não serem votados nem um, nem outro.

Era então ministro das obras publicas o sr. conselheiro Eduardo José Coelho.

Veio depois a crise financeira, precipitada pelo ultimatum de ominosa memoria, e ninguem mais pensou em re-

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novar a iniciativa do projecto de lei sobre a viação accelerada no districto de Bragança.

Sr. presidente, para se construir desde já o prolongamento do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, precisa-se de uma quantia de cerca de 1:000 contos de réis.

Ora, o governo não tem talvez ainda hoje facilidade de crear, receitas extraordinarias por meio do recurso ao credito.

E, todavia, o caminho de ferro de Bragança não póde de prompto ser directamente construido pelo estado sem que haja de contrahir-ee um emprestimo, mas, no caso sujeito, a parte financeira da questão simplifica-se, a meu ver, attentas as condições especiaes do emprehendimento que se tem em vista.

É fóra de duvida que a construcção de um caminho de ferro de Mirandella a Bragança viria a produzir um augmento consideravel no rendimento do caminho de ferro do Douro, de que aquelle seria uma ramificação em seguimento á linha do Tua, alem de que diminuiria muito, ou cessaria por completo, a necessidade da garantia de juro que o estado presta á companhia nacional.

E se d'essa construcção resulta importante acrescimo de receita n'uma das linhas do estado, lucrando com isso o thesouro, boa operação financeira seria a que o governo fizesse levantando um emprestimo de 1:000 contos de réis para construir o caminho de ferro de Bragança. Uma vez que com a construcção do caminho de ferro de Bragança muito tem a lucrar a linha ferrea do Douro, pelo consideravel augmento que da exploração d'aquelle adviria a esta no movimento de passageiros e mercadorias e no imposto de transito, desde a estação do Tua até ao Porto, é de todo o ponto regular e pratico que o juro e amortisação do emprestimo que haja de contrahir-se para a construcção da nova linha sejam garantidos pelo rendimento do caminho de ferro do Douro e pelo da propria linha, cessando a hypotheca n'aquelle, desde que o rendimento desta constitua garantia sufficiente.

Parece-me ser este um alvitre que com vantagem se poder adoptar. Mas quando não queira acceitar este, posso indicar um outro.

A companhia nacional, proprietaria do caminho de ferro de Mirandella, tem natural e directo interesse na construcção do prolongamento da linha do Tua.

Mas, havendo tambem as finanças d'esta companhia passado por uma crise que, felizmente, vae sendo vencida, não póde ella por emquanto, n'estes seis annos mais proximos, habilitar-se a levantar um emprestimo para, por sua conta, mediante alguma garantia que o governo lhe concedesse, construir o caminho de ferro de Bragança...Ora, a companhia não teria duvida em encarregar-se desde já da construcção d'este caminho de ferro, comtanto que o governo se obrigasse, a embolsál-a das despezas d'essa construcção, pagas em prestações no praso de seis
annos.

Ainda mais. O orçamento do prolongamento do caminho de ferro de Mirandella a Bragança está feito na rasão de 20 contos de réis por kilometro. Pois creio, que a companhia acceitaria a adjudicação da empreitada da construcção d'elle, recebendo por cada kilometro 15 contos de réis.

E, alem disso, a companhia poderia encarregar-se, se assim se julgasse conveniente, n'um certo periodo de annos, da exploração da linha de Bragança conjunctamente com a de Mirandella, empregando no movimento d'aquella o material circulante e o pessoal d'esta, do que resultaria uma economia muito importante.

O governo dirá se acha este segundo alvitre acceitavel, como a mim me parece sel-o.

Mas para que não falte onde se escolha, e para que o governo não possa allegar desculpa de nada fazer sobre o assumpto, ainda posso, indicar uma outra fórma pratica de se realisar o emprehendimento, a favor do qual propogno.

É bem conhecido um dos males que, ha annos, afflige as finanças do estado: é a necessidade em que os governos se têem visto, desde que em Lisboa se manifestou a crise do trabalho, de acceitar o serviço de milhares de operarios desoccupados, sendo preciso inventar obras desnecessarias para lhes dar em que ganhem os seus salarios.

Póde dizer-se que não ha na capital edificio publico em que não se tenham feito reparações ou obras de utilidade muito contestável, sómente no proposito de empregar os operarios sem trabalho que se dirigem aos poderes publicos pedindo a sua protecção.

Não é intenção minha discutir se os governos procedem mal ou bem em despender annualmente centenas de contos de réis para resolver por esta fórma o que se póde considerar uma questão social.

No que eu discordo, e no que discorda muita gente, é na utilisação que se ha feito do trabalho dos operarios que o estado emprega, sem precisar do seu serviço.

Pois em logar de se estar a inventar obras, tantas vozes dispensaveis e quasi sempre improductivas, não se faria muito melhor administração (aproveitando o trabalho dos operarios em construcções de vulto, necessarias, de utilidade palpavel e economicamente reproductivas?!

Desde que o estado sustenta alguns milhares de operarios, que absorvem annualmente ao thesouro centenas de contos de réis, porque não se ha de, empregar uma parte d'elles na construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, a qual, todas as despezas que se fizessem, seriam tão largamente reproductiyas?

Utilisando-se n'essa construcção algumas centenas de operarios, dos que o estado mantém em Lisboa, e aproveitando tambem n'ella parte do pessoal technico addido que o ministerio das obras publicas tem em abundancia em todos os districtos, dotar-se-ia o paiz com mais um caminho de ferro, em que a unica despeza nova a fazer, e relativamente pequena, seria a do material fixo da construcção.

Aqui ficam esboçados tres alvitres, todos, a meu ver, exequiveis. E se o governo não quizer perfilhar algum d'elles, ou não adoptar outro, que na sua alta competencia encontre e repute melhor, é porque realmente não tem boa vontade em attender às fundadas e legitimas reclamações do districto de Bragança, de que a minha voz e apenas um fraco echo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - O illustre deputado o sr. Abilio Beça na sessão de hoje e tambem n'uma das ultimas sessões, chamou a attenção do governo, e especialmente a minha, para assumptos de muita importancia e verdadeiramente dignos da attenção dos poderes publicos.

Entende s. exa. que a emigração no nosso paiz está sendo uma das causas principaes da sua decadencia. Realmente, sr. presidente, quando a emigração excede uns certos limites, sáe fora de uns certos termos, é indiscutivel que ella é um mal cujas consequencias importa quanto possivel prevenir e attenuar.

S. exa. entende tambem, e não podia deixar de entender, que é absolutamente impossivel prohibir completamente a emigração, não só porque isso seria um ataque directo e violento á liberdade individual, mas um erro economico e um absurdo, porque aquelles que quizerem abandonar a patria encontrarão sempre meio de o fazer, quaesquer que sejam as disposições da lei e por mais rigorosas que ellas se escrevam.

Sendo indiscutivel, portanto, que o excesso da emigração, ou a emigração fóra de uns certos limites naturaes, é um grave mal que importa combater, e sendo por outro lado tambem indiscutivel que nós não podemos prohibir a

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emigração, o que é que logicamente se deve fazer? Estudar o mal na sua origem e applicar-lhe o remedio tanto quanto possivel apropriado.

Ora, sr. presidente, muito rapida o simplesmente, pela consideração que me merece o illustre deputado a quem desejo acompanhar na exposição dos argumentos que adduziu - e que dão mais uma vez a demonstração da sua competencia, estudo o lucidissimo spirito, - vejâmos quaes são as causas principaes d'esse mal. Alem do caracter aventureiro do povo portuguez, a que se devem paginas brilhantes da nossa historia, são causas da emigração a crise economica e financeira que temos atravessado, a repugnancia que ha no nosso paiz, e principalmente no norte, para o recrutamento militar, e tambem o desejo de adquirir riquezas, despertado pelo amigo ou parente que, depois de poucos mezes de ausencia, voltou á sua terra com abundantes bens de fortuna.

Devo acrescentar, ainda como outro factor importante, facilidade com que entre nós se organisam emprezas de emigração, que muitas vezes abusam da boa fé, inexperiencia e ignorancia das povoações ruraes. Em resumo são estas as causas da emigração. Para combater a primeira, a crise economica e financeira, é conveniente o indispensavel desenvolver o trabalho nacional em todas as suas manifestações, quer seja na agricultura, na industria ou no commercio. É tambem conveniente abrir obras, onde os braços empregados encontrem honradamente os meios de subsistencia.

E aqui vem a proposito contestar, sem o menor intuito de magnar o illustre deputado a quem me estou referindo, que s. exa. foi injusto quando disse que o districto de Bragança, tão dignamente representado por s. exa. n'esta casa, tem rasão de queixa contra todos os governos, porquanto o mesmo districto, segundo a affirmação do s. exa., não recebe proporcionalmente o quinhão de beneficios que outros tem recebido. O illustre deputado não tem rasão, pelo menos contra o actual governo, porque longe de tratar o districto de Bragança com essa desigualdade deprimente a que s. exa. alludiu, pelo contrario, e tem tratado com um favor especial e excepcional, em relação a todos os outros districtos.

Com o fim de attenuar a crise operaria que se manifestou o anno passado no districto de Bragança, permittiu o governo a livre importação directa, de Hespanha, do centeio já em grão, já cosido. Mas não fez só isto. Fez mais, - o aqui é que está a excepção aberta, aliás facultada na lei, a favor do districto de Bragança. Por um dos decretos dictatoriaes, o de 15 de dezembro de 1894, o governo decretou que se não abrissem novas estradas, nem novos lances de estradas, sem estarem reparadas e concluidas as que carecessem de reparação e as que estivessem em construcção, "excepto (dizia o decreto) para o caso de força maior por que o interesse geral devidamente reconhecido assim o exija". Pois d'esta excepção, mencionada na lei, usou o governo a favor do districto de Bragança, mandando construir a estrada de Mirandella á Torre de D. Chama, de Carrazeda ao Tua e de Freixo de Espada á Cinta á estação. Ainda não ficam simplesmente aqui as medidas tomadas pelo governo. No intuito de beneficiar o districto de Bragança e occorrer á crise operaria que se tinha manifestado com uma certa intensidade no decorrer do anno findo, o governo distribuiu ao districto de Bragança, para reparação e construcção de estradas, uma quantia muito superior áquella que em todos os annos anteriores havia sido mareada para esse districto. E note v. exa., sr. presidente, ser este facto tanto mais para notar, quanto este turno são menos largas as verbas orçamentaes destinadas a, estas despezas.

Já vê, pois, o illustre deputado que não tinha rasão quando se queixam do desfavor, da desigualdade em que o districto de Bragança estava em relação a outros districtos. Sobretudo quando dirigi essa accusacão ao actual
governo. Se se demonstrar que, não obstante todas essas providencias, a crise operaria continua subsistindo em Bragança, o governo nenhuma duvida terá, usando ainda da faculdade que lhe concede o citado decreto de 15 de dezembro de 1894, em auctorisar a construcção de qualquer outra obra, que poderá ser, por exemplo, áquella que foi indicada por s. exa., a ligação do concelho de Vimioso a Miranda do Douro.

Devo dizer ao illustre deputado, sem o menor animo de o melindrar, que nada ha que possa ser mais agradavel a um ministro das obras publicas do que determinar grandissimos melhoramentos materiaes. Abrir canaes, lançar pontes, levantar edificios magestosos, construir novas estradas, novos caminhos de ferro,- tudo isso é quanto póde haver de mais aprazivel, de mais agradavel para o ministro das obras publicas,- tanto mais que não demanda um grande esforço de espirito, nem um grande trabalho intellectual, e ao mesmo tempo satisfaz a natural vaidade que têem todos, que é, por assim dizer, perpetuar a sua passagem pelas cadeiras do poder, deixando o seu nome vinculado a uma obra duradoura e permanente. Mas, sr. presidente, não é nas circumstancias do momento apertado e difficil, que esse desejo se póde realisar inteiramente. Creio que n'estas circumstancias, o melhor serviço que faz ao seu paiz o ministro que administre com parcimonia e com economia, é não se abalançar a despezas que realmente se traduzem em melhoramentos, que trazem vantagem, mas que não são absolutamente indispensaveis. Isto não quer dizer, sr. presidente, que o governo descure ou desconheça as vantagens que para o districto de Bragança resultam da viação accelerada; muito pelo contrario. O governo tem estudado isto cuidadosamente, reconhece que o districto de Bragança é realmente rico, não só pela fertilidade do seu solo, mas ainda pela importancia dos seus jazigos mineiros diversos, - como são os de ferro de Moncorvo e tambem os jazigos de marmore e alabastro de Vimioso.

Ha, como s. exa. ha pouco disse, estudos feitos já para o caminho de ferro de Mirandella a Bragança, e tambem para o caminho de ferro de Vimioso ao focinho a entroncar em Hespanha. O primeiro caminho de forro custa 1:440 contos de réis. Isto é, 19 contos e tanto por kilometro. É este o orçamento. O segundo caminho de ferro custa cerca de 2:900 contos de réis. Isto é, 22 contos e tanto por kilometro.

Mas, sr. presidente, tem de se attender às circumstancias difficeis do thesouro, porque é necessario confessar e reconhecer, que se a situação financeira tem prosperado consideravelmente, não é tão desafogada que permitia, repentinamente, fazer despeza tão avultada,- sobretudo quando se impõe á consideração do governo a necessidade de despezas tambem importantes e impreteriveis, como são, por exemplo, as que dizem respeito á renovação do material de guerra e á compra de navios, o que obsta a que esta obra se possa fazer immediatamente.

Em todo o caso eu estudarei, com todo o cuidado, os alvitres que s. exa. apresentou, e posso affirmar a s. exa. que se algum d'esses alvitres podesse trazer ao governo a convicção de que esse caminho de ferro de Mirandella a Bragança se póde construir, sem sacrificios incomportaveis, eu da melhor vontade trarei um projecto para que se faça - e terei verdadeira satisfação se o conseguir.

Em todo o caso, quanto ao ultimo alvitre apresentado por s. exa., eu devo desde já dizer, que é absolutamente inacceitavel. S. exa. entende, que se podia construir o caminho de ferro de Mirandella a Bragança, empregando na sua construcção os milhares de operarios, que em Lisboa trabalham nos edificios do estado! Simplesmente devo dizer a s. exa. uma cousa: esses operarios que trabalham em Lisboa, são, na sua quasi totalidade, artistas pedreiros, carpinteiros, pintores, etc., que não têem conhecimentos para a construcção de caminhos de ferro, não estão habituados a esse trabalho o não podiam applicar-se a elles,

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Em relação a este ponto devo levantar uma phrase que muitas vezes tenho visto escripta e tenho ouvido repetir, e que realmente me parece desarrasoada.

É certo que o governo, no intuito de evitar, ou de minorar a crise operaria - que tão grave é em Bragança, como em Lisboa ou em qualquer outra localidade - , se tem visto na necessidade de abrir obras, para dar trabalho a esses operarios; mas, tambem tem procurado que essas obras sejam de importancia e de valor. Ainda actualmente em Lisboa estão em construcção obras de cuja importancia, utilidade e grandeza se não póde duvidar. Ás obras do lyceu, da escola medica, do palacio do Calhariz, da alfandega, e actualmente a das cortes para a construcção da camara dos deputados, são obras de importantissimo valor e que se não póde dizer que sejam de uma vantagem muito discutivel, ou muito contestada.

É certo que se têem feito obras de reparação em edificios do estado, em templos, etc., mas eu creio que é um acto de boa administração, - alem da conveniencia de dar que fazer aos operarios que não tinham realmente onde trabalhar - e evitar que tambem estivessem em ruinas edificios do estado, e templos, de um paiz cuja religião official é a religião catholica.

Com relação a outros casos de emigração, - a que tambem me referirei ainda que de passagem, porque a hora está muito adiantada, e mesmo porque não desejo fatigar a benevola attenção da camara, nem protelar este debate, - pouco mais direi. É ainda tambem a repugnancia ao serviço militar, sobretudo em alguns dos districtos do norte. Esse mal ha de combater-se por uma fórma indirecta: pela instrucção e educação, mostrando se ao povo que o serviço militar é o mais honroso e o mais digno de todos os serviços - por isso que se trata da defeza da patria - ; e que não é nem mais pesado, nem mais rigoroso que porventura o serviço de algumas industrias e até os serviços propriamente agricolas. O governo tambem não tem descurado este assumpto, porque sendo da escola que ha de irradiar a luz e esclarecer o espirito publico, o governo tem augmentado as escolas de instrucção primaria.

Por outro lado tem tambem o governo procurado modificar e aperfeiçoar a lei do recrutamento, de fórma a tornar o serviço militar mais equitativo e mais justo.

O que disse em relação á repugnancia, ao serviço militar, teria a dizel-o tambem a respeito do desejo ambicioso das riquezas, provocado pelo exemplo de um vizinho ou parente que, decorrido um certo numero de annos de ausencia, volta á sua terra com bens de fortuna.

Tambem ainda, por uma fórma indirecta e por meio da instrucção, se ha de fazer ver ao povo que, como na loteria, se um, dois ou tres alcançaram a boa sorte, se regressam à sua patria com abundantes bens de fortuna, um grande numero, abandonados, por falta de recursos ou auxilio, em terras estranhas, só conseguiram alcançar a degradação e a miseria. Ainda sobre este ponto o governo não tem descurado o assumpto, e o ministro da marinha tenciona, ainda n'esta sessão legislativa, apresentar ao parlamento uma lei sobre emigração e colonisação.

Alludi, por ultimo, á facilidade com que se organisam entre nós, emprezas, chamadas de emigração, que não raro abusam da inexperiencia e da innocencia das povoações ruraes. O governo tambem desde muito tem a esse respeito providenciado. Eu mesmo, quando tive a honra de ser governador civil do Porto, organisei um regulamento, que mereceu a approvação superior, e foi pelo governo mandado applicar aos mais districtos do reino, o qual julgo que alguns beneficios tem feito.

Convém ainda referir-me ao ultimo ponto em que o sr. Abilio Beça tocou, e é o que dizia respeito á vantagem, ou conveniencia, de orientar um, pouco a emigração, não para terras estranhas, mas para as nossas possessões ultramarinas. N'este ponto estou perfeitamente de accordo! com s. exa. em todo o caso tenho de fazer uma observação que me parece indispensavel. O excesso da nossa população deve demandar as nossas possessões na Africa, na Asia e na Oceania de preferencia a terras estranhas, mas é indispensavel que os emigrantes saibam, a priori, que vão ali encontrar trabalho e os meios de poderem ganhar a sua subsistencia, aliás o problema da emigração será prejudicado, porque ninguem quererá ir para as nossas possessões na incerteza de encontrar collocação e sujeito aos perigos de um clima mais ou menos deleterio. Alem d'isto abandonar esses homens sem que na sua chegada encontrassem os meios necessarios á vida seria um acto de deshumanidade.

Mas todos estes pontos complexos e importantes têem o seu logar proprio no projecto de colonisação e emigração, que o sr. ministro da marinha, ainda n'esta sessão legislativa, tenciona apresentar ao parlamento.

São estas em resumo as considerações que eu queria apresentar, affirmando, ainda mais uma vez, que com toda a solicitude eu estudarei os alvitres apresentados pelo sr. Abilio Beça; e se houver meio de realisar o grande melhoramento, cuja utilidade é indiscutivel, e eu sou o primeiro a reconhecer,- e folgo de dizer n'este logar que estimaria muito poder realisar a construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança sem encargos muito pesados para o thesouro,- eu com a melhor boa vontade e satisfação trarei á camara o necessario projecto para a realisação d'este importante melhoramento.

Concluo, felicitando novamente o sr. Abilio Beça pelo seu discurso, e dizendo lhe que muito estimei ouvil-o fallar sobre este assumpto importante, e que muito ha a esperar da iniciativa parlamentar, quando ella é desenvolvida com tanta copia de esclarecimentos e tanta vontade de acertar.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Abilio Beça: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas as expressões amaveis que me dirigiu.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á

ORDEM DO DIA

Discussão na especialidade do projecto n.º 9, que confirma os decretos dictatoriaes, relativos á reforma da contribuição industrial.

Leu-se na mesa o artigo 1.º

O sr. Presidente: - Não havendo quem peça a palavra vão votar-se.

Foi approvado.

Successivamente foram lidos e approvados sem discussão, os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5°, 6.º, 7.º, 8°, 9.°, 10.° e 11.º.

Leu-se o seguinte:

"Artigo 12.° O individuo que, havendo feito a devida participação do ter cessado o exercicio de sua industria, continuar a ser collectado, poderá reclamar em qualquer tempo, mas só para a competente junta dos repartidores, e seguir os restantes recursos ordinarios."

O sr. Salgado de Araujo: - Mando para a mesa um additamento.

É o seguinte:

Proposta

Artigo 12.°:

No fim acrescentar "mas a apresentação do duplicado da participação na devida ordem terá effeito suspensivo, seja qual for o estado do processo". = Antonio H. Salgado de Araujo.

Foi admittida.

Póde acontecer que emquanto estes individuos forem reclamar haja um procedimento contra elles, sendo para lastimar que o individuo que deixa de exercer uma industria continue a ser collectado, apesar de ter feito primeira, segunda, e terceira declaração. São irregularidades que

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jamais poderão corrigir-se completamente; todavia creio que era necessario obviar a isto de alguma fórma.

O sr. Mello e Sousa (relator): - Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar á commissão esta e quaesqner outras emendas que se apresentarem, sem prejuizo da discussão.

A proposta foi admittida e enviada á respectiva commissão.

Leu-se na mesa o

Artigo 13.° O individuo, sujeito á contribuição industrial, que, por falta da competente declaração ou outra causa, deixar de ser incluido na matriz de qualquer anno, será eollectado, por addicionamento a essa matriz, dentro dos cinco annos immediatos, quando for organisada a do anno em que for descoberta a omissão, sendo as inscripções addicionaes postas em reclamação com a nova matriz.

§ 1.º Quando a omissão provier da falta de declaração, será o contribuinte collectado na respectiva taxa e mais metade d'ella.

§ 2.° Aos contribuintes collectados, em virtude d'este artigo, é concedido tambem o recurso do que trata o artigo 12.°

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Marianno de Carvalho: - N'este artigo 13.° ha uma disposição que n'uns certos casos acho justa e noutros casos violenta para o contribuinte. O caso que eu acho justo é aquelle em que se determina que no praso de cinco annos seja inscripto na matriz da contribuição industrial aquelle que tiver sido omisso por falta de declaração. Até ahi completamente de accordo. Não só se faça a inclusão, mas tambem que a taxa seja augmentada com a multa de mais 50 por cento. Se, porem, o contribuinte, tendo feito a declaração, a que a lei e o regulamento o obrigam, não for incluido na matriz por motivos independentes da sua vontade, não acho justo applicar uma penalidade, que póde ser muito seria, como eu vou dizer, quando, a final, elle não tem culpa da omissão!

O individuo fez a sua declaração. Um erro de copia, ou qualquer outra cousa, fez com que houvesse omissão. Depois, num decurso de cinco annos, é inscripto na matriz, collectado; vae para o gremio, se for caso de gremio, e lançam-lhe a collecta que quizerem; por qualquer motivo - e já vou dizer tambem quaes podem ser - não paga, tem uma execução. E tudo isto por culpa que não foi sua!

Eu, por exemplo, resido hoje em Lisboa, faço a minha declaração de que exerço uma profissão e não me inscrevem na matriz. Vou para Traz os Montes, supponhâmos; d'aqui a dois, tres ou quatro annos inscrevem-me na matriz, mettem-me no gremio, ou não gremio, lançam-me uma taxa, e sem eu saber similhante cousa, sou collectado, mas como não sei que fui collectado, não pago, e como não pago lançam-me uma multa enorme com todas as despezas de uma execução fiscal!

Acho injusta esta penalidade. Desde o momento em que só fez a declaração, o contribuinte cumpriu o seu dever. Se outros o não cumpriram não seja elle o castigado.

Vou, portanto, propor a este artigo duas emendas, incluidas nas seguintes propostas:

"Proponho que no artigo 13.° se diga, que a inscripção nova, no caso de ter havido declaração, só possa fazer-se no praso de dois annos. = Marianno de Carvalho."

"Proponho que no artigo 13.º se supprimam as palavras "ou outra causa". = Marianno de Carvalho."

Isto ou outra redacção que traduza o mesmo pensamento, isto é, desde o momento em que tiver havido declaração e o contribuinte não for incluido na matriz, seja isento de qualquer penalidade.

Quando, porém, o governo e a commissão não queiram acceitar esta emenda radical, contento-me com outra: que ao menos o praso seja mais curto, reduzindo os cinco annos a um ou dois, e então haverá menos probabilidade de mudança de residencia, e, por consequencia, menos probabilidade tambem do desconhecimento do facto se ter sido tributado novamente e de que o contribuinte não poderia sustentar.

Mando para a mesa estas duas emendas para serem enviadas á commissão, conforme o pedido do sr. relator, e ella decidirá o que julgar justo a tal respeito.

(S. exa. não reviu.)

Foram admittidas e enviadas á commissão.

O sr. Ferreira de Almeida: - É para fazer apenas uma observação que me foi suggerida pelas indicações do sr. Marianno de Carvalho.

Parece-me que tanto no caso do artigo 12.°, como no caso do artigo 13.°, se podia acrescentar, para resalva do contribuinte, um paragrapho ao artigo no sentido da auctoridade competente passar um recibo de ter sido feita a declaração.

Nada mais.

O sr. Mello e Sousa (relator): - Tinha já pedido a palavra, para dizer justamente que é isso o que acontece.

A declaração é sempre apresentada em duplicado, de maneira que o contribuinte fica com uma d'essas declarações, assignada pelo escrivão de fazenda. É o documento por onde prova, a todo o tempo, que fez a devida declaração. E isto mesmo responde às considerações do sr. Marianno do Carvalho. O contribuinte fica em seu poder com uma das declarações, assignada pelo escrivão de fazenda, e esse documento é, por assim dizer, a prova da declaração ter sido feita.

O sr. Marianno de Carvalho: - Não é essa a minha objecção.

O Orador: - Pois não é isto o que v. exa. deseja?!

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu apresentei o seguinte exemplo:

Apresento a minha declaração de que exerço uma industria em Lisboa; e depois não me inscrevem na matriz por qualquer esquecimento,- emfim, por uma circumstancia qualquer, para que eu não concorri; vou-me embora para Traz os Montes, avisam-me, como não estou, não recebo os avisos, e daqui a tres, quatro ou cinco annos, collectam-me com todas as penalidades. Como não estou em Lisboa, e nada sei, porque não recebi os avisos, sou executado!

O Orador: - Então essa questão é para ser apreciada.

Foi approvado o artigo 13.°, salvas as emendas.

Em seguida ficaram approvados, sem discussão, os artigos 14.º e 15.º

Leu-se o

Artigo 16.° Para os effeitos d'esta lei todas as povoações do continente do reino e ilhas adjacentes são distribuidas em oito ordens, nos termos seguintes:

Terra de 1.ª ordem:

Cidade de Lisboa, na parte comprehendida dentro da respectiva circunvallação até á promulgação da lei de 18 de julho de 1885.

Terras de 2.ª ordem:

Cidade do Porto, na parte considerada pela legislação anterior a 1893 na mesma ordem;

Cidade de Lisboa, comprehendida ou a comprehender na respectiva circunvallação, excepto a parte considerada acima de 1.ª ordem.

Terras de 3.ª ordem:

As que tiverem população superior a 12:500 almas, e que não forem consideradas terras de 1.ª e 2.ª ordem;

A parte da cidade do Porto, comprehendida ou a comprehender na respectiva circumvallação, e que pela legislação anterior a 1893 era considerada terra de 4.ª ordem.

Villa Nova de Gaia.

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Terras de 4.ª ordem:

As de 8:001 a 12:500 almas inclusive.

Terras de 5.ª ordem:

As de 4:001 a 8:000 almas inclusive.

Terras de 6.ª ordem:

As do 2:001 a 4:000 almas inclusive.

Terras de 7.ª ordem:

As de 501 a 2:000 almas inclusive.

Terras de 8.ª ordem:

As que tiverem até 500 almas inclusive.

§ 1.° A ordem da terra é determinada pelo numero de almas de cada freguezia.

Nas cidades e villas, ou em quaesquer povoações que tiverem mais de uma freguezia, conta-se a população de todas as freguezias para a fixação da ordem da terra, quando tiverem sido annexadas ou fizerem parte da respectiva cidade, villa ou povoação por diploma ou acto anterior a 1893, e sendo os effeitos fiscaes comprehendidos no numero dos que deve ter produzido a annexação.

Se a annexação de qualquer freguezia não tiver sido, ou não for decretada para os effeitos fiscaes, a sua população será considerada separadamente para a classificação por ordem de terra.

Fica determinado que, em qualquer hypothese, as taxas da ordem de terra maxima, nos termos anteriores, só se applicam á população agglomerada, porque á dispersa serão applicadas as taxas da ordem immediatamente inferior, se as houver.

Relativamente às cidades de Lisboa e Porto, observar-se-ha o que vae disposto anteriormente n'esta lei.

§ 2.° Todas as terras que tiverem pelo lançamento da contribuição industrial do anno de 1893 sido tributadas na 3.ª, 4.ª ou 5.ª ordem das tabellas então vigentes, não podem ser classificadas pelo disposto n'este artigo, respectivamente, em ordem inferior á 4.ª, 5.ª ou 6.ª da actual lei.

§ 3.° As taxas a applicar, pela 1.ª parte da tabella B, a Villa Nova de Gaia, com relação á 1.ª e 2.ª classes de contribuintes, serão as correspondentes a terras de 2.ª ordem.

§ 4.° As taxas da contribuição industrial, nas terras de 2.ª ordem, inclusive, e nas seguintes, serão augmentadas:

a) Com 10 por cento, quando essas terras sejam portos de mar com commercio maritimo de importação ou exportação, ainda mesmo que esse commercio se faça por alfandega ou respectiva delegação de outra terra, situada no mesmo porto a distancia menor de 5 kilometros;

b) Com 10 por cento, quando sejam cabeças de districto ou sede de concelho autonomo;

c) Com 10 por cento, quando sejam testas ou terminus de linhas ferreas;

d) Com 8 por cento, quando, tendo menos de 4:000 almas, sejam cabeças de concelho.

§ 5.° Os augmentos de que trata o § 4.° d'este artigo não se accumulam, e applica-se sempre o mais elevado que caiba á respectiva terra, nos termos do mesmo paragrapho.

Nenhum d'estes augmentos é applicavel: á parte da cidade de Lisboa considerada na 2.ª ordem; á parte da cidade do Porto considerada na 3.ª ordem, nem ainda na dita cidade do Porto, e em Villa Nova de Gaia a quaesquer contribuintes, a contar da 5.ª classe inclusive.

Ás taxas fixas das tabellas A e B que não variarem com a ordem da terra.

§ 6.° As terras, às quaes for applicada a excepção do § 2.° d'este artigo, não terão durante tres annos, a contar de 1894 inclusive, nenhum dos augmentos de que trata o § 4.° d'este mesmo artigo, em relação às taxas da 1.ª parte da tabella B.

§ 8.° Quando, em virtude do novo recenseamento official da população, ordenado e publicado depois de 1894, qualquer terra tenha de subir de ordem por augmento da respectiva população, o augmento da taxa, de que trata este artigo e que resultar da mudança da ordem da terra, não se applicará senão por metade durante os primeiros tres annos depois da publicação do referido recenseamento.

O sr. Salgado de Araujo: - Não sei se está presente algum dos srs. deputados pelo Porto; não lhe queria tirar a honra de reivindicar para aquella cidade a consideração de terra de primeira ordem. (Apoiados.) Mas uma vez que ninguem ainda fallou a este respeito, e por consequencia ainda não fez esta reivindicação, faço-a eu, em nome de todos nós.

A cidade do Porto, se não tem a população tão grande como Lisboa, tem comtudo, uma população bastante importante. É a segunda cidade do reino, mas a primeira talvez, sob o ponto de vista de trabalho. O Porto trabalha mais do que Lisboa; Lisboa, é mais patricia.

É como acontece com Madrid e Barcelona. Ha uma grande differença entre estas duas cidades; mas Barcelona com o ser mais pequena em população, excede Madrid
pela actividade e desenvolvimento da sua industria e do seu commercio.

No Porto, repito, acontece o mesmo.

O Porto é uma cidade que não tem negócios directos com a Africa, como Lisboa, mas tem o seu grande commercio de vinhos, que dá um grande desenvolvimento á população e o emprego da actividade de grandes forças.

Depois, ainda ha uma outra circumstancia.

N'outro tempo, o Porto, quando tinha apenas - para seu serviço com o estrangeiro, o Douro, com as suas dificuldades de entrada e saida de navios, não podia ser visitada pelos grandes paquetes; e por consequencia não podia alargar a sua esphera de acção com todo o mundo, como agora começa a fazer. Agora, tem o porto de Leixões, que veiu abrir á cidade do Porto a facilidade d'esse desenvolvimento; e hoje são raras as companhias de vapores, que não mandam ahi os seus barcos, fazendo já alguns, porto de escala regular por ali, chegando a acontecer muitas vezes, que os vapores são carregados no Porto por completo, e quando aqui chegam, já não têem espaço nenhum para levar carga para a America e outros portos. (Apoiados.)!

Ora, este desenvolvimento deve cada vez tornar-se maior, porque o Porto estando numa região feracissima, servindo as provincias mais ricas do paiz, faz convergir para ali todo esse movimento, e porque é exactamente, das provincias do norte, que vae maior porção de emigrantes para o Brazil, o que dá aos vapores as passagens que são o interesse mais valioso e de maior rendimento, e por consequencia esses passageiros affluem ao Porto, as mercadorias vão até ao Porto e alem disso ha tambem a segurança de que o commerciante tem mais facilidade de embarcar os seus géneros no Porto do que em Lisboa, porque os vapores como já disse, quando aqui chegam por vezes, já não têem logar para mercadorias. Estas circumstancias todas fazem-me pedir que o Porto seja equiparado a Lisboa como tanto merece.

Nós em Lisboa, podem dizer-me, que temos as repartições publicas, que dão para o movimento da capital um grandissimo desenvolvimento e largos interesses, mas deixe-me v. exa. dizer uma cousa, que é verdade, e é que essas repartições publicas dão tambem desvantagem para a povoação activa. Isto são cousas que vem da pratica e que observo na minha vida. Os meus empregados recusam-se por vezes ao trabalho porque têem um parente, um amigo, um vizinho, que é empregado publico e que, quando elles vão para o escriptorio ainda o outro está na cama deitado. O empregado publico é caixeiro dos escriptorios do governo, porque é necessario chamar as cousas pelo seu verdadeiro nome, e os empregados publicos são caixeiros dos

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escriptorios do governo, muito embora lhes dêem outra designação, que lhes faz acreditar que têem uma posição differente, o que não é assim, a vida que vivem é que é differente. Se, pois, os meus empregados quasi por vezes se têem recusado ao trabalho, é porque têem ao pé do si um exemplo que é muito nocivo e do que enferma a cidade de Lisboa. Eu se não fosse a minha saude, que não me permitte viver num clima humido, estaria no Porto e estou certo que a minha casa ali havia de se tornar mais importante do que é em Lisboa, porque ali ha muito mais elementos de vida e o desenvolvimento é muito maior. É por isso que eu peço que o Porto seja considerado terra de 1.ª classe.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que a cidade do Porto seja considerada terra de 1.ª classe. = Salgado de Araujo.

O sr. Dantas da Gama: - Eu sinto não ter ouvido de principio as considerações feitas pelo sr. Salgado de Araujo a respeito da sua proposta para que a cidade do Porto seja considerada terra de 1.ª classe. Não devo apresentar considerações para rebater o pedido de s. exa., porque ellas são tão numerosas e estão feitas em tantas representações, que seria fastidiosissimo para a camara apresental-as aqui.

S. exa. referiu-se á questão dos vapores que tocam em Leixões e que tomam tal quantidade de mercadorias que não lhes fica espaço para receberem mais em Lisboa. Sobre isto nada posso dizer a v. exa.; o que sei, porém, que ao Porto vão uma diminuta quantidade de vapores, emquanto que a Lisboa vem muitos mais, e alguns ficam tão carregados aqui que nem ao Porto podem ir. Ainda, porém, que assim não fosse, parece-me que isso não era rasão bastante para o Porto ser considerado terra de primeira classe, porque o que torna uma terra importante o seu movimento, a quantidade de estrangeiros que a visitam, que lhe dão esse grande lucro, e especialmente pela concentração das repartições publicas e dos meios de que dispõe e a collocam no logar de primeira cidade do paiz. A camara sabe perfeitamente que para tratar de qualquer assumpto, que diga respeito á sua economia ou á sua politica, o habitante do Porto tem de pôr de parte os seus negocios e vir a Lisboa, gastando dinheiro, perdendo uns poucos de dias; em Lisboa ha, por assim dizer, tudo quanto é preciso.

Para que o Porto fosse considerado como sendo uma cidade de 1 .ª classe, era necessario que se collocasse Lisboa em uma classe superior, que, se s. exa. o entendesse, poderia ser - extra -. Conservando-se as taxas relativas, concordo com todas as classificações.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, estando votado que as emendas apresentadas no decorrer do debate vão para a commissão, a fim de sobre ellas dar o seu parecer, v. exa. comprehende que eu não desejo antecipar a minha opinião sobre assumptos que ella deve estudar; todavia, em relação precisamente á questão levantada pelo sr. Salgado de Araujo, eu devo dizer a s. exa. que, ao contrario do que s. exa. suppõe, estou certo que todos os representantes da cidade do Porto, longe de desejarem vel-a collocada em 1.ª classe, hão de, pelo contrario, folgar muito em continuar a tel-a na categoria indicada n'este projecto.

Esta questão foi muito largamente debatida e chegou-se a um terreno que me parece de conciliação. Pela lei de 1893 a cidade do Porto, na parte que era anteriormente de segunda ordem, passou para a primeira ordem, e o resto da cidade, que estava na quarta ordem, passou para a terceira; ainda assim fez-se um correctivo na lei ácerca da parte que ficava na primeira ordem e foi resolvido que nas classes 4.ª, 5.ª^, 6.ª, 7.ª e 8.ª se fizesse um desconto de 15 por cento.

Publicada a lei, a maior parte das reclamações que se fizeram ao governo, vieram do Porto, com larguissima copia de rasões e variado numero de argumentos.

Devo lembrar a v. exa. que nessa occasião collaboraram na questão não só representantes do commercio e da industria de Lisboa, mas representantes do commercio e da industria do Porto; foi larguissima a discussão no seio da commissão e no fim chegámos ao accordo que se encontra no decreto, que está hoje sujeito á sancção do parlamento.

Por este decreto a cidade do Porto ficou, é certo, em segunda ordem, mas com um augmento que não existia na legislação anterior, isto é, paga mais 10 por cento que as taxas da segunda ordem; constitue assim uma ordem intermedia por meio do lançamento d'esta percentagem. A cidade do Porto deixou de reclamar, e, francamente, não me parece que o interesse fiscal que possa resultar de elevar aquella cidade á primeira ordem, compense as reclamações, os desgostos, a irritação que immediatamente se levantaria se quizessemos fazer qualquer alteração ao existente.

A commissão apreciará este assumpto, mas eu quiz dizer á camara qual é a minha opinião, para que não subsistissem duvidas ácerca do meu intento, e para não despertar novas reclamações.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu ouvi, sr. presidente, as palavras do sr. presidente do conselho, e acho que s. exa. fez muito bem, applaudo s. exa. - e sou sincero, porque quando discordo dos actos de s. exa. digo-o com a mesma franqueza.

Eu tinha uma cousa para dizer, mas primeiro desejaria que me explicassem alguns erros de grammatica que aqui vejo, por exemplo:

"Terra de 1.ª ordem:

"Cidade de Lisboa na parte comprehendida dentro da respectiva circumvallação até promulgação da lei de 18 de julho de 1880."

Parece que a antiga circumvallação vae até á promulgação da lei de 18 de julho de 1893!

Isto não é culpa do sr. relator.

Temos aqui tambem um erro historico, é o seguinte:

"Cidade do Porto, na parte considerada pela legislação anterior a 1893 a mesma ordem."

Não é exactamente assim!

Tambem não é culpa do sr. relator nem da commissão de fazenda; o sr. presidente do conselho tem só culpa porque mandou copiar.

A questão é que pela legislação anterior a 1893 o Porto já devia ser terra de 1.ª ordem - e tinha até carradas de rasão para o ser; já havia excedido o limite marcado na legislação anterior para passar a ser terra de 1.ª ordem.

Temos depois outra cousa tambem difficil de comprehender: "cidade de Lisboa, comprehendida, ou a comprehender na respectiva circumvallação, excepto a parte considerada acima de 1.ª ordem".

Qual é a terra que fica acima de 1.ª ordem? (Riso.) Não ha nenhuma.

Tambem é preciso emendar isto.

Eu supponho querer isto dizer: "excepto aparte acima considerada de 1.ª ordem".

O fim principal para que pedi a palavra e para o que á tinha duas emendas formuladas, era em relação a um assumpto sobre o qual já chamei a attenção da camara numa sessão anterior - para mim mais alegre do que a actual por estar então presente o sr. Costa Pinto, que não vejo agora.

Uma voz: - Está presente.

O Orador: - Está? Ainda bem! (Riso.)

Disse eu então que não está definido, de um modo claro

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e preciso o que seja população agglomerada. De modo que fica ao alvitre do governo e das auctoridades, fiscaes ou politicas que o informem, o classificar qualquer terra em uma determinada ordem.

A redacção que está no projecto é esta: "as taxas da ordem de terra maxima só se applicam á população agglomerada, porque á dispersa serão applicadas as taxas da ordem immediatamente inferior, se a houver". Aqui está porque é preciso dizer, indiscutivelmente, o que se entende por população agglomerada.

Eu tenho uma tal ou qual cumplicidade na redacção de alguns pontos deste artigo; mas tambem tenho uma idéa vaga de que dava igualmente uma tal ou qual definição do que se podia entender por população agglomerada.

Como o recenseamento é feito por freguezias e não por terras, resultam d'ahi graves inconvenientes. Não me lembro bem da minha definição. Em todo o caso o que eu quero é dar simplesmente um pretexto á commissão para o assumpto se discutir novamente, acceitando-se a antiga idéa, se se entender que presta, ou a moderna, que eu apresento agora, ou ainda outra, se apparecer. A que eu apresento agora é esta:

"Entende-se por populações agglomeradas as que se encontram reunidas em grupos de habitações não distantes mais de 20 metros umas das outras, e nunca inferiores a 100 casas."

Torno a repetir, não dou por melhor esta idéa ou a que tive a honra de apresentar ha tempo. Com esta emenda, dou motivo á commissão para poder deliberar. Reputo essencial, que na lei se dê uma explicação do que se entende por população agglomerada.

O outro ponto para que quero chamar a attençao da camara e mandar para a mesa uma emenda, diz respeito á questão das terras com o commercio maritimo de importação ou exportação.

Tambem tenho idéa que esta disposição vem na lei hespanhola; e o meu desejo seria, que em logar de se dizer "commercio de importação ou exportação", se dissesse "commercio de importação e exportação". E feito isto, só eliminassem as1 ultimas palavras, por inuteis. Se o governo não estabelecer alfandega, porque não valha a pena, estabelecerá uma delegação. Escusámos de estar a marcar a distancia maior ou menor de 5 kilometros, em favor de umas terras e em prejuizo de outras: são dispensaveis estas palavras, pondo-se em logar d'ellas "quando esse commercio se faça por alfândega ou respectiva delegação".

(S. exa. não reviu nenhum da discursos que pronunciou n'esta sessão.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Emenda ao artigo 16.° Entende-se por população agglomerada a que se encontrar vivendo em grupos de habitações que não distem mais de 20 metros umas das outras, nem no todo sejam em numero superior a cem casas.

Emenda ao artigo 16.°, § 4.°, alinea a). Com 10 por cento quando umas terras sejam portos de mar com commercio maritimo de importação e exportação, quando esse commercio se faça por alfandegas ou respectivas delegações. = Marianno de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro):-Não faria referencia a um trabalho muito importante, como são todos os do illustre deputado, o sr. Ma-rianno de Carvalho, e que elle effectivamente fez, se s. exa. não lhe tivesse feito referencia; mas desde que s. exa. se referiu ao assumpto, peço licença para lhe fornecer um esclarecimento, para que o illustre deputado melhor possa formular a emenda, que mandou para a mesa.

A idéa do illustre deputado, quanto a classificação em ordens das terras, é a seguinte:

"A classificação em ordens não se faz por terras, mas por freguezias, mas quando as freguezias estejam agglomeradas, conta-se sommada a população de todas para determinar a ordem."

Entende-se que duas ou mais freguezias constituem população agglomerada, quando as distancias entre as sedes de cada duas sejam menores a 100 kilometros."

O pensamento era um pouco differente da emenda que s. exa. mandou para a mesa, mas eu cito este esclarecimento para s. exa. poder assentar n'aquillo que deva ser a sua redacção.

E se v. exa. quizer, mando-lhe esta nota.

O sr. Marianno de Carvalho: - Não é preciso, já sei qual é a hypothese.

O sr. Salgado Araujo: - Sr. presidente, eu podia não querer ser vencido em modestia e requerer para que Lisboa fosse classificada terra de 2.ª classe.

Não o farei, porém.

O que vejo, sr. presidente, - o que não é a primeira vez que se pretende dar ao Porto a classificação a que merecidamente tem direito, e agora mais do que antes, devido aos melhoramentos realisados e que, dada a louvavel actividade d'aquella população, lhe assegurarão um larguissimo desenvolvimento do seu commercio.

Vejo, porém, tambem que da parte das classes d'aquella cidade se têem levantado attritos a essa justa classificação, e eu não desejo por fórma alguma que esta minha proposta ou esta idéa, que tenho, possa trazer qualquer dificuldade.

O sr. Marianno de Carvalho tem-se referido mais de uma vez às forças vivas, que existem n'esta camara, e s. exa. está vendo agora uma outra feição d'ella, que é a circumstancia, inteiramente especial, da falta de disciplina, que devia haver se, por acaso, assim como aqui ha generaes sem soldados, não houvesse tambem soldados sem generaes,- eu, que sou dos soldados, que não têem generaes, não estou obrigado a uma disciplina qualquer, tenho por isso mesmo muito mais responsabilidade dos meus actos mas, na occasião que me pareça opportuna, por vezes poderei dizer alguma cousa, que não seja inteiramente da feição d'aquelles, que me poderiam dirigir, mas que não me dirigem, porque quem me dirige sou eu só.

Posto isto, ainda poderei dizer outra cousa. Não desejo que n'esta, nem em nenhuma das leis, que tenham de ser votadas n'esta camara, que eu tambem vote, possa haver manifestações de amor fraternal por qualquer classe, como aquellas que, em camaras anteriores, se deram, como nos disse o outro dia o sr. Marianno de Carvalho.

Comtudo, eu não quereria tambem, n'este caso, deixar de tratar o Porto com amor fraternal, isto é, pondo o perfeitamente igual a Lisboa. Mas se alguma difficuldade póde vir a resultar da minha proposta, eu de boa vontade a retiro.

Como, porém, vae á commissão, n'este intervallo, estou que a chuva do reclamações não será tão grande que nos alague, e teremos tempo de resolver como for melhor.

Vou agora responder ao sr. deputado pelo Porto. Disse s. exa. que os vapores carregavam em Lisboa e depois não iam ao Porto, ou iam ao Porto depois de passarem aqui. Não acontece tal. Os vapores, que vem do Brazil ou da America meridional aonde temos maiores relações, vem apenas a Lisboa deixar passageiros, isso trazem, carga, porque quasi não temos commercio de importação em vapores com aquella parte da America, temol-o só de exportação, e é por isto que não se dá o caso dos vapores fazerem escala pelo Porto, a não ser os que trazem cargas de algodão do Maranhão destinadas às grandes fabricas, que existem no Porto ou suas proximidades.

Se ha circumstancias, que obrigam os habitantes do Porto a vir a Lisboa, existem compensações em favor d'aquella cidade,

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Eu, quando tenho querido mandar concertar algum dos meus navios, mando-o ao Porto, porque em Lisboa não os posso fazer concertar, por me sair mais caro. Aqui está uma vantagem especial, que o Porto tem tambem sobre nós.

Quanto a visitas de estrangeiros recebemos aqui poucas, infelizmente, e essas vão tambem ordinariamente ao Porto. Não vejo, portanto, rasão alguma para que depois de haver o porto de Leixões se colloque a cidade do Porto em condições excepcionaes de inferioridade. Como disse o sr. Marianno do Carvalho não vejo rasão para deixar de considerar o Porto terra de 1.ª ordem; entretanto a camara resolverá como entender.

O sr. Marianno de Carvalho: - Agradeço sinceramente a explicação que me deu o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda, mas antes d'isso e já agora que fallou o sr. deputado Salgado Araujo, eu sempre entendo dever dizer que isto de manifestações fraternaes são como as rosas de Malherbe, duram o espaço de uma manhã.

De resto creia o illustre deputado que é melhor deixar o passado socegado o não andar a revolver na campa as paixões de uma sessão que passou. É melhor!

Tambem devo dizer ao illustre deputado, que disse não ter idéa do que eram as antigas camaras, que s. exa. andava por esse tempo naturalmente preoccupado com os varios negocios que com tanta proficiencia e credito tem na praça de Lisboa. Não frequentava provavelmente a camara, porque se a frequentasse havia de ver como discutiam aqui aquelles a quem s. exa. chamou caixeiros do estado. Ora, sr. presidente, eu sou funccionario publico, sou professor de uma escola superior, e realmente não gosto que me chamem caixeiro do estado. A profissão de caixeiro é muito honrosa; mas na minha situação de lente de uma escola superior, francamente, não gosto que me chamem caixeiro do governo.

Quanto ao sr. presidente do conselho devo dizer que effectivamente era essa a idéa que eu tive na occasião. Na occasião a idéa que me passava pela mente era o caso da agglomeração de freguezias; agora não; agora a idéa é um pouco differente, embora completo a outra. Uma considera a hypothese da agglomeração de freguezias, o a outra considera a hypothese, quer haja agglomeração, quer não haja, de que uma determinada localidade se podo considerar população aggregada em freguezias, ao passo que não existem populações aggregadas, mas sim populações dispersas, ellas não têem nenhum movimento commercial ou industrial de grande importancia, emquanto que outras com populações dispersas a têem.

É por isso que formulei a minha emenda, para dar pretexto á commissão para que estudo este assumpto e para que se procure uma formula que acabe com o arbitrio do governo e dos empregados de fazenda.

E nada mais.

O sr. Ferreira de Almeida: - N'este artigo, que trata da ordem das classes e por consequencia das taxas correspondentes, resulta para o districto de Faro, mais que para nenhum outro, um onus extraordinario.

Eu não venho levantar a questão na camara, porque sei que ella foi largamente discutida na commissão; mas como as discussões da commissão não constam da acta nem do registo publico, por onde os povos saibam que os seus interesses foram defendidos da melhor forma, faço referencia a este ponto unicamente para vir no Diario das sessões. Sei que não ha lei possivel, dentro desta base, para poder salvar varias povoações do districto de Faro, onde ha villas que ficaram equiparadas a cidades, e simples aldeias equiparadas a villas importantes! Faço votos para que o governo no intervallo parlamentar prepare para a sessão seguinte a revisão da lei, e possa achar outras bases, ou uma formula qualquer, em que tamanho onus se corrija, o que seria realmente para agradecer.

O sr. João Arroyo: - Eu esperei que algum dos cavalheiros que representam especialmente n'esta camara o circulo do Porto usasse da palavra...

Uma voz: - Já fallou o sr. Dantas Grama.

O Orador: - Eu ainda não tinha chegado n'essa occasião, e por isso não sabia que já tinha fallado um dos cavalheiros que representa aquelle districto, aliás não teria pedido a palavra. Mas, visto que estou com a palavra, não quero deixar de collocar-me absolutamente ao lado do sr. presidente do conselho na opinião que s. exa. sustentava ácerca da forma de collocar a cidade do Porto.

Eu não tenho a honra de representar aquelle districto, nem especialmente a cidade. Como v. exa. muito bem sabe, segundo a lei em vigor, não ha representação senão por districtos. Mas conheço bem a cidade do Porto, ali nasci e vivi até chegado quasi á maioridade, e tendo perfeito conhecimento não só do movimento commercial d'aquella cidade, como da forma que ali se trabalha e lida no desenvolvimento da riqueza publica e particular, não tenho duvida em sustentar a conveniencia da modificação que se adoptou.

Dito isto, tambem vou fazer uns pequenos reparos às considerações que o sr. Salgado ha pouco exhibia, considerações que representam a comparação entre o actual regimen parlamentar e o anterior. Sempre que dentro d'esta assembléa legislativa uma voz se levantar, não direi para elogiar a actual assembléa, mas para deprimir a antiga, eu emquanto poder e souber, hei de defender o antigo parlamento portuguez - que se algum defeito teve, foi saber-se sacrificar de mais (Apoiados.) quando a urgencia da conjunctura e as necessidades da politica e da administração assim o exigiam. Eu quero crer, devo crer, e creio, que a actual camara é capaz de todos os sacrificios (Apoiados.) mas o que ella não é, é superior á anterior, e às antigas, em dedicação e sacrificio pelo bem publico. (Apoiados.) A todos os individuos que tiverem, porventura, a velleidade de fazer acreditar a si proprios que o contrario é a realidade dos factos, quero unicamente lembrar o seguinte: essa camara, cujo valor, cujos merecimentos são vivamente atacados hoje por alguns individuos singulares, essa camara soube votar em 1892 a lei da salvação publica; (Apoiados.) ella, que era composta, não direi na sua quasi totalidade, mas numa grande parte, de funccionarios públicos,- d'esses a que agora, incorrectamente, foram chamados caixeiros do governo! E note v. exa. a suavidade do adverbio, que acabo de empregar: incorrectamente. Essa camara, repito, composta de funccionarios publicos, sem uma hesitação, sem uma duvida, votava as deducções nos ordenados; não fazia ao gabinete Dias Ferreira, nem no seio da commissão, nem durante a discussão parlamentar, a mais pequena difficuldade, não lhe levantava o mais pequeno tropeço!

E esse homem d'estado, que faz hoje parte d'esta camara, que não sei se está presente...

Uma voz: - Não está.

O Orador: - Pois quando estiver, elle poderá testemunhar, se ha, porventura, dedicação, abnegação e patriotismo que possa exceder aquelle que o antigo parlamento mostrou n'uma hora triste para a vida nacional. (Apoiados.)

Uma voz: - Apoiado! Muito bem!

O Orador: - Ninguem respeita mais os representantes do commercio e da industria do que eu. Sou deputado ha bem doze annos - e posso declarar a v. exa., - e parece-me que todos os que me conhecem serão d'isso testemunhas,- de que os problemas politicos, não chamaram mais a minha attenção, do que os problemas económicos, industriaes e commerciaes, durante o tempo que tenho sido deputado. (Apoiados.)

Collaborei, creio que posso dizel-o, em todas as principaes discussões de caracter economico e administrativo; fui sempre o primeiro a desejar que ao nosso lado, - aquelles que constituimos propriamente a columna dos homens

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politicos e dos funccionarios publicos, - ao nosso lado, trabalhassem, não com proeminencias de patriotismo ou de dedicação pela causa publica, mas n'uma verdadeira situação de igualdade, os representantes do commercio e da industria.

Póde discutir-se hoje em dia - hei de eu discutil-o, quando a reforma da camara dos deputados vier á discussão,- se os principios seguidos pelo governo, na reformação da nossa legislação eleitoral, são porventura os mais uteis e os mais proficuos ao desenvolvimento do regimen parlamentar; hei de afastar-me da opinião do governo; mas uma cousa é, por differença do principies, eu não concordar com as bases que o actual ministerio seguiu, na reforma da nossa legislação eleitoral, outra cousa é o reconhecimento dos serviços prestados pelo antigo e pelo novo parlamento, outra cousa é, a verdadeira justiça, feita áquelles que, quando porventura se tratava - já não direi das suas paixões, mas até dos seus mais caros interesses - não hesitavam um segundo em os saber pospor ao interesse collectivo e ao bem da nação! (Apoiados.)

Agora, emquanto á classe dos funccionarios publicos, ella não precisa que eu a defenda, mas ando tambem, ha um tempo para cá, um bocado como que enfastiado da injustiça flagrante, para não empregar outra phrase, com que essa classe tem sido tratada por outras! Devo dizer que durante é meu tirocinio parlamentar encontrei funccionarios publicos ao lado do, governo votando projectos de caracter politico. É verdade. Mas encontrei-os, como os encontro agora a v. exas.! Encontrei-os a votar moções politicas formando columna cerrada em volta dos gabinetes que defendiam-como os encontro hoje a v. exas. - sem desdouro para elles nem para v. exas.! Vi-os votar moções politicas á carga cerrada, como vi a v. exas. votar o bill na pouco mais de um mez, e como ha pouco tempo, tendo sido posta a questão politica, em assumpto que d'ella devia estar afastado, os vi votar tambem!

Isto quer dizer que v. exas. não sabem cumprir os deveres que lhe incumbem como representantes da nação? De certo que não; o que quer dizer é que os outros tambem os cumpriam, e que é bom não confundir essa corrente de injustiça flagrante, com que se ataca a classe dos empregados do estado, com a dedicação com que elles souberam sempre honrar o mandato popular.

Eram homens politicos, votavam moções politicas, - como v. exas., que são representantes das industrias e do commercio, desde que collaboram n'um projecto politico hão de accentuar a sua politica parlamentar; mas ao mesmo tempo que elles votavam moções politicas, discutiam as questões economicas e financeiras. Sirva de exemplo, para não irmos mais atrás, a pauta de 1892.

Dito isto, sem acrimonia, mas reivindicando para essas antigas camaras os serviços que prestaram, vou concluir, mas desde já prometto que da mesma maneira que a minha palavra será posta em defeza d'esta assembléa legislativa, quando ella seja atacada como legitima representante da nação, da mesma maneira a minha palavra não deixará de se erguer, não direi para a defeza, mas para o elogio, d'aquelles que vindo antes de alguns dos que aqui estão, souberam, na discussão dos assumptos politicos, dar demonstração da sua coherencia, e na discussão dos assumptos economicos, dar prova das suas competencias.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Mello e Sousa (relator): - Não pedi a palavra sobre o assumpto que se debate, mas para fazer ligeiras considerações ás observações apresentadas pelo sr. conselheiro Arroyo, em seguida a umas phrases proferidas pelo meu bom amigo o sr. Salgado de Araujo, - phrases originadas pela designação de forças vivas, que aqui tem sido repetidas - e que, como consequencia natural, trouxeram umas observações talvez menos cordatas, ou menos rasoaveis, por parte do sr. Salgado de Araujo.

Eu, sr. presidente, fui o primeiro a ser accusado de atacar a camara transacta e todavia quando na discussão do bill tive occasião de me referir a ella, não fiz mais do que reproduzir as palavras do sr. Dias Ferreira, illustre e antigo parlamentar, quando nos historiou aqui o que eram as antigas camaras - que não estudavam nem se preoccupavam com as mais graves questões, acrescentando que para os impostos estavam sempre de accordo.

Foi a. exa. que nos fez a historia do parlamento, para nosso ensinamento, e depois achava que a somnelencia não era o caracteristico das assembléas politicas; eu confrontando a historia feita por s. exa. com o conselho que nos dirigia, apenas defendi o parlamento.

N'essa occasião o sr. Arroyo referiu-se ao ataque que tinha visto nas palavras que eu tirara da narrativa feita pelo sr. Dias Ferreira, - auctoridade no assumpto - e julgou ver n'ellas uma offensa ao parlamento.

Referi-me já depois d'isso ao ataque provocado por parte de um illustre e nobre jornalista, que foi um distincto parlamentar, cuja palavra é sempre clara e precisa e cujos discursos o tornaram celebre e notavel, porque representavam sempre idéas e nunca traduziam insinuações; esse illustre parlamentar foi de uma gentileza extraordinaria, chamando-me apenas tendeiro. Alguns suppozeram que me era dirigida essa classificação como offensa; eu entendi que não a devia considerar assim. Pois um illustre escriptor liberal podia porventura querer enxovalhar o homem do povo, quando pelo seu trabalho conseguiu elevar-se? Quiz com certeza elogiar; alem de que eu honro-me muito de ser tendeiro.

Eu não fiz ataque n'essa occasião ás antigas camaras; primeiro foi atacada esta camara pelo sr. Dias Ferreira, não directamente talvez, mas alludindo á somnolencia - e eu aproveitei me da historia que s. exa. nos havia feito e citei as suas palavras; vi tambem em alguns jornaes que esta camara se não assimilhava ás anteriores; mas esses mesmos jornaes diziam no dia seguinte que eu era imbecil. Depois ainda houve varias referencias á classe commercial, ás forças vivas e as referencias feitas ainda ante-hontem pelo sr. Marianno de Carvalho -n'uma historia que nos contou a proposito da discussão da contribuição industrial, e do porto franco, das reclamações dos fragateiros! Não foram os fragateiros que se oppozeram, nem era o porto franco que s. exa. queria; o que s. exa. queria era o interpostoou a zona franca, não foram, porém, os fragateiros que se oppozeram.

Os fragateiros são uma classe muito respeitavel; como v. exa. sabe arriscam a sua vida e os seus bens, porque não têem seguras, creio eu, as suas fragatas. Se é verdadeira aquella definição apresentada por s. exa. de Voltaire, parece-me, de que "a politica é a arte de fazer sustentar um terço á custa dos dois terços restantes", os fragateiros são tão respeitaveis como os empregados publicos e todas as demais classes.

Ainda s. exa. nos disse tambem, com referencia á classe commercial...

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu nem de leve me referi á classe commercial.

O que disse foi que este paiz era o paiz dos vexames e toda a gente gritava contra elles.

O Orador: - Então quem foi que representou contra o entreposto e contra a sellagem? Foram os empregados publicos?

O sr. Marianno de Carvalho: - Tambem foram.

O Orador: - Só se foi por já estarem nomeados e não quererem perder os logares.

O sr. Marianno de Carvalho: - Foi uma questão politica em que entraram todos.

O Orador: - Eu tive occasião de defender a sellagem, o que me valeu uma monumental pateada na associação

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commcrcial de Lisboa; mas tambem vi muitos negociantes defenderem sinceramente esta providencia, tanto que s. exa. concordou em deixar a sellagem facultativa para os industriaes que as reclamassem.

Eu entendo que se deve evitar quanto possivel estas referencias directas á classe commercial, em questões inteiramente mortais, para não trazerem a natural reacção, como aconteceu agora. Não se devem repetir os casos de hoje, que são realmente desagradaveis.

Eu estou sempre prompto para defender o commercio, como s. exa. os funccionarios publicos, quando porventura forem atacados. Mas aqui não ha classes. (Apoiados.) Portanto é melhor abster-nos todos de fazer referencias a esta ou áquella classe, para acabar de vez com tão pequenas cousas. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu estas notas.)

O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao sr. Arroyo, mas antes d'isso tenho a observar que os srs. deputados têem estado fóra da discussão. Consenti que s. exas. fallassem, porque me seria muito doloroso ter de interromper o sr. Arroyo, como tambem o sr. Mello o Sousa. Agora pedia-lhes o favor de tratar da questão que se discute pondo ponto no incidente.

O sr. Arroyo: - Eu desejaria muito sor agradavel a v. exa., obedecendo estrictamente ás suas ordens, mas entre esse desejo o a necessidade de dizer alguma cousa sobre o assumpto não sei que fazer!

Sobre este genero de questões é minha opinião que o melhor é dizer logo o que se entende, porque abster-me de dizer agora o que devo, reservando-me para ámanhã, o mesmo é que tomar a discussão muito mais extensa e muito mais larga. Vem a noite, os argumentos, os discursos feitos, esse trabalho de pontifical, e em vez de liquidar, mais se alastra a questão...

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado, que limite o mais possivel as suas considerações.

O Orador: - Fui chamado simplesmente a pedir a palavra, pela segunda vez, pelas declarações que fez o sr. Mello e Sousa, declarações, sr. presidente, com que, na parte que dizem respeito pessoalmente aos seus melindres eu nada tenho; mas desde que foram postos n'um ponto de vista geral, de apreço e apreciação da nova organisação parlamentar, não as posso acceitar, reivindicando para mim absoluta liberdade de apreciação do diploma do governo para a formação d'esta camara.

Á expressão forças vivas não é nossa, é do governo, (Apoiados.) e não é má, porque apesar de não haver representação especial de classes, a verdade que a evidencia impõe, o facto é que o governo reformou, pois que entendeu que essa reforma era a maneira de ter uma representação especial do classes. Esta é a verdade. Para que havemos de estar a illudir-nos?

Ora, sr. presidente, eu posso atacar, referir-me, com e sem ironia, á representação das forças vivas, pois que forças vivas representam uma maneira de symbolisar as differentes classes do paiz, que para mim o governo envolveu mal na sua reforma eleitoral.

Eu não aggravo especialmente esta ou aquella classe; (Apoiados.) e a classe commercial e industrial, em nenhum caso absolutamente.

Ha mais ainda sr. presidente.

Se ha alguem que não possa ser accusado do poupar aqui serviços para satisfazer a essa classe, somos nós, representantes do antigo parlamento, que dedicámos a maior parte do nosso tempo e das nossas sessões a questões de caracter economico - d'esse antigo parlamento, sr. presidente, junto do qual as vozes do commercio e da industria acharam sempre inteiro e completo echo.

Ha de vir a discussão do regimen parlamentar, e então, sr. presidente, nós discutiremos a maneira como se fez a representação das forças vivas. Mas uma cousa é apreciar o relatorio eleitoral escripto pelo governo e outra cousa é denegrir a acção das antigas camaras; - e emquanto tiver força, emquanto tiver voz, hei de pugnar pela obra que é minha e de todos os meus collegas!
Expulsaram-se d'esta casa muitas e muitas individualidades prestadias e intelligentes, por causa de um falso principio; mas o que o meu animo, o que a minha imparcialidade não póde supportar, é que em cima d'essa injustiça ainda agora os homens, que aqui ficaram, representantes de classes, que acharam em nós os seus melhores defensores, de qualquer maneira alleguem propositos menos justos e menos correctos, na apreciação dos serviços prestados! Isso é que não!

Sou de todos os antigos deputados o que menos valho, mas emquanto tiver voz, emquanto tiver sopro, hei de levantar-me e do alto d'esta tribuna hei de pugnar pela minha obra e pela obra dos meus collegas...

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que...

O Orador: - Desculpe v. exa., mas o sr. Mello e Sousa disse - que era preciso que isto ficasse aqui liquidado hoje; e ha de ficar pela minha parte. Levanto-me n'este momento, desculpe-me v. exa., em nome dos antigos - e fallo em nome d'elles, (Apoiados.) para dizer a v. exa. que esta camara - em dedicação, em sacrificios pelo paiz, e em dedicação pela causa do bem publico, é como as antigas: nem peior, nem melhor. Estuda-se - como n'ellas; votam-se moções de confiança politica - como n'ellas; analysam-se projectos de caracter economico o financeiro - como n'ellas. Dito isto, eu quero mais uma vez deixar affirmado que todos aquelles que como eu são empregados publicos hão de achar na minha voz, sempre que for preciso, a defeza dos seus actos passados e do seu procedimento parlamentar.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - S. exa. comprehende que eu de todo me absteria de tomar parte n'este incidente - alem de muitas rasões que para isso teria, pela consideração de não ter a honra de ser membro d'esta camara, - se o illustre deputado o sr. Arroyo, não tivesse feito uma invocação directa ao governo.

O sr. João Arroyo: - Se s. exa. me permitte, dir-lhe-hei que não me dirigi ao governo. Se me referi á reforma da lei eleitoral foi pela necessidade da discussão e mais nada. De resto, reservo-me para n'essa occasião emittir a minha opinião sobre o assumpto.

O Orador: - É o que me parece melhor. Salvo o respeito que tenho por todas as opiniões e por todos os melindres, o que seria o mais conveniente e o mais proficuo seria o reservar o debate para occasião propria. Podo discutir-se a constituição do parlamento, os seus elementos, as suas bases essenciaes - essa discussão, como a camara bem comprehende, tem o seu natural cabimento quando a lei eleitoral for aqui apreciada o discutida. Hoje que estamos discutindo a contribuição industrial, assumpto que nada tem de politico e que em caso algum se póde prestar a um effeito politico, parece-me que no interesse da propria camara, pelo respeito mutuo que todos, uns aos outros, se devem, melhor seria que este debate se liquidasse serenamente, sem levantar paixões irritantes e sem apreciações - que me parece serem de todo o ponto inopportunas, tanto mais, quanto estou seguro e certo, pelo que conheço do todos os membros d'esta camara, que esta pequena tempestade n'um copo de agua não significa da parte de ninguem menos consideração de uns para com os outros - qualquer que seja a classe de onde tenha partido a representação nacional. (Apoiados.) Estou seguro de que nem os que são negociantes e deputados consideram menos os empregados publicos na sua vida laboriosa e tambem na missão a desempenhar como membro do parlamento, nem tão pouco os que são funccionarios do estado, deixam de certo de reconhecer no commercio e industria exactamente as forças vivas, com as quaes a nação se engrandece e

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prospera. Desde que de uns para com os outros não póde deixar de existir o mutuo respeito e consideração especial, que se deve a caracteres laboriosos e probos, é evidente que toda a discussão sobre este assumpto seria mal cabida. Fique para a discussão da generalidade do projecto da lei eleitoral a apreciação da constituição do parlamento nos seus elementos essenciaes. Alem de que é possivel, e na minha opinião é muito conveniente, que esta camara tenha uma feição especial, mas a feição que lhe deriva da propria lei eleitoral de onde ella saíu. Ora, a maneira como esta melhor póde justificar a feição especial de trabalho, de dedicação e de sacrificio - em que eu não digo que seja superior ás aspirações dos que antigamente faziam parte do parlamento,- é discutindo serenamente as questões que são do interesse de todos, procurando aperfeiçoar qualquer acto do governo, que contenha uma ou outra imperfeição e dar o seu assentimento ás providencias que sejam mais do interesse e da economia da nação. (Apoiados.)

Assim, pelos seus actos, pelas suas affirmações - e não pelas suas discussões pessoaes, - é que esta camara se póde e deve levantar ao nivel a que incontestavelmente tem direito, e póde justificara reforma que o governo publicou. (Apoiados.)

Desde que estejamos todos n'este pensamento e n'este accordo, que, me parece, vae com o sentimento de cada um, creio que no interesse da camara como no interesse do paiz devemos seguir nas nossas discussões prudentemente, moderadamente, mas com utilidade e beneficio para a verdadeira causa publica. (Apoiados.)

E, se alguma cousa eu posso pedir aos representantes da nação, eu, que como digo não faço parte d'esta camara, é que trabalhemos todos para que justifiquemos aos olhos do paiz a alta missão de que estamos investidos: eu, como membro do governo, e v. exas. como representantes da nação, collaboremos na causa publica, de vontade e com proveito, e assim teremos mostrado que, effectivamente, da cooperação do governo com o parlamento resultou o complemento de uma missão elevada e o principio da moralisação politica e social do paiz em que todos nós vivemos.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

Foi depois approvado o artigo 16.°, sem prejuizo das propostas mandadas para a mesa.

Em seguida foi approvado, sem discussão, o artigo 17.

Leu-se na mesa o

Artigo 18.° A tabella geral das industrias será organisada de conformidade com as tabellas A e B juntas á pré sente lei, e que da mesma ficam fazendo parte, sendo as industrias, comprehendidas na 1.ª parte da tabella B, distribuidas em dez classes, conforme a mesma tabella.

§ 1.º As industrias, profissões, artes ou officios, comprehendidos na tabella geral, annexa ao regulamento de 27 de dezembro de 1888, que não se achem incluidas nas tabellas A e B da presente lei, não ficam sujeitos á contribuição industrial.

§ 2.° As taxas da contribuição relativas a industrias cujo exercicio regular seja periodico ou interpolado, são devidas por inteiro, não havendo direito a annullação por trimestres. Exceptuam-se d'esta disposição as fabricas de aguardente, que serão collectadas por mez de trabalho, como vae determinado na tabella A.

§ 3.° O contribuinte sujeito ao pagamento de contribuição, por industrias que tenham a mesma taxa, será collectado pela industria, que exercer em mais larga escala.

O sr. Guilherme de Abreu: - Para não ficarem prejudicadas, pela approvação d'este artigo, as emendas que possam apresentar-se sobre as industrias da tabella A, quanto ao tempo do seu exercicio - o eu tenho duas emendas a apresentar a este respeito - parecia-me conveniente que a discussão e votação d'este artigo se reservasse para depois de approvado o parecer sobre estas emendas, ou, pelo menos, que estas emendas ficassem na votação do artigo expressamente resalvadas, de modo que, em caso algum, ellas ficassem prejudicadas. V. exa. providenciará pelo modo como julgar mais conveniente, mas ficando resalvadas as emendas.

O sr. Marianno de Carvalho: - Quero simplesmente dizer que quando se discutiu a lei da contribuição industrial, em que esta tem o seu fundamento, fui eu quem, não sei em quantas sessões, tanto na generalidade, como na especialidade, sustentei - contra o governo, contra o relator da commissão e contra os deputados da maioria que então o defendiam,- os interesses da classe commercial e industrial. Por consequencia, sem necessidade de dar mais explicações, basta dizer isto para significar que nunca quiz faltar ao respeito ás classes commercial e industrial, nem quando me referi á questão da sellagce,- e eu sei bem que o sr. Mello e Sonsa defendeu a minha opinião,- nem a proposito do porto de Lisboa, nem a cousa nenhuma d'estas; o que quiz foi consignar factos historicos.

Emquanto á phrase "forcas vivas" disse o sr. Arroyo, e muito bem, que quem a inventou foi o governo; se é má é d'elle; nada tenho com isso.

Não me conformo com a tabella A, nem com a tabella B, e tenciono combatel-as quando chegar a occasião, visto como a camara decidiu abrir sobre ellas um debate especial.

Quanto ao artigo tenho a dizer que tenciono desempenhar hoje o papel que desempenhei quando a lei que lhe deu origem foi votada n'esta casa. Combato hoje, como sempre fiz, a disposição que não dá direito á annullação das collectas por trimestres, porque a considero uma flagrantissima injustiça e que não tem parallelo n'outras contribuições.

Vejâmos o que succede a este respeito quanto á contribuição predial. Um transtorno qualquer destruiu, por exemplo, as minhas searas Se cultivei bem ou mal, se semeei ou não quando devia, se adubei ou não como devia, se apropriei ou não a semente ou a seara a uma certa qualidade de terra, tudo isto são factos meus a que a lei não attendeu. Se, porém, ha uma causa de força maior que destruiu o producto da minha industria, não permittindo que a terra produzisse o que eu tinha direito a tirar d'ella, o que faz a lei? Dá-me a annullação por sinistro. Que esteja bem ou mal regulado na lei, seja como for, tenho essa annullação. Veiu a contribuição industrial de 1893 e continua a subsistir o systema que obriga um industrial ou commerciante, que por quaesquer transtornos da sua vida apenas exerce a sua industria ou o seu commercio por seis mezes, a pagar a taxa por um anno inteiro. Isto é uma flagrantissima injustiça, que a meu ver não deve continuar, e que não honra a lei, porque nenhuma lei se honra quando contém em si disposições manifestamente injustas.

É preciso fazer uma distincção. Ha industrias e ramos de commercio que só podem exercer-se temporariamente durante um determinado periodo do anno, como é supponhâmos, a industria de espremer azeitona para produzir azeite. A taxa é calculada para o periodo inteiro da laboração, periodo que dura tres, quatro, cinco ou seis mezes. Comprehende-se que não haja reducção de taxa n'uma industria que se exerce só durante tres ou quatro mezes no anno, visto que a taxa foi calculada sabendo-se que a industria se exerce apenas por um tempo limitado, dentro de um anno. Mas supponhâmos uma industria ou um ramo de commercio que normalmente deve exercer-se todo o anno e que por infortunio do industrial ou do commerciante, dura apenas tres ou seis mezes; ha de o contribuinte pagar n'este caso a taxa inteira?

Eu vejo diante de mim um dos mais illustres advogados, o sr. Luciano Monteiro, (Apoiados.) nosso illustre collega.

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394 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Supponhâmos que s. exa. exerce a sua industria só durante tres ou seis mezes, e que por motivo de doença não póde exercel-a durante o anno inteiro, porque está impossibilitado physicamente de exercer a sua industria; é para s. exa. um caso do força maior, que o prejudica. Pois paga collecta por um anno inteiro!

Isto será justo?

Uma voz: - Tem a compensação no gremio.

O Orador: - Isso é conforme! Se estiver doente na epocha da reunião ao gremio, já sabe a compensação que ha de ter!... Alem d'isso, o gremio reune-se n'uma determinada epocha do anno o distribue a collecta; e o que elle não sabe, nem quer saber, é se v. exa. esteve doente ou não. Demais a mais, nem todos os industriaes, nem todos os commerciantes, estão sujeitos aos gremios; e por consequencia o caso não é o mesmo para todos.

Do modo, que me parece ser acto de boa legislação, voltar ao systema antigo, em que, quando o commercio não se exerce por anno inteiro, e só por um trimestre, se faca a deducção correspondente na collecta.

Não é este um assumpto que só preste a fraudes; porque tomaram os commerciantes exercer as suas industrias todo o periodo do anno. Não vem d'aqui graves prejuizos para o thosouro, porque esses factos não se dão todos os dias, alem de que é um acto de justiça, que põe em parallelo esta contribuição com as outras. Não se exija tributação a uma industria senão quando ella effectivamente se exerça.

N'este sentido mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 18.° se eliminem as palavras "annullação por trimestre". = Marianno de Carvalho.

Foi admittida.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Mello e Sousa (relator): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado, que exactamente o caso citado por s. exa., com respeito ao sr. Luciano Monteiro, está previsto.

Se s. exa. estiver doente seis mezes e provar, na junta dos repartidores, que não exerceu durante esse tempo, o logar de advogado, tem a annullação da collecta por esse tempo.

A anuullação só se não faz para as industrias cujo exercicio seja periodico. Para o commercio e para as industrias continuadas e seguidas, a annullação continua a existir e está consignada no regulamento...

O sr. Marianno de Carvalho: - Peço perdão a v. exa. Eu sou mais antigo parlamentar do que v. exa.; não sei o que está no regulamento, porque não o li n'este ponto; mas este mesmo assumpto discuti eu na camara em 1893, em que a mesma questão se levantou; o por parte do governo e da commissão foi-me respondido justamente o contrario do que v. exa. agora diz!

É possivel que se emendasse o regulamento? Não sei!

O Orador: - Não conheço nada do que se passou no antigo parlamento: o que posso dizer a v. exa.; é que esta é a interpretação que se dá á lei; o assim se pratica.

Com os medicos, por exemplo, quando elles por doença, pedem annullação da collecta: verificado o facto, é-lhes concedida. Tem-se feito isto sempre.

O que se entende do regulamento, é que a distincção feita, é só para as industrias, cujo exercicio seja periodico ou interpolado, quer dizer, que não tenham exercicio continuado. Em todo o caso v. exa. faz a sua proposta e a commissão a considerará.

O sr. Marianno de Carvalho: - Quiz tornar a repetir ao illustre relator o sr. Mello o Sousa, que tenho perfeitamente presente na memoria, que este assumpto foi largamente discutido por mim e pelo governo, que era da mesma feição do actual, embora os ministros não sejam os mesmos.

Na occasião em que discuti largamente este assumpto com o governo e o relator da commissão em 1893, quando fiz as mesmas objecções que fiz agora, responderam-me sempre que a annullação por trimestres não se fazia porque dava logar a grandes abusos, o que ou não entendo.

O sr. Mello e Sousa (relator): - Como v. exa. vê isso não está no projecto. E mais: eu posso garantir que é o que v. exa. quer o que é costume fazer-se.

O Orador: - O que eu desejo é que indo a emenda á commissão, ella sirva de lembrança para se examinar o que está na lei e no regulamento.

O sr. D. Luiz de Castro: - Mando para a mesa um additamento que tem relação intima com as propostas que hei de apresentar quando se discutir a tabella A e por isso não faço agora consideração alguma.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Proposta

Propomos que ao § 2.º do artigo 18.º do projecto de lei de contribuição industrial, em seguida á palavra "aguardente" se additem as seguintes: "de azeite de oliveira e de azeite que não seja de oliveira, ou quaesquer outros oleos não tributados por lei especial. = Os deputados, Adriano Monteiro = José Gil de Borja Macedo Menezes = J. Pinheiro = D. Luiz de Castro.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Como estão dois srs. deputados inscriptos para antes de se encerrar a sessão, não continúa a discussão d'este projecto.

Tem a palavra o sr. Mello e Sousa que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Mello e Sousa: - Foi ha dias publicado no Diario do governo a traducção do tratado com a Russia, e na tarifa ahi apresentada classifica-se a cortiça assim: cortiça não fabricada 10 copecks; cortiça meia fabricada 1 rublo e 60 e cortiça fabricada 2 rublos.

Na classificação, cortiça meia fabricada, ha, entre parenthesis, a designação: pranchas, cubos, etc. Isto veiu trazer uma certa perturbação e agitação aos operarios corticeiros, porque suppozeram que, incluindo-se na segunda rubrica a
designação de pranchas, passavam a pagar maior direito.

É certo que pela leitura do Livro branco, que contém todas as peças relativas a esse tratado, pela nota que ha na pauta russa, n'uma circular interpretativa do artigo 2.°, e pela convicção em que estou de que o espirito com que foi feito este tratado foi o de conceder protecção real ao artigo portuguez, me parece que as cortiças em prancha continuam a ser introduzidas na Russia pelo menor direito. Mas como o assumpto é importante, eu desejo ouvir o sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre a fórma por que foi interpretado esse tratado na relação ao ponto que indiquei.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz Soveral): - Eu sei que se levantaram algumas duvidas por parte de industriaes e de operarios, porque fui por elles procurado, ácerca da interpretação que se devia dar ao artigo do tratado que trata da exportação de cortiças para a Russia.

No intuito de desfazer essas duvidas, eu tive occasião de fallar com o sr. ministro da Russia, pedindo-lhe explicações a esse respeito o s. exa. respondeu declarando - que a cortiça continuaria a ser exportada nas mesmas condições em que tinha sido até hoje, salvo as reducções obtidas pelo tratado.

O sr. Salgado de Araujo: - Desejo apenas dizer duas palavras antes de encerrada a sessão de hoje; eu não offendi as antigas camaras, nem de fórma nenhuma o podia fazer, porque tenho vivido até hoje o mais afastado possivel da politica, nunca assisti a nenhuma sessão, e só

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apenas uma vez votei; não podia, portanto, dizer mal de uma cousa que eu não conhecia.

Esta confissão da minha falta de exercicio dos meus deveres civicos, já por si implica uma penitencia, mas como tambem posso justificar-me, permitta-me v. exa. e a camara que o faça.

Andei por completo afastado da politica, porque precisei fazer a minha fortuna pelo trabalho, e porque quiz, para essa filha do meu esforço e da minha probidade, os quatro costados de nobreza, que para os individuos se affirmam em pergaminhos e para a fortuna do negociante nos livros da sua escripturação, em que mostra real a real a limpa proveniencia dos seus haveres. A isto tive de applicar todo o meu tempo, abstrahindo por completo da politica, - e por isto repito que não posso por emquanto fazer a critica o menos a censura do que não conheço.

Devo tambem dizer ao sr. conselheiro Marianuo de Carvalho que não quiz melindrar os empregados das repartições do estado chamando-lhes caixeiros. Em França, no tratado das contribuições directas diz-se:

"Les chefs de burean, sous-chefs et commis principaux de l'administration centrale, etc."

Desde o momento em que os francezes usam dizer caixeiro eu tambem assim disse.

Eram estas explicações que eu desejava dar.

O sr. Mello e Sousa: - Simplesmente desejo agradecer a resposta que me deu o sr. ministro dos negocios estrangeiros e pedia a s. exa. a publicação no Diario ao governo da resposta obtida por s. exa. ácerca d'este assumpto.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz Soveral): - Não tenho duvida em annuir ao pedido do sr. Mello re Sousa; mas não o posso fazer sem ter com o sr. ministro da Russia a attenção de lhe pedir a devida auctorisação.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada e, havendo tempo, a discussão dos projectos n.ºs 10 e 12 por ordem da sua numeração.

Está fechada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Da camara municipal de Guimarães, adherindo á representação que a camara municipal de Marco de Canavezes enviou a esta camara, pedindo que não sejam approvadas, ou que sejam modificadas, as disposições do decreto de 1 de dezembro de 1892 e seu regulamento de 19 do mesmo mez e anno, com respeito ás correntes de agua não navegaveis nem fluctuaveis.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de obras publicas.

Da camara municipal do concelho de Grandola, pedindo que na tabella da contribuição industrial em terceira revisão seja incluida a industria da engorda de porcos em chiqueiros, para venda, podendo ser de 300 réis a taxa por cabeça.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de obras publicas.

De moradores das freguezias da Povoa de Santa Iria, da Azoia, concelho de Loures, e da freguezia de Santo Quintino, concelho de Torres Vedras, secundados pela camara municipal do concelho de Villa Franca de Xira, pedindo que aquellas freguezias sejam annexadas a este ultimo concelho.

Remettidas em officio do ministerio do reino e enviadas á commissão de administração publica.

Da camara municipal do concelho da Calheta de S. Jorge, pedindo que seja modificada a actual classificação das freguezias de Nossa Senhora do Rosario, Santo Antonio do Topo e S. Lazaro do Norte Pequeno.

Apresentada pelo sr. deputado Cunha da Silveira e enviada á commissão de fazenda.

De companhias de seguros, pedindo que seja dispensada pelo estado larga protecção á marinha mercante, quer pela concessão de premios aos constructores o armadores navaes, quer pela isenção do pagamento de certos direitos, como embandeiramento, carga e descarga, etc.

Apresentada pelo sr. deputado Dantas da Gama e enviada á commissão de marinha.

Da associação industrial portuense, pedindo a protecção do estado para a marinha mercante, e discordando de algumas das propostas apresentadas, em representação, pela commissão permanente de defeza da marinha mercante portugueza.

Apresentada pelo sr. deputado Dantas da Gama e enviada á commissão de marinha.

Requerimentos de interesse particular

Do primeiro tenente da armada Alvaro Herculano da Cunha, capitão do porto de Olhão, pedindo que seja annullado o decreto n.º 8, de 1 de fevereiro de 1895 e restabelecido o subsidio decretado em 31 de março de 1890.

Remettido em officio do ministerio da marinha e enviado á commissão de marinha.

Do contra-almirante reformado da armada João Carlos Adrião, pedindo melhoria de reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Ferreira Marques e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

Justificações de faltas

Declaro a v. exa., sr. presidente, e á. camara, que faltei ás sessões, desde o dia 20 do corrente até hoje, por motivo justificado. = O deputado, Silva Cardoso.

Participo que a minha falta de comparencia a algumas sessões foi motivada por doença, = O deputado, J. B. Ferreira de Almeida.

Participo a v. exa. e á camara que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Adolpho Guimarães.

Participo a v. exa. que por motivo justificado não pude comparecer ás tres ultimas sessões. = O deputado, Conde de Pinhel.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Cunha da Silveira me encarregou de declarar que, por motivo de doença não póde comparecer á sessão de hoje. = O deputado, Simões Baião.

Participo a v. exa. e á camara que tenho faltado ás sessões por doença. = O deputado por Faro, Manuel de Bivar Weinholtz.

Declaro a v. exa. e á camara que o meu illustre collega o sr. deputado Francisco José Patricio tem faltado e faltará ainda a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Guilherme de Abreu.

Para a secretaria.

O redactor = Barbosa Colen.

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