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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

33.ª SESSÃO

EM 22 DE JUNHO DE 1908

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - Teem segunda leitura dois projectos de lei da iniciativa dos Srs. Costa Lobo e Mario Monteiro, relativos respectivamente á plantação de vinhas e contagem de tempo para aposentação de um agronomo. Foram admittidos. - O Sr. Ernesto de Vilhena faz largas considerações sobre assuntos coloniaes. - O Sr. Silva de Espregueira participa a constituição da commissão de instrucção primaria e secundaria. - O Sr. Presidente communica a remessa para a camara dos Dignos Pares dos projectos n.ºs 12 e 13. - Pedem documentos os Srs. João de Menezes, Affonso Costa, Sergio de Castro, Brito Camacho e Egas Moniz.- Formulam perguntas por escritores Srs. Queiroz Ribeiro, Affonso Costa e Feio Terenas. - Annunciam avisos prévios ao Sr. Ministro do Reino os Srs. Mello Barreto e Schwalbach. - O Sr. Ascensão Guimarães requer discussão immediata do projecto de lei n.° 14-C, o que é concedido, usando da palavra os Srs. Brito Camacho, Ascensão Guimarães (relator) e Queiroz Ribeiro, sendo em seguida approvado. - Apresentam representações os Srs. Presidente, Ernesto de Vasconcellos, Pereira de Lima e Sergio de Castro.

Na ordem do dia prosegue a discussão do projecto de lei n.° 14 (fixação da lista civil), usando da palavra os Srs. Claro da Ricca e Alexandre Braga. - O Sr. Presidente communica á Camara a declaração do Sr. Alexandre Braga de que não tivera intenção de melindrar pessoalmente o Sr. Ministro da Fazenda (Affonso Espregueira).

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
Antonio Augusto Pereira Cardoso

Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 9 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 55 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio1,1 Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Pereira do Valle, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Jardina de Vilhena, Francisco Cabral Metello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José de Ascensão Guimarães, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Mariano José da Silva Prezado, Roberto da Cunha Baptista, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde da Arrochella, Conde de Mangualde, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Miranda da Costa Lobo,Francisco Xavier Correia Mendes, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Jocão de Sousa Tavares, Joaquim José Pimenta Tello, José Antonio da Rocha Lousa, José Augusto Moreira de Almeida, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde de Oliva.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Pereira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Conde de Azevedo, Conde de Paçô-Vieira, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João Joaquim Isidro dos Reis, João Pereira de Magalhães, João José da Silva Ferreira Neto, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Bento da Rocha e Mello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Oliveira Simões, José Paulo Monteiro Cancolla, Luis Filippe de Castro $D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Visconde de Coruche, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 33 DE 22 DE JUNHO DE 1908 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministro da Fazenda, remettendo copia do officio da Administração Geral das Alfandegas, acompanhada dos esclarecimentos relativos ás quantidades, valores e direitos do açucar procedente do estrangeiro, das provincias ultramarinas e das ilhas adjacentes, importado pelas Alfandegas de Lisboa e do Porto durante o anno de 1907, ficando assim satisfeito o requerimento do Sr. Deputado Ernesto Jardim de Vilhena.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, remettendo copia do traçado da estrada de serviço de Nine á estrada real n.° 4 Braga e do apeadeiro de Gavião, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Affonso Augusto da Costa.

Para a secretaria.

Do presidente da commissão de fazenda, pedindo pelo Ministério da Marinha e Ultramar a remessa dos documentos e informações, constantes da nota junta, que a commissão julga indispensáveis, para dar parecer sobre o projecto de lei n.° 14-D.

Documentos pedidos pela commissão de fazenda.

1.° Nota das despesas annuaes liquidadas e pagas em cada uma das provincias ultramarinas nos annos economicos seguintes (por exercicios) 1897-1898, 1898-1899, 1899-1900, 1900-1901, 1901-1902, 1902-1903, 1903-1904, 1904-1905, 1905-l906, 1906-1907.

2.° Nota das despesas liquidadas e não pagas nos exercicios de 1900-1906, 1906-1907 e o que já esteja apurado como debito em 1907-1908.

3.° Nota das receitas orçamentaes, e das effectivamente cobradas n'aquelles mesmos exercidas em cada uma das provicias ultramarinas.

4.° Nota das sommas entradas nos fundos especiaes com applicação aos caminhos de ferro de Ambaca e Malange e de Mossamedes desde a criação d'aquelles fundos, e saldos actualmente existentes.

5.° Nota das sommas actualmente em divida ao Thesouro da metropole por cada uma das provincias ultramarinas, comprehendendo as sommas pagas pelo cofre do deposito do ultramar, em saques de valles do correio, etc., devendo a relativa aos vales do correio ser mencionada separadamente.

6 ° Nata das sommas transferidas dos cofres das outras, provincias ultramarinas, ou da metropole, para as despesas da provincia de Angola nos annos economicos de 1897-1898 a 1906-1907.

7.° Nota da classificação das despesas de 498:778$640 réis e 642:488$230 réis a que se refere a proposta conforme as respectivas rubricas orçamentaes.

8.° Nota separada das dividas a fornecedores, especificando a natureza dos fornecimentos e os serviços a que foram feitos.

9.° Nota da classificação orçamental dos debitos do districto de Timor na importancia de 100:000$000 réis e exercicios a que respeitam.

10.° Informação sobre se actualmente existem mais algumas dividas ou insufficiencias de dotações no Ministério do Ultramar ou nas despesas das provincias ultramarinas para que haja necessidade de recorrer de novo ao Estado.

Sala das sessSes da commissão de fazenda, em 22 de junho de 1908. = O Presidente, Conde de Penha Garcia. Mandou-se fazer o pedido com urgencia.

Telegrammas

Cacem. - Presidente Camara Deputados - Lisboa. - Encarregados telegraphos postaes segunda pedem respeitosamente Vossa Majestade graça fazer-lhes seja dado vencimento na doença, aposentação, equiparados vencimentos de concelhos segundo aspirante, outras estações aspirantes auxiliares. = Abilio Rocha Oliveira, encarregado estação.

Enviado á commissão do "bill".

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Subsistem os motivos que deram logar ás considerações que serviram de base ao projecto de lei que tive a honra de apresentar a esta Camara na sessão de 6 de outubro de 1906. Das medidas posteriormente adoptadas a maior parte não corresponderam nos seus resultados ao que d'ellas, naturalmente esperavam os seus autores, e em muitos casos os seus effeitos até foram contraproducentes.

Nestas condições, partindo dos principios que já então expus, mas procurando estabelecer uma solução que mais se harmonize com a situação actual e seja ao mesmo tempo de facil execução, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido criterio o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E autorizado o Governo a regular a plantação das vinhas e o commercio e fiscalização dos vinhos, nos termos das bases annexas, que ficam fazendo parte desta lei, e a decretar as providencias necessárias para a sua completa execução.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario do que dispõem as referidas bases.

Base 1.ª

Desde a data da publicação desta lei fica suspensa, por um anno, a plantação de estacas e barbados de vinha americana e indigena.

Base 2.ª

Passado o periodo indicado na base anterior, a administração vinicola autorizará, precedendo concurso, novas plantações, em harmonia com a quantidade e qualidades de vinhos precisos para o commercio deste producto, é da uva de mesa e passa.

Base 3.ª

Para base do arrolamento das cepas existentes deverão todos os proprietarios fornecer dentro do prazo de vinte dias, contados desde a data da promulgação d'esta lei, uma nota contendo a indicação do local das vinhas que possuem, o numero de cepas que possuem e sua qualidade, o compasso da plantação, a qualidade do terreno e condições de irrigação era que se encontra, culturas para que pode ser aproveitado com vantagem, producção maxima e minima das tres ultimas colheitas.

Base 4.ª

Para a direcção dos serviços vinicolas do país, e especialmente da plantação de vinhas, estatistica, fiscalização e commercio de vinhos, é estabelecida uma administração vinicola composta de um conselho central, que funccionará em Lisboa, conselhos regionaes e juntas viticolas.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

As juntas viticolas funccionarão nos concelhos e serão compostas de 3 vogaes effectivos e 3 supplentes, eleitos pelos viticultores do concelho com voto em harmonia com o numero de cepas que possuam, podendo agrupar-se concelhos e dividir-se, quando seja julgado conveniente, ou pelo presidente da Camara e dois vereadores, quando na epoca determinada para a eleição não se tenham reunido, pelo menos, 5 viticultores. O seu expediente correrá por conta das camaras municipaes.

Os conselhos regionaes funccionarão no Porto, Coimbra, Lisboa e Funchal, sedes das regiões viticolas do norte, centro, sul e Madeira, e serão compostos de 3 membros effectivos e 3 supplentes, eleitos pelas assembleias regionaes, compostas de delegados das juntas viticolas, cujo numero está em relação com a producção vinicola do concelho.

Em Lisboa funccionará o Conselho Central de Administração Vinicola de Portugal, composto de 2 membros natos: o director geral da agricultura, que servirá de presidente e fiscal do cumprimento da lei, e o director das missões oenotechnicas: 2 membros de livre nomeação do Governo, dos quaes um servirá de secretario; 1 delegado do conselho regional do Funchal, e 2 de cada um dos outros conselhos regionaes.

Os membros do conselho central receberão pelo tempo do seu serviço effectivo uma gratificação na proporção de 500$000 réis por anno, e os membros dos conselhos regionaes, nas mesmas condições, uma gratificação na proporção de 300$000 réis.

Base 5.ª

A administração vinicola ficará num regime de contabilidade analogo ao dos caminhos de ferro do Estado.

Base 6.ª

É supprimido o imposto de consumo e real de agua sobre o vinho e seus derivados.

Base 7.ª

É estabelecido o imposto de fabrico de vinhos, que será pago por licença, com as seguintes bases, havendo nas medições que servirem de verificação a tolerancia de 10 por cento.

Para as licenças até 25 pipas de 500 litros, 1$000 réis por pipa.

Para as licenças de 25 a 50 pipas de 500 litros, 1$500 réis por pipa.

Para as licenças de 100 a 500 pipas de 500 litros, 2$500 réis por pipa.

Para as licenças de 500 a 1:000 pipas de 500 litros, 3$000 réis por pipa.

Para as licenças acima de 1:000 pipas de 500 litros, 3$500 réis.

Base 8.ª

Do imposto de fabrico de producção liquidado em cada anno serão deduzidos 600:000$000 de réis para o fundo vinicola, e a importancia restante será distribuida pelo Estado e camaras municipaes, proporcionalmente ao seu actual rendimento, e até a media das quantias que tenham cobrado nos ultimos tres annos. Quando as quantias a distribuir forem superiores a esta media, dois terços do excesso reverterão para o fundo vinicola.

Base 9.ª

Serão arroladas em cadastro especial as vinhas classificadas como productoras de vinhos de primeira qualidade do Douro, Dão, Collares e Madeira.

Base 10.ª

Os exportadores de vinhos do Porto, Dão e Collares serão obrigados a ratear em cada anno entre si os vinhos d'esse anno produzidos nas vinhas classificadas de primeira qualidade d'aquellas regiões, e que os respectivos proprietarios tenham posto á disposição dos exportadores até o fim do mês de fevereiro seguinte á colheita, conforme o respectivo regulamento.

Base 11.ª

O Conselho Central da Administração Vinicola, alem de outros serviços que lhe sejam incumbidos, administrará a Caixa do Credito e Fomento Vinicola, a qual fica desde já autorizada a emittir até 20.000:000$000 réis de moeda circulante com o seguinte destino:

a) 10.000:000$000 réis para desconto de warrants de vinhos do Douro classificados de primeira qualidade, a companhias fundadas exclusivamente para o commercio de exportação destes vinhos, e que tenham obrigação de receber annualmente dos seus accionistas pelo menos 5 hectolitros de vinho por cada 100$000 réis de acções.

Os vinhos para este effeito não poderão ser valorizados em mais de 100$000 reis por pipa de 500 litros, e a taxa do desconto será de 3 por cento ao anno;

a) 10.000:000$000 réis para desconto a 3 por cento ao anno Bobre warrants dos mais vinhos, aguardentes e álcool, nas seguintes condições:

O desconto será feito sobre dois terços do valor dos vinhos, ou aguardente alcool, o qual para este effeito e por pipa de 500 litros não poderá ser fixado em mais de réis 75$000 para as aguardentes e alcool, 60$000 réis para os vinhos licorosos e 30$000 réis para os vinhos de pasto;

Só terão direito a este desconto as seguintes entidades, preferindo pela ordem em que vão indicadas - as adegas regionaes e sociaes de forma cooperativa actualmente existentes, as companhias que estão gozando dos beneficios concedidos pelo decreto de 14 de janeiro de 1905, preferindo as que pelos seus estatutos são obrigadas a receber vinhos dos seus accionistas, os viticultores que colloquem os seus vinhos nos depositos do Estado ou das referidas companhias, mediante o pagamento do respectivo aluguer em harmonia com a tabella proposta pelo Conselho Central de Administração Vinicola e approvada peto Governo.

Base 12.ª

O fundo vinicola será constituido: pela importancia de 600:000$000 réis, annualmente deduzida do imposto sobre fabrico de vinhos; pelo desconto feito sobre os warrants de vinhos, aguardentes e alcool; pelas mais receitas cobradas em virtude dos serviços que a administração vinicola tenha a seu cargo.

Base 13.ª

O fundo vinicola fornecerá as quantias precisas para occorrer aos encargos criados pelos decretos de fomento vinicola; para os encargos de um empréstimo que permitta montar rapidamente a navegação apropriada para o transporte dos nossos vinhos; para facilitar os transportes terrestres; para a propaganda methodica da collocação dos vinhos portugueses; para montar nos principaes portos estrangeiros, ou outros pontos de reconhecida vantagem, estabelecimentos proprios para o armazenamento e engarrafamento dos nossos vinhos; para occorrer ás despesas a fazer com a administração vinicola.

Base 14.ª

Nos transportes maritimos e terrestres serão concedidas vantagens especiaes ás remessas feitas por companhias vinicolas e negociantes exportadores de mais de 1:000 pipas que se sujeitem a uma fiscalização especial.

Base 15.ª

Serão adoptadas medidas que permittam o fornecimento dos vinhos em condições de maior autenticidade.

No país, os vinhos expostos á venda terão sempre o nome do dono da propriedade em que foram produzidos e local da producção, ou a indicação da companhia ou ne-

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gociante que os forneceu com a designação por que é conhecido o vinho, que neste caso será de marca registada com a respectiva analyse. Os proprietarios, pelo menos 48 horas antes de fornecerem os seus vinhos para a venda, deverão enviar á autoridade official para esse fim designada tres garrafas com a respectiva amostra, das quaes receberão, devidamente autenticada, uma que servirá para contraprova, dentro do prazo de seis meses.

Base 16.ª

Serão isentos de todas as despesas alfandegárias as exportações de vinhos feitas por companhias e negociantes que se sujeitem á fiscalização que lhe for imposta.

Base 17.ª

A administração vinicola terá a seu cargo a estatistica viticola e vinicola, e intervirá na fiscalização conforme o regulamento approvado pelo Governo.

Base 18.ª

A administração vinicola proporá os regulamentos precisos para dar execução a esta lei, os quaes serão considerados approvados pelo Governo, quando não lhe tenha sido denegada approvação dentro do prazo de trinta dias depois de serem apresentados.

Lisboa, sala das sessões, 20 de junho de 1908. = O Deputado da Nação, Francisco Miranda da Costa Lobo. Foi admittido e enviado á commissão de agricultura.

Projecto de lei

Senhores. - Pelo requerimento e certidão juntos bem se mostra que o agronomo de 1.ª classe do quadro dos serviços agronomicos da Direcção Geral de Agricultura actualmente em exercicio no districto de Portalegre, Antonio Filippe da Silva, desempenhou o logar de director da estação chimica agricola da Quinta da Bemposta desde 3 de setembro de 1870 até fim de junho de 1873. Este serviço que é publico e de natureza das funcções proprias do quadro de taes empregados deve tambem considerar-se em condições de ser contado para aposentação e certamente a lei o não permitte actualmente, por lapso e não omissão propositada que não seria justa nem razoavel.

Para remediar, pois, essa lacuna e assim dar satisfação á legitima pretenção do funccionario prejudicado, tenho a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E contado para os effeitos da aposentação ao agronomo de 1 .ª classe do quadro dos serviços agronomicos da Direcção Geral de Agricultura, actualmente em exercicio no districto de Portalegre, Antonio Filipe da Silva, o tempo em que desempenhou o logar de director da Estação Chimico-Agricola da Quinta da Bemposta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 20 de junho de 1908. = O Deputado, Mario Monteiro.

Foi admittido e mandado enviar á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.

Manuel Affonso da Silva de Espregueira: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão de instrucção primaria e secundaria, tendo elegido para presidente o Sr. Abel Pereira de Andrade e a mim para secretario. = Manuel Affonso da Silva de Espregueira.

Para a acta.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa a ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 12 e 13.

O Sr. Presidente: - Devo declarar que, como a commissão de redacção não fez alteração aos projectos n.ºs 12 e 13, vão ser remettidos para a outra Camara.

O Sr. João de Menezes: - Mando para a mesa dois requerimentos e sinto não ver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas para lhe pedir que faça com que os seus subordinados cumpram as suas ordens, porque os documentos que pedi relativos aos palacios reaes já estão prontos.

Os requerimentos são os seguintes:

Requerimentos

Requeiro, pelo Ministério das Obras Publicas, com a maior urgencia, os seguintes documentos:

1.° Nota das despesas feitas com a construcção, reparação e mobiliario de todos os estabelecimentos da Assistencia Nacional aos Tuberculosos;

2.° Nota das despesas feitas com a construcção e reparação das cozinhas economicas de Lisboa. = O Deputado, João de Menezes.

Requeiro com a maior urgencia que, pelo Ministério do Reino e pelo Ministério da Guerra, me seja dada a indicação dos diplomas legaes que mandaram considerar a Cidadella de Cascaes e a Torre de Outao como edificios destinados á residencia da Familia Real. = O Deputado, João de Menezes.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Sr. Presidente: ao usar da palavra, pela primeira vez, nesta casa do Parlamento cumpro, com muito agrado, a antiga praxe de apresentar a V. Exa. os meus cumprimentos, e á Camara peço a sua benevolencia paca a forma por que me desempenhar do meu encargo. Não o farei, certamente, com o brilhantismo de muitos dos meus illustres collegas, mas projecto faze-lo com o estudo profundo dos assuntos; e esse estudo, Sr. Presidente, dedicá-lo-hei, muito especialmente, ás questões relativas ás colonias, a essas colonias onde tanto trabalhei e me fiz homem, a essas colonias que são hoje um tão vasto campo de expansão para a nossa actividade physica e intellectual, a essas colonias, Sr. Presidente, através das quaes vem em tão larga escala á geração moderna a influencia benefica do estrangeiro, a essas colonias, finalmente, para onde tantos se expatriam na ideia de ganhar a vida, de melhorar de situação, ou simplesmente por se acharem constrangidos neste meio, moral e materialmente acanhado, da metropole.

Sr. Presidente: em uma das sessões anteriores o meu illustre collega e meu amigo, o Sr. D. Luis de Castro, que sinto não ver presente, tratou, em aviso previo dirigido ao Sr. Ministro da Marinha, a questão do alcool em Angola. Era meu intuito entrar na discussão; não o pude fazer, porque teria de pedir a generalização como assunto urgente, mas protestei logo tratar essa questão, ligando-a já com uma outra muito importante também, a dos açucares de Moçambique, e é isso que faço agora.

O Sr. D. Luis de Castro versou a questão do álcool com a competencia que todos lhe reconhecemos, mas S. Exa. fê-lo muito especialmente debaixo do ponto de vista da necessidade de darmos cumprimento aos compromissos da Conferencia de Bruxellas. Tal ponto de vista é inatacavel na parte doutrinaria; em todo o caso, nas considerações que em seguida apresento ao Sr. Ministro da Marinha, vou esforçar-me por ver a questão, não pelo prisma metropolitano, mas do colonial, vou mostrar lhe a questão do álcool tal como ella é, não em Lisboa, mas em Angola, proponho-me tratá-la a parde todas as questões que com ella andam intimamente ligadas.

Esta questão do alcool é, como todas as questões economicas, na apparencia, simples, lisa, facil de concretizar

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em uma curta formula, mas se descermos aos seus fundamentos, ver-nos-hemos assoberbados pela abundancia das cifras, dos dados estatisticos, dos factos concretos e positivos, da multiplicidade dos aspectos. Não é já, Sr. Presidente, um problema, é um conjunto de problemas, ligados uns aos outros por laços indissoluveis, que todos anectam a economia da colonia, e alguns, por recochete, a da metropole; não é só uma questão do alcool: é sim na essencia uma questão do alcool, porque é uma questão de limitação da producção e do consumo, mas é tambem, Sr. Presidente, uma questão agricola, porque se trata de alterar a orientação da agricultura da provincia de Angola; é uma questão vinicola por se ligar com a collocação dos nossos vinhos; é uma questão pautal porque, sendo o alcool um artigo de permuta, é indispensavel substitui-lo por outros artigos abundantes e baratos; é uma questão de mão de obra, é uma questão de collocação dos açucares nos mercados da metropole e nos outros mercados, que por acaso possam ser angariados; é uma questão financeira, porque se liga com as receitas da colonia e implica despesas até aqui não previstas, e é até uma questão de occupação militar e da subsequente administração civil, porque sem uma e outra impossivel será dar exacto e rigoroso cumprimento ás medidas prohibitivas adoptadas na Conferencia de Bruxellas.

O ponto de partida para o estudo da questão é, sem duvida, a Conferencia de Bruxellas de 1890, á qual nos concorremos a convite da Inglaterra e da Belgica, adoptando, de acordo com outras potencias, as mais importantes da Europa, algumas medidas relativas á repressão do commercio de polvora e armas, do trafico de escravos e da importação, producção e consumo do alcool. Nessa conferencia fixou-se um minimo de direitos aduaneiros, que seria de 15 francos para os tres primeiros anhos e de 25 francos para os tres seguintes sobre o alcool importado dentro das regiões por ella visadas. Criou-se tambem, parallelamente, um droit daccise sobre o alcool de producção local, a que na traducção portuguesa da Acta Geral de 2 de julho, se chama, não imposto de producção, mas de consumo. E é de notar, desde já, o caso comico de que esse droit daccise, que para a primeira Conferencia se considera como um direito de consumo, passa a ser de producção na interpretação da Acta de 1899 e novamente de consumo na de 1906.

Temos a seguir as pautas ultramarina de 1892, que são a primeira medida proteccionista em relação á industria do alcool de Angola, e essas pautas elevam os direitos de entrada a 12$000 réis por hectolitro para o liquido de graduação até 24° Cartier e a 40$000 réis para o que a exceder.

Sr. Presidente: eu terei occasião de tratar mais detidamente das pautas de 1892, que não hesito em classificar, desde já, de detestaveis, e especialmente quando apresentar á apreciação da Camara uma proposta de lei relativa á remodelação das pautas de Moçambique e, mais particularmente, das regiões que fazem parte da bacia do Zambeze. Sr. Presilerite: detesto todas as espécies de ditadura porque sou profundamente liberal. Da ditadura de caracter politico ainda ha pouco tivemos um funesto exemplo, mas as pautas de 1892, promulgadas para o ultramar pelo acto addicional, representam para mim mais do que isso, porque são a ditadura em matéria de economia. O legislador de 1892 parece que não pensa. Não tem a ensombrar-lhe o espirito aquella ponta de duvida que naturalmente ataca todo o homem publico ao defrontar-se com algum grande problema de ordem politica, economica ou financeira; o legislador de 1892 é positivo, categorico e absoluto protege.

Olhou para o reino e viu a industria dos tecidos de algodão. Não perguntou se ella era uma industria natural, por assim dizer, como a dos vinhos, não perguntou se Portugal tinha condições para que essa industria se desenvolvesse e aperfeiçoasse, sem o recurso a essas protecções excessivas que, em ultima analyse, vae recair sobro o consumidor, não perguntou se a introducçao forçada dos seus artigos nas colonias prejudicaria a economia destas; não, protegeu. Olhou ao longe para Angola e viu a industria do álcool. Não perguntou, Sr. Presidente, se o álcool era nocivo ao indigena, se as successivas conferencias de Bruxellas não onerariam cada vez mais a producção, se não seria mais conveniente realizar, logo de principio, a transformação do alcool para o açucar; não, protegeu. É de tal forma protegeu, que o Governo de 1892, que eu desejaria ver amanhã no poder, se possivel fosse, para seu castigo, entalou-nos entre as duas pontas do seguinte dilemma: ou deixar consumar a ruina financeira e economica de Angola, ou pôr na rua, na metropole, sem trabalho, 10:000 ou 15:000 operarios

Mas ainda não é tudo, porque um decreto de 25 de abril de 1895 aumenta ainda mais a protecção, elevando de 50 por cento oa direitos de entrada sobre o alcool importado; e tão bons resultados produz que, tendo sido em 1894 de 1.040:000 litros no valores 104:000$000 réis a importação, em 1899 ella é apenas de 78:000 litros, valendo 27:000$000 réis.

Devo frisar desde já, porque isso constitue uma das bases da minha argumentação, que é o Estado que vero, por medidas successivas, protegendo essa industria do alcool. Obedecendo a ellas a industria desenvolve-se e expande-se, aumenta extraordinariamente o consumo. Cresce o numero das fabricas e dos alambiques, alargam-se as plantações de cana e de cará e criam-se outras novas. Ao mesmo tempo Angola atravessa um periodo de prosperidade; aumenta o numero de caravanas, eleva-se o preço da borracha nos mercados consumidores, os armazéns enchem-se dos algodões do reino e de pipas de aguardente, e a tal ponto que 5 consumo deste ultimo artigo chegou a attingir, no anno de 1899, a cifra de 30:000 pipas, ou sejam 13.500:000 litros. E é tal a prosperidade que uma lei de 17 de agosto de 1899 lança sem reclamações um imposto de 80 réis sobre o litro do álcool de producção da colonia até 24° Cartier, e mais 10 réis por cada grau, com destino á construcção do caminho de ferro de Benguella.

Eis o que fizemos, e d'ahi concluo eu já que o Estado não tem o direito de apunhalar essa industria, obrigando-a a desapparecer, sem ter tomado uma serie de medidas transitorias, e taes que a passagem de um regime proteccionista, como este, para outro de gravame e de restricção se faça suavemente, sem choques bruscos, e preparando o terreno para a radical mudança de orientação da actividade do colono.

É de 8 de junho de 1899 a acta geral da segunda Conferencia de Bruxellas, na qual damos o primeiro golpe na industria do alcool, acordando na elevação do droit daccise a 70 francos por hectolitro, ou sejam 126 réis por litro até 50° centesimaes, e mais uma fracção por litro e grau acima desta graduação e
Sr. Presidente: faltamos frequentemente a certos congressos onde se tratam assuntos da mais alta utilidade publica, mas não escapamos nunca a estas conferencias internacionaes coloniaes, onde somos sempre prejudicados. Fomos á Conferencia de Berlim, e na realidade não poderiamos deixar de o fazer, mas, apesar de toda a erudição de um Luciano Cordeiro, e de tantos outros que em folhetos e volumes provaram a prioridade das nossas descobertas, do dominio, da occupação, e até da administração portuguesa em certas regiões de Africa, viemos de lá espoliados. Pomos á Conferencia de Bruxellas, e regressámos trazendo na mão a arma com que haviamos de ir ferir os proprios interesses, uma industria que até então haviamos protegido.

Ora, Sr. Presidente, ninguem deve ignorar o modo como essas conferencias internacionaes se tramam nos bastidores-

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da politica; lembrémo-nos sempre de qite as potencias preparam pela sua diplomacia as resoluções a adoptar, e de tal arte que, defendendo principios brilhantes de philantropia e humanitarismo, possam ao mesmo tempo resalvar os seus interesses. Nessa Conferencia de Bruxellas havia-mos adoptado medidas de restricção sobre a entrada da polvora e dás armas, mas exceptuavam-se a polvora e as armas denominadas de commercio, porque a Allemanha não podia dispensá-las para õ seu trafego indigena na Africa Oriental; reprimia-se a producção e o consumo do alcool, mas nenhuma dessas potencias tinha nas suas colonias, estabelecida pela iniciativa do branco, tal industria; e até, digamo-lo baixo para que não nos ouçam lá fora, é certo que, ao adoptar em tempos mais antigos medidas de perseguição ao trafico dos escravos, a Inglaterra se aproveitou dos individuos libertados, fazendo-os trabalhar como colonos nas suas plantações.

Mas, Sr. Presidente, nos proprios agravámos as consequencias dessa Conferencia de Bruxellas de 1899; porque, por um decreto de 23 de dezembro de 1901, estabelecemos medidas tão apertadas e vexatorias para a cobrança do droit d'accise, classificado agora de imposto de producção, que demos um golpe profundo, não só na industria do alcool em Angola, mas tambem na de Moçambique. Na Zambezia obrigámos a fechar uma fabrica que custara 150:000$000 réis e a propria industria do açucar foi altamente prejudicada, porque a impedimos de aproveitar os melaços para a distillação. Por outra lei, de 7 de maio de 1902, adoptámos tambem medidas prohibindo o fabrico e o consumo ao sul do rio Save, não só de bebidas distilladas, mas tambem das fermentadas, as conhecidas bebidas indigenas ou cafreaes. Por este modo tentámos alargar consideravelmente o mercado do consumo dos nossos vinhos de pasto, mas, ao mesmo tempo, demos na agricultura de Inhambane um golpe de morte, não facultando irmã compensação aos importantes interesses que estavam ligados ao machombos de cana e ao fabrico do sopé.

É facil fazer leis, decretos e regulamentos; é menos fácil fazer leis e decretos justos, é muito difficil fazer leis e1 decretos completos, isto é, que envolvam nas suas disposições o remedio ou a solução para os problemas que a sua execução for criar ou aggravar. (Apoiados).

A forma como muitas vezes temos legislado para as colonias, sem tomar na devida attenção os effeitos que vão produzir-se é um mal para a administração ultramarina, que urge remediar, estudando mais profunda e minuciosamente os assuntos e ouvindo sobre elles os proprios interessados.

E é, em grande parte por esta razão., Sr. Presidente, que eu apresento estas considerações ao Sr. Ministro da Marinha. E que eu tenho a noção muito nitida da forma por que tantas vezes se legisla, decreta e regulamenta para o ultramar, é que eu tenho por vezes a visão d'aquelles momentos amargos em que, como governador, fui obrigado a applicar leis, algumas vezes injustas e frequentemente exequiveis; desses momentos em que fiz sangrar os interesses d'aquelles mesmos que eu fora chamado a proteger.

E que, Sr. Presidente, eu queria que se não legislasse para as colonias antes de ouvir sobre o assunto os seus conselhos do Governo; desejava que, sob o ponto de vista economico, a base das relações entre a metropole e as colonias fosse a reciprocidade; não comprehendo que se garanta um differencial de 90 por cento ás industrias da metropole, quando ainda o açucar colonial não obteve, de maneira effectiva, o de 50. E que, sob um aspecto mais geral, eu desejava que déssemos um passo, mas um passo salvador para alguma cousa de parecido com essa construcção enorme e surprehendente, mas perfeita e harmonica que se chama o Império, e que em breve será, talvez, a Confederação Britannica; queria eu que no espirito de cada um de nos surgisse, se desenvolvesse e ampliasse aos dominios ultramarinos aquella ideia bellissima de civismo e solidariedade que o faz com que no dia 24 de maio de cada anno, o dia do Imperio, palpite de patriotismo o coração de todo o bom inglês, em todos os recantos das cinco partes do mundo. E que no meu espirito de homem novo e de colonial convicto acalento ainda o sonho de um maior Portugal, de um maior Portugal que se elevaria, como se elevou a maior Bretanha sobre as qualidades de caracter, a tenacidade, a energia, o trabalho arduo e infatigavel, a honestidade e o bom senso, nosso e dos nossos filhos que hão de vir.

Mas, deixando divagações e voltando a Angola, direi que ao periodo de prosperidade succedera um outro de abatimento. As caravanas commerciaes tornavam-se mais raras, houve um decrescimento no valor da borracha, outras diversas circunstancias se conjugaram com estas, e Angola começou a atravessar uma epoca de crise economica e financeira de que ainda se não levantou.

É nesta altura, Sr. Presidente, que nos vamos mais uma vez á Conferencia de Bruxellas, em 1906, e o imposto sobre o alcool é elevado de 70 a 100 francos por hectolitro, o que na pratica dá 180 réis por litro de alcool até 50° centesimaes, e um aumento de 3,60 réis por litro e grau acima d'aquella producção. A muito custo obtinha-raos, como particular regalia, o retirar, do producto do imposto, 30 por cento, ou sejam 30 francos por hectolitro, de maneira a effectuar gradualmente a transformação das fabricas de alcool em fabricas de açucar, subsidiando os seus proprietarios. Um decreto de 28 de novembro de 1907, promulgado pelo Acto Addicional, regulou o cumprimento das disposições da acta da conferencia, permittindo a formação de um grémio dos fabricantes para a pagamento do imposto, mediante uma renda a satisfazer ao Estado, sobre, a base de 300:000$000 réis, e pelo prazo de tempo, dez annos, que a acta marca para a nova reunião da conferencia.

Felizmente desta vez um Ministro mais animoso rompe com o antigo preconceito, e declara novamente o droit d'accise um imposto de consumo.

E nesse regime que nos estamos.

Aquelles que advogam a transformação das fabricas de açucar em fabricas de alcool, pelo simples cumprimento das disposições da ultima conferencia, não medem bem, a meu ver, toda a complexidade do problema. Vejamos, em poucas palavras, qual o estado actual da questão.

Essas fabricas de álcool, não são, como se poderá suppor cinco ou seis.

No annuario de Angola de 1899 mencionam-se 234 fabricas e alambiques, sendo 67 no districto de Loanda, 30 na Lunda, 102 em Benguella e 35 em Mossamedes; ha logares onde se aglomeram em grande numero, umas proximas, outras longe da costa: 16 no Cazengo, 24 no Golungo Alto, 30 em Malange, 91 em Caconda, 20 em Mossamedes. Não se trata, naturalmente, de grandes fabricas; umas o serão, outras alambiques mais ou menos aperfeiçoados, outras, até, simples panellas de barro com um cano de espingarda, como succede na Africa Oriental. Por consequencia, começa aqui á apparecer já o verdadeiro problema. Não são tres ou quatro, são duzentos e tantos fabricantes de alcool e de aguardente que, de um momento para o outro, sem transição, se o imposto for cobrado na verdadeira cifra, deixarão de produzir esse liquido, mas sem estarem preparados devidamente para o exercicio de qualquer outra industria, ou ramo diverso de actividade. Ha, tambem que contar com aquelles pequenos proprietarios que pegam na cana e a levam a um alambique proximo, vendendo-a, ou trocando-a por uma parte do que ella produzir, como acontece no Brasil, e se dá entre nós no campo com a arte de moer milho ou trigo. O problema, pois, é ainda mais grave: são agora trezentos e tantos individuos que teem os seus destinos ligados á industria do alcool, que d5sso vivem exclusiva ou quasi exclusiva-

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mente, em uma provincia que atravessa uma crise grave, e a cujas especiaes circunstancias é, portanto, indispensavel attender.

Essa transformação da industria do álcool tem de ser effectuada, Sr. Presidente, até 1917, visto que por essa epoca a nova reunião das potencias não deixará de elevar ainda mais o droit d'accise; deverá ser completa, como no-lo diz o artigo II in fine da acta de 3 de novembro de 1906, e desde já se lhe impõe a limitação de não poder o numero e a capacidade das distallações exceder o que eram em 31 de outubro de 1906. Devo dizer, tambem, Sr. Presidente, para bem pôr a questão, que o álcool, artigo importante na permuta com o indigena, não tem no ultimo anno pago mais do que o imposto total, medio, de 150:000$000 réis, o que dá, para um consumo provavel de 6.000:000 litros, uma media de 25 réis por litro, e que, ainda assim, ha occasiões em que a producção desregrada quasi supprime o lucro.

Por consequencia, temos vários aspectos a considerar nesta questão, e sinto não poder entrar em todos por falta de tempo.

Vou tratar, no entanto, dos mais importantes.

Consideremos, por exemplo, e em primeiro logar, o aspecto da transformação da industria de alcool para o açucar.

Nesta transformação reside toda a economia da ultima Conferencia de Bruxellas, na parte que especialmente nos visa, e é contra os perigos de uma resolução precipitada a tal respeito que eu desejo prevenir o Sr. Ministro da Marinha. Vimos já, Sr. Presidente, que não são quatro ou cinco as distillaçoes que tenho de transformar, são mais de trezentos proprietarios, cujo modo de vida eu vou alterar radicalmente, tenho de obrigá-los a mudar definitivamente de objecto e de processos culturaes, de tudo o que até então constituia a sua razão de ser. Posso faze-lo com bom resultado? Talvez, mas é muito difficil. Devo observar em primeiro logar, que uma parte dessas propriedades não emprega, ou não emprega somente, a cana saccharina, mas a batata doce, o cará, que fornece um alcool cuja concorrencia eu devo banir desde logo, porque é um artigo nocivo, e porque vem complicar inutilmente a questão.

Mas, relativamente ás propriedades da cana, muitas circunstancias ha ainda a considerar. Primeiramente, devo reparar no numero dellas, Sr. Presidente, e concluir desde logo, abstrahindo mesmo de outras considerações, que se não transformam trezentos campos de cana em trezentas fabricas de açucar, porque não ha onde collocar todo o producto. E dahi deduzo já que será necessario proceder a uma selecção entre ellas, a fim de apuraras que melhor possam realizar a transformação desejada. Para os proprietarios excluidos será necessario, evidentemente, criar um serviço de indemnizações.

Mas não só isso, ha de ser indispensavel dizer a esses homens, desde o momento em que não podem fabricar alcool, o que é que elles hão de fazer, em que deverão empregar a sua actividade.

Mas, ainda relativamente a uma possivel transformação, devo dizer, Sr. Presidente, que nem todos estão nas mesmas condições. Transformar fabricas de álcool em fabricas de açucar é mais difficil do que parece, precisamente porque se trata antes de uma substituição do que de uma transformação propriamente dita. Vejamos, por exemplo, em relação á qualidade do terreno.

Todos os terrenos poderão produzir cana mais ou menos rica, que vá para a moenda, quantas vezes junta a caniço e capim, e forneça uma garapa mais ou menos pura que de um alcool mais ou menos fraco. Mas, nem todas as especies de cana servem para fabricar açucar, porque está demonstrado que é indispensavel que accusem uma carta densidade, uma certa riqueza para a exploração ser verdadeiramente economica. Na Zambezia, Sr. Presidente, onde a experiencia é larga e concludente a tal respeito, uma das maiores difficuldades consistiu em obter, por selecção, de entre a multidão das especies exoticas, entre as quaes a Ubba, Green Natal, Port-Mackay, Longier, Batavia, etc., aquella que melhor se adaptava aos diversos terrenos e ás condições climatericas da região.

Um outro ponto a considerar é a extensão. Não basta produzir açucar, é indispensavel produzi-lo em condições remuneradoras, e para isso haverá que montar fabricas de alguns milhares de toneladas e cultivar campos de cana de área correspondente. Aqui, como na Zambezia, teremos de recorrer ás companhias de grandes capitães. As propriedades actuaes de pequena extensão estão naturalmente excluidas de um tal systema.

Mas, Sr. Presidente, uma outra circunstancia, tambem muito de attender, capital mesmo neste assunto, é a distancia á costa, e o consequente custo dos fretes. Certas fabricas ou propriedades agricolas estarão em condições favoraveis a tal respeito, mas outras encontrarão na distancia um obstáculo difficil, se não impossivel, de remover. A aguardente é um producto para consumo local e quasi se pode dizer que quanto mais internada a fabrica mais proxima ficará do mercado. O açucar, ao contrario, terá de ser exportado, para a Europa muito provavelmente, e de supportar os fretes fluviaes ou de caminhos de ferro. Podem as propriedades de Cacpnda, a 300 kilometros da costa, as de Malange, as do Quissol, a 400 ou 450 kilometros, pôr em Lisboa o seu açucar em concorrencia com outros de Moçambique, ou da Allemanha ou da Austria, embora gozem da protecção de 50 por cento? E caso para duvidar. A propria fabrica do Dombe Grande, perto de Benguella, para conseguir o transporte e a saida dos seus prootuctos, teria de construir uma via ferrea de 37 kilometros, que lhe custaria, ella só, cerca de 80:000$000 réis.

Mas, Sr. Presidente, ainda mesmo em boas condições de distancia á costa, de qualidade e de área dos terrenos, pode qualquer pequeno ou grande proprietário elevar-se de fabricante de alcool a productor e exportador de açucar, sem o recurso a elevados capitães? Não pode. A Zambezia que, relativamente á exploração agricola de caracter tropical, tem sido um vasto e dispendioso campo de experiencias, diz-nos que as duas, companhias prosperas, de Mopeia e Caia, ambas enterraram nas margens do Zambeze para cima de 800:000$000 réis, só em material. Calculei eu, de uma vez, Sr. Presidente, que para montar na Ilha de Inhangoma uma exploração de 6:000 toneladas de açucar, precisaria de um capital de 700:000$000 réis, dos quaes 3.000:000$000 réis eram empregados em adquirir em Fives-Lille o material de installação da fabrica, e o resto na compra de charruas a vapor, bombas de irrigação, sem as quaes não teria garantidas as colheitas, material Decauville para transportes, machinas diversas, gado, etc., etc. Se eu tiver uma distillação de alcool, que aproveitarei d'ella? A moenda, talvez, o material de^transpçrte, aquelles simples elementos que são communs a todas as explorações agricolas, mas os proprios campos de cana terão de ser mais cuidadosamente preparados e cultivados, por processos verdadeiramente scientificos, e não como o eram até ahi.

Mas, Sr. Presidente, que faço eu do pequeno proprietario a quem impedi de fabricar álcool, sem lhe tornar possivei o fabrico do açucar? Indemnizo-o, sem duvida, mas não basta isso, preciso, devo, indicar-lhe uma outra orientação, facultar-lhe outras culturas. Quaes? Outro problema. O mantimento, isto é, os cereaes de consumo local? E cultura pouco ou nada remuneradora na mão do branco. A borracha? De todas as especies americanas de grande rendimento, importadas em Africa, ainda até hoje não foi possivel acclimar nenhuma, em circunstancias de cultura e exploração economica, devido á alteração das qualidades ou da riqueza do lactex. A propria Landolphia,

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Sr. Presidente, a borracha indigena, só produz bem no fim de quatorze ou quinze annos, e pode affirmar-se que se esgotarão as florestas da Africa tropical antes de terem entrado em exploração regular as plantações do Estado Independente: do Codigo. O algodão? O café? Outros problemas.

Na Zambezia trabalha-se em agricultura ha mais de dezaseis annos, e ainda se não sabe bem onde e em que condições cultivar o algodão. O café? E a concorrencia desapiedada dos cafés do Brasil?

Quer isto dizer, Sr. Presidente, que o problema é muito complexo, e que essa preconizada transformação da industria do alcool, em industria do açucar, que é antes, como disse já, uma, substituição, não poderá operar-se repentinamente, em não pequeno, numero de annos, mas gradualmente, por meio de medidas apropriadas. Não é obra de quatro ou, cinco annos, mas de quinze ou vinte. Realiza-se com grande dispendio de trabalho e de capitães, com um serviço de direcção de agricultura muito bem montado, com jardins de ensaia e technicos habilitados. Digo mais, com idas frequentes dos Ministros dá Marinha ás colonias, como se pratica lá fora, porque bem o disse o nosso Padre Vieira, que era tambem um colonial, em um dos seus sermões:

"Os discursos de quem não viu são discursos; os discursos de quem viu são profecias".

E, resumindo a meu pensamento, eu direi a V. Exa. Sr. Presidente, que se trata de operar a transformação de uma possessão que até hoje tem sido, quasi exclusivamente, uma feitoria commercial, em uma colonia de exploração agricola.

Outro problema difficil de resolver é sem duvida alguma, o da mão de obra, e esta industria da cultura da Cana e fabrico do açucar necessita, mais que nenhuma outra, de a obter permanente habilitada e barata. Sabe-se na Zambezia, que a producção de 4:000 a 5:000 toneladas exije, na epoca da colheita, os braços de 1:000 a 1:500 homens em trabalho continuo, do nascer ao pôr do sol, e muitas vezes quasi não teem tempo disponivel para ingerir as refeições. O arrendatario do prazo da Coroa Maganja-áquem Chire, onde está Mopeia, dispõe para seu serviço exclusivo de cinco a seis mil colonos; pois assim mesmo acceita voluntarios da margem direita do Zambeze, contrata indigenas em, outros prazos, e recorre, na sua falia, ao auxilio do Governo, para os obter nos territorios por elle directamente administrados. Será possivel conseguir em Angola tão grande disponibilidade de trabalhadores? Talvez, Sr. Presidente, mas tambem sobre esse assunto o Estado terá de intervir, completando a occupação da provincia;, submettendo o indigena, forcando, e ao trabalho, regulamentando mais cuidadosamente a sua utilização. E Angola tem contra si a fraca densidade da população em certas regiões, a doença do somno, e o facto, de exportar annualmente alguns milhares dos seus naturaes, malbaratando assim o melhor dos seus elementos de riqueza.

No anno de 1899, sairam da colonia 5:800 homens e mulheres, dos quaes 3:000 para S. Thomé e 1:100 para Lisboa; no anno antecedente de 1898, 5:200, sendo 3:100 e 1:000, respectivamente, com, aquelles destinos.

E tornarei ainda mais frisante a minha observação, notando que de 1887 a 1896 a exportação de indigenas para S. Thomé attingiu a cifra, de 22:140.

Estudemos tambem um outro aspecto da questão, um dos mais importantes, o aspecto pautai. O alcool, Sr. Presidente, que era de principio em tão pequena quantidade que um governador de 1872, ao descrever no seu relatorio as industrias dá colonia, nem n'elle fala, vulgarizou-se, mercê das medidas proteccionistas pôr nos adoptadas e entrou na permuta, occupando hoje um logar que corresponde, talvez, á quarta parte da massa dos artigos nessa permuta empregadora par da polvora, das armas, da contaria e dos tecidos de algodão. Ora é evidente que logo que se adoptem medidas restrictivas parada sua producção e consumo e se produz facto analogo ao de retirarmos da circulação alguns milhares de contos de notas do Banco emissor. É preciso portanto, Sr. Presidente attender a essa consequencia, aumentando, por outro lado, a abundancia dos artigos de identico emprego. Aqui surge a questão pautal. Aumentamos a porção, mas precisamos tambem de baratear os preços para que taes artigos possam ir occupar o logar da aguardente.

É sabido, e eu já o fiz notar no começo deste discurso que as pautas ultramarinas de 1892 elevaram os direitos sobre os artigos de permuta, sobretudo os tecidos, facilitando ao mesmo tempo, pela concessão de exorbitantes differenciaes, a entrada dos de origem nacional. A nossa industria dos algodões desenvolveu-se de maneira notável, á sombra de tal protecção. Assim, tendo sido em 1871 de 200:000$000 réis a importação total, na colonia de artigos da metropole, em 1898 só de algodão ella era de réis 2.230:000$000, cifra, que representava 70 por cento do total do artigo importado. E para se ver o logar importante que tal artigo occupa na importação geral para consumo, bastará dizer que, sendo ella de 6.194:000$000 réis em 1900, a de algodão foi de 2.995:000$000 réis, ou seja 47 por cento. Mas Sr. Presidente, se é incontestavel terem aumentado extraordinariamente as entradas do algodão nacional em Angola, não se pode dizer que, parallelamente, a industria se aperfeiçoasse, de forma a excluir gradualmente do mercado os productos similares estrangeiros, pois, olhando para o Congo, cuja pauta, devido a compromissos de ordem internacional, não tolera differenciaes, vemos que sendo ahi em 1899 de 338:000$000 réis a importação de algodões, de Portugal vieram apenas 8:000$000 réis.

E que suecedeu á colonia? Em 1888 o valor das importações era de 2.966:000$000 réis e o rendimento aduaneiro de 650:000$000 réis, em 1904 esse valor tinha subido a 7.153:000$000 réis, mas o rendimento baixara a 631:000$000 réis, isto é ao passo que o valor da importação subia de 4.187:000$000 réis, o rendimento decrescia de 19:000$000 réis. A colonia foi defraudada e a Associação Commercial de Loanda calculou que de 1897 a 1902 ella perdeu, por tal motivo, cerca de 3.400:000$000 réis.

Sr. Presidente: se, devido a essas pautas desmedidamente proteccionistas, para, cuja adopção a colonia não concorreu, ella não estivesse inhibida de regular, pela maneira mais apropriada, os direitos a cobrar e os differenciaes a conceder, se ella tivesse podido, mercê de um regime aduaneiro favoravel, desenvolver a entrada dos artigos de permuta, aumentando os rendimentos, talvez que não lutasse hoje com o peso esmagador da sua divida a fornecedores é funccionarios. Mas, se a pauta em vigor é por si só prejudicial, tal effeito aggrava-se e complica-se com a disparidade relativamente ás colonias vizinhas. No Estado Independente do Congo os tecidos pagam 6 por cento ad valorem, as armas 10 por cento, a polvora o equivalente a 15 réis da nossa moeda; pois nas alfandegas de Loanda, Benguella e Mossamedes os direitos da nossa pauta representam em media, para. os algodões crus, 50 por cento, para os estampados 70 por cento, para as armas 60 por cento e 100 por cento para a polvora. Os negociantes do Quissol, alem do Malange reconheceram que para commerciarem na feira da Mona-Quibundo da Lunda, só a polvora lhes dará um lucro positivo de 105 réis por barril. E, caso curioso, para o qual chamo a attenção da Camara: esses mesmos negociantes pagam de portagem aos régulos indigenas, para que lhes franqueiem os caminhos, cerca de 20 por cento do valor da mercadoria. E, Sr. Presidente, a plena Idade-Media em Angola, é a ausencia de

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dominio e de occupação effectiva, é o primeiro estadio d'aquella serie cujo ultimo termo está representado na Zambezia pela possibilidade de se poderem percorrer milhares de kilometros sem uma arma, confiado, dentro de uma machilla, á dedicação dos pretos que nos transportam. E, Sr. Presidente, é para tal resultado conseguir que servem as guerras, as expedições, que tão mal comprehendidas teem sido. Porque eu, que não sou de instinctos guerreiros, affirmo aqui, e affirmarei sempre, que ellas continuam a ser indispensaveis, como o foram em todo o continente africano, do norte ao sul, para implantar o dominio do invasor e permittir a subsequente administração civil, a cobrança do imposto, a sujeição do indigena, e o exercicio da nossa acção civilizadora. Foram as guerras, essas guerras de que apenas percebemos as despesas sem lhes examinarmos os resultados praticos, que tornaram possi-vel cobrar na provincia de Moçambique cerca de réis 1.200:000$000 de imposto de palhota e mussouco, na British South Africa Ca. 900:000$000 réis, e só no Barotze, que confina com o sertão de Angola, cerca de 200:000$000 réis. E em Angola, quanto? No anno economico de 1900-1906, 2:000$000 réis, e para 1907-1908, certamente como consequencia das operações de occupação effectuadas, previa-se a receita 40:000$0000 réis.

Mas, voltando á questão: que é necessario fazer relativamente á entrada desses artigos utilizados na permuta? Duas medidas se impõem desde já: baixar os direitos lançados sobre alguns d'elles, e especialmente os tecidos, e reduzir a protecção ao que razoavelmente deve ser, 50 por cento.

Sr. Presidente; tenho-me occupado dos aspectos mais interessantes da questão do álcool, e sinto não poder tocar em todos. Não tratarei do aspecto vinicola, nem do financeiro, porque o tempo vae passando e demais tenho cansado a attenção da Camara.

Cabe nesta altura, Sr. Presidente, dizer alguma cousa sobre o tão falado gremio. O Sr. D. Luis de Castro, ao referir-se a elle, disse não ter participação em qualquer companhia africana, mas não precisava de o dizer porque assaz o conhecemos. Eu por mim direi apenas que dos annos que tenho de Africa, os quaes espero em Deus serão acrescidos de muitos mais, apenas obtive um grande amor por ella e uma certa dose de impaludismo, e que por isso posso tambem falar desassombradamente. Não profundarei o assunto, embora o pudesse fazer, porque conheço todo o processo; limitar-me-hei a enunciar o raciocinio mais importante que o seu estudo me suggere. Perguntarei ao Sr. Ministro da Marinha como é que pensa poder adoptar em relação á industria medidas de liberdade e de igualdade, quando é certo pretendermos, não a sua generalização, mas, ao contrario, a restricção gradual até extincção completa, se tanto for possivel? Não se trata de fazer, de cada colono um productor de alcool, mas de prohibir a muitos que hoje o são que continuem a se-lo, apurando entre a sua multidão um numero limitado que effectue a transformação que nos é imposta pela Conferencia de Bruxellas.

Parece-me, pois, Sr. Presidente, que o estudo cuidadoso do Sr. Ministro e do governador geral de Angola hão de conduzir, talvez, de preferencia, a uma solução especial e transitoria que englobe as fabricas mais importantes em qualquer especie de sociedade ou syndicato, dando ao Governo, pela obtenção de uma renda mais alta, os recursos necessarios a ajudar a mudança de orientação da agricultura da provincia. E, Sr. Presidente, se S. Exa. conseguir que essa sociedade se organize de tal forma que dentro dos dez annos ella propria tenha effectuado a transformação da sua industria para a do açucar, todos nos deveriamos declarar plenamente satisfeitos com o Ministro do Ultramar.

Sr. Presidente: não estou interpellando o Sr. Ministro da Marinha, não desejo criar difficuldades ao Governo, porque me honro de pertencer a um partido que sempre, aqui e lá fora, o tem apoiado, leal e incondicionalmente, sem segundo sentido nem reserva mental, digam o que disserem. Especialmente no que diz respeito ao Sr. Ministro da Marinha, devo dizer á Camara que tenho por S. Exa. a maior consideração. Nunca me esquecerei que quando em 1896 embarquei a bordo da Duque da Terceira, modesto guarda-marinha, já S. Exa. era um capitão de mar e guerra, encanecido nas lutas do mar. Quando em 1899 pus os pés na Zambezia, pela primeira vez, encontrei ahi a fama que S. Exa. deixara de ter sido um administrador modelo; como homem valente fora o vencedor dos ultimos Bongas, e como liberal tinha sido o protector das raças indigenas e das classes desprotegidas da provincia. Sou novo, mas não sou fondeur: honro-me de pertencer a uma geração que admira a pratica dos deveres civicos e todos aquelles cuja vida se gastou no serviço da patria; e por isso, Sr. Presidente, ninguem mais do que eu aprecia esse serviço de reconhecimento das bocas do Zambeze, effectuado por S. Exa., não em aperfeiçoados navios de guerra, não em canhoneiras, apercebidas de todos os modernos instrumentos indispensaveis a taes trabalhos, mas em um velho e desconjuntado pangaio, tripulado por alguns fatalistas monhés.

Mas, por isso mesmo, Sr. Presidente, acho que o passado de S. Exa. lhe impõe pesadas obrigações; por isso lhe peço que nos resolva a questão do alcool, não como qualquer amanuense, qualquer rond-de-cuir do seu Ministerio, que, sem difficuldade, lavraria um decreto mandando cumprir, pura e simplesmente, as obrigações da Conferencia, mas como um verdadeiro homem de Governo, entrando em todos os problemas que essa questão suscita.

Resumindo, Sr. Presidente, eu direi ao Sr. Ministro da Marinha: Não é indispensavel que S. Exa., dentro de um ou dois annos, mande dizer para Bruxellas: matei o pequeno proprietário porque lhe impus o pagamento de 180 réis por litro, criei para as grandes fabricas um problema insoluvel, porque as prohibi de fabricar álcool sem lhes indicar onde collocar o seu açucar, mas sacrifiquei aos immortaes principios. Não, não é isso; basta que S. Exa., ou o seu successor, quando em 1917 se reunir novamente a Conferencia, possa dizer, com a consciencia de um dever cumprido: supprimi a pequena propriedade de cana, que agora se utiliza em outras culturas que estudei e fiz adoptar; as grandes fabricas produzem açucar, que collocam na metropole, evitando assim a exportação de alguns milhares de contos, e somente utilizam em alcool os seus melaços; o consumo deste artigo, que excede 6.000:000 de litros, reduziu-o eu a 1.000:000, por exemplo.

Sr. Presidente: darei por terminada a primeira parte do meu aviso previo, e passarei á segunda, que diz respeito aos açucares de Moçambique. Como assuntos intimamente ligados, tratarei, não só destes, mais especialmente mas da obtenção do mercado para os de Angola, questão que, como vimos, se prende tambem com a resolução do problema do alcool.

Sr. Presidente: renuncio a historiar tudo o que diz respeito ao inicio e desenvolvimento da industria açucareira em Angola e Moçambique, e ás medidas de protecção que para ella teem sido adoptadas ou simplesmente projectadas. De entre todos os diplomas citarei apenas tres, que são outros tantos marcos milliarios no caminho que a questão tem seguido: o projecto de lei Eduardo Villaça, depois adoptado com modificações pelas Cortes; o decreto Teixeira de Sousa e o projecto de lei Moreira Junior. O primeiro, Sr. Presidente, devo dize-lo, é, de entre os documentos sobre questões analogas, um dos mais perfeitos que tenho visto. Mantem-se o differencial da lei de 1871 para os productos ultramarinos por quinze annos, e por quinze annos tambem se garante a protecção em vigor para os da metropole importados nas colonias, a quando o desenvolvi-

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mento da respectiva producção assim o justifique". Assegura-se, desde logo, por quinze annos, e sem limitação de quantidade, o differencial de 50 por cento para o açucar e o algodão, e especialmente para os tecidos nacionaes se mantem a protecção da pauta, embora por fim periodo um pouco maior, vinte annos. O decreto do Conselheiro Teixeira de Sousa, Sr. Presidente, é de outra indole: é a obra de um grande bom senso pratico, representa, em um certo momento, precisamente aquillo que era possivel conceder-se, com vantagem para a industria do açucar, mas sem prejuizo sensivel para as receitas aduaneiras da metropole. O projecto de lei Moreira Junior é um documento de estudo e dedicação aos assuntos proprios da pasta que o illustre estadista sobraçava, e por elle se tentava elevar os limites protegidos de 6:000 a 12:000 toneladas, diminuindo o differencial, suecessivamente, para 30 e depois 20 por cento, no tira de certos periodos de tempo.

O diploma em vigor é, Sr. Presidente, o referido decreto Teixeira de Sousa, de 2 de setembro de 1901, que estabelece um limite para as quantidades protegidas com a reducção de 50 por cento nos direitos, de 6:000 toneladas para cada costa, regulando-se a protecção a conceder ao açucar, quanto importado em quantidades superiores, pelo rateio; Até hoje só Moçambique tem aproveitado largamente desta concessão, porque em 1900 remettia para a metropole 5:954 toneladas, ao passo que Angola unicamente 9:787 kilograramas. E, pois, evidente que esta provincia tem ainda deante de si uma larga margem para a collocação dos seus açucares. Mas está resolvido para ella o problema? Creio que não. Não é com á producção de 6:000 toneladas de açucar que se resolve a crise de Angola, e sem differencial não lhe será facil collocar o excesso em Portugal. Os mercados sul-africanos? Sem duvida, ha a considerar esse caso, mas o das colonias inglesas está praticamente fechado, porque ellas constituem uma união aduaneira, em que cada uma tem a liberdade de collocar nas outras os seus productos seca direitos, é o Natal produz já hoje grandes porções de açucar refinado. Talvez seja possivel conquistar o mercado de outras colonias, inglesas, francesas ou allemãs, mas ha que observar que as duas. ultimas estão tambem, de certa forma, reservadas para os productos nacionaes ou de colonias irmãs, por differenciaes de pauta. O problema da collocação do açucar produzido, e não só em Angola mas em Moçambique, alem das 12:000 toneladas, tem, portanto, de ser resolvido garantindo á industria o differencial de 50 por cento, sem limite de quantidade nem de tempo. Produz-se um decrescimento de receitas aduaneiras? Sem duvida, porque só a concessão do differencial a 12:000 toneladas implica uma reducção de 720:000$000 réis, mas é evidente que um país que consumiu no ultimo anno cerca de 34:000 toneladas, cujo consumo aumenta em media de 700, e onde a cifra por individuo é ainda muito inferior ás de outros países, deve evitar a exportação dos milhares de contos de réis com que paga o açucar estrangeiro, importando-o das colonias, e esperar que o decrescimento do rendimento, que em todo o caso não é brusco, seja compensado gradualmente pelo desenvolvimento do consumo.

Relativamente aos açucares de Moçambique, direi á Camara que a sua producção vae em rapido crescimento

Em 1893 esta provincia remettia para a metropole 222 toneladas, hoje só a Zambezia tem quatro fabricas, em Caia, Mopéia, Marromeu e Nhamacurra, capazes de produzirem, respectivamente, as duas primeiras, 5:000 toneladas cada uma, a terceira 3:000, a ultima 800. E tão apta é a região para a cultura da cana e fabrico do açucar que ainda ha pouco um capitalista inglês declarava estar pronto a concorrer com os capitães necessarios a fazê-la prodiizir todo o que fosse necessario a Portugal, se lhe garantissem o beneficio pautai a que me tenho referido. Vou ler, Sr. Presidente, algumas cifras que mostram á evidencia a importancia que a industria do açucar attingiu na Zambezia; as três fabricas principaes de Mopéia, Caia e Marromeu poderão pôr este anno em Lisboa cerca de 12:500 toneladas, o pagamento ao pessoal indigena é de 450:000$000 réis, a metropole exporta para ellas artigos no valor aproximado de 25:000$000 réis, os fretes a pagar á Empresa Nacional serão, para aquella producção, de 125:000$000 réis, os direitos de exportação da colonia de 9:400$000 réis, a descarga em Lisboa custará. 12:500$000 réis, os fretes no Zambeze com o embarque no Chinde 45:000$000 réis, a Alfandega de Lisboa cobrará de direitos 750:000$000 réis, suppondo que a todo o açucar se dá o differencial.

Sr. Presidente: outros pontos ha que pretendo tratar em relação ao açucar. Em primeiro logar lembro ao Sr. Ministro da Marinha que indispensavel se torna assegurar a manutenção por tempo indefinido d'aquella vantagem que nos dá o modus vivendi de collocarmos no Transvaal, livres de direitos os productos da agricultura e da industria de Moçambique. Não é certo que mesmo assim os nossos açucares possam competir com os do Natal, mas sem tal protecção é escusado pensar que as actuaes fabricas aventurem capitães na installação de refinações.

Referir-me-hei tambem, Sr. Presidente, aos chamados cristaes austriacos, açucares da Austria e da Allemanha, que chegam a Portugal com uma cor escura que os faz classificar abaixo do typo 20 da escala hollandesa, pagando assim 120 réis por kilogramma. Vão depois a uma turbina onde são lavados, e perdem rapidamente a cor exterior, ficando brancos de neve. A Fazenda foi defraudada em 25 réis por cada kilogramma, ou seja, para uma importação media de 8:000 toneladas, 200:0000000 réis, e os productos de Moçambique soffreram um commercio desleal. Mas o remedio é simples: substitua-se essa escala hollandesa que hoje nem a propria Hollanda emprega, e adopte-se o polariscopio, como se faz na Inglaterra.

Sr. Presidente: vou acabar; apenas mais algumas palavras. Disse já em outro logar que motivos me levaram a apresentar ao Sr. Ministro da Marinha estas considerações; mas outra razão ha ainda, e é que, a meu ver, nós estamos atravessando o que eu chamarei uma epoca de reacção relativamente a administração colonial. Poderia desenvolver largamente este ponto, mas não quero fazê-lo agora. Basta-me apenas deixar consignada a minha opinião sobre um ponto concreto: quero prestar a minha homenagem ao Ministro da Marinha da situação transacta, que no periodo agudo de uma ditadura detestada soube dotar a provincia de Moçambique de uma organização administrativa liberal e descentralizadora. Sr. Presidente: não se governa hoje uma nação civilizada como se governava seculos antes um agglomerado de povos barbaros, mas tambem se não administra uma colonia como se administrava no tempo dos primitivos pactos coloniaes de Cromwell ou de Lord Chattham.

Sr. Presidente: eu quereria dizer aquella parte na nação que com as colonias se não preoccupa, aquella parte da nação cuja maneira de pensar não excede os estreitos e limites das suas fronteiras, que muito longe, para alem dos mares, existem outros povos e se estão elaborando, in the making, como diria um inglês, outras e talvez mais brilhantes civilizações. Quereria dizer-lhes que os filhos d'esta boa terra de Portugal, nas duas provincias de Africa, e sob a influencia de um sol mais brilhante que o dos nossos climas temperados, desenvolvem mais trabalho e mais actividade que na propria metropole, ao sair da qual elles disseram como o irlandês: "You cann't rise in Ireland", não se pode ser gente era Portugal; queria dizer-lhes que sobre Moçambique passa neste momento um vento de liberdade que lhe vem das colonias da Africa do Sul, que se pensa muito na autonomia, que se olha para a federação com sympathia; e que nessa federação das colonias inglesas, que dentro de 10 ou 15 annos será um facto, Moçambique poderá, se quiser, occupar um logar

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proeminente, porque tem grandes elementos de riqueza, porque tem os seus portos que são a chave do interior, e porque alguns d'esses elementos são indispensaveis ás outras colonias, como o indigena ao Transvaal.

Sr. Presidente: as ideias sobre colonização mudaram muito. A ideia moderna é toda de liberdade, de progresso economico assente em bases scientificas, de governo da colonia pela colonia; mas é mais ainda, porque começa a exigir o governo do indigena pelo indigena, como tão eloquentemente o estão demonstrando, na India as bombas explosivas, e no Egypto, alguns, annos antes, os enforcamentos de fellahs e os manifestos inflammados d'aquelle grande patriota que se chamou Mustapha Karnel Pachá.

A India, Sr. Presidente, aquella India dos nossos compendios de geographia, aquella India multifaria, com tão grande variedade de climas, desde as planicies baixas do Ganges está Calcuttá, até aos pincaros do Hymalaia onde se empoleira Simla, a estação de verão dos vice-reis, aquella India das mil raças, mil crenças, mil castas e mil linguas, como está mudada, como ella se vae unificando!

E essas bombas, que tão depressa rebentam em Calcuttá como em Bombaim, em Madrasta, como no Puhjab ou na extremidade sul da penins.ula, essas, bombas, cuja fabrica principal se encontrou em casa, de um graduado da Universidade de Cambridge, essas bombas da india, quem as lança?

Sr. Presidente: não são simples e ignorados anarchistas; a instrucção. E a instrucção ministrada pela Inglaterra aos seus subditos indianos nas Universidades da India e da metropole, é a instrucção que nivela as castas e faz nascer e consolidar-se o verdadeiro, sentimento nacional, é a instrucção que, cônscia do seu valor e da sua força, quer agora o Governo.

Sr. Presidente: este meu pallido discurso, não poderia fechá-lo melhor do que com um relampago de luz vindo de Inglaterra. Vou ler á Camara algumas linhas de um discurso pronunciado sobre aquelle assunto em um club de Londres por John Morley, hoje Lord Morley, o biographo de Gladstone, e Secretario de Estado para a India:

"Sem duvida teremos de adoptar medidas radicacs...".

Nesta altura, o auditorio, que é de ingleses imperialistas, applaude longamente. Mas elle, continuando:

"Sim, medidas radicaes, mas no verdadeiro sentido e com as verdadeiras qualificações. Temos de fazer face a um facto doloroso, e é que, presentemente, na India se nota o afastamento e a alienação das raças indigenas. E se não soubermos conciliar a ordem com as ideias e aspirações do indigena, a culpa não será da India, a culpa será nossa, porque ella indicará a fallencia de alguma cousa que nunca falliu em qualquer parte do mundo: "fallencia dos homens de Estado britannicos".

Sr. Presidente: grandiosas palavras são estas, e o homem que as pronuncia, é, sem duvida alguma, um grande liberal, honra a patria em que nasceu, e eleva-se desmedidamente acima do nivel rasteiro do nosso pobre mundo.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador foi cumprimentado pelos Srs. Ministros da Justiça e Marinhas pelos membros das maiorias).

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

Todos os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa queiram enviá-los.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mando para a mesa as seguintes perguntas ao Sr, Ministro da Fazenda, e mando igualmente copia dellas ao mesmo Sr. Ministro, para que, se S. Exa. quiser, me responda desde já.

São as seguintes

Perguntas ao Sr. Ministro da Fazenda, nos termos do artigo 100.° do regimento:

1.ª Tendo o Correio da Noite orgão do partido progressista, de que o Sr. Ministro da Fazenda faz, parte publicado na integra a carta do Sr. José Luciano de Castro,; solicitando-o para fazer um adeantamento illegal carta cuja existencia, em resposta a uma pergunta minha, o Sr. Ministro da Fazenda negou categoricamente na sessão de quarta feira, e se viu forçado a confessar na sessão immediata; mas, mostrando, a nota de reservada, posta da mesma carta pelo Sr. José Luciano de Castro, que ella era confidencial, pergunto, ao Sr. Ministro da fazenda, qual foi o motivo porque não hesitou em fazer uso d'essa carta e a deixou ficar, como tem documento publico, na Direcção Geral, da Thesouraria, rogando a S. Exa. que declare se este procedimento, foi ou não previamente autorizado pelo Sr. José Luciano de Castro,, autor da referida carta.

2.ª Não se dizendo na carta alludida, que o adeantamento illegal solicitado nella se regularizará depois, mas apenas, textualmente, que depois se procurará regularizar o adiantamento, pergunto se effectivamente se procurou regularizá-lo nesse caso, se a regularização sé conseguiu, e tendo-se conseguido, qual foi a sua forma? = Queiroz Ribeiro.

Mandou-se expedir.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei n.° I12-A, de 1906, que tem por fim supprimir as duas missões diplomaticas criadas por decreto de 8 de agosto de 1903 junto das Cortes da China e do Japão, criando um consulado geral em Pequim e Tokio.

Mando tambem as seguintes:

Perguntas por escrito ao Sr. Ministro ao Reino:

1.ª Pode S. Exa. declarar á Camara por que razão não foram pagos em março, como é de lei, nem Requer até agora, os subsidios de habitação aos professores primarios do Porto?

2.ª Sabe S. Exa. que as rendas das casas para escolas primarias estão em atraso dê pagamento, no concelho de Gouveia, de dois annos e meio? Pode S. Exa. dar pronto remedio a esta gravissima falta, que só não tem causado muitos prejuizos por grande benevolencia dos respectivos proprietarios? = O Deputado, Affonso Costa.

E os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados, com toda a urgencia, os seguintes documentos

1.° Copia do despacho ministerial de 20 de maio de 1895, que autorizou um emprestimo pela Caixa Geral de Depositos;

2.° Copia de todo o expediente relação á esse emprestimo, tal como consta do respectivo processo e dos competentes livros de escrituração da Caixa Geral de Depositos;

3.° Nome da entidade a quem foi feito o emprestimo; taxa do juro; condições de pagamento; havendo novação do devedor, quem a autorizou; estado actual do emprestimo. = O Deputado, Affonso Costa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados, com toda a urgencia, os seguintes documentos:

1.° Nota de todos os valores que constituem o fundo,

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permanente ou de reserva da Caixa de Aposentações dos Funccionarios Publicos e do Montepio Official;

2.° Nota especificada dos papeis de credito que constituem ou fazem parte dos mesmos fundos, com discriminação do seu valor nominal, numero, data e preço de compra;

3.° Nota da repartição, cofre ou caixa onde esses valores estão arrecadados. = O Deputado, Affonso Costa.

Os requerimentos mandaram-se expedir e a renovação de iniciativa ficou para segunda leitura.

O Sr. Mariano Prezado: - Mando .para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 26-D, de 4 de maio de 1903, que tem por fim conceder uma pensão annual de 1:200$000 réis á viuva de Victor Gordon.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que sejam novamente enviados á commissão de obras publicas os requerimentos, que se acham archivados, de Joaquim Paixão e Herculano José Pinto, guardas do Museu Etimologico Português. = O Deputado por Beja, Sergio de Castro.

Requeiro, para completar os documentos que pedi com respeito á Real Casa Pia de Lisboa, que, pelo Ministerio do Reino, seja solicitada ao mesmo estabelecimento a data do despacho de cada um dos vinte e dois professores que, no mappa que me foi enviado, se diz que foram nomeados por effeito do decreto de 25 de junho de 1904. = Sergio de Castro.

Mandaram se expedir.

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me seja enviada, com a maior urgencia, nota das quantidades de polvora e chumbo, bem como de quaesquer outros artigos de caça, que á Casa Real tenham sido fornecidos em differentes epocas, declarando-se a sua importancia e datas de pagamento. = O Deputado, Brito Camacho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Mello Barreto: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo dirigir algumas considerações ao Sr. Ministro do Reino sobre exploração dos theatros do Estado. = João Carlos de Mello Barreto.

Mandou-se expedir.

O Sr. Egas Moniz: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Pela Direcção Geral de Instrucção Primaria, peço que me sejam enviados os seguintes documentos:

Nota indicando a data desde quando está vago o logar de porteira da Escola Normal do sexo feminino de Lisboa;

Nota com os nomes de todas as concorrentes, data dos seus requerimentos e idade de cada uma;

Copia das condições que a direcção da escola indica, como indispensaveis para o provimento;

Nota do nome da concorrente ou concorrentes que a escola propõe;

Nome da que foi nomeada, se já se fez o despacho. = Egas Moniz.

Mandou-se expedir.

O Sr. Feio Terenas: - Mando para a mesa a seguinte

Pergunta por escrito

Ao abrigo do artigo 100.° do regimento desejo saber do Sr. Ministro do Reino as causas que determinaram o funccionamento illegal das corporações administrativas que terminaram o seu mandato no fim do anno de 1907. = O Deputado por Setubal, Feio Terenas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Eduardo Schwalbach: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo dirigir varias considerações ao Sr. Ministro do Reino sobre o Theatro de D. Maria em especial, e em geral sobre arte dramatica e arte musical no nosso país. = Eduardo Schwalbach Lucci.

Mandou-se expedir.

O Sr. Ascensão Guimarães: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 14-C e o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com dispensa do regimento, entre em discussão a proposta n.° 14-C. = José Ascensão Guimarães.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ser lido na mesa, em vista da deliberação da Camara, o projecto de lei n.° 14-C, para entrar immediatamente em discussão.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 19

Senhores.- A commissão de fazenda, depois de examinar a proposta n.° 14-C., chegou á conclusão da necessidade urgente de que seja convertida no seguinte projecto de lei, devendo, como esclarecimento, dizer á Camara que a commissão do orçamento já tomou o assumpto em consideração para que, no proximo anno economico, não sejam necessarias providencias semelhantes.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É elevada de 51:500$000 réis a 72:500$000 réis a importancia da verba do artigo 62.° do capitulo IX da tabella da distribuição da despeza do Ministerio do Reino para o anno economico 1907-1908, auctorisada pelo decreto de 29 de junho de 1907 e a que se refere o decreto de 4 de julho do mesmo anno.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 15 de junho de 1908.= Conde de Penha Garcia = José Maria de Oliveira Mattos = Conde de Castro e Solla = José Jeronymo Rodrigues Monteiro = Carlos Ferreira = José Cabral Correia do Amaral = José de Ascensão Guimarães, relator.

N.° 14-C

Senhores. - Excedeu no corrente anno economico a previsão orçamental a despeza com os desdobramentos de turmas nos lyceus e com o serviço de substituições provisorias de professores.

Já em 1906-1907 a referida despeza para cuja dotação se inscrevera a importancia de 29:000$000 réis, careceu de ser reforçada pelo decreto de 11 de julho de 1907 com a de 18:950$000 réis.

No orçamento para 1907-1908 está inscripta para pagamento de taes serviços a verba de 51:500$000 réis, e comtudo, houve já em março necessidade de a reforçar com a importancia de 14:300$000 réis, transferida por decreto de 10 d'esse mez, do artigo 61.° da tabella do

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Ministerio do Reino, necessidade que a breve: praso se repetiu e a que de novo se accudiu com a transferencia, de 15:000$000 réis, decretada em 15 de maio ultimo.

E no emtanto, subsiste a indispensabilidade de mais uma vez ainda reforçar a indicada auctorisação, e d'esta urgentemente, por isso que a disponibilidade respectiva é d'esta data de 3:500$000 réis, estando por pagar os serviços correspondentes, a maio é junho.

Não sendo já possivel realisar mais, transferencias, ao abrigo das disposições legaes em vigor, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É elevada de 51:500$000 a 72:500$000 réis a importancia da verba do artigo 62.° do capitulo IX da tabella da distribuição: da despeza do Ministerio do Reino para o anno economico de 1907-1908, auctorisada pelo decreto de 29 de junho, de 1907 e a que se refere o decreto de 4 de julho do mesmo anno.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, 15 de junho de 1908. = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Brito Camacho: - Não pediu a palavra para impugnar, o projecto mas simplesmente para lamentar que elle seja trazido á discussão nestas condições.

Trata-se de corrigir uma deficiencia orçamental.

O orçamento estabelecia para pagamento aos professores; a verba, de 51:500$000 réis, mas nesta altura reconhece se que essa verba é insufficiente e que é necessario elevá-la a 101:000$000 réis; quer dizer, a previsão orçamental está errada em 50 par cento.

Isto, que não é um facto isolado, entende elle, orador, que não pode nem, deve continuar.

O que se está fazendo por esses lyceus fora com o desdobramento das turmas excede todas as previsões, e, se estivesse presente o Sr. Ministro do Reino, chamaria, a sua attenção para o que se está dando nos lyceus de Lisboa, que estão cheios de professores provisorios, que são uma especie de asylos para toda gente.

Vota o projecto simplesmente pela urgencia das circunstancias e para que não se diga que a minoria republicana faz republicanismo, mas deixa consignado o seu protesto, porque entende que factos d'esta ordem não devem repetir-se.

(O discurso setrá publicado na integra quando o orador restituir as notas, tachygraphicas.)

O Sr, Ascensão Guimarães: - Sr. Presidente: o Sr. Brito Camacho não atacou: o projecto, e por isso daria dispensar-me de o defender; mas S. Exa. disse que não era razoavel o pedido de urgencia, e eu necessito de replicar parque fiz esse pedido.

Este projecto de lei foi ha já alguns dias remettido a esta Camara; mas talvez por engano, foi enviado á commissão do orçamento, e só hoje chegou á commissão de fazenda, cujos membros se reuniram em seguida, approvando o respectivo parecer.

Dizem-me que é necessario que o projecto seja appravado hoje nesta camara e na proxima, terça-feira na Camara dos Dignos Padres, para se poderem pagar gratificações de exercicio a quem por lei tem direito a ellas.

Não discutirei hoje a questão dos desdobramentos na instrucção secundaria. Tratarei d'esse assunto na discussão do orçamentos.

Somente direi que, no anno de 1906-1907, a verba orçada de 29:000$000 réis, teve de ser reforçada com mais 18:950$000 réis e que, na anno civil corrente, a verba orçada de 51:500$000 réis já foi acrescida com duas transferencias de 1.4:300$000 réis, e de 15:000$000 réis e ainda precisa de mais 21:000$000 réis.

É evidente que este estado de cousas não pode continuar; e eu posso informar a Camara de que a commissão do orçamento está estudando o assunto, e tenciona propor urna. providencia tendente a evitar, de futuro, a necessidade de projectos de lei d'esta natureza.

Disse.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Conhece o projecto que se discute, por o ter visto antes de ser mandado, para a mesa.

Este projecto levanta uma parte do veu e deixa antever o systema adoptado, no nosso país de confeccionar orçamentos as receitas calculam-se com um optimismo exagerado e as despesas prevêem-se com um criterio acanhado.

Elle, orador, faz sinceros votos para que se acabe de vez com este systema e para. que o orçamerio que o acenai Sr. Ministro da Fazenda ou o que se lhe seguir trouxer á Camara não soffra d'esses defeitos.

Os seus amigos concedem o seu voto ao projecto, porque, tratando-se de regularizar uma situação que carece de ser regularizada, querem assim demonstrar quão falsa é a accusação que lhe fazem de que só procuram perturbar as discussões, quando a verdade é que nunca recusarão o seu voto a que for justo, e só se opporão, e isso até o ultimo extremo, ao que for lesivo aos interesses- e bom nome do país.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: -- Como não se acha mais ninguem inscritor vae ler-se, a projecto para ser votado. Lida na mesa, foi approvado.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 14, fixação da lista civil

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Claro da Ricca.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: pedi a palavra quando falava o Sr. Pedro Martins, a quem me cabe a honra de responder.

Sr. Presidente: vou desempenhar-me d'esta missão, mas, naturalmente, com o criterio da educação do meu espirito, uma educação accentuadamente mathematica, em queas verdades são todas e os artificios são nada, só uma cousa peço á Camara, e afinal quasi nem pedido. Refiro-me á reivindicação, legitima de um direito, - o respeito devido á opinião dos outros, principalmente quando é fundada sobre a lei, sobre a justiça e sobre a verdade. (Muitos apoiados}.
Dividirei o discurso de S. Exa. em treSi partes. Na primeira fez S. Exa. a critica do projecto era discussão; mas foi ella tão leve tão superficial, tão falha, de valia, tão pobre de rigor nos argumentos apresentados que eu, Sr. Presidente, se outras razões não tivesse, e tenho-as, essas me, levariam á approvação: d'este projecto, tendo ouvida a critica de opposição de S. Exa., apesar de ser incontestavel o seu talento. (Apoiados).

Na segunda parte, o illustre Deputado, tratou a questão dos adeantamentos por tal forma que, devo confessá-lo, cheguei a surprehender-me do que ouvi a S. Exa.

Finalmente, ao que eu chamo a terceira parte do discurso do Sr. Pedro Martins, adduziu. S. Exa. considerações politicas de ordem geral, considerações politicas não contundentes para a pessoa do Sr. Espregueira, mas da alta magistratura do Ministro da Fazenda português. (Apoiados).

Pois ao Parlamento, clamava S. Exa., vêem dizer que votemos pelo artigo 1.° a dotação de 1:000$000 réis dia-

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rios e não nos dão os elementos de apreciação indispensaveis? Pois não era natural, acrescentava ainda, que a commissão de fazenda desse á Camara uma nota minuciosa e detalhada, não só de todas as despesas indispensaveis á existencia material, mas ao decoro, majestade e prestigio das instituições?! Sobre essas apreciações nos poderiamos fazer depois uma disposição cuidadosa, segura, e como consequencia, estabelecer a dotação real?!

E continuou S. Exa.: na Inglaterra a lista civil tem uma discriminação completa das varias verbas que, no seu conjunto, formam a dotação do Chefe do Estado, e a esse proposito lembra S. Exa. a formação de uma commissão de inquerito.

Em primeiro logar, Sr. Presidente, essas discrimina coes a que o illustre Deputado se referiu são realmente feitas em Inglaterra, dividindo-se a dotação real em varias parcelas, a proposito do aumento que se exige sobre a lista civil.

E note V. Exa. que não é feita essa distribuição sobre inquerito directo á vida da Familia Real Inglesa, porque a Inglaterra comprehende que, se isso trazia o desprestigio a qualquer pessoa, muito maior seria esse desprestigio quando a pessoa visada fosse é primeiro magistrado da nação. (Apoiados).

Mas sabe V. Exa. o que faz a Inglaterra? Recebe da Casa Real uma nota discriminada, no seu conjunto, de todas as despesas e aceita-a como fidedigna. (Apoiados).

Agora supponha V. Exa. que entre nós se recebia da Administração da Casa Real essa nota detalhada. O que se diria!... A malidecencia indigena por-se-hia a malsinar todos os actos e os melhores propositos; e comquanto em Inglaterra a indicação detalhada da Casa Repl seria recebida como se procedesse de um juramento, aqui, entre nos, não haveria malquerenças que se não acastellassem, todas em prejuizo do prestigio e do brilhantismo que deve ter a Coroa. (Apoiados).

Não ha absolutamente nenhum país onde se haja feito um inquerito directo á vida interna da Casa reinante para depois sobre esse inquerito se basear a lista civil. (Apoiados).

Evidentemente, essa observação do illustre Deputado não podia subsistir.

Mas ha mais, Sr. Presidente. O illustre Deputado podia ter duvidas de duas naturezas: ou entendia que a lista, como a commissão a apresentou no artigo 1.°, era exagerada, e nesse caso precisava ser reduzida, ou entendia que era reduzida e por isso deveria ser aumentada. (Apoiados).

Desde que S. Exa. apresentou duvida, é porque não tem segurança de que a dotação, exarada no artigo 1.°, corresponda ás necessidades exactas e justas do que devam ser as despesas do nosso actual Monarcha.

Mas encaremos a questão debaixo dos dois aspectos.

Já aqui foi dito no notavel discurso do illustre relator, Sr. Carlos Ferreira, que, quando em 1821 estava no poder a força revolucionaria mais poderosa que tem havido em Portugal, se não discutiu a lista civil; foi votada uma dotação igual a esta, mas sem que o relator, era nome da commissão, observasse ás Camaras, sem protesto desta, que essa dotação era exigua, mas que em vista da situação financeira, o acréscimo era effectivamente injustificavel.

Depois-não o disse S. Exa. mas digo-o eu - quando se tratou da dotação de D. Maria II, Mousinho da Silveira exclamava:

"Lastimo muito, Senhores, que a situação do Thesouro não possa supportar um acrescimo que seria justificavel, na verba apresentada para constituir a dotação real".

Mas se ha 60 annos era escassa essa verba, evidentemente o que se poderia dizer hoje, não só pelo aumento das verbas orçamentaes, com respeito ás receitas que são hoje seis vezes maiores do que eram em 1821, mas acrescendo, alem d'isso, que se vae accentuando de dia para aia, cuja verdade nenhum de nos pode contestar, pois a dotação tal como está fixada, se algum defeito tivesse, não era o de ser exagerada, mas escassa. (Apoiados). No entanto se nos a compararmos com o que constituo a, dotação de varios países da Europa, e se levarmos em linha de conta o calculo dos orçamentos das respectivas populações, das capitações e até dos preços medios da carestia da vida, nos reconhecemos que esta dotação não exagerada, talvez escassa, é, todavia, comportavel absolutamente com o decoro da Coroa e com as condições que são indispensaveis para que esse prestigio não soffra alteração. (Muitos apoiados).

A proposito do § unico S. Exa. nada disse. Esse paragrapho é o que se refere á dotação de Sua Alteza Serenissima o Senhor Infante D. Affonso, e o facto de S. Exa., que é um distincto jurisconsulto, nem sequer se haver referido a elle, dá-me a convicção, agora absoluta, mas que já a tinha anteriormente, de que não era de sustentar uma doutrina aqui apregoada o tornar-se absolutamente necessario que o Principe herdeiro presuntivo tivesse de prestar juramento ás Cortês para assumir essa qualidade. (Apoiados).

Na Carta não ha absolutamente disposição alguma que obrigue o Principe herdeiro presuntivo a jurar, a não ser que o herdeiro tenha ao mesmo tempo, cumulativamente, a qualidade de Principe Real.

Pelo que diz respeito ao artigo 2.° foram mais geraes as considerações do illustre Deputado. Disse S. Exa. que este artigo representa, por parte de El-Rei, uma cessão de bens que estavam na posse e no usufruto da Coroa, e que ficam agora em plena propriedade e usufruto do Estado representando indubitavelmente um allivio de encargos de que a Coroa se desonera, e um onus para a Fazenda Publica, que com esses novos encargos fica sobrecarregada. Mas, Sr. Presidente, S. Exa. leu exclusivamente

O artigo 2.° esquecendo-se de ler os §§ 1.° e 2.° d'esse artigo, porque, se os tivesse lido, estou certo de que a interpretação de S. Exa. não podia ser nesse sentido. (Apoiados). Senão vejamos. Evidentemente de tres d'estes palacios, o de Belem, fica destinado á recepção dos Chefes de Estado, dos Principes e missões estrangeiras, dos visitantes, d'esses poderosissimos agentes da diplomacia que, ainda ha poucos dias dizia o illustre Deputado, o Sr. João Pinto dos Santos, são hoje a base mais segura pela communidade de que estabelece entre as nações e do desenvolvimento economico de cada uma. (Muitos apoiados).

Se o palacio de Belem fica destinado a esse fira que é indispensavel, evidentemente não pode deixar de constituir, na sua conservação e manutenção, um encargo para o Estado. (Apoiados)

Agora, Sr. Presidente, no tocante a alta entidade do Sr. Ministro da Fazenda, bem sei eu que S. Exa. não precisa da minha defesa O Sr. Espregueira é um homem encanecido no serviço da Pátria, e sei de fonte segura, que S. Exa. é um homem respeitado nas praças da, Europa. (Muitos apoiados).

Quando S. Exa. subiu ao poder, nessa tragica tarde de 1 de fevereiro, foi recebido com applauso e os fundos subiram; e, quando este facto se dá, sabem-no todos, representa elle um seguro indicio de credito do país e do seu Governo. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda pessoalmente merece o respeito de todos nos. (Apoiados da direita).

S. Exa., com aquella serenidade que só pode provir da segurança da consciencia e da tranquilidade de espirito, respondeu, o que podia deixar de fazer, ás perguntas importunas, que lhe foram dirigidas pelo Sr. Egas Moniz. (Apoiados).

Essa questão da carta levantada pelo Sr. Queiroz Ribeiro, a cujo caracter eu presto a mais profunda homena-

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gem, e a que eu cheguei a ligar alguma importancia, fez-me grande impressão.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Pedia a S. Exa. a fineza de repetir as palavras que pronunciou, porque eu não ouvi bem.

O Orador: - Estava eu dizendo que me fez grande impressão que Sr. Exa., que prestou no ultimo consulado progressista serviços, desempenhando um logar de confiança, fosse quem levantasse essa questão.

O Sr. Affonso Costa: - Quem primeiro levantou a questão da carta foi o jornal O Mundo.

O Orador: - Não tenho obrigação de conhecer senão o que se diz aqui na Camara.

O Sr. Affonso Costa: - A questão foi toda nos jornaes.

O Orador: - Vamos agora, Sr. Presidente, ao artigo 5.° Neste artigo é que o illustre Deputado arranjou a ponte de passagem para uma associação de ideias, saindo do projecto em discussão, eommettendo assim uma transgressão do regimento, o que aliás é justificavel na questão dos adeantamentos.

Esta questão dos adeantamentos, Sr. Presidente, é gravissima e surprehende-me que os illustres Deputados, num assunto d'esta natureza, julguem que se quer lançar um véu sobre elle. (Apoiados).

Pois então o illustre Deputado não disse que o artigo 5.° tinha sido em todo no projecto subrepticiamente, para que assim, á sombra d'elle, o Governo conseguisse a legalização dos adeantamentos e a liquidação das responsabilidades dos adeantadores?! S. Exa. fez esta gravissima accusação.

Desejava que S. Exa. me dissesse em que palavras, linhas, frases, de uma maneira implicita ou explicita, vaga ou precisa, no artigo 5.° se fala na legalização dos adeantamentos ou na liquidação das responsabilidades dos adeantadores. Não se fala absolutamente em nada disso, pela razão singela de que não tinha que se falar. (Apoiados).

Numa questão desta- ordem, nos todos queremos luz, (Apoiados), luz a jorros, sem mancha (Apoiados) para que a nossa apreciação se faça com toda a nitidez e segurança, com intransigencia e rigor (Apoiados), mas ao mesmo tempo com serenidade e sem confusões. (Muitos apoiados). E o nosso juizo ha de ser sempre imparcial e justiceiro. (Apoiados).

É preciso não confundir o que está escrito no projecto como que a paixão partidaria de S. Exas. lhes fez dizer neste momento, para tirar effeitos politicos. (Apoiados).

Ora o que é o artigo 5.°?

Se o artigo 5.° não estivesse no projecto era uma infracção constitucional gravissima.

Vozes nos dissidentes: - Não apoiado!

O Orador: - Porque, Sr. Presidente, o país não podia effectuar aquelle bello gesto do Rei, querendo pagar os adeantamentos á Casa Real. (Apoiados).

Vozes nos dissidentes: - Não apoiado.

O Orador: - A Carta Constitucional diz de uma maneira terminante que, no principio de cada reinado, se ha de fixar a lista civil.

Pode o illustre Deputado ficar seguro que, se no projecto não se incluisse essa disposição, nunca mais se poderia fazer essa deducção para reembolso da divida, e se se fizesse, seria por uma infracção á Carta Constitucional, que expressamente manda fixar no principio de cada reinado a lista civil, como já disse.

O artigo 5.° não pode, pois, deixar de estar no projecto, porque se não estivesse, de duas uma: ou o Governo não podia respeitar o gesto de ElRei D. Manuel, tomando a obrigação moral, porque outra não tinha, de restituir ao Estado o que anteriormente havia sido recebido, ou, não se fazendo agora isso, não se podia mais fazer neste reinado, porque, como já disse, a Carta Constitucional affirma que no principio de cada reinado se estabelece a lista civil, e só se altera no outro reinado. (Apoiados).

Por consequencia fica assente, e é convicção minha, e creiam os illustres Deputados que, se não tivesse essa convicção, não falaria sobre o assunto, porque S. Exas. sabem bem como se póde fugir ás questões, é convicção minha, digo, podendo todavia labonr num erro, que, estando no projecto o artigo 5.°, elle não está, nem para legalizar a situação dos adeantados, nem dos adeantadores, pois que essa situação ha de constituir um debate especial. Isto, Sr. Presidente, é obvio. (Apoiados).

Dizia tambem o illustre Deputado que se commetteu uma infracção á Carta Constitucional, pois se nomeou uma commissão formada por juizes dos tribunaes superiores e outros vogaes, estando eleita uma commissão parlamentar, em que todos teem confiança, encarregada de fazer esse inquerito.

Como se nomeia essa commissão, havendo outra eleita, pergunta S. Exa.

A commissão parlamentar estava eleita, é certo, mas veja S. Exa. quaes as funcções d'essa commissão, sem artificios e com verdade, vendo os precedentes e a letra expressa da Carta Constitucional, e S. Exa. achará que essa commissão tem agora, como sempre, unicamente funcções legislativas.

Note o illustre Deputado que a Carta Constitucional é clara e definitiva. Não sou eu que apresento esta ideia: é a propria Carta que o diz.
Ouça V. Exa.:

(Leu).

Vejamos qual a competencia e attribuições da commissão de inquerito.

Essa commissão procede a um inquerito rigoroso sobre os actos do reinado anterior; se encontra decretos ditatoriaes propõe a sua annullação, se encontra adeantamentos ou abonos vem á Camara e faz as propostas que entender justas para que esses abusos se não repitam de futuro ; pode mesmo fazer a accusação dos Ministros, mas não lhe marcando a pena, porque a Camara dos Deputados não tem essa attribuição.

Faz a proposta declarando qual a responsabilidade que se deve pedir a um acto de Ministro; envia essa proposta para a Camara dos Pares e esta com a sua competencia exclusiva é que aprecia os documentos e fixa a pena.

Portanto a commissão de inquerito, como a Carta a estabelece, tem funcções absolutamente legislativas. (Apoiados).

Eu, Sr. Presidente, sou monarchico e liberal porque amo a monarchia.
Feita esta declaração sobre qual é o meu modo de pensar, comprehende V. Exa. perfeitamente que o que eu vou dizer, acêrca dos adeantamentos, não é nem podia ser de forma alguma um acto de subserviencia perante a monarchia ou perante o Rei.

Sr. Presidente: se alguma cousa nés podemos avançar em materia de adeantamentos é que reconhecemos, com inteira verdade, a lealdade, a nobreza e isenção com que no assunto o Governo tem procedido mandando para as commissões todos os documentos, e facultando a todos os Deputados, sem excepçcão alguma, a entrada em todas as Secretarias do Estado para examinar documentos que se refiram a esta questão. (Muitos apoiados).

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Fazer um juizo sem provas, Sr. Presidente, é commetter um acto arbitrario, e não se podem nem se devem commetter arbitrariedades numa questão em que a justiça deve estar acima de tudo. (Muitos apoiados).

É preciso que procedamos como no estrangeiro procedem os homens mais notaveis, em face de questões de tanta magnitude como esta.

S. Exa. apresentou aqui o parallelo da França, comparando uma questão em que os dinheiros publicos eram malbaratados.

Eu devo dizer ao illustre Deputado que, não ha muitos annos, um estadista muito notavel, porque julgasse que uma liquidação precipitada do canal de Suez podia contender levemente que fosse com o prestigio da nacionalidade inglesa, comprou ás occultas do Parlamento... acções d'esse canal.

Entendeu, esse estadista, como muitos entendem que acima dos codigos acima das leis escritas ha, em todos os países, e para todos os verdadeiros estadistas, a razão de Estado. Muitas vezes é indispensavel infringir uma lei porque d'essa infracção pode resultar para o país um beneficio superior. (Muitos apoiados).

Não tive o prazer de ouvir o discurso do illustre Deputado Sr. Queiroz Ribeiro, no qual S. Exa. prestou homenagem justissima a esse grande vulto que se chamou Mariano de Carvalho. Mas o illustre Deputado estabeleceu um parallelo infeliz entre a situação de Mariano de Carvalho, no fim do seu segundo Ministerio em 1891, e a situação actual do Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Não fiz a critica dos actos do Sr. Mariano de Carvalho.

O Orador: - Mas estabeleceu o parallelo e eu estou no direito de o desfazer.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Respeito os sentimentos de V. Exa.

O Orador: - V. Exa. tem de os respeitar como toda a Camara.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Não os respeito por imposição.

O Orador: - Mas respeita-os pela nobreza do seu caracter.

Mariano de Carvalho, subindo ao poder em maio de 1891, encontrou o grande empréstimo dos tabacos. E todos sabem que esse emprestimo foi uma machadada profunda na situação do Thesouro.

Encontrou tambem 600:000$000 réis para pagar em dezembro, e ao mesmo tempo que a situação financeira peorava, dava-se a revolta de 3 I de janeiro, davam-se as corridas ao Montepio Geral, o Banco de Portugal lutava com difficuldades e o Banco do Povo oscillava.

Nestas circunstancias Mariano de Carvalho entendeu que, contra a lei e em nome da celebre razão de Estado, era preciso acudir a essa situação e, assim, partiu immediatamente para o estrangeiro a arranjar um emprestimo que beneficiasse as urgentes necessidades financeiras do país, tendo de fazer adeantamentos illegaes.

E sabe V. Exa., Sr. Presidente, como a França nos respondeu depois da revolta de 31 de janeiro?

Respondeu-nos da seguinte maneira: que, se o Governo Português não pagasse os coupons da Companhia Real, não lhe emprestava 5 réis mais.

Ora, nestas condições, Mariano de Carvalho teve de fazer um emprestimo, teve de fazer adeantamentos illegaes mas em nome, repito, da celebre razão de Estado. Fez adeantamentos na importancia de tres mil e tantos contos de réis á Companhia Real, mas fê-los porque não podia deixar de os fazer.

No entanto muito maiores foram os adeantamentos feitos pelo Sr. Augusto José da Cunha, e, sabem-no todos, as suas garantias não eram superiores ás que ofereciam os adeantamentos feitos pelo Sr. Mariano de Carvalho.

Mas, Sr. Presidente, quem não faz adeantamentos são os tacanhos, e quem precisa de os fazer são os grandes de que a historia fala. E a este proposito, quando talo da memoria, para mim muito querida, d'esse grande vulto da poliiiea portuguesa (Apoiados), direi que Mariano de Carvalho não se limitou a remediar a situação critica e angustiosa, sob o ponto de vista moral, financeiro e economico do país, fez mais, logo que tomou conta do poder.

Assediado pelos momentos difficeis, teve de transgredir a lei. Fez adeantamentos, mas salvou o país das condições difficeis em que estava. (Muitos apoiados).

O Sr. Presidente: -Decorreu uma hora. V. Exa. em um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador:- Agradeço a V. Exa. Eu serei breve. A Camara não concede favores ao Governo, nem a nenhum homem publico; mas não pode negar justiça a quem a tem. (Apoiados).

Posto isto, vamos á terceira parte : é a que se relere ás considerações de ordem politica geral, que o Sr. Pedro Martins fez no seu discurso, e que diziam respeito não só aos direitos politicos do Sr. Espregueira, mas á alta entidade do Ministro da Fazenda.

S Exa. arvorou a bandeira dos principios liberaes; levantou-a com a mão muito erguida, esquecendo se de que mostrava o absolutismo mais tyranno nas suas affirmações, nas suas deducções, nas suas accusações e em todosos pontos, sob que encarou a materia em discussão.

Podem S. Exas. eternizar as lutas, para que se erga o escandalo.

Mas ainda que a nação, suggestionada pela paixão, manifestasse uma opinião contraria áquella que nós temos, nos, Sr. Presidente, seguros do nosso convencimento e das nossas ideias, e certos de que procedemos em harmonia com o bem do país, devemos, através da tempestade, que se erguesse, ir caminhando seguros de que justiça havia de fazer-se. (Apoiados). Mas o que; nunca em caso algum, podia succeder é a nação retirar os nossos mandatos, que não são imperativos, para se votar desta ou d áquella forma, como parece inferir se do que o illustre Deputado disse. Nós havemos de votar da forma que for mais consentanea com os interesses geraes danação. (Muitos apoiados.)

S. Exa., assim como o seu collega o Sr. Queiroz Ribeiro, chegou até a falar em Penitenciaria. Sinto que esta ideia, transpondo estas portas, fosse lá para fora ser explorada pela psychologia das multidões, não se lembrando S. Exa. que com essa afirmativa infringira principalmente as disposições da Carta Constitucional.

Os Ministros podem ser julgados pelos tribunaes competentes: as accusações são feitas pela Camara dos Deputados e os julgamentos são feitos pela Camara dos Pares. Nos não podemos julgar simplesmente: só a Camara dos Pares é que pode julgar. (Apoiados).

Mas o illustre Deputado, suppondo-se juiz, que não e, veio aqui pronunciar essas palavras, cujo effeito sonoro nas multidões ignorantes pode ser nocivo aos interesses do país. (Apoiados).

Nós devemos estabelecer a ordem para que todos os problemas, ou a maior parte d'elles, sejam resolvidos com serenidade e prudencia segundo os interesses vantagens do país. (Apoiados).

Sr. Presidente: o illustre Deputado a quem respondo tentou vivificar uma questão politica já morta.

Os palacios de Caxias e de Queluz estavam na posse da Coroa e a Coroa era usufrutuaria sem poder dar-lhes applicação, sem poder dar d'ahi rendimento para o

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Estado. O que succede é que esses dois palacios, de que a Coroa não precisava, constituem um encargo e o Estado pode dar-lhes o destino que mais lhe convenha, instituindo ali estabelecimentos de instrucção, e em logar de ficar um encargo para a Casa Real e para o Estado, fica o Estado com o usufruto, podendo dar-lhe o destino que quiser.

No § 3.° pôs o illustre Deputado uma duvida que parece não devia existir no espirito de S. Exa.

(Leu).

V. Exa. comprehende que é indispensavel dizer o seguinte: qual é o regime relativo a palácios e quintas que a Carta estabelece desde a Senhora D. Maria II? Estabelece a posse d'esses bens sem lhes poder dar applicação especial.

Diz tambem a lei que qualquer beneficio ou embellezamento que se foça á Casa Real ficará constituindo um encargo geral.

Esse encargo pertence exclusivamente ao Estado, e para se fazerem as obras tem de primeiramente proceder-se ao orçamento, com a condição de que ás Camaras será apresentado e só ellas podem alterar, supprimir, diminuir ou fazer as alterações que entenda nessas verbas.

Mas então o que diz o artigo 4.°?

(Leu).

(Interrupção que não se ouviu).

O que eu acho singular são as intimações de S. Exas., dizendo ao Sr. Ministro da Fazenda que saia do poder. Porque é que ha de sair do poder o Sr. Ministro da Fazenda? Dizem S. Exas. que elle é réu confesso. Se S. Exa. é reu confesso, porque é que dizem que se vá embora, que se retire do seu logar, para depois se fazer justiça? Pois os jurados mandam o réu embora para que fuja assim á acção da justiça? Como é que nós podemos impor a demissão ao Sr. Ministro da Fazenda se não temos essa faculdade? Dizem S. Exa. que se vá embora porque tem responsabilidades a liquidar. Quem tem de liquidar responsabilidades não é o Governo, somos nos, e o Sr. Ministro da Fazenda nem sequer é d'esta Camara.

O Sr. Egas Moniz: - Elle é que tem os documentos na sua mão.

Trocam-se apartes entre o orador, os Srs. Affonso Conta e Egas Moniz.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar dizendo que o Sr. Ministro da Fazenda não deve sair, porque a Camara assim o entende. O Sr. Ministro da Fazenda não tem que liquidar cousa alguma; quem tem de liquidar é a Camara. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem).

(O orador que foi muito cumprimentado, não reviu o seu discurso).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Por parte da commissão de redacção mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 19.

O Sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.° 19. Vae ser enviado á outra Camara.

O Sr. Alexandre Braga: - Começa dizendo que os homens publicos não se pertencem: por isso devem a todos os seus concidadãos contas claras e estrictas dos seus actos.

E como elle, orador, cuida que não é admissivel a theorica, a abstracta distincção, tantas vezes feita, entre individualidade publica e individualidade particular do mesmo homem, entende até que ha o direito de, em muitos casos, discutir a moralidade privada dos homens publicos, se essa discussão for indispensavelmente necessaria para o conhecimento perfeito, perfeita apreciação e justo julgamento da sua personalidade, como factor social que, por sua evidencia e acção dirigentes, mais que a si propria, á collectividade pertence.

Embora não use nunca, em nenhuma situação da sua vida, de um tal processo de averiguação e de critica, entende, no entanto, do seu dever o affirmar, sobretudo neste momento, a sua convicção profunda, inabalavel e irreductivel de que elle corresponda a um direito, e a certeza de que como tal o considerará, quando, porventura, contra si chegue a empregar-se.

Quer isto dizer, em definitiva, que escancara, de par em par, as portas da sua vida para que lá entre quem queira, e para que os murmurios da boca pequena, cauta e dissimulada, possam ter as honras da luz do dia, que tudo aclara e tudo purifica.

Mas - dirá a Camara - a quê vêem agora estas estranhas palavras, como inicio de uma oração em que não tem de discutir-se a personalidade de quem a pronuncia?

As frases com que encetou as suas considerações darão a todos a explicação do enigma apparente.

"Os homens publicos não se pertencem: por isso devera a todos os seus concidadãos contas claras e estrictas dos seus actos".

Ora, elle, orador, tem sido accusado, pela anonyma voz da boca pequena e pela clamorosa voz de uma aberta publicidade, de ser um orador violento, aggressivo, grosseiro, baseando o seu ataque, ao invés do feitio que affirmou o seu illustre camarada Brito Camacho, nas frases que incommodam á mingua de argumentos que convençam.

Se se tratasse apenas da sua personalidade, aproveitaria o proverbio que diz que nem todas as vozes chegam ao céu, e faria, com tanta mais naturalidade quanto é certo o saber se que é bastantemente surdo, ouvidos de mercador.

Mas, aqui, não é apenas o sinal minimo de uma personalidade: representando um partido, todas as accusações contra si dirigidas visam a attingir o prestigio, a autoridade e a força do partido de que é delegado, e a pretendida grossaria, a pretendida violencia, a pretendida hostilidade das suas expressões, corresponderiam a uma accusação de grossaria, de hostilidade e de violencia nos processos empregados pelo partido que o honrou com o seur mandato.

É por isto, e porque presente que, hoje mais do que nunca, terá de ser preciso e incisivo nas suas palavras, que entende necessario um ligeiro esclarecimento da sua pobre forma oratoria, não como explicação para a monarchia ou para os monarchicos, a quem a não deve, e a quem a não dá, mas para os homens, monarchicos ou não monarchicos, mas bem intencionados, a quem, porventura, haja perturbado a serenidade de apreciação essa estupida campanha que, desde a sordida carta anonyma até a punicidade de certas gazetas, procura desnaturar o significado, o alcance e a intenção das suas pobres expressões.

Na vida politica, como na vida particular, os homens só se nobilitam pela verdade. E a verdade, aspera e crua, não se conformou nunca com as alambicadas formulas de chocha cortesia dos banaes compendios da civilidade.

Quando a verdade se affirma, na serena exposição dos tratados, na inaccessivel calma das paginas reflectidas do livro, alheia a toda a controversia, a verdade escorre placida, serena e limpida, num discreto murmurio de convencimento que, infiltrando-se docemente, os alaga e inunda de convicção e de certeza.

E a verdade affirmada aos quatro cantos abertos da terra, é a semente lançada aos quatro ventos incertos do espirito.

Mas, quando ella não é já somente a doutrinação não

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controvertida de um principio, e combate com o erro e com a mentira, tem de, num esforçado combate corpo a corpo, a mentira vencer e o erro derrotar; quando ella tem de ser arrancada a ferros do ventre contorsionado e raivoso de uma discussão facciosa e aggressiva; quando é necessario mergulhar no mar de lama das desorientadas paixões, dos ferozes interesses e dos convencionalismos traiçoeiros, para de lá a arrancar, rebrilhante e preciosa como perola sem manchas, então a palavra d'aquelle que a defende e proclama, com alma, com desespero e com furia, não pode subir-lhe, do coração revoltado e arquejante até os labios doloridos e febris, sem que a elles traga a espuma sangrenta das sagradas coleras e a raiva vingadora e impiedosa das fulminantes indignações.

É a palavra que morde, que rasga, que despedaça; a palavra candente e fulgida, que abrasa, e calcina como a lava, que fulmina e fecunda como o raio; a palavra tagante e chicote que retalha e dilacera; a palavra clarão que tudo illumina e deslumbra; a palavra dolorosa e justiceira, porque attingindo, como a immutavel justiça, tudo, afinal, purifica como a dor immortal.

E só é nobre, e bella e grande, a verdade assim proclamada, a verdade desgrenhada e rebelde, coberta de golpes, sangrando por mil feridas, e ensopando a terra sagrada em que floresce com a seiva fecunda e abençoada do seu sangue criador.

Assim aprendeu a amá-la desde os annos distantes que recorda desde a primeira hora consciente em que aprendeu a venerá-la na palavra e no exemplo de duas nobres individualidades, que não pode, por um dever de natural modestia, engrandecer e exaltar, desde a primeira hora em que sentiu pesar-lhe sobre os hombros a esmagadora responsabilidade de não deslustrar os nomes dos dois portugueses que se chamaram Guilherme e Alexandre Braga.

A sua violencia, a sua grossaria, a sua hostilidade?!

São os nomes que dão á sua rude franqueza?

Mas de que será feita a alma do homem, quando elle, indignado e revoltado contra o crime, contra a fraude, contra a espoliação, contra a mentira, tiver a triste coragem dê as combater, lisonjeando-as, e degradar a sua nobreza de lutador até a suprema ignominia de substituir as palavras que podem maguar, mas são intrepidamente sinceras e justas, pelas palavras que podem convir, mas são traiçoeiramente perfidas?

De entre as accusações que até elle, orador, teem chegado, uma, sobre todas, o susceptibiliza e impressiona.

Disse-se que insultou, no ultimo discurso que teve a honra de pronunciar nesta Camara, a fragilidade e a pureza da mulher, e, para mais envenenar a torpeza, punha-se em confronto a sua condemnada attitude com o acto de galharda e florida gentileza praticado pelo seu illustre camarada Antonio José de Almeida, dirigindo-se, depois da sua demolidora oração sobre a resposta ao Discurso da Coroa, ás damas que o escutavam na galeria, e pedindo, especialmente áquellas que tinham vindo de proposito á Camara para o ouvir, desculpa de as não haver, talvez, satisfeito com o seu revolucionario discurso.

E esta accusação magoa-o porque ella envolve uma dupla perfidia.

Grande seria para as mulheres portuguesas a injuria, se os seus maridos ou irmãos, os seus naturaes defensores, as julgassem um momento, sequer, visadas pelas palavras que elle, orador, pronunciou. Não se referiu a mulheres; referiu-se a certas femeas, e todos os bem intencionados comprehenderam, por certo, a que desequilibrado e vicioso rebutalho do sexo quis exclusivamente visar.

E grande seria ainda a injuria para o seu illustre e primoroso camarada Antonio José de Almeida se, porventura, alguem cuidasse poder diminui-lo á custa da sua gloria, servindo-se para combatê-lo de um acto d'elle, que só o faz invejar-lhe, entre as muitas qualidades que lhe admira e respeita, a galhardia com que é, conjuntamente; esforçado combatente e um amavel galanteador.

Ditas estas palavras deve significar mais uma vez á Camara que ellas são pronunciadas á guisa de explicação que lhe não deve.

Não é republicano para agradar aos monarchicos, nem para merecer-lhes, aqui ou lá fora, sympathia, applauso ou qualquer espécie de contemplação.

Aos seus adversarios só deseja e espera merecer uma unica consideração: - á de o combaterem sem treguas.

Passando a occupar-se propriamente do projecto que se discute, começará por estranhar a habilidosa confusão que a maioria d'esta camara quis fazer com as palavras pronunciadas pelo seu illustre camarada Sr. Brito Camacho.

Se a sua comprehensão é lucida, o Sr. Brito Camacho quis apenas significar que se não deixava ir a reboque do projecto, discutindo agora num ar de apuramento e polemica definitiva a questão dos adeantamentos illegaes, e censurar a iniciativa governamental e o parecer da commissão, por elles haverem forçado a Camara, por meio de um astucioso conchavo da fixação da lista civil com a suja tranquibernia, a ter necessariamente de referir-se, embora sem o caracter de discussão completa do assunto, á nauseante porcaria.

Quer dizer: o Sr. Brito Camacho expressou o pensamento de que, apesar de todas as habilidades da proposta, a opposição parlamentar, embora forçada, refere-se aos adeantamentos, na discussão do artigo 5.° do projecto de lei, não considera esta a occasião de discutir e apreciar de vez a inhominavel immundicie em que se afundaram, juntamente com o regime, tantos dos homens publicos portugueses.

Ou melhor: os adeantamentos, agora, força o Governo com uma inhabilidade politica, bem perigosa e prejudicial para o tão apregoado prestigio, da realeza, a discuti-los como incidente, sobretudo para que não vá por deante o transparente proposito, de os furtar á larga, á ampla, á aberta e minuciosa discussão a que elles hão de ser submettidos mais tarde, juntamente com a responsabilidade, tremenda e deshonrosa, de todos os adeantamentos e de todos -os adeantados.

É isto assina?

Sendo-o, nenhuma justificação teem as palavras do Sr. Carlos Ferreira, já reeditadas em tom vario por diversos membros da maioria, quando diz que deve esperar-se pela occasião adequada, pelo momento em que á Camara venha o resultado do trabalho incumbido á commissão de que fala o artigo 5.°, para então se discutir a questão dos adeantamentos.

Não será nunca de mais a insistencia sobre este ponto: a maioria confunde, propositada ou ineptamente, discussão com referencia.

Refere-se a opposição aos adeantamentos, sim, quem o duvida?

No seu significado politico, no seu aspecto de abjecta immoralidade, no seu conteudo de crime, de deshonra e de torpeza, no seu alcance para definir a ignominia de um regime que viveu largos annos nessa montureira de latrocinios, mettendo as mãos nos cofres publicos, para, á custa do sagrado dinheiro do povo, engrandecer, com ouro roubado, o famoso poder real.

Sim, quem o duvida?

A tudo isso é necessario fazer referencias, e ainda á degradação dos homens publicos que praticaram, ou contribuiram para que se praticasse a falcatrua, para bem evidenciar como é grande, como é desesperado o seu interesse em se furtarem ao apuramento de responsabilidades que lhes dará um numero e um rapaz na Penitenciaria, e como elles, portanto, espavoridos e aterrados, procuram sepultar o seu passado accusador, fechando-lhe a sepultura fétida com a gazua do artigo 5.°

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ha, pois, e principalmente, tres pontos a discutir:

- O aumento da dotação do Senhor Infante D. Affonso.

- O aumento indirecto da lista civil do Senhor D. Manuel.

- A força dos adeantamentos, que querem fazer espernear, de olhos esbugalhados, e lingua de fora, ao abrir do alçapão sem fundo do ardiloso artigo 5.°

Relativamente ao primeiro ponto, ao aumento de dotação para o Senhor D. Affonso, notará que a argumentação do Sr. Ministro da Fazenda e da maioria se limita, quasi exclusivamente, á lastimosa, invocação de varios precedentes.

Esta razão dos precedentes, na boca dos apregoadores de vida nova, dá bem a medida da sinceridade das suas intenções, e demonstra, a carencia de argumentos serios em que possa, fundamentar-se o aumento de dotação com que, como um audacioso escarneo á miseria do povo, querem agora brindar o Sr. D. Affonso.

A razão dos precedentes invariaveis?!

Já se viu, pelo que aqui referiu o Sr. Dr. Brito Camacho, relativamente á proposta apresentada ás Cortes, em 1861, para que as infantas D. Maria e D. Antonia fossem reconhecidas habeis para a successão, que os precedentes não são tão avariaveis como no parecer da commissao se assegurou.

Mas que o fossem?

Porque se teem praticado abusos e illegalidades, hão de continuar de praticar-se, justificando-se com illegalidades e abusos anteriores?

Então os apologistas que, em nome da condemnação do passado, querem fazer frutificar a esperança de um futuro diverso, estão positivamente a ludibriar o país. Farão amanhã novos adeantamentos - vá lá o eufemismo - consagrado - como já o anauncia um dos chefes num discurso requerimento, e terão então a mesma razão de agora: o precedente sagrado e invariavel.

Precedentes d'esta ordem não são razões justificativas do facto; o Codigo Penal, livro que o Sr. Espregueira devia folhear a meudo, tem a virtude de aggravar as penas, pela successão ou reincidencia dos crimes.

Mas elle, orador, convence-se de que, apesar de todas as boas, as salutares razoes, que deveriam levar os monarchicos, mesmo por um natural instincto de conservação e de defesa, a serem cautelosos e prudentes, o illegal, o injustificado aumento da dotação do Sr. D. Affonso será votado, como satisfação á miseria dos povos do Douro, que teem fome, como homenagem á agricultura do país, que está, como todos sabem, hydropica de riqueza, como brinde ao commercio florescente, que quasi rebenta numa pletora de ouro, como premio á industria desafogada e prospera, que voga num mar de felicidades e de rosas, como prova de respeito pelo bem estar moral, material e intellectual de um povo venturoso, a quem a monarchia não ensinou ainda á ler e a escrever, para deixar que um dia o destino se encarregue de lhe ensinar a escrever direito por linhas tortas.

Justo castigo para todos esses elementos de paralysação nacional, mandriões e improductivos, esse indispensavel aumento de dotação, como bem merecido incentivo á actividade incansavel, util, fecunda e productiva do Sr. Infante D. Affonso, que ás suas muitas canseiras, ao seu infatigavel esforço de trabalhador resistente, tem agora a acrescentar o cuidado de ser, por artes de berliques e berloques, herdeiro presuntivo da Coroa, não para o effeito de se arriscar aos seus classicos espinhos, porque ainda não jurou que caia nessa, mas para empochar es proventos da arriscada e afanosa categoria.

Relativamente ao aumento indirecto que o projecto entende fazer á lista civil do Sr. D. Manuel, passando uma pennacla dadivosa sobre a lei de 18 de julho de 1855, que destinava a quantia de 6:000$000 réis, nem mais um ceitil, para obras e reparações nos palacios reaes, nem vale a pena falar.

Demais a mais não é o Sr. D. Manuel tão generoso, que faz a cedencia expressa dos Paços de Belem, Caxias e Queluz, com suas casas, quintas e mais dependencias - cousas que a lingua viperina do Sr. Dr. Brito Camacho teve a ousadia de dizer que não são tal cedidas, porque já eram do país - e não faz elle o favor de se alliviar das despesas que tinha de fazer com tudo isso, tirando-as do seu bolsinh?

Realmente, só unhas de fome, só almas endurecidas por a mais negra ingratidão, deixarão de babar se de enternecimento perante esse rasgo de real generosidade; e se for por ahi fora, ás officinas deleterias, onde tosse e escarra sangue a tuberculose, onde a prostituição recruta as suas fileiras nas menores protegidas pela lei; ás encostas asperas e calcinadas do país, onde a terra hostil bebe o esforço do braço incansavel de uns seres que o Estado sabe ser homens, porque lhes cobra as decimas; ao subsolo dás minas, onde moureja uma população de toupeiras regalada de trevas; ás enfermarias confortaveis, onde, de quando em quando, a figura sagrada dos Reis vae exhibir caridade; ás casernas educadoras, onde por dois e cinco os homens aprendem a viver para matar, e onde, de quando em quando, generalissimos apparecem a dar estalitihos com a lingua, regalados na prova do rancho, se formos por ahi alem, por essas villas, aldeias e cidades, onde a dureza da vida é uma mentira, a miseria uma invenção, e onde só a riqueza e a prosperidade dominam, está o orador em dizer que não haverá uma só boca que não cubra de bençãos os autenticos representantes da nação, que assim garantem ao Rei illuminações a 400 contos de réis, para que elle veja bem, á luz deslumbrante de mil lampadas, em que sangue é amassada a comida que mette á boca e em que lagrimas se amollecem os ossos que, despreoccupado, atira á guela escancarada de mil cães.

Passando, em segujda, á apreciação do artigo 5.°, o orador diz que não é já bem a lista civil que se discute; é a lista de uma lotaria arriscada, em que se quer garantir, á viva força, o premio grande para o Senhor D. Manuel.

O Sr. Ministro da Fazenda vae tambem feito no infiro, e, com elle, uma numerosa panellinha de felizardos, porque, se não partilham do bolo, livram-se ao menos da Penitenciaria.

Ha uma commissão de inquerito parlamentar já no meada.

Para que foi nomeada essa commissão?

Para averiguar de tudo quanto é preciso para chegar á fixação da quantia que tem de ser determinada pela outra commissão de que fala o artigo alçapão.

A que vêem estes novos commissionados?

Para fazer o trabalho que a commissão de inquerito, quando não estivesse para maçadas, poderia incumbir a uma machina de sommar.

O Sr. Espregueira, que, por experiencia, sabe que nunca conseguiu apresentar contas certas, vá admitte-se, ainda que são conhecidas as difficuldades do caso, não achasse de mais cinco pessoas, e todas da mais alta categoria, para contar pelos dedos.

Não é novo o caso; já a tradição fala dos sete alfaiates que foram precisos para matar uma aranha.

Mas já o mesmo não pensou o Sr. Carlos Ferreira, e, entre as razões que adduziu para justificar a necessidade de nomeação da commissão burocratica, falou na necessidade de garantir a imparcial averiguação do assunto contra a inevitavel intervenção do facciosismo politico que inevitavelmente, a seu ver, haveria de perturbar e influenciar os trabalhos da commissão de inquerito.

Quanto á suspeita lançada sobre os parlamentares que compõem esta commissão elles quelha agradeçam. O que a elle, orador, cumpre, simplesmente, é áccentuar que esta razão do relator do projecto não vale, se lhe permitterá

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SESSÃO N.º 33 DE 22 DE JUNHO DE 1908 21

uma expressão que talvez não seja muito parlamentar, dez réis de mel coado.

Dentro da commissão de inquerito estão representantes das opposições parlamentares, e da maioria da Camara. Tem ella, portanto, todos os elementos de equilibrio e correcção de possiveis influencias de facciosismo. O mesmo se não dá com as individualidades que, presumivelmente, podem vir a constituir a commissao burocrática.

Alem de que, como é sabido, nella haverá representantes de todos os partidos politicos, acresce que alguns dos seus membros podem vir a ser criaturas suspeitas de haverem, directa ou indirectamente, contribuido para a pratica dos crimes que são encarregados de liquidar.

Elle, orador, já teve occasião de accentuar - quando teve occasião de falar sobre a resposta ao Discurso da Coroa - que a commissão burocratica pode, presumivelmente vir a ser uma commissão de cumplices, que liquidem á capucha as suas proprias infamias, e o país não consentirá, sem clamoroso protesto, que assim o enxovalhem e escarneçam depois de o terem roubado.

Porque, ninguem deve illudir-se com sofismas grosseiros, o adeantamento é uma amavel palavra com que se designam actos que teem uma dura e deshonrosa classificação no Codigo Penal.

O subterfugio do Sr. Espregueira, quando veio dizer ao seu país que fizera adeantamentos nos termos em que elles podem ser feitos por lei aos empregados publicos, é mais uma das arteirices saloias com que se teem systematicamente deshonrado tantos homens publicos, e que basta a desqualificar para todo o sempre a boca que a pronuncia.

Era empregado publico a Senhora D. Maria Pia e era nessa qualidade que o Sr. Espregueira lhe mandava entregar de mão beijada e porcaria, como quem recebe uma ordem para fazer um frete, quatro redondos contas de réis?

Essa montureira dos adeantamentos em que se atascaram tantos homens publicos, e a que outros, limpos de mancha, acredita o orador, teem a inconcebivel imprudencia de não querer fugir, deixando que sobre elles continue a pairar a sombra de suspeitas, embora injustificadas, é tão pestilenta e fetida que, em cada hora, a impressão de enjoada nausea se transforma, percorrendo toda a gama dos sentimentos de desprezo, de revolta e de assombro.

Ha dias, nesta Camara, o illustre Deputado Sr. Egas Moniz pronunciou um discurso admiravel. Admiravel pela nobreza com que não quis furtar-se á responsabilidade da collaboração revolucionaria que, tantas vezes, ao lado d'elle; orador, e ao lado dos demais portugueses que entenderam ser um dever o sacrificar o futuro e a vida á salvação da liberdade da sua patria, intrepidamente deu para a destruição do regime, e admiravel ainda pela coragem, pelo denodo a pelo desassombro com que marcou o ferrete da ignominia na face livida do Sr. Ministro da Fazenda.

A essa memoravel oração, a esse grito de alma, justiceiro e vingador, soberbo pela sua grandeza e demolidor pela sua inatacavel verdade, como respondeu a maioria.

Com uma farrapagem de argumentos fallidos, que soam a rachado por todas as fendas, proclamando aos quatro ventos que os bancos de reus são agora cadeiras de Ministros, porque numa d'ellas está muito bem, e muito bem deve ficar o Sr. Ministro da Fazenda.

E sabe a Camara porque S. Exa. está lá muito bem?

A peregrina razão descobriu a o Sr. Antonio Cabral.

Está muito bem, porque, dispondo illegalmente dos dinheiros publicos, não praticou um acto vergonhoso. Vergonhoso só seria esse acto, se elle, porventura, houvesse desviado esse dinheiro em aproveito proprio, se nelle, porventura, houvesse mettido esse dinheiro nos bolsos.

De maneira que, para os habeis defensores do Ministro, elle, orador, só pratica um furto quando, entrando numa casa alheia, traz dois castiçaes de prata no bolso, porque se for lá buscá-los, e, em vez de ficar com elles, os der a um amigo, pratica um acto que deve elevá-lo na consideração publica e servir como argumento para que conserve todas as honras e proveitos da sua situação social.
Mas a habil defesa do Ministro não quis ficar-se por aqui, e, pela boca do Sr. Carlos Ferreira,, quis ainda trazer ao debate um outro argumento de estrondo.

O Sr. Espregueira só praticou irregularidades, mais nada.

Ora irregularidades praticam-se em toda a parte, tanto, nas monarchias, como nas republicas.

Assassinios praticam-se em toda a parte, nas monarchias como nas republicas; logo, se alguem cá praticar um assassinio, fique-se na sua fresca ribeira, porque fez muito bem.

Simplesmente o Sr. Carlos Ferreira se esquece de que lá fora as irregularidades e os crimes são punidos, e de que em nenhum Parlamento do inundo haveria um Deputado o que levasse a sua dedicação até o sacrificio de fazer a calorosa defesa de um réu confesso.

Como é triste, como é lastimosamente triste ver homens intelligentes, a estrebuchar na impotente e desastrada defesa de um homem que não soube sequer merecer um facil movimento de generosidade, porque até o fim, impenitente, procurou enrodilhar a verdade, faltando á que devia, indispensavelmente, ao seu país.

Mas, se a commissao burocratica não tem razão acceitavel de existencia, para que foi ella criada afinal?

A commissao de inquerito parlamentar é de vida transitoria, eminentemente contingente. A commissão burocratica, essa é de pedra e cal.

Amanhã, conseguido o designio occulto da maioria, o Sr. Ferreira do Amaral será lançado pela borda fora, e facilmente se imagina como se fabricará uma Camara, ou com a ignobil porcaria de agora, ou com outra ignobil porcaria de invenção novissima.

Emquanto o lance proprio não chegar, a commissão burocratica dormirá conscienciosamente; mas, logo que a quadrilha de golpe esteja organizada, os burocraticos despertarão solicitos, activos, diligentes e será quasi milagre o presencear-se como elles apresentam ali, feita de cor, a continha, calada, e, para maior segurança do Rei, com prova real já tirada.

E isto que se espera que o país aguente e tolere.

O país responderá.

Em nome d'elle falam os republicanos, da sua esgotada paciencia, do seu cansado e desilludido soffrimento.

E é por isso que um tal crime se não ha de consumar, e que mal irá para aquelles que, impudentemente, persistam em tão allucinada obsessão.

Estima o orador que o Sr. Presidente do Conselho esteja presente, porque quer dizer-lhe meia duzia de palavras, ditadas por um sentimento de sincera e extrema lealdade.

Se ha ainda dentro da monarchia individualidades que, pelo seu passado, pelo seu nome, pelo seu desinteresse, mereçam uma benévola espectativa e uma aberta sympathia de todos os homens de bem, S. Exa. é uma d'ellas.

Os homens publicos não se pertencem, disse o orador ao encetar as suas considerações.

S. Exa. não se pertence a si proprio: pertence á sua patria, á estima e á consideração dos seus concidadãos, e não tem por isso o direito de, em nome de quem quer que seja, em nome de estereis é pretendidas conveniencias politicas, deixar que os outros enxovalhem um nome que S. Exa. soube conservar honesto até a idade em que a frente dos homens honrados acrescenta, á pureza da vida, a pureza dos cabellos brancos.

Não. S. Exa. não pode ter uma hesitação ou uma incerteza.

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A seu lado senta-se um Ministro que arrastava já, como um grilheta, um passado suspeitoso.

Esse homem, que ainda no espirito de alguns credulos podia ser uma victima de aleivosas malquerenças, lavrou contra si proprio uma inexoravel sentença condemnatoria, proclamando-se reu confesso de um crime de desvio de dinheiros publicos, e, fazendo a confissão deshonrosa, esse homem quis ainda illudir, faltou á verdade á nação.

Diz-se que não metteu o dinheiro nos bolsos.

Seja assim.

Mas nem por isso deixou de assegurar-se, por meios inconfessaveis, e a custa de um dinheiro sagrado, os proveitos, as honras, as considerações e as utilidades.

Não pode, pois, continuar ao lado do Sr. Presidente do Conselho.

É o que S. Exa. a si proprio deve; é o que a patria de S. Exa. exige.

Terminando, manda para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Camara, considerando que não pode continuar a gerir a pasta da Fazenda um Ministro que expressamente se confessa autor de desvios dos dinheiros do Estado, continua na ordem do dia. = O Deputado, Alexandre Braga.

Lida na mesa, não é admittida.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Carlos Ferreira (relator): - Antes demais nada, seja-lhe relevado o ter tomado a palavra nesta altura. O Sr. Deputado Alexandre Braga, porem, acaba de produzir mais um dos seus discursos notaveis pelo seu talento e eloquencia, mas profundamente injusto e aggressivo do sentimento monarchico da maioria e da dignidade dos seus representantes.

Não se levanta neste momento como relator do projecto, para responder a S. Exa., porque visse esfarrapada a sua argumentação. Não. O que S. Exa. pretendeu esfarrapar não foi o projecto, mas sim o Sr. Ministro da Fazenda, o parecer da commissão de fazenda e o proprio relator, que poderá não ter intelligencia para intervir no debate, mas que tem, pelo menos, a consciencia que defende uma causa honesta.

Se, porventura, pudesse censiderar o projecto sob outro ponto, de vista, não o defenderia. Não haveria disciplina partidaria que a isso o levasse, pois nunca sujeitou, nem ao seu partido, nem ao seu chefe, a sua dignidade.

Por isso o maguaram as observações feitas pelo illustre Deputado a quem está respondendo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

Q Sr. Alexandre Braga: - Nas considerações que ha pouco fez, não se referiu ao. Sr. Deputado Carlos Ferreira. Quis referir-se áquelles que, pela opinião publica, são já considerados como sacudindo de si todas as responsabilidades, apenas por disciplina partidaria.

O Sr. Antonio Cabral: - Nesse caso é um d'esses?

O Sr. Tavares Festas: - O Sr. Alexandre Braga não é mais honrado do que qualquer membro da maioria.

O Sr. Affonso Costa: - Não pode estar no poder um Ministro da Fazenda, que é réu confesso.

O Sr. Egas Moniz: - Venham os documentos!

Trocam-se muitos apartes. Grande sussurro)

O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos da tarde.

Reabertura da sessão ás 7 horas e 20 minutos.

O Sr, Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que occupem os seus logares.

Chamo a attenção da Camara.

No desempenho das minhas funcções, tendo conhecimento que o Sr. Ministro da Fazenda se considerou offendido pessoalmente por expressões do discurso do Sr. Alexandre Braga, apressei-me a ouvir os dois Senhores e as pessoas que elles convidaram para dirimir o assunto. Em minha consciencia, ouvidas as partes, nenhuma duvida me resta de que o Sr. Alexandre Braga, embora usasse de expressões vehementes, só atacou politicamente o Sr. Ministro da Fazenda, o que tira toda a base a qualquer procedimento ulterior.

Suppondo que toda a Camara concordará com a minha resolução, approvará a minha conducta. (Muitos apoiados).

A hora já deu; o nosso regimento manda que quando o orador estiver falando ás 7 horas terá mais meia hora para concluir o seu discurso, querendo, mas este não é o caso que se dá com o Sr. Carlos Ferreira (Apoiados), por isso fica S. Exa. com a palavra reservada para a proxima sessão, que terá logar no dia 20 do corrente, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 25 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

Da Associação Commercial dos Lojistas do Porto, pedindo a conservação das leis sobre pequenas dividas e a que regula o despejo de predios rusticos e urbanos decretadas pelo Governo anterior.

Da mesma associação, expondo alvitres sobre a lei do descanso semanal.

Foram apresentadas pelo Exmo. Sr. Presidente Libanio Antonio Fialho Gomes e mandadas enviar á commissão do "bill".

Da Liga de Instrucção de Vianna do Castello, pedindo uma pronta e efficaz resolução do problema da instrucção de forma a attender á escolha e habilitações do professorado á remuneração equitativa do seu trabalho e ás condições da sua aposentação.

Foi apresentada pelo Sr. Deputado Ernesto Vasconcellos mandada enviar á commissão de instrucção primaria e secundaria.

Das fabricas de distillação e rectificação de alcool de alfarroba e figo, denominadas do Castello de S. Christovam, da provincia do Algarve, pedindo a derogação das leis e regulamentos ditatoriaes que respeitam á sua propriedade industrial.

Foi apresentada pelo Sr. Deputado Pereira de Lima e mandada ouvia á commissão de agricultura depois de publicada no "Diario do Governo".

De Cypriano Lopes, guarda da Camara dos Senhores Deputados, pedindo para que seja incluida no orçamento de 1908-1909 a verba de 84$000 réis a que julga ter direito por serviços prestados na 3.ª Repartição.

Apresentada pelo Sr. Deputado Sergio de Castro e enviada a commissão de orçamento.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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