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N.° 35

SESSÃO DE 5 DE ABRIL DE 1899

Presidencia do exmo. Sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão

Secretarios - os exmos srs.

Joaquim Paes Abranches
Carlos Augusto Ferreira

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - Tem segunda leitura um projecto do sr. Barbosa de Magalhães, sobre musicos militares. - O sr. Avellar Machado participa ter lançado na caixa varios requerimentos. - O sr. Carlos José de Oliveira apresenta uma representação dos distribuidores telegraphicos.- O sr. Lopes de Carvalho refere-se a assumptos da comarca de Alemquer, respondendo-lhe o sr. ministro da justiça. - Apresenta o sr. Simões Baião um requerimento sobre baldios da camara de Villa Nova de Ourem, e falla a esse respeito, respondendo-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Almeida e Brito refere-se á lei de 1880, que isenta da contribuição as vinhas phylloxeradas. - O sr. Catanho de Menezes apresenta um projecto de lei. - O sr. Francisco José Machado participa o lançamento na caixa de varios requerimentos. - O sr. Fialho Gomes justifica as faltas do sr. Menezes de Vasconcellos. - O sr. Avellar Machado troca explicações com o sr. ministro das obras publicas sobre um acontecimento no caminho de ferro do Barreiro. - O sr. Luciano Monteiro dirige-se ao sr. ministro da fazenda, fazendo considerações sobre negociou da pasta d'este. Responde o sr. ministro da fazenda. - O sr. ministro dos negociou estrangeiros apresenta uma proposta de lei, referente á tabella de emolumentos consulares.

Ordem do dia. - Na primeira parto (assistencia judiciaria) falla o sr. Luciano Monteiro, e vota-se um requerimento do sr. Cruz Caldeira, julgando sufficientemente discutido o artigo 1.° - Na segunda parte (projecto n.º 13, reorganisando o exercito) fallam successivamente, o sr. Lourenço Cayolla (relator) para apresentar uma proposta, e em seguida os srs. João Franco e ministro da guerra (Sebastião Telles).

Primeira chamada - Ás duas horas da tarde.

Presentes - 5 srs. deputados.

Segunda chamada - Ás tres horas da tarde.

Abertura da sessão - Ás tres horas e dez minutos da tarde.

Presentes - 44 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alfredo Cazimiro de Almeida Ferreira, Antonio Augusto Gonçalves Braga, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde de Silves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Catanho de Menezes, João Marcellino Arroyo, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimento Tello Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Simões Ferreira José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Malheiro Reymão, João Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria de Oliveira Matos, José Matinas Nunes, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Pinto de Almeida, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sousa tantas Baracho e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão srs.: - Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos da Carvalho Kendall, facilito Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior Sertorio do Monte Pereira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abel da Silva, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar de Oliveira, Alvaro de Castellões, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festão, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paçô Vieira, Conde da Serra de Tourega, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João de Mello Pereira Sampaio, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Adolpho de Mello e Sousa, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Capello Franco Frazão, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim da Silva Amado, João Luiz Ferreira Freire, José Maria Pereira de Lima, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Marianno Cyrillo da Carvalho e Visconde de Melicio.

Acta. - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da marinha, participando que não é possivel enviar desde já algumas das copias dos documentos, pedidos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida, em sessão de 24 de março ultimo, por serem muito volumosos alguns dos respectivos processos; mas que podem ser consultados n'aquella secretaria d'estado pelo mesmo sr. deputado em qualquer dia e hora que tenha por conveniente.

Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, remettendo copia da correspondencia trocada entre o engenheiro chefe do serviço do Douro e Leixões e a empreza industrial portugueza a respeito do concerto de avarias soffridas em 1892 pelo Titan do molhe do norte de Leixões, pedida pelo sr. deputado Marianno de Carvalho, em sessão de 9 de março ultimo.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - A lei de 23 de junho de 1880, destinada a regularizar a reforma e readmissão dos officiaes inferiores e musicos do exercito, sendo suficientemente equitativa para, a primeira d'estas corporações, não o foi para a segunda, cujos vencimentos, segundo as disposições n'esta estabelecidos, ficam, pelo acto da reforma, reduzidos á metade, dois terços, ou tres quartos nas tres classes superiores d'esta.

Se se addicionar a isto a falta do abono do pão que se recebe durante o periodo de actividade, muito maior é a reducção que os musicos soffrem, quando pela sua idade e estado de saude têem de se retirar do serviço por já não poderem trabalhar.

De todas as classes de funccionarios tanto civis como militares, é esta a unica que pela sua aposentação, da reforma passa a ter vencimento muito inferior ás da actividade. É pois de toda a justiça adoptar uma medida, que, embora não seja o que rasoavelmente se devesse estabelecer para dotar esta classe com vencimentos condignos das suas funcções artisticas, ao menos seja o que nas actuaes circumstancias possa remediar o mais importante d'esta anomalia.

Para este fim propomos a substituição ao artigo 7.° da lei citada nos termos d'este projecto de lei:

Artigo 1.° Os musicos militares terão direito ás pensões de reforma e de readmissão de que trata o artigo 5.° da lei de 23 de julho de 1880, como gosam os officiaes inferiores, segundo as seguintes regras:

§ 1.° Os que tiverem trinta annos de serviço e dois na classe a que pertencem serão reformados com os dois vencimentos que têem na efectividade.

§ 2.° Os que tiverem vinte annos de serviço, dois na classe a que pertencem e quarenta e cinco de idade, serão reformados com os vencimentos que têem os officiaes inferiores nas mesmas condições.

§ 3.° Tanto para o effeito do disposto no § 2.°, como para o caso de readmissão, os musicos militares serão equiparados aos officiaes inferiores pela seguinte maneira:

a) Mestre de musica aos sargentos ajudantes;

b) Contramestre de musica e musico de l.ª classe, aos primeiros sargentos;

c) Musicos de 2.ª e de 3.ª classe, mestre de clarins, tambores ou corneteiros, aos segundos sargentos.

§ 4.° Os musicos conservam, depois de reformados, as denominações hierarchicas.

§ 5.º A reforma só poderá ser concedida, verificada que seja a incapacidade physica pela respectiva junta militar de saude.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 4 de março de 1899.= Barbosa de Magalhães, deputado por Oliveira de Azemeis.

Lido na mesas foi admittido e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, o meu amigo e collega, o sr. Dantas Baracho mandou hontem para a mesa um grande numero de requerimentos de officiaes de cavallaria, que, com aquelles que já têem sido aqui apresentados por varios srs. deputados, perfazem mais de dois terços dos officiaes arregimentados d'aquella arma, que protestaram contra a expoliação que se pretende fazer-lhes com a chamada «reforma do exercito».

Participo a v. exa. que vou tambem mandar deitar na caixa de petições vinte requerimentos de officiaes de engenheria, reclamando contra a odiosa violencia que, com a base 17.ª, o sr. ministro pretende fazer aos direitos por elles adquiridos, ao abrigo da legislação em vigor, e que vem de seculos.

Peço, portanto, a v. exa. que dê seguimento a esses requerimentos que são numerosos, a fim de não morrerem no archivo da camara. Se for essa a idéa do governo, protesto desde já energicamente, e não deixarei de levantar a minha voz n'esta camara, emquanto estes requerimentos não forem presentes á commissão respectiva, que os tomará em consideração ou dirá o motivo por que os não attende. (Apoiados.)

É necessario que não as emendas que forem apresentadas á reforma do exercito, durante a discussão, mas tambem os requerimentos d'aquelles officiaes, que digna e honradamente, dentro do campo da legalidade, requereram ao parlamento contra as disposições da reforma que os aggrava, sejam presentes á commissão de guerra e á camara, a fim de que esta possa resolver, como lhe compete e com verdadeiro conhecimento de causa.

Estou ainda convencido que não será baldadamente que a maioria dos officiaes das armas de cavallaria e engenheria, e alguns da arma de infanteria, recorreram ao parlamento para que se lhes faca justiça. Mas se assim não acontecer, vá a responsabilidade a quem pertence pelos funestos resultados que provirão para a discipline, para a força e cohesão do exercito, de se infringir a lei consuetudinaria, unicamente para que alguns protegidos do sr. ministro se locupletem com o que legitimamente a outros pertence.

Tenho dito.

O sr. Carlos José de Oliveira: - Mando para a mesa uma representação dos empregados telegrapho-postaes, em que pedem que para essa classe lhe seja concedida a aposentação aos trinta annos de serviço.

Estes funccionarios do estado estão em condições excepcionaes, porque são dos que mais trabalham, visto que annualmente trabalham mais noventa dias do que os outros funccionarios, e alem de que o serviço é feito grande parte de noite, não tendo licenças o sendo-lhes descontado o tempo durante o qual estiverem doentes.

Por consequencia, um trabalho d'esta ordem, gasta uma grande parte das suas forças, tanto mais que a alimentação é fraca em virtude dos seus vencimentos serem pequenos.

Tudo isto, sr. presidente, constitue um motivo para que sejam attendidas as suas reclamações.

Peço a v. exa. que esta representação seja remettida á commissão respectiva e se digne consultar a camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

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SESSÃO N.°35 DE 5 DE ABRIL DE 1899 3

O sr. Lopes de Carvalho: - Pedi a palavra para fazer uma pergunta ao sr. ministro do reino; como, porém, s. exa. não está presente dirijo-me ao sr. ministro da justiça para que se digne responder-me, e, no caso de s. exa. não acceder ao meu pedido, que ao monos seja interpreto junto do sr. ministro do reino a fim de que s. exa. satisfaça o meu pedido na primeira sessão.

Sr. presidente, tendo fallecido, o anno passado, o secretario da camara de Alemquer, nomearam os vereadores interinamente para desempenhar aquelle cargo um empregado da sua confiança, emquanto o logar não fosse posto a concurso. Não agradou ao sr. governador civil d'este districto a resolução tomada pela camara, collocando s. exa. n'aquelle logar e a titulo do addido um individuo da sua parcialidade. A camara, é claro, recusou-se a admittir o pseudo addido, dando este procedimento logar a que o sr. ministro de reino a dissolvesse, nomeasse uma commissão administrativa e marcasse dia para a nova eleição.

Effectivamente no dia 5 de marco realisou-se a eleição nas assembléas de Alemquer e de Olhalvo, não se, fazendo na assembléa da Merceana, por na vespera uns desconhecidos terem substituido os cadernos authenticos por papel de embrulho! Na assembléa de Alemquer teve a eleição de ser interrompida por ter um partidario governamental despejado um tinteiro sobre um dos cadernos!

Como a votação das duas assembléas fosse sufficiente para validar a eleição effectuou-se no domingo seguinte a assembléa de apuramento.

No domingo ultimo havia terminado o praso marcado pela lei para o presidente da commissão administrativa ou na sua ausencia o administrador do concelho dar a posse á vereação eleita, conforme determina o artigo 19.° do codigo administrativo; mas, caso curioso, nem o presidente da commissão nem o administrador cumpriram o que a lei determina!

Qual o motivo por que se deu este facto é que eu peço ao nobre ministro que me diga.

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - O illustre deputado fez uma pergunta sobre um assumpto que desconheço completamente, porque não corre pela minha pasta, e por isso não posso de maneira alguma responder a uma pergunta feita sem aviso previo, de sobresalto.

Se o illustre deputado deseja informar-se a este respeito, tem uma maneira simples de o fazer. Dirija-se ao sr. presidente do conselho por de meio de um aviso previo.

O sr. Lopes de Carvalho: - Eu tenho a dizer ao sr. ministro da justiça...

O sr. Presidenta: - V. exa. já tinha terminado e por isso não posso permittir que continuo no uso da palavra.

O sr. Lopes de Carvalho: - Então peço a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.

O sr. Manuel Telles de Vasconcellos: - Declaro a v. exa. que vou mandar para a caixa de petições tres requerimentos dos alferes reformados Antonio Rosa, Julio Augusto e Manuel José Marques, que pedem melhoria de situação.

Dadas as circumstancias precerias em que se encontrara estes officiaes, não tive duvida em apresentar á camara os requerimentos.

Peco a v. exa. que lhes dê o destino devido.

O sr. Simões Baião: - Na sessão do dia 9 do mez passado mandei para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo ministerio do reino, e que dizem respeito a contratos de aforamento de baldios realisados pela camara de Villa Nova de Ourem. Peço a v. exa., sr. presidente, o favor de me dizer se esses documentos já estão na mesa ou na secretaria, e caso não estejam, peço o favor de instar pela sua remessa.

V. exa. comprehendo que desde o dia 9 em que fiz meu pedido, e tendo elle sido logo transmittido para o respectivo ministerio, como sei que foi, já havia tempo para esses documento terem chegado.

A este proposito, seja-me permittido dizer que, não estando presente n'essa sessão o sr. presidente do conselho, pedi ao sr. ministro da guerra o favor de transmittir a s. exa. as considerações que então fiz, pedindo que pozesse cobro ao estado anarchico em que se encontrava o concelho de Villa Nova de Ourem, porque a indignação d'aquelles povos ía augmentando de dia para dia com a repetição de manifestações de desagrado ao respectivo administrador do concelho, e pensava eu então, como penso hoje, que aquella auctoridade não tem poder nem prestigio para manter o respeito devido e evitar as perturbações da ordem publica que ali se estão dando.

O sr. ministro da guerra de certo transmittir ao seu collega as minhas considerações, mas não sei s. exa. adoptou algumas providencias, sendo todavia certo que os actos mostram que as minhas considerações tinham fundamento, porque tenho aqui um telegramma que diz o seguinte:

«Villa Nova de Ourem. - T.- Esta noite os malfeitores destruiram os candieiros da illuminação publica em Freixianda e atacaram as casas do medico municipal, do juiz de paz e da familia do administrador. Foram perseguidos, mas nenhum foi capturado ainda. O administrador deu conhecimento ao governador civil, pedindo força para manter a ordem e proteger aquella freguezia.»

Sr. presidente, alem d'este telegramma, que se acha publicado hoje no Seculo, tambem já hoje estive com pessoa estranha áquelle concelho, mas que casualmente ali esteve hontem e me informou que ou factos foram mais longe, pois que o povo foi novamente ao baldio aforado e destruiu uma plantação de vinha que lá estava, e, nota a camara o estratagema de que no serviram; não foram individuos de maior idade, que tal fizeram, mas arranjaram para isso creanças de novo a dez annos sem responsabilidade criminal.

Note v. exa. sr. presidente, que eu não applaudo, não defendo e antes censuro e reprovo estes desmandos populares; mas o que é certo, é que os factos se deram, e que se não tomaram providencias a tal respeito, o que póde trazer consequencias serias e graves como já previ, quando narrei na sessão do dia 9 os que já anteriormente se haviam dado, devido principalmente ao aforamento illegal d'aquelles baldios, que o povo considera uma espoliação porque os usufruia de tempos immemoriaes.

Não sei, se o sr. ministro do reino deu algumas providencias a tal respeito, mas se deu, não foram acatadas, segundo o costume, e isso significa falta de respeito das auctoridades pelas ordens superiores, o que é um mau, um pessimo symptoma.

S. exa. póde ter a certeza que o actual administrador já não tem força nem prestigio para manter ali a ordem.

Ora, sr. presidente, eu novamente dou conhecimento d'estes factos ao governo e poço ao sr. ministro da justiça o obsequio de os communicar ao sr. presidente do conselho e de lhe fazer notar a sua gravidade.

Estou certo de que o nobre ministro da justiça ha de satisfazer o meu pedido, como da outra vez o satisfez o sr. ministro da guerra.

E do novo insisto, sr. presidente, no pedido que fiz da remessa dos documentos relativos ao aforamento dos baldios de Ourem, para á vista d'elles pedir as providencias que julgar necessarias e que são de certo a promoção perante os tribunais para a annullação dos contratos d'esses aforamentos.

E, sem querer de fórma alguma intrometter-me nos negocios do circulo de Alemquer, mas com a permissão do meu collega e amigo o sr. Lopes do Carvalho, permitta-me o sr. ministro da justiça que lhe diga que a res-

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

posta á pergunta que este sr. deputado lhe fez não devia ser ignorada por um homem que está á frente do ministerio da justiça e que é bacharel em direito. (Apoiados.)

Realmente fazer um aviso previo para uma cousa tão discutida na imprensa o do todos tão conhecida, parece-me que não seria preciso e que mesmo sem esse aviso s. exa. poderia responder, e nunca declarar que não tinha conhecimento do artigo que mandava que a camara eleita tomasse posse dentro de um certo praso.

Podia não ter de memoria o numero do artigo, porque eu não sei tambem n'este momento se é o artigo 15.° ou 16.° ou outro qualquer do codigo administrativo que isso preceitua, mas o que tenho de memoria e o que têem igualmente tedos, mesmo sem serem bachareis nem ministros da justiça, é que ha uma disposição de lei que regula este assumpto.

O sr. Lopes de Carvalho citou o facto, que é verdadeiro, e como este outros se estão dando no paiz, recordando-me agora de um recente e muito similhante, de que tenho conhecimento pela imprensa, que é o que no districto da Guarda se está praticando com a mesa administrativa da misericordia de Manteigas.

Houve a este respeito um accordão do supremo tribunal administrativo, que foi publicado no Diario do governo, e que entretanto ainda não foi cumprido porque a auctoridade administrativa se recusa a isso!

Isto o que revela é o estado anarchico em que vamos vivendo. Não ha auctoridades que cumpram e façam cumprir as leis, não ha leis que se respeitem, ha simplesmente a vontade e o arbitrio do governo e dos seus agentes que querem que estejam gerindo os negocios municipaes esta ou aquella camara, com quanto que seja composta dos seus amigos e dos seus parentes.

Nada mais revoltante do que o que se tem passado em Alemquer por causa da nomeação do secretario da camara que não póde ser addido, pois essa classificação lhe foi illegalmente dada pelo governo para metter ali um amigo e espoliar a camara do direito de nomear secretario quem muito bom entender.

Tudo isto se pratica impunemente. Dissolve-se a camara, faz-se nova eleição, vê-se positivamente que a maioria de concelho está compacta e unida para eleger uma carnais que administre bem, vê-se qual é a influencia do partido progressista que não tem meio de levar ali á urna individuos da sua feição, e quer-se por este meio violento impedir que a camara legalmente eleita tom:; conta dos seus logares! isto é altamente revoltante, e é contra isto que eu protesto. (Apoiados.)

Annulla-se uma eleição sob um protexto qualquer, atira-se com um tinteiro para dentro da urna, substituem-se os cadernos eleitoraes, procede se a nova eleição e andamos n'esta vida ha quatorze mezes, creio eu. Isto é irrisorio!

Oh! Sr. presidente, isto é irrisorio. Note v. exa., eu lamento o facto não poios cavalheiros d'aquelle concelho, que têem hombridade sufficiente para luctar e fazer sentar nas cadeiras do municipio os seus amigos, as pessoas que julgam mais competentes para gerir os negocios municipaes; mas pelo governo, pelo sr. ministro do reino, pelo principio da auctoridade que pouco a pouco se vae enfraquecendo. Isto é um symptoma que se manifesta por toda a parte, não é um caso isolado e a um tal estado de cousas convém pôr cobro sem demora; n'isso vae o respeito á lei e o prestigio da auctoridade, que o governo deve manter e fazer respeitar. VOZES:-Muito bem.

O sr. Presidente :-Mandei informar á secretaria se já tinham vindo os documentos pedidos pelo sr. deputado, e se a resposta for negativa insto novamente por elles.

O sr. Baião:-Agradeço muito a v. exa.

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim):-Pedi a palavra para responder ao illustre deputado e fazer umas breves considerações ácerca do que s. exa. acabou de dizer.

Se bem me recordo, o illustre deputado começou por se referir a um aforamento de baldios em Villa Nova de Ourem, pedindo-me que transmittisse ao sr. presidente do conselho o seu desejo de que s. exa. viesse á camara dizer ao illustre deputado quaes as providencias que tomara a tal respeito?

O sr. Baião:-Com relação aos aforamentos pedi varios esclarecimentos, que ainda não vieram, e insisti por elles. Pelo que respeita a factos concernentes á ordem publica, que se estão dando n'aquelle concelho, é que eu pedi, não que o sr. ministro do reino viesse á camara dar explicações, porque não me atrevia a tanto, mas que d'esse as providencias que o caso reclama.

O Orador: - Com respeito ao conflicto occorrido em Villa Nova de Ourem, transmittirei as observações do illustre deputado ao sr. ministro do reino.

Quanto á questão de Alemquer achou o illustre deputado censuravel que eu não a conhecesse. Recordo-me de ter visto nos jornaes referencia a cousas de Alemquer.

O sr. Baião:-Foi estranheza e não censura.

O Orador: -Eu não me preoccupo com os negocios de Alemquer, o que não admira porque esses negocios não correm pela minha pasta. Confesso que é justificada a estranheza por eu não conhecer os assumptos referentes a Alemquer. Sujeito-me às censuras de v. exa. e curvo-me sob o peso de negocio de tamanha gravidade!
Entretanto, permitta-me s. exa. dizer-lhe que não tem que estranhar que eu não respondesse á pergunta feita pelo sr. Lopes de Carvalho, em primeiro logar porque o negocio não corre pela minha pasta: mas ainda que corresse, o caminho parlamentar, regular, aconselhado pelo regimento feito pelo partido a que v. exa. pertence, era dirigir um aviso previo ao respectivo ministro. Em segundo logar, ainda que o negocio corresse pela minha pasta, nada mais simples do que o ministro não poder applicar a determinada hypothese um artigo da lei.

Nem os mais abalisados e sabios jurisconsultos podem ter no cerebro todas as disposições de leis applicaveis a casos especiaes.

Como v. exa. comprehende, sob este ponto de vista mereço toda a estranheza da parte do illustre deputado, por não conhecer nem o caso nefando de Alemquer, nem o artigo da lei que deva ser applicado a determinada hypothese.

Transmittirei ao sr. ministro do reino as considerações feitas pelo illustre deputado, tanto mais que s. exa. merece da minha parte toda a minha consideração, por ser um dos prezados amigos que eu conto n'esta casa do parlamento.

O sr. Almeida e Brito: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer um pedido ao sr. ministro da fazenda; como s. exa. não está presente, peço ao sr. ministro da justiça o favor de transmittir ao sr. ministro da fazenda o meu pedido.

Sr. presidente, votou-se n'esta casa uma lei, em 1880, para a annullação das collectas das vinhas phylloxeradas. Esta lei tem tido applicação no paiz, mas consta-me que em alguns concelhos do Douro essa lei tem tido applicação muito irregular, de modo que os proprietarios não podem aproveitar os beneficios da lei, porque se encontram em circumstancias de a não poderem utilisar.

Por isso peço ao sr. ministro da justiça transmitia o meu pedido ao sr. ministro da fazenda, para que s. exa. faça cumprir rigorosamente a lei.

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Sr. presidente, ouvi com toda a attenção as reflexões do sr. deputado. Transmittirei ao meu collega da fazenda o pedido de s. exa.

O sr. Catanho de Menezes: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que tem por fim melhorar a situação dos professores das escolas industriaes; e como não vae sobrecarregar o the-

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souro com um augmento de despeza, poço á commissão que tem de o apreciar, que o tome na devida consideração.

Vou ler o projecto.

E o seguinte;

Projecto do lei

Artigo 1.° Os vencimentos designados pelo artigo 144.° da lei de 8 de outubro de 1891, são apenas para os professores das escolas industriaes, nomeados posteriormente áquella lei.

Art. 2.° Os professores das escolas industriaes e de desenho industrial nomeados antes da referida lei continuarão a receber os vencimentos sem distincção de vencimentos de categoria e de exercicio.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 22 de março do 1899. - O deputado, J. Catanho de Menezes.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Francisco José Machado: Sr. presidente pedi a palavra para participar a v. exa. vou mandar lançar na caixa do petições um requerimento de João Caetano de Palma, capitão quartel mestre de infanteria 5, pedindo que seja convertido em lei um projecto em que, para effeitos de reforma, lhe seja contada a sua antiguidade pelos officiaes da administração militar, como se para ali tivesse entrado em 1859, quando foi extincta a sua classe.

Peço á commissão que tem de o apreciar, que o attenda, como for do justiça.

O sr. Fialho Gomas:-Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa, era nome do sr. deputado Antonio de Vasconcellos, a justificação das faltas d'aquelle nosso collega.

Vae publicada no fim da sessão.

O sr. Lopes de Carvalho: - Sr. presidente, pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro do reino; como s. exa. não está presente, desisto da palavra.

O sr. Avollar Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a v. exa. se já foram remettidos a esta camara os documentos que pedi, ha tempo, pelo ministerio das obras publicas, a respeito das despezas a fazer com a nova exposição do Paris.

O sr. Presidente:-Vieram os documentou pedidos pelo sr. Marianno; mas os pedidos por v. exa. ainda não vieram.

O Orador:-Como está, presente o sr. ministro das obras publicas, tomo a liberdade do pedir a s. exa. a fineza de me enviar esses documentos com a possivel brevidade.

E já agora ponho em prova a gentileza do s. exa. perguntando-lhe se todas as despezas são auctorisadas pelo ministerio de s. exa., ou se ha algumas pelo ministerio da fazenda, porque n'este caso farei requerimento analogo ao ministerio da fazenda.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Elvino do Brito):--Declaro ao illustre deputado que dei ordem na minha secretaria pura que todos osB pedidos feitos nas duas casas do parlamento, tão depressa como ao recebessem, fossem satisfeitos com brevidade. Portanto se os documentos requeridos pelo illustre deputado ainda não vieram, é porque ainda não estarão prompos na repartição respectiva; todavia posso informar que no mesmo dia em que recebi o officio da camara, dei ordem para que fossem satisfeitos os desejos de s. exa.

Posso já informar s. exa., que todas as despezas a esse respeito auctorisadas pelo meu ministrio, o tem sido precisamente em conformidade com os termos do decreto do 12 de novembro do anno passado.

Tencionava effectivamente apresentar uma proposta do lei pedindo ao parlamento auctorisação para despender uma verba fixa com os trabalhos da exposição do Paris, mas como o orçamento terá de ser discutido, é essa occasião opportuna para se fazer qualquer indicação n'esse sentido.

O sr. Avellar Machado:-Mas ha tambem alguma despeza auctorisada pelo ministerio da fazenda?

O Orador: - Com relação ao pedido do illustre deputado, posso informar que no mesmo dia em que recebi o orneio, dei ordem para que fosso satisfeito o desejo de s. exa., e se os documentos não vieram ainda, hei de averiguar o motivo da demora.

O sr. Avellar Machado:-Agradeço a explicado que v. exa. me deu, mas nas entrelinhas da resposta percebi que algumas despezas se têem tambem auctorisado pelo ministerio da fazenda, o por isso vou fazer um requerimento analogo, pedindo esclarecimentos por osso ministerio.

A mim, como a muita gente, preoccupa-me extremamente
facto de, não obstante se gastarem grandes quantias com que, na actual occasião, o estado não pude, venhamos a ter uma representação menos conveniente n'esse grande certamen das nações do universo!... Tenho visto, nos jornaes de maior publicidade da capital, correspondencias enviadas de Paris, em que se diz--que o local que foi destinado á exposição portugueza é muito acanhado, em sitio excuso, e que, portanto, as quantias despendidas com a nossa representação na exposição de 1900 serão em pura perda!... Emfim não antecipemos juizos, e limito-me a instar pela remessa de documentos que pedi ha muito, e a
fazer um requerimento pelo ministerio da fazenda, analogo ao que dirigi pelo ministerio das obras publicas. E já que estou com a palavra, permitta-me v. exa. que me retira tambem nos factos a que alludiram os meus illustres colegas os srs. Lopes de Carvalho, Bayão e outros srs. deputados, sobre o estado do anarchia geral, mansa ou brava, que reina por toda a parte!

Anarchia em Alemquer em Manteigas, na Horta, no Gavião, em Villa Real, etc., porque as auctoridades fazem o que muito bem lhes apraz, e continuam, por isso mesmo, merecendo toda a confiança do illustre presidente do conselho ha pouco ainda tive conhecimento circunstanciado de um confficto occorrido na villa do Barreiro, séde de um concelho de districto de Lisboa, que ha muito tempo se encontra em estado tumultuario e anarchico, por causa de violencias politicas ali exercidas. Consta-me que algumas centenas de pessoas invadiram a estação do caminho de ferro, impedindo que embarcasse para o estrangeiro uma porção de cortiça despachada com esse destino n'uma das estações de caminho de ferro do sul. Desejava saber se o sr. ministro das obras publicas teve conhecimento dos factos e que, providencias tomou ou vae tomar para que elles se não repitam. Attentados d'esta ordem, por mais justas que sejam as rasões que se invoquem, não podem de fórma alguma tolerar-se.

Temos mais uma minifestação da anarchia, e esta brava, que lavra por toda a parte.

O chefe da estação deverá ter communicado esse facto, de natureza tão grave, aos seus superiores, a direcção do caminho de ferro de sul e sueste, e esta, por consequencia, ao governo. Pergunto, novamente, que providencias tenciona adoptar o sr. ministro das obras publicas, para que no Barreiro se não repitam factos da gravidade d'aquelles que os jornaes noticiosos mencionam. Sei que s. exa. não descura os negocios da sua pasta, mas tambem sei que ha muito os poderes publicos andam a embalar os artistas corticeiros com mil promessas illusorias, e que estes, fartos de esperar uma solução qualquer ás suas representações, recorrem já á violencia, impedindo que as mercadorias transportadas por modo regular, pelas vias ferreas do estado, sigam ao seu destino, violencia que não pódo

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

permittir-se por mais fundadas que sejam as reclamações da classe.

É esta a pergunta que eu dirijo ao nobre ministro das obras publicas. Se s. exa. estiver habilitado a responder-me, muito bem e agradeço-lhe; se não tiver conhecimento do conflicto, espero que s. exa. se informará e tomará as providencias que julgar convenientes, dando d'ellas, opportunamente, conhecimento á camara.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Elvino de Brito): - Precisamente quando saía do ministerio para vir para o parlamento, tive noticia, pelo telegrama expedido do Barreiro, - não ao ministerio das obras publicas, mas creio que ao governo civil - de que houvera essa tentativa, por parte de alguns corticeiros, para não deixar sair uma porção de cortina da estação do Barreiro. Repito, não houve telegrama dirigido ao ministerio das obras publicas mas como ministro tenho dado ordem para que todo e qualquer telegramma, dirigido às estacões officiaes e referente á ordem publica, me seja transmittido por copia. Precisamente; quando vinha para o parlamento, recebi copia de um telegramma, dirigido, creio eu, ao governo civil, em que se dizia que na estação do Barreiro houvera a referida tentativa. Immediatamente mandei chamar o sr. director do caminho de ferro do sul e sueste, o sr. Pedro Ignacio Lopes. S. exa. disse-me que não recebera communicação alguma, mas que ia partir no comboio das quatro horas, para averiguar da veracidade do telegramma. Mas antes mesmo que eu lhe d'esse qualquer ordem, e outra não podia ser senão que fizesse cumprir os regulamentos do caminho de ferro, o sr. Pedro Ignacio Lopes disse : que a cortiça havia de sair e que os regulamentos haviam de ser cumpridos. Ao terminar a nossa conferencia chegava outro telegramma dizendo que estava tudo apaziguado e a cortiça já havia saido. Que houve tentativa, não ha duvida; mas tudo se resolveu de uma maneira conciliadora. É esta a noticia agradavel que posso dar ao illustre deputado.

Não quero sentar-me sem dizer ao illustre deputado que não póde conjecturar que as despezas a fazer com a exposição de Paris sejam em pura perda. S. exa. sabe a solicitude, desvelo e cuidado, com que tenho acompanhado, dia a dia, os trabalhos da exposição e a orientação pratica e modesta que tenho dado aos trabalhos da exposição portugueza n'aquelle certamen.

S. exa. não sabe?! Mas com certeza esses documentos foram publicados no Diario do governo, e não só está publicado o decreto de 12 de novembro, no qual se prescrevam as regras e normas a que têem de obedecer os trabalhos, como tambem uma circular que foi trabalho preliminar.

Direi mais; eu tive occasião de assistir a uma das reuniões da commissão de Lisboa, e não tive senão que elogiar a maneira zelosa e solicita como a commissão tem trabalhado.

Posso assegurar a s. exa., da maneira mais categorica, que as despezas auctorisadas pelo ministerio das obras publicas têem sido todas dentro da verba a que se refere o decreto de 12 de novembro, e posso affirmar ainda, que as despezas que se fizerem com a exposição, hão de ser todas realsadas em conformidade com a auctorisação parlamentar. Não serão excedidas, e se o forem, por qualquer circunstancia extraordinaria, eu virei dar conta á camara dos motivos que determinaram, esse excesso.

Emquanto, porém, ou não o fizer, s. exa. póde ter a certeza de que as despezas hão de conter-se, por agora, dentro do auctorisado pelo decreto de 12 de novembro, e de futuro , dentro da verba que for votada pelo parlamento.

Tenho dito.
(S. exa. não reviu.)

O sr. Eusebio Monteiro: - Diz que na ultima assembléia do banco de Portugal verificou-se que o governo, não tendo já meios occorrer aos seus desperdicios, se soccorreu ao estratagema de levantar dinheiro n'aquelle estabelecimento, entregando-lhe bilhetes do thesouro, que, nos balancetes, tem figurado na rubrica - Carteira commercial.

Este facto foi verberado n'aquella assembléa, e ali se mostrou a conveniencia de se fazer, n'aquella rubrica, a destrinça do que representa effectivamente operações commerciaes e do que representa saques do thesouro.

A direcção concordou, em principio, com o desejo manifestado pela assembléa, mas impoz-lhe a restricção de que a destrinça só se fará, se o governo consentir.

N'estas circumstancias deseja saber se a direcção do banco de Portugal já teve com o sr. ministro da fazenda alguma conferencia, para lhe perguntar se vê algum inconveniente em se fazer aquella destrinça; e, no caso affirmativo, qual foi a retposta que s. exa. deu.

Quanto ao caso de Alemquer, não faz censuras á resposta dada pelo sr. ministro da justiça; nem vale a pena fazel-as, porque nós estamos vivendo num regimen de arbitrariedade e de confiança.

Se alguem verberar desacertos na administração, verdadeiros escandalos politicos e financeiros, a resposta do governo é que está no seu logar, porque tem a confiança da corôa; se se accusam arbitrariedades de qualquer governador civil, responde que tem a confiança do governo; se se faz o mesmo a respeito de qualquer administrador do concelho, responde que tem a confiança do governador civil.

Não censura, por consequencia, a resposta do sr. ministro da justiça; apenas estranha que s. exa. exija avisos previos, ainda mesmo sobre assumptos que dizem respeito á administração geral.

Por ultimo, o orador chama a attenção do sr. ministro da justiça para a grande diminuição que tem tido o movimento nas seis varas eiveis do Lisboa, d'onde resulta para os empregados uma tal diminuição de proventos que os colloca em precarias circumstancias.

Para se occorrer a este mal, lembra o alvitre de se reduzirem a quatro as seis varas, combinando-se esta reducção com algumas modificações na organisação do tribunal do commercio e execução das suas sentenças.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidenta: - Tem a palavra o sr. minisro da fazenda. Previno a s. exa. que falta apenas um minuto para se entrar na ordem do dia.

O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): -Visto que não tenho tempo de responder, fal-o-hei apenas em relação a uma parte, que é capital.

Não tenho conhecimento do assumpto a que s. exa. se referiu. Quanto a s. exa. dizer que era má a situação do thesouro, devo observar que ainda no mez passado o thesouro pagou 790 contos de divida fluctuante, de que era credora uma companhia nacional.

Posso, pois dizer que a situação do thesouro não é tão má como se afigura ao illustre deputado.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º8 (Assistencia judiciaria)

O sr. Luciano Monteiro: - Suppõe que o sr. ministro da justiça não faz questão politica do projecto; nem elle é de molde para isso. Nas considerações, portanto, que vae fazer, desinteressar-se-ha por completo de preocupações partidarias.

Se fallasse como advogado, e se fosse inspirar-se nas conveniencias technicas da sua profissão, diria que deixassem passar o projecto, porque, tal como está, elle é um

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SESSÃO N.º 35 DE 5 DE ABRIL DE 1899 7

alfobre de chicana; mas falla como deputado, e por isso lhe vae apontar os inconvenientes.

Este projecto, sendo convertido em lei, póde tornar-se, na sua opinião, na mais barbara arma de chantage que se possa, imaginar, porque se dá facilidade para que ao intentem processos unicamente com o fim de de extorquir dinheiro a determinadas pessoas.

A justiça hoje em Portugal está tão cara que quem intentar uma, demanda até 500$000 réis e ficar vencedor, perde mais do que ganha. Isto servia para diminuir a chantage; mas desapparccerá, em grande parte, se o projecto for convertido em lei.

Nota o orador, que n'um projecto, que trata da assistencia judiciaria, só no artigo 12.º, em vez de ser logo no artigo 1.°, se diga em que ella consiste. Parece-lhe tambem que seria mais conveniente que se fizesse um projecto mais reduzido e mais simples.

Tinha o sr. ministro da justiça, na sua proposta, indicado a inconveniencia de intervir o juiz de direito, na concessão da assistencia judiciaria; mas a commissão introduziu no projecto uma modificação, creando uma verdadeira instancia superior, visto que estabeleceu um tribunal de recurso. Este tribunal é constituido apenas por um juiz de direito, dando-se o cano extraordinario de se estabelecer recurso de um tribunal collectivo para um tribunal singular, em vez de ser o inverso!

Não sabe elle, orador, para que servem estas duas entidades. Não comprehende para que se ha de avolumar assim o projecto. Talvez seja pelo prurido que tem notado muitas vezes, de se fazerem projectos grandes.

Pela sua parte teria feito um projecto muito simples. Disporia apenas que o litigante réu, que pretendesse a assistencia judiciaria a requeresse ao juiz; que o juiz lha concedesse sem mais indagações; o que, parallelamente á acção, corresse o incidente para provar a outra parto, se podesse, que o seu antagonista podia pagar as despezas.

Para o litigante auctor estabeleceria mais peias; mas eliminaria a commissão, e deixaria só o juiz.

Entrando propriamente na analyse das disposições do projecto, entendo, em primeiro logar, que em Lisboa não é necessario haver tantas commissões, como varas civeis.

Em seguida faz o orador algumas considerações, em relação ao artigo 4.°, no qual se indicam as justificações que tem de apresentar o litigante para obter a assistencia judiciaria.

A primeira d'ellas deve constar de uma certidão do escrivão de fazenda, attestando a importancia das contribuições em que está collectado ou que paga.

Ora, como qualquer individuo póde ter propriedades em muitos concelhos, deseja saber a que escrivão de fazenda se devo pedir a indicada certidão. Pelo projecto, pareço que tem de se pedir certidões aos escrivães de fazenda de todo o paiz.

A segunda justificação é a do que o litigante não tem meios para custear as despezas do processo, e esta póde dar logar a grandes arbitrariedades.

Apresenta o orador o seguinte exemplo: um empregado publico, que tenha o ordenado de 500$000 réis, pretende intentar uma acção, que, n'um anno, lhe póde custar mais do que aquella quantia. Este empregado é considerado indigente, para merecer a assistencia judiciaria?

A assistencia judiciaria é se concedida a quem nada tem de absoluto, ou tambem a quem tom alguns, ainda que poucos, meios?

A terceira justificação tambem, na sua opinião, deve desapparecer, pois que ella, ou importa apenas uma declaração graciosa por parto do requerente, e n'esse caso não tem importancia, ou implica uma questão do contencioso que, no seu entender não tem cabimento no projecto.

As justificações, portento, que se exigem ao individuo que requeira a assistencia, não têem rasão de ser e podem, dar logar a que nem sempre justiça seja feita ao requerente.

E isto tudo se evitaria, acceitando-se o alvitre que ha pouco indicou, e que consiste na concessão immediata da assistencia, logo que ella seja pedida, deixando á parte contraria o direito de provar, se quizer, que o requerente não tinha direito a ella.

Occupa-se, em seguida, o orador da demora que póde haver nas resoluções da commissão, mostrando ao mesmo tempo que o facto do se dizer que ella tem de se resolver até a terceira audiencia, não impede essa demora, por isso que a terceira audiencia só se realisará, quando houver assumpto deliberativo.

Passando depois a analysar o artigo 6.°, declara que não concorda em que das deliberações da commissão haja recurso para o juiz de direito, porque isso importa, nada mais nem monos do que recorrer de uma sentença de um tribunal collectivo para um tribunal singular, o que lhe parece absurdo.

Na disposição do artigo 8.°, em que se estabelece o effeito suspensivo da aceito, emquanto dure o julgamento da concenssão da assistencia judiciaria, está, a seu ver, o grande defeito do projecto, e, por isso, insisto era que se, realmente, ha desejo do conceder a assistencia judiciaria, se deve acceitar o alvitro que apresentou.

E, fallando um pouco pro domo sua, dirá que não vê rasão para que o advogado seja compellido a trabalhar com a perspectiva fugitiva do receber os seus honorarios, quando o indigente vier a ter meios.

Não quer que na tabella que se estabelecer para estos casos, os honorarios do advogado e do solicitador sejam altos; pelo contrario, deseja que elles sejam ultra baixos; mas o que entendo tambem é que, nem os advogados, nem os solicitadores, devem ser compellidos a trabalhar de graça.

Ao advogado que tivesse de prestar serviço nestas condições poderia, no fim da causa, entregar-se uma senha, correspondente aos honorarios que lhe coubessem, com a qual elle ficaria habilitado a recebel-os, não directamente do estado, mas por encontro nas contribuições que tivesse de pagar. Assim, evitar-se-im, no seu entender, todos os inconvenientes e praticava-se um acto do justiça.

Concluo, dizendo que o numero do pedidos de assistencia judiciaria, affigura-se-lhe que não ha de ser grande, porque o rico não irá tentar demandas contra os pobres, o poucas vozes os pobres as intentarão contra os ricos.

O maior numero do casos em que poderá ter logar a assistencia judiciaria, será na assistencia criminal da auctoria, mas para esses nada se estabeleçe no projecto.

O sr. Presidente: - Adverte o orador de que terminou a hora e um quarto regulamentar, durante o qual s. exa. podia usar da, palavra.

O Orador: - Dá por findas as suas considerações. (O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Sr. presidente, mando para a mesa uma proposta de lei, cujo relatorio peço á camara me dispense de ler.

Refere-se ou antes altera o n.° 48 da tabella dos emolumentos consularas.

Leu-se na mesa a proposta de lei.

Vae publicada no fim da cessão.

O sr. Cruz Caldeira (Para um requerimento):- -Requeiro a v. exa. se digno consultar a camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia do artigo 1.º do projecto de assistencia judiciaria.

Foi approvado

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Vae passar-se á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 13 que approva as bases dentro das quaes o governo é auctorisado a reorganisar o exercito

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º13

Senhores. -Assegurar em bases solidas a defeza do territorio nacional, organisar os elementos constitutivos do exercito, tornando-os essencialmente productivos e conseguindo-se que a sua acção possa ser a mais intensa dentro dos recursos do paiz, acompanhar o movimento de constante evolução a que obedecem os exercitos dos povos, ciosos da sua independencia e felizes por se sentirem respeitados, é o primeiro e o mais grato dever de um parlamento inspirado na ambição suprema de fazer leis sabias e uteis e de corresponder aos mais sagrados dictamos do patriotismo.

Nenhuma instituição tem soffrido, nos ultimos trinta annos, maior impulso de transformação do que a instituição militar. Os aperfeiçoamentos na organica, na tactica, nos meios materiaes com que é preciso dotar um exercito, succedem-se hora a hora, sem o mais leve desfallecimento, visando todos ao fim de transformarem esses poderosos elementos de guerra em machinas tão complicadas como perfeitas, cuja potencia nenhuma acção occasional ou fortuita possa sequer prejudicar.

Á medida que as idéas humanitárias rasgam novos horisontes, que o principio da fraternidade dos povos conquista novos e enthusiasticos adeptos, caminham paralellamente os esforços consagrados ao progresso das instituições militares.

N'este final de seculo, onde ha como que a febre de liquidar, com soluções rapidas e completas, os problemas que mais interessam á humanidade, desde o problema economico, que aspira a desfazer tantas miserias e a abrir uma era de apaziguamento e de felicidades, até ao problema colonial, pelo qual o velho mundo conquistará definitivamente para os dominios da civilisação regiões prenhes de riqueza, capazes de remunerarem com generosidade o esforço de todos os que sentem a alma enamorada do desconhecido, tão cheias de luz pelo sol radiante da natureza quanto obscurecidas pelas trevas da barbarie, o problema militar não é decerto dos que provoca e atrahe menos estudos e menos aturadas locubruções.

Não representa este facto um paradoxo. Os espiritos mais altruistas são precisamente os que mais se interessam na consolidação e robustecimento dos exercitos, porque a verdade incontestavel e já incontestada e que a obra da paz tem o seu primeiro elemento de successo na existencia d'esses poderosos organismos, cujo choque produz de um golpe a ruina das mais florescentes nacionalidades.

A convicção geral do que os modernos inventos e os formidaveis efecctivos tornam a guerra cada vez mais assoladora e quasi tão perniciosa para o vencido como para o vencedor, é a melhor e a mais firme garantia da paz.

A justeza d'estas palavras ainda ha pouco se evidenciou de uma maneira decisiva. Um principe, o mais poderoso da terra, senhor absoluto de um imperio que a Europa encara com espanto o com receio, soltou um brado caloroso, apostolando o amor dos povos e condemnando a guerra como propria só das epochas selvagens.

Esse appello fui escutado com enternecida sympathia por todos os que no velho mundo podem fazer ouvir a voz da sua vontade. Mas não conquistou um passo decisivo para o desideratum do desarmamento, utopia que, em vez de obter o amortecimento das paixões e da rivalidade dos interesses, só conseguiria que elles explodissem a toda a hora e sob os mais insignificantes pretextos. E assim é que, n'este momento, as primeiras potencias militares do mundo continuam a melhorar as suas condicções de lucta, certas de que não contrariam d'esse modo a generosa aspiração do autocrata da Russia.

Portugal não póde, pela mingua dos seus recursos, pela estreiteza dos seus territorios no continente, pela exiguidade da sua população, ter a veleidade de se querer equiparar às nações que a transformação politica deste seculo dotou com fortissimos elementos de resistencia. Mas nem por isso deve deixar de acompanhar um movimento que é universal e não só as tradições da sua historia, cujas glorias nunca são suficientemente relembradas, nem sufficientemente encarecidas, mas o dever altissimo de se preparar para a defeza intransigente do seu torrão e da sua autonomia, obrigam-no a empregar todos os sacrificios para tornar effectiva essa defeza, a não desperdiçar um esforço só para se collocar em condições de encarar, com a possivel tranquillidade, as mais perigosas eventualidades.

Senhores:-Foi este o espirito que animou a vossa commissão de guerra ao apreciar a proposta ministerial para uma nova organisação militar do paiz. Consagromos-lhe demorado estudo, apreciámol-a com attenta reflexão e se lhe demos o nosso voto, introduzindo-lhe apenas ligeiras modificações, foi porque nos convencemos de que ella constituirá realmente um passo seguro para a melhor valorisação dos elementos defensivos, que se podem organisar com os meios financeiros de que o estado dispõe para a sustentação do exercito.

A um grande numero de circumstancias tem de attender a organisação militar de um paiz. Os principios especiaes, apurados theoricamente como os melhores e confirmados até n'um ou n'outro ponto pela consagração eloquente da pratica, têem de soffrer a miudo abalos profundos, produzidos ou pela fraqueza dos recursos em dinheiro, ou por considerações derivadas dos costumes, habitos, ou temperamento dos habitantes de um povo, ou ainda pela sua situação geographica e posição relativa á das nações vizinhas e até mesmo pela configuração especial do seu territorio, pela maior ou menor extensão dos seus dominios ultramarinos.

E uma serie quasi interminavel de factores, todos para attender e ponderar e dos quaes não é raro que o effeito de um contrarie e prejudique a solução que o problema devia ter em attenção aos outros. Assim, os exemplos de fora, se são preciosos como elementos de estudo, não podem de modo algum ser considerados como indicações que se devam imitar cegamente. Para nós mais do que elles valem os ensinamentos legados pelas paginas da historia patria e a consideração pelos principios immutaveis que em todos os tempos tiveram feliz applicação.

Não possuiam os nossos maiores, sem duvida, a presciencia sequer de quanto se tornariam no futuro difficeis, complexas e mesmo delicadas a arte e a sciencia da guerra. Mas tiveram como que o instincto do melhor aproveitamento dos seus recursos e de como se poderia defender efficazmente a terra sagrada da patria em campanhas homericas contra poderosos inimigos e, nos princípios d'este seculo, possuiamos uma organisação que mais tarde, devidamente melhorada, formava o solido esqueleto das organisações dos primeiros exercitos do mundo. É que, a par das circumstancias de acção variavel a que já summariamente nos referimos, ha regras tanto do organisação como de applicação, que se tem mantido constantes em todos os tempos. Esta verdade condensou a o general Lowal nos seguintes dizeres: "Os principios de Polybo o Xenephonte são tão bons como ha vinte seculos. Napoleão procedeu como Annibal e Cesar ".

Portugal tem-se conservado quasi arredado do movimento

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SESSÃO N.º 35 DE 6 DE ABRIL DE 1899 9

renovador a que se entregaram todas as nações da Europa, desde a guerra formidavel do 1870, que desvendou tua largas clareiras de luz no horisonte das descobertas de caracter militar.

Só no anno de 1884 se decretou entre nós uma nova organisação do exercito. Não é para aqui fazer a critica d'essa medida, a que um longo periodo do pratica tem largamente ponto em evidencia todas as suas deficiencias, todas as illusões em que ella se baseava. O que podemos porém affirmar de uma fórma concreta e convictos de que não seremos desmentidos é que, mal essa organisação foi publicada, se começou a sentir a necessidade da sua substituição por uma outra mais conforme as condições do paiz e que melhor podesse dotal-o com um exercito regularmente organisado o em harmonia com o dispendio que elle lhe custa. A serie successiva de reformas, elaboradas para substituirem o decreto de 31 de outubro de 1884, e o facto de numerosas disposições d'esse decreto terem sido suecessivamente modificadas e substituidas por novos diplomas e algumas outras terem esporado inutilmente pela sua applicação pratica, ou pelos regulamentos que as tornem effectivas, é a nosso ver a prova incontestavel de quanto ella deixou de corresponder á sympathica intenção dos seus auctores.

Não queremos porém fazer affirmações injustas por exageradas.

A organisação de 1884 não satisfez, é certo, ao fim a que aspirava.

Os elementos que formam o exercito, como peças de uma machina que devem rigorosamente ajustar-se, dispozeram-se sem o espirito de unidade e sem a constituição pratica e definitiva, que lhe são indispensaveis, para poderem funccionar com regularidade. Muitos dos serviços ficaram apenas esboçados e o conhecimento, dia a dia, das condições do exercito tornou infelizmente quasi geral a convicção de que elle não melhorára e de que, alem do valor indomito e das qualidades ingenitas dos seus soldados, do brio, dedicação e faculdades dos seus officiaes, nenhuma outra força possuia para o cumprimento da nobilissima missão que lhe incumbe.

Uma condemnação tão radical reputâmol-a apaixonada o contra ella entendemos que a reforma do 1884, embora não tenha obedecido a um rigoroso espirito de harmonia e de previdencia, embora tenha quasi desprezado pontos essenciaes de organisação, que desde logo devia ter montado com modestia, mas por uma fórma effectiva, não representa um impulso de todo esteril ou até contraproducente, como mais de uma vez se tem afirmado, no caminho progressivo das nossas instituições militares. O alargamento dos quadros que estabeleceu, o a relativa largueza com que dotou os serviços, que mais carinhos lhe mereceram, ficaram constituindo preciosa materia prima para que, no futuro, se podesse tentar uma reflectida e intelligente alteração no organismo do exercito, sem que fosse indispensavel constituir novos elementos, cuja dotação não poderia deixar de sobresaltar a opinião publica, justamente impressionada com a precaria situação do thesouro.

Essa alteração pretende-se agora levar a effeito. Sem ostentações, cingida aos rigorosos limites da verba orçamental, encarando o problema pela sua feição mais pratica, desprendendo-se, para o conseguir, do complicadas concepções theoricas, e de intransigentes normas de doutrinarismo, aspirando a consolidar de vez os bons principios de recrutamento já adoptados, e a chamar às fileiras o maior numero de homens validos, assegurando-lhes instrucção militar durante o tempo de serviço activo e tambem no periodo da reserva, distribuindo as forças conforme as justas exigencias da defeza do paiz, preparando-as assim para uma rapida mobilisação, a reforma que se propõe satisfaz, a nosso ver, ao levantado intuito que a inspira. Se for convertida em lei, deverá representar uma melhoria na consideravel para a consistencia e vigor das forças do exercito, o proporcionar á nação o feliz convencimento da que não é improficuo o sacrificio que ella faz para se collocar em condições de defender honradamente os seus direitos. As rasões, em que fundâmos esta asserção, dal-os-hemos a seguir, com a possivel brevidade:

O relatorio da proposta ministerial accentua, logo nos seus primeiros periodos, que essa proposta não aspira, nem do longe, á reforma radical das instituições militares e que o seu pensamento se póde condensar no desejo bem simples de se melhorarem os actuaes elementos do exercito, combinando-os de harmonia com os principios sancionados pelo estudo e pela experiencia, agrupando-os de uma maneira logica oeapropriada ás modernas exigencias da defesa, sem que sejam excedidas as verbas auctorisadas pela legislação em vigor. Applaudimos convictamente esse pensamento e não carecemos de invocar opiniões dos mais auctorisados, nem do nos soccorrermos a phrases dos escriptores e tratadistas de maior renome, para mostrarmos quanto são inconvenientes e mesmo perigosas as alterações profundas e abruptas no modo do der militar de um paiz. O periodo de uma transformação mais violenta é sempre um periodo do anarchia, ou pelo menos de enfraquecimento e em todas as nações, que se preoccupam, sem descanso, por conseguirem a melhoria dos seus exercitos, o aperfeiçoamento d'estes é gradual o incessante, sem os sugeitarem jámais às pertubações derivadas de um ataque formal às normas do pausado, que convém respeitar quanto possivel, embora com sacrificio da perfeição requerida. Entre nós, precisamente porque muito nos temos atrazado, este primeiro passo de uma evolução, que para o futuro não deve afrouxar, tem de ser mais amplo o migado do que aquelles que se lhe hão de seguir. Ha porém ainda a ponderar o limite a que o governo sujeita a sua iniciativa, o das verbas a applicar ao exercito, verbas que não irão alem das que actualmente se dispendem com elle. Esse limite, imposto pela justa comprehensão de cuidados devidos ao cotado do thesouro, restringe desde logo exageradas idéas reformadoras e é um novo fiador de que a organisação proposta não se baseia em luxuosas o inuteis concepções e se destina quasi exclusivamente a um trabalho de disciplina, de concatenação e de melhor aproveitamento de elementos que já possuimos.

Póde a modestia d'este intuito impressionar mal os espiritos arrojados que só se interessam por projectos de complicada estructura e do consequencias quasi imprevistas, mas não deixará de certo de cativar os que sabem que, no campo das questões; praticas, e sobretudo das que se referem a um organismo, cujos males se encontram tão estudados e conhecidos, como succede aos do exercito, as solucções mais simples et do caracter monos abstracto são as que contam maiores probabilidades de bom exito.

Pelas bases da reforma, que se projecta, vê-se que elle, alterará o tempo do serviço na segunda reserva; adoptará disposições fixas, pelas quaes se regulo o licenciamento das forças activas; robustecerá, pobre operações de recrutamento, um principio advogado por todos os que desejam, que se garanta, rigorosamente a genuidade d'essas operações ; estabelecerá uma disposição de que deve resultar valioso recrutamento para os quadros da reserva; organisará a constituição do exercito, tornando independentes as tropas do exercito activo das tropas da segunda reserva; marcará de uma fórma expressa os deveres e os periodos de instrucção a que ambas as reservas ficarão obrigadas; alterará a actual circumscripção territorial mantendo o principio do recrutamento regional; modificará a constituição dos districtos do recrutamento o reserva, habilitando-os com o pessoal indispensavel para poderem satisfazer as necessidades de recrutamento o de mobilisação dos regi-

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mentos que lhes correspondam e das mais forças que lhes caibam, segundo os seus recursos, e para que ali possa ser ministrada a instrucção às respectivas reservas; formará commissões do recenseamento de animaes e vehiculos e de requisições; modificará a actual organisação do serviço do estado maior; reduzirá a acção dos conselhos de guerra permanentes das divisões militares, o que conduz á suppressão de alguns d'esses conselhos, organisará as diversas armas, e, secretaria d'estado dos negocios da guerra, o serviço de administração militar, os commandos das divisões e brigadas, os serviços do saude e veterinarios militares, os corpos de almoxarifes de engenharia e artilheria, do secretariado, de capellães e picadores militares, segundo as necessidades determinadas pela nova organisação; modificará em parte o systema de promoção ao generalato e regulamentará a collocação e promoção dos officiaes em commissões estranhas ao serviço do ministerio da guerra, sendo uma o outra medida conducentes ao fim de se attenuarem muitas das desigualdades de promoção havidas entre as differentes armas; estabelecerá regras fixas para os destacamentos para o ultramar; fará pequenas modificações nos quadros dos officiaes do exercito activo, que não prejudiquem as condições de promoção e não irá alem da despeza auctorisada pela legislação em vigor para o ministerio da guerra.

Uma das primeiras exigencias dos exercitos modernos cifra-se em poderem contar com numerosos effectivos. As guerras d'este seculo têem-se travado com forças tão grandiosas que as acções pequenas precisam recorrer a verdadeiros prodigios para conseguirem elementos de defeza com que resistam á avalanche que sobre ellas podem descarregar as potencias militares bem organisadas. As vantagens derivadas das fortificações, do melhor conhecimento do terreno da lucta, do aproveitamento das condições naturaes, da paixão com que é defendido o territorio nacional o do todos os meios a que essa defeza póde recorrer, serão quasi inuteis, se não forem valorisadas pela acção e esforço de grandes unidades disciplinadas e instruidas. Essas grandes unidades, porém, essenciaes no tempo de guerra, não podem sustentar-se nos periodos de paz. D'ahi is necessidade de reservas importantes, cuja mobilisação não entrave a mobilisação das forças activas, que devem estar promptas aos primeiros gritos de alarme, mas se pregarem e organisem para os lances mais decisivos da lucta.

Já vae passada a epocha em que os exercitos eram machinas de guerra que se conservavam permanentemente promptas a trabalhar. Hoje, são antes machinas desmontadas no tempo de paz, com as diversas peças espalhadas por todo o paiz.

Convem, por isso, que estas sejam classificadas com a melhor ordem, dispostas de modo a poderem ser rapidamente aggregadas e a organisação deve firmar se nos principios mais simples e racionaes para que as operações de mobilisação se effectuem sem entraves, nem abalos.

Posto isto, que é das noções mais elementares e incontestadas da sciencia de organisação, deduz-se, como logico corollario, quanto convem incorporar na segunda reserva, constituida em grande parte de elementos que não passaram pelas fileiras activas e que não podem, portanto, receber mais do que uma instrucção extremamente reduzida, contingentes provenientes d'aquellas fileiras, que lhes dêem solidez e consistencia.

A esse fim visa a l.ª base do projecto, conseguindo-o, como o friza muito bem o relatorio da proposta ministerial, sem encargo algum de importancia para aquelles contingentes em tempo de paz, e impondo-lhes apenas deveres no tempo de guerra, isto é, quando nenhum bom cidadão, com noções e ensino militar, se deve exhimir á do seu paiz.

Tem sido largamente debatido, em todas as nações, o problema do tempo indispensavel de serviço para habilitar convenientemente as praças de cada uma das armas do exercito e vae creando fóros de idéa pratica a de dois annos de serviço, especialmente nas armas de infanteria e artilheria de posição.

Entre nós todos conhecem como o licenciamento se faz, embora nem todos avaliem os perniciosos effeitos do systema seguido, systema imposto pelas circumstancias do thesouro, que obrigam a uma diminuta fixação annual da força do exercito.

As praças, mal terminada a instrucção na recruta, são solicitadas a sair com licenças, e estas repetem-se com ligeirissimas intermittencias até chegar a hora da passagem á reserva.

O facto, que todos os que têem passado pelo cargo de ministro da guerra e todos os que se interessam, pelas nossas instituições militares deploram, deriva de ascenderem os tres contingentes, que constituem as tropas activas, a mais de trinta e seis mil homens, e o parlamento ser forçado a conceder verba apenas para dezoito mil. Assim, como o licenciamento é voluntario e não obrigatorio tem succedido o que já apontamos, isto é, ter de se recorrer ás praças ainda no primeiro anno de serviço, de as dispensar do pagamento da quota de fardamento e de se appellar até, o que chega quasi a ser inverosimil, para os compellidos e refractarios, offerecendo-se-lhes licenças que só deviam conceder-se aos que merecessem premio em vez de castigo.

Como poderia resolver-se o problema? Ou pela diminuição dos contingentes, solução contraria ao que mais convem, visto que os exercitos modernos devem ser constituidos de modo que alcancem o maximo da potencia em tempo de guerra, quando elles são uma força, o desçam ao minimo do peso em tempo do paz, quando constituem um encargo, devendo para isso chamar ás fileiras o maior numero do homens que for possivel e conserval-os ali só o periodo indispensavel para os transformar em soldados, ou pela diminuição definitiva e radical do tempo de serviço, innovação eriçada de perigos, ou então, como se estabelece no projecto, auctorisando-se o poder executivo a licenciar definitivamente as praças, que reputar conveniente, no ultimo anno do serviço, constituindo essa auctorisação uma faculdade para os governos e, quando for usada, um dever para os soldados a quem se applicar.

D'este modo a instrucção será regular o continua, pelo menos no primeiro anno do alistamento, os quadros não serão prejudicados, porque cabe aos chefes avaliarem das aptidões e do amor á vida militar dos seus subordinados e conservar nas fileiras os que desejem e convenha ali reter, a antipathia das populações ruraes pelo serviço no exercito, -antipathia felizmente já muito esmorecida,- receberá um novo golpe, o licenciamento poderá deixar de se adoptar, se as condições do thesouro vierem a permittir maiores effectivos em tempo de paz, e não se privará o governo de poder exigir o serviço das praças licenciadas no terceiro anno, quando as circumstancias assim o determinarem, facto cuja publicidade não terá maiores inconvenientes do que os que resultam actualmente quando se retiram as licenças por uma simples ordem ministerial, logo conhecida em todo o paiz.

Muito tem progredido, nos ultimos annos, a nossa legislação sobre recrutamento. Um recrutamento equitativo, sem injustiça, obedecendo só às inspirações justas da lei o desprendido de toda a acção apaixonada das influencias politicas, que durante tantos annos o dominaram entre nós, transformando o serviço militar num imposto que só pesava sobre os desvalidos, ou sobre aquelles que não tinham valor na lucta das facções, é a base de todo o exercito bem constituido.

A reacção contra esse deploravel estado de cousas vi-

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nha germinando e orçando raizes de muito longo; por isso os diversos governos foram successivamente attendendo-a em diplomas especialmente destinados á emancipação desejada. Com justiça registâmos que o decreto de 6 de agosto do 1896, mandando pôr em execução o regulamento annexo dos serviços do recrutamento do exercito e armada, determinou a conquista definitiva das idéas mais sãs, em tão momentoso e importante assumpto. Por esse regulamento os referidos serviços ficaram todos a cargo do ministerio da guerra, á excepção da distribuição do contingente. É essa anomalia que a organisação proposta pertende corrigir, por uma fórma digna de merecer a vossa approvação.

Poblema dos de maior influencia na boa organisação militar de um paiz e dos que até hoje mais tem resistido a uma resolução definitiva e efficaz, é, sem duvida, o da formação dos quadros correspondentes às unidades de reserva. O fundamento d'esses quadros não pode deixar de ser constituido por officiaes e praças graduadas do exercito activo. Mas seria uma utopia, e um sacrificio insuportavel para o orçamento do ministerio da guerra, desenvolver a tal ponto os quadros activos que elles ficassem habilitados a fornecer todos os elementos do cominando d'aquellas unidades.

As nações militares, ainda as mais ricas, procuram desenvolver e explorar as fontes onde possam ir buscar graduados, que não avolumem as despezas publicas durante a paz e adem garantias de que prestarão bom serviço durante a guerra, obedecendo a uma attenta e intelligente direcção. Esse trabalho, porém, tem do ser muito reflectido. O recrutamento dos officiaes e sargentos de reserva precisa de ser feito com acurada escolha o criterio, porque, embora elles nunca exerçam commandos decisivos, cabendo aos officiaes, nas melhores organisações, apenas as funcções de subalternos o tendo, por excepção, os commandos dos batalhões ou companhias só os que hajam dado provas irrecusaveis da sua aptidão o vontade, formam a parta mais numerosa do quadros que precisam ser muito largos o é hoje aphorismo militar geralmente acceita que o valor dos exercitos só avalia mathematicamente pelo valor dos seus quadros.

A perfeição e a homogeneidade exigidas para estes são cada dia maiores, e cada vez mais se manifesta a corrente, que nem todos, e nós pertencemos a esse numero, podem adoptar, de não se concederem postos para a reserva, aos que não tenham dado provas não só de estudo o qualidades militares, mas especialmente de qualidades de commando. Era como sectario d'esse principio que o general Philibert escrevia: "Nos officiaes de reserva não é a instrucção nem o conhecimento dos regulamentos que lhes faz falta, mas a auctoridade do commando." Do mesmo modo do pensar se mostra o general Luzeux o as vantagens alcançadas por essas ideas manifestam-se na Allemanha no facto de ir ali successivamente diminuindo a percentagem dos escolhidos ou eleitos para o officialato das reservas entre os voluntarios de um anno.

Esta fórma de recrutamento continua, apesar de tudo, a proporcionar, especialmente n'este paiz, elementos de incontestavel valor. Comprehende-se que assim succeda, conhecendo-se os attentos e rigorosos processos, que lá, se adoptam para a selecção dos voluntarios de um anno e para se apuraremas aptidões militares dos que merecem realmente a graduação a que aspiram; o sabendo-se quanto a profissão militar é respeitada n'aquella poderosa potencia e quanto as honras que d'ella derivam são consideradas de inextimavel apreço. Por isso ao voluntariado acodem innumeros concorrentes, muitos dos quaes possuem solida instrucção, e o apuro, por mais exigente que queira ser, tem larga mataria prima em que ao applicar.

Nós carecemos de maior moderaração nas nossas aspirações. Começámos em 1884 a pensar na organisação dos quadros da reserva. Pouco fizemos porem. No relatorio da commissão, a que pertenciam distinctissimos officiaes, que propoz a organisação decretada n'aquelle anno, lêem-se os seguintes periodos que bem mostram a limitada confiança do quem os redigiu no resultado do esforço que se tentava: "N'este ponto -recrutamento dos officiaes, de reserva- como em outros, a commissão não se lisongeia senão de haver lançado os lineamentos para de futuro só fazer obra mais vasta e bem acabada. Por agora lançou-se á terra a semente que deve fructificar, consoante os cuidados que o agricultor lhe dedicar. Quando no futuro, ella houver germinado o lançado os primeiros brotamentos, será occasião opportuna de os amparar e cuidar de fórma a produzir vegetação robusta e florescente."

Ou a semente caiu em terreno sáfaro e ingrato, ou os agricultores depois foram pouco experimentados, porque a dolorosa verdade, é que pouco temos conseguido no assumpto. Podemos recorrer aos officiaes fóra dos seus quadros, em serviço n'outros ministerios, na inactividade ou disponibilidade, aos que se tenham demitido da villa militar, aos do quadro auxiliar o inclusivamente a alguns dos reformados, bem como aos antigos alumnos da escola do exercito o do collegio militar, mas ainda nos ficará um grande deficit que o voluntariado de um anno de certo não poderá supprir.

Em obediencia às idéas a que já alludimos, cremos bem que não seria inconveniente o antes produziria apreciaveis resultados a disposição que estendesse a todas as praças graduadas, antes de pausarem á reserva, o direito, que pertence agora aos primeiros sargentos, de poderem ascender a officiaes da reserva, sugeitando-se previamente a um exame que a lei deveria determinar. Esses candidatos fariam a garantia de ter pratica de commando.

É de prover comtudo quo estes meios não assegurem o recrutamento indispensavel. Por isso o projecto propõe um outro alvitre que deve dar, cromol-o sinceramente, valioso contingente para os quadros de reserva. Devido á, affluencia de alunnos nas escolas superiores, ao desenvolvimento intellectual dos que frequentam essas escolas e á importante vantagem que se lhes offerece de poderem, sem
grande esforço e em condições as mais praticas, emancipar-se de um encargo pesado, e que póde ser grave embaraço para o futuro de muitos d'elles, é de esperar que a disposição proposta, se fôr intelligentemente comprehendida o executado, venha a ter verdadeiro alcance, não só pelo numero de officiaes e sargentos que forneça, mas ainda pela boa qualidade dos elementos que apurar.

A enumeração das forças activas o das reservas, que constituem o exercito é analoga á da organisação actual. O projecto eliminou n'esta base a referencia aos musicos, artifices, clarins e corneteiros, que vinha mencionada nu proposta ministerial, porque os considera fazendo parte integrante das suas respectivas armas.

Na reforma que se pretende estabelecer figura a divisão como unidade estrategica. Não podia deixar de succeder assim n'um paiz de dimensões, recursos e população do nosso, em que a organisação dos corpos do exercito ou teria de ser muito acanhada e reduzida, ou essas unidades em numero improprio para as necessidades da defeza do paiz. Por isso se organisam quatro divisões activas, ficando um excesso de forças, com acção independente, ou antes subordinadas directamente ao cominando em chefe, e as tropas de reserva que deverão tambem vir a agrupar-se em quatro divisões.

Os resultados já conhecidos da execução da actual lei de recrutamento e as vantagens que se hão de alcançar, desde que no proporciono ás reservas uma instrução regular e determinada em bases fixas, garantem que não uma utopia, nem um sonho optimista, suppor-se que

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poderemos contar com um effectivo de 84:000 homens para o exercito activo e de 64:000 homens para as unidades da reserva, que devem formar o segundo escalão de forças em operações, restando ainda os depositos para ahi se reunirem os contingentes não encorporados.

D´este modo, o paiz virá a dispor de uma força já respeitavel e em condições de luctar, sem desdouro, pelos interesses da patria, dividida em oito unidades estrategicas, quatro das quaes, em tempo de paz, lhe terão custado um despendio relativamente insignificante.

Ha opiniões divergentes sobre o numero de divisões a crear. A comnmissão da organisação de 1884 captivava-se pela idéa de se formarem seis divisões activas. Mas ella mesmo reconhecia quanto era inexequivel o seu proposito, nas seguintes palavras:

"A commissão pretendeu estabelecer a circumscripção territorial do continente em seis divisões militares, que é a que corresponde às condições da defensa nacional e á organisação proposta do exercito. Teve, porém, de desistir da realisacão d´esse pensamento pelo augmento de despeza que produziria a creação de duas novas divisões militares com todos os serviços correlativos."

A organisação agora proposta differe muito da de 1884. Não admiraria por isso que, sob o numero de divisões, as duas podessem logicamente chegar a resultados diversos.

Não receiâmos, porém, affirmar a nossa convicção de que, em qualquer dos casos, as necessidades de defeza e a rapidez exigida modernamente á mobilisação se coadunam, no nosso paiz, com a existencia apenas de quatro divisões effectivas. devendo ellas de mais a mais ser efficazmente auxiliadas pelas quatro divisões de reserva. E, se precisassemos exemplos de auctoridade para a confirmação do nosso parecer, lembrariamos que a sub-commissão da commissão superior de guerra, encarregada de elaborar um projecto de organisação do exercito, por decreto de 10 de fevereiro de 1890, propunha, no notabilissimo trabalho que apresentou, a formação de quatro divisões activas e quatro de reserva. Com a mesma ordem de idéas concordava a proposta apresentada às côrtes, em fevereiro de 1898. pelo illustre general o sr. Francisco Maria da Cunha, então ministro da guerra, e ainda com a organisação das quatro divisões territoriaes se harmonisava o projecto que o digno par o sr. Luiz Augusto Pimentel Pinto apresentou na camara, a que pertence, em junho de 1897.

Desde que se adoptam as divisões como unidades estrategicas, ellas constituem a base da organisação do exercito, e torna-se mister determinar, com rigor, a fórma como serão constituidas. N´este ponto o projecto introduziu uma modificação, relativamente importante, á proposta ministerial, e, em vez de dividir a artilheria de campanha em quatro grupos divisionarios, de quatro baterias cada um, e dois regimentos a oito baterias para pertencerem às tropas independentes, organisou exactamente com esses elementos quatro regimentos a oito baterias, distribuindo-os pelas quatro divisões propostas.

Para assim o resolver, baseou-se a commissão em rasões que julgâmos convincentes. Nos exercitos constituidos com mais escrupulo, a artilheria independente, ou antes a artilheria do corpo de exercito, tem soffrido profundo desconceito.

Veiu-lhe elle desde a campanha de 1870, em que a sua acção foi quasi nulla, traduzindo-a o tenente coronel Gadke n´estas palavras:

"A artilheria do corpo de exercito ou chegava bastante tarde, ou nem sequer iniciava o fogo. Nunca essa artilheria, n´esta campanha, prestou qualquer serviço; ao contrario, muitas vezes prejudicou a marcha regular da acção."

Os que professam esta theoria, e entre elles figuram vultos como Scherff e Lòbell, põem ainda em relevo como a rapidez do tiro, o alcance das bôcas de fogo e o effeito dos projecteis dispensam as grandes agglomeracões da artilheria, bastando a concentração do fogo de algumas baterias para se alcançarem os maximos effeitos. Nas manobras do exercito allemão, de 1898, a artilheria de corpo nunca chegou a entrar em combate, servindo apenas de reserva, com a qual o general do corpo de exercito póde reforçar uma ou outra das divisões. Entre nós, alem do effeito naturalmente produzido por indicações e argumentos de tanto valor pratico, impõe-se ainda a consideração, e ella foi de certo a que mais pesou no nosso animo, de que, com os reduzidissimos effectivos de que podemos dispor em tempo de paz, raras vezes os grupos de quatro baterias poderão conter o pessoal e animal indispensaveis para a instrucção efficaz, e em todos os periodos, de uma bateria. A causa da instrucção fica assim muito melhor assegurada, o que nos parece rasão de valor decisivo.

A constituição dos regimentos de oito baterias não inhibe que elles se possam dividir em dois grupos de quatro baterias, quando as necessidades do serviço assim o determinem.

Não nos repugna a creação dos grupos de quatro baterias, em vez da dos grupos a tres, que não se poderão formar desde que se dê aos regimentos a constituição proposta. Teve-os a Allemanha até 1887 ; teve-os a França tambem até ao mesmo anno e se uma e outra d´estas duas nações os transformaram em grupos de tres baterias, deveu-se isso, sem duvida, ao facto de se ter robustecido a artilheria divisionaria, dando-se seis baterias a cada divisão, o que determinava a existencia de dois grupos de tres baterias cada um.

Allega-se, como opinião contraria, que o grupo de tres baterias é mais manejavel e de mais facil direcção para um official superior. O argumento não nos parece attendivel, por isso que, fóra do polygono, mesmo n´este ultimo grupo, a acção do chefe terá de ser muito geral, devendo-se traduzir mais por indicações do que por vozes. E para o inutilisar apontâmos o facto do grupo de quatro baterias se prestar melhor aos destacamentos do que o de tres, servir admiravelmente para uma sub-divisão igual pelas brigadas e produzir valiosa economia de quadros.

Contra a constituição das divisões, tal como a desejâmos, affirma-se que ellas não deviam ser iguaes, mas apropriadas á região em que se achem estabelecidas; que são demasiadamente fortes, tendo um regimento de caçadores a tres batalhões, quando só deveriam dispor de um batalhão d´esta especie de infanteria; e que a organisação dos regimentos de infanteria não é proposta em conformidade com os princípios dominantes e mais dignos de serem adoptados.

A igualdade das divisões tem sido sempre o systema estabelecido entre nós e mesmo nos outros paizes, resalvando leves differenças de organisação que não se defendem por principios theoricos, mas simplesmente por causas fortuitas, originadas sobretudo no perigo e inconveniencia, a que já nos referimos, de se operarem bruscas reformas no modo de ser militar de uma nação. Os principios theoricos formula-os Lewal quando diz que a divisão tactica e ainda mais a organisação são indifferentes ao terreno. É certo que espiritos levantados, como os de Silva Bruschy e Gomes Freire pugnaram entre nós pelas divisões desiguaes, mas não é menos certo que essas idéas não tiveram qualquer realisação pratica.

As divisões, que se propõem, terão uma constituição exagerada, se as compararmos com a das divisões de outras potencias militares, onde ellas são factores da organisação dos corpos de exercito. O facto comprehende se e justifica-se desde que se reflicta que as divisões, taes como o projecto as deseja crear, devem estar aptas para sustentarem um combate, sem receberem auxilio estranho.

Precisamente por entendermos que não nos convém a formação dos corpos de exercito, julgâmos que as nossas divisões não podem ser similares às dos exercitos estrangeiros, onde existem aquellas unidades estrategicas e pre-

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cisam ter elementos mais robustos, como os de artilharia de campanha, só distribuida por essas divisões, e os regimentos de caçadores, cujo caracter e instrucção propria os habilita ao desempenho de missões especiaes o de altissima importancia.

Não incorremos no menor exagero e basta lembrar a escassez e as difficuldades do recrutamento cavallar no nosso paiz, para não dever ser tomada como phantasia a hypothese dos regimentos do caçadores poderem ter do substituir, em campanha, as forças de cavallaria n'alguma das operações que mais rigorosamente deviam caber a essas forças, taes como os serviços de exploração e destacamentos de fronteira, o que se poderá conseguir sem se prejudicar a unidade das brigadas de infanteria, visto aquelles regimentos serem estranhos as mesmas brigadas.

O relatorio da proposta ministerial desenvolve com brilhante lucidez os argumentos em que se baseou o seu auctor para advogar a instituição dos regimentos de infanteria a dois batalhões, portanto com organisação diversa da dos caçadores.

A formação dos regimentos de infanteria a tres batalhões é porventura a mais preconisada e seguida lá fora, em nome dos melhores principios tacticos. Propomol-a agora como uma experiencia. Se se generalisasse essa formação a todos os regimentos d'aquella arma, ficaria disponivel um numero bastante crescido de officiaes, a que urgiria dar applicação. Simultaneamente propomos e encarecemos um regimen que deve assegurar a instrucção da segunda reserva.

São duas reformas que se identificam o conjugam na aspiração unica de se melhorar consideravelmente o exercito. Os officiaes, que forem sendo desnecessarios para o serviço dos regimentos activos, deverão ir se collocando nos districtos de recrutamento e reserva. E quanto mais esses districtos mostraram corresponder ao fim para que não reorganisados, mais se justificará que se completo a transformação agora iniciada, transformação que no estrangeiro, em paizes como a Allemanha, a Austria e a Russia, tambem está longe ainda do seu ultimo periodo.

Antes d'isso equivaleria a um acto de aventura o provocar medida tão radical. Demais, luctâmos ainda com outra difficuldade. Infelizmente a maioria dos nossos quarteis mal comportam ou regimentos a dois batalhões, e raros serão os possam servir para regimentos mais reforçados. Todos conhecera os graves inconvenientes de se disseminarem as guarnições e a utilidade de reunir cada regimento n'um só quartel. Vê-se, portanto, que só no futuro poderemos completar a evolução, que se deseja agora inaugurar.

Nas forças que hão de compor as divisões, incluem-se os regimentos do cavallaria a quatro esquadrões, desapparecendo de vez a divisão em companhias. Esta proposta traduz um verdadeiro progresso na nossa organisação militar o applica-se a um ponto em que nos achâmos em deploravel atraso, A commissão de 1884 foi a primeira a reconhecer que o seu trabalho a este respeito ficava defeituoso o antiquado, accentuando que só a Inglaterra continuava a possuir os troops, correspondentes ás nossas companhias e affirmando que o facto do esquadrão reunir o caracter de unidade tactica e de unidade administrativa é de enormes vantagens, que melhor se avaliam nas difficuldades da guerra, do que nos ocios da paz.»

Julgâmos desnecessario encarecer a conveniencia de se formarem tropas sem serem divisionarias, para que o commando em chefe disponha de recursos com que possa robustecer alguma divisão mais ameaçada, ou que haja do desempenhar alguma rasão de maior importancia, sem carecer do reduzir as outras divisões. Parecem-nos sufficientes, o n'um justa proporção, as forças, que com este caracter, figurara no projecto, com a suppressão da artilheria de campanha, a que já nos referimos, e procurámos justificar, desde que tenhamos sempre a imperar no espirito a idéa de que a reforma tem de se conter dentro da verba que o estado actualmente despendo com o exercito.

Se podessemos desatender essa restricção, claro é que teriamos de dotar mais largamente outros elementos do exercito, taes como as tropas de engenharia, onde bem desejariamos orçar unidades de sapadores e telegraphistas de praça, de tão util emprego em tempo de guerra e as de artilheria decampanha e custa, que ficarão agora, como já succedeu em 1884, numa proporção muito inferior á que deveriam ter.

A artilharia de guarnição compor-se-ha de dois regimentos a dois batalhões. Nada impedirá que um d'estes regimentos, em vez de constituir artilhem de praça, venha a destinar-se para artilheria de costa.

A artilheria da montanha é consideravelmente reduzida pelo projecto, comparando-a com a organisação actual. Devemos, porém, ponderar que o augmento, que essa especie de artilheria teve nos ultimos annos, foi devido á repetição das expedições ultramarinas, onde figuraram, sem excepção, forças da mesma artilheria. Adoptando-se, devam, o principio de que os destacamentos para a Africa possam ser tambem recrutados nos regimentos de artilheria de campanha, cessa o motivo que justificou tal augmento e comprehende-se o restabelecimento da antiga brigada de montanha com os elementos que ella possuiu até 1895.

As forças destinadas á guarnição das ilhas adjacentes, mantem-se exactamente como as da organisação actual.

No cumprimento do dever que nos impuzemos de expor as rasões em que se justifica, a nosso ver, cada uma das bases do projecto, e chagando aquella que discrimina as unidades que devem constituir, tanto no continente do reino como nas ilhas adjacentes, as tropas de reserva, nada mais podemos deixar do que transcrever os periodos que o relatorio da proposta ministerial consagra a essa base, tão convincentes, loucos e fundados em grande copia de boas rasões os reputamos, e com tal fidelidade elles traduzem as nossas proprias opiniões. Dizem assim esses periodos:

«Na organisação das reservas a que se refere a base 10.ª effectuam-se os mais importantes melhoramentos, por isso que estas forças militares, de muito valor para as nações de primeira ordem, são que podem dar aos paizes pequenos a esperança de resistir a inimigos mais poderosos. E tambem n'este ponto que, as nossas leis têem sido, e ainda são, mais deficientes.

A nossa organisação militar antiga estabelecia, com as milicias o ordenanças, um bom systema de reservas, que supprimidas em 1832, são imperfeitamente substituidas pela guarda nacional. Para compensar aquella suppressão, crearam-se em 1849 as reservas modernas, mas adiou-se a execução d'esta medida para quando se fizesse uma nova lei de recrutamento, o que só teve logar em 1855; então fixou-se era tres annos a duração do tempo de serviço na reserva, só para as praças que serviram no exercito activo, isto é, creou-se apenas a primeira reserva e com effectivos muito reduzidos.

Em 1868, pela carta de lei de 9 de setembro, estabeleceu-se a obrigação do serviço na reserva para todo o cidadão, mas só pela reforma do exercito de 1884 teve logar a correspondente organisação nas condições em que actualmente existe, o que não satisfazem ás esperanças fundadas n'este importante ramo das instituições militares.

As reservas estão ligados com os regimentos do exercito activo o devem em tempo de guerra entrar na composição dos mesmos regimentos, para produzirem um effectivo total de 120:000 homens, o que é prejudicial em

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tempo de paz, e não póde ser admittido em tempo de guerra.

O exercito activo póde mobilisar-se rapidamente e constituir o primeiro escalão de forças para as operações de campanha; as reservas exigem mais tempo para a mobilisação e só mais tarde podem constituir um segundo escalão; ligar estes dois escalões é demorar a acção do primeiro sem vantagem alguma. Na realidade não teria logar este inconveniente, por que a segunda reserva, não tendo recebido instrucção, não póde encorporar-se nos mesmos regimentos com as praças do exercito activo; mas resulta outro ainda maior, porque em logar dos 120:000 homens que a organisaçao se propõe obter, seriam apenas mobilisados 83:000, correspondentes às unidades activas, e os 37:000 restantes que deviam constituir as unidades da reserva, só podem ser aproveitados como depositos.

A presente proposta de lei altera estas condições; elevando o exercito activo ao effectivo de 84:000 homens, augmenta as unidades de reserva até 64:000, e constitue realmente um segundo escalão das forças em operações, visto que os depositos se podem formar com os contingentes não encorporados.

Em logar de 83:000 homens mobilisaveis, que a actual organisação fornece, teremos 148:000, divididos por um primeiro escalão de quatro divisões activas, e por um segundo escalão que póde constituir outras tantas divisões de reserva, produzindo o total de oito divisões, sufficiente para garantir a defeza do paiz.

Para obter este resultado é preciso tratar cuidadosamente da organisação da segunda reserva, de lhe dar instrucção militar e de adquirir o material necessario; é o que o governo se propõe fazer com a organisação definida nas presentes bases, esperando que o producto das remissões, destinado pela legislação vigente á acquisição de material de guerra e á instrucção da segunda reserva, lhe permitiirá ir successivamente occorrendo às despezas indispensaveis."

A constituição das reservas seria de todo inutil se não ficassem determinadas as clausulas que devem assegurar o modo pratico do as instruir. É esse de certo um dos mais altos e cubicados fins da organisação proposta. Montados convenientemente os districtos do recrutamento e reserva, fixados os periodos em que elles terão de ministrar o ensino às forças que respectivamente lhes pertençam, ficarão construidos os fundamentos indispensaveis á obra que se projecta. E dever dos governos -que do brio e dedicação dos quadros dos districtos ficamos nós por fiadores - tornar perduravel essa obra.

Cremos bem que não será a escassez dos recursos financeiros que lhes tolherá a acção. Para isso basta-nos apontar um calculo muito simples. É facil demonstrar que se assegurassemos a instrucção por trinta dias a um contingente annual de 16:000 homens, no fim de poucos annos teriamos praças da segunda reserva instruidas, que excederiam muito aquellas do que carecemos em vista da organisação proposta. Está reconhecido, por dados officiaes, que a despeza feita pelo ministerio da guerra, por cada 1:000 soldados, durante um anno pouco excede de réis 70:000$000 contos. Sapponhâmos que essa despeza chega a 75:000$000 contos de réis. Teremos assim que o estado gasta com 1:000 soldados durante um anno, ou com 12:000 durante um mez, aquella quantia; donde se concluo que, na mesma proporção, gastará, com os 16:000 100:000$000 contos. A verba das remissões, da qual, por lei devem sair os encargos d'essa instrucção, não póde ser avaliada numa media inferior á que oscilla de réis 400 a 500:000&000 contos. Yê-se, pois, que alguma decisão nos poderes superiores e a comprehensão das enormes vantagens que se podem adquirir com uma despeza relativa, mente tão limitada, serão sufficientes para que se resolva, de um modo pratico, um problema que muitos, sem demorada reflexão, têem considerado insoluvel. Da verba das remissões ainda fica uma grande parte, com applicação a material de guerra, de que tanto carecemos, mesmo para que a instrucção, a que nos estamos referindo, se possa ministrar.

A commissão, para maior clareza da respectiva base, introduziu-lhe ligeiras modificações de redacção e acrescentou-lhe um paragrapho, applicando às praças da segunda reserva as disposições penaes já estabelecidas para as da primeira, corrigindo assim uma omissão, cujos effeitos se começariam a notar desde que se quizessem tornar effectivas as normas de instrucção que expressamente ali se fixam.

Quatro bases consagra o projecto á organisação dos districtos de recrutamento e reserva. Esses districtos serão vinte e quatro no continente, agrupados em quatro circumscripções de divisão, ou divisões territoriaes, dois nos Açores e um na ilha da Madeira. Cada circumscripção de divisão fornecerá as forças do activo e da reserva da respectiva divisão; a cada districto de recrutamento e reserva incumbirá fornecer os homens de que carecerem os respectivos regimentos de infanteria, tanto o activo como o de reserva, e acudir às necessidade de recrutamento das outras forças divisionarias e forças independentes das divisões, na proporção dos seus recursos.

O serviço dos districtos será desempenhado por quadros permanentes dos regimentos de reserva de infanteria em pé de paz, fixando-se desde já a constituição do commando d'esses quadros, tirando-se assim uma arma importante ao arbitrio, que poderia prejudicar o necessario equilibrio dos quadros para as necessidades dos regimentos activos.

Todas estas disposições se fundam no principio, tão salutar e de reconhecidas vantagens, da independencia entre as forças activas e as de reserva. Como já tivemos occasião de accentuar, embora em palavras muito rapidas, variam consideravelmente as condições de mobilisação de umas e outras. O exercito activo precisa estar organisado em moldes de tal rigor, que, em poucos dias, em poucas horas mesmo, possa aprestar-se para as primeiras operações de campanha. As reservas, ao contrario, por mais perfeita que seja a sua organisação, não poderão nunca mobilisar-se sem maiores delongas; e a sua concentração deverá effectuar-se ao abrigo do exercito activo, mascarado por elle, que terá de sofrer o primeiro impeto do inimigo, ou fazer a primeira demonstração no territorio estrangeiro. Prenderem-se as forças da primeira linha às contingencias e às demoras inevitaveis na organisação das da reserva, tanto valeria como o decretarem-se, com antecipação, os maiores desastres.
Por isso applaudimos a proposta para a adopção, entre nós, de tão util e benefico principio.

Os novos districtos de recrutamento e reserva respeitam escrupulosamente o recrutamento regional. Não carecemos do fazer a apologia d'esse systema, já em grande parte applicado no nosso exercito, e considerado, pelas mais poderosas potencias do mundo, como o meio mais efficaz para se vencer a repugnancia dos povos pela vida militar e acrisolarem-se os sentimentos de brio entre os soldados, desejosos de conquistarem nas fileiras titulos de consideração e de respeito, com que possam apresentar-se perante os seus patricios, conhecedores, pela vizinhança, do que se passa nos respectivos regimentos.

A variação na densidade das populações não póde constituir um entrave ao emprego d'esse systema, visto que nenhuma consideração se impõe para que devam ser iguaes em area, mas sim iguaes proximamente nos seus recursos, os diversos districtos de recrutamento e reserva.

Estes districtos temos fé de que hão de corresponder nobremente, na pratica, á missão que lhe incumbe. Á medida que os resultados vão confirmando as esperanças que manifestamos, virá o ensejo de se consolidar a organisação

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de tão uteis entidades, e de se ir completando a transformação na divisão tactica dos regimentos de infanteria que com esta reforma, no deseja começar.

Com os principios a que obedecem as busca a que nos estamos referindo, de independencia entro as tropas activas e de reserva e de respeito ao recrutamento regional concordavam tambem os dois projectos de uma organisaçao do exercito apresentados ao parlamento pelos dignos pares Francisco Maria da Cunha o Pimentel Pinto. Apenas variavam o numero d'esses districtos, que no primeiro era de vinte e no segundo de dezeseis, alem da tres destinados às ilhas adjacentes.

A vida dos exercitos em campanha reclama recursos tão largos para a sua sustentação e motilidade que a administração militar por mais perfeito que seja o seu organismo, não póde, grande numero de vezes, acudir as requisições dos chefes das unidades, já em generos alimenticios, já em meios de transporte.
Theoricamente se for necimentos do exercito deveriam sair dos depositos militares, montados com antecedencia e abastecidos de tal modo que podessem, sem demora, nem embaraços, satisfazer esses fornecimentos. Este resultado, porém, não passa de uma aspiração jamais anttingida mesmo pelas administrações militares mais perfeitas, por isso que basta um lance inesperado da guerra para destruir todos os planos e concepções sobre os quaes se havia feito a distribuição dos depositos e se tinham formulado os calculos provaveis de abastecimento.

Muitas outras considerações poderiamos demoradamente desenvolver para mostrar quanto urge assegurar, por esforços na paz, que não faltarão na guerra meios ao exercito para poder viver e mover-se o quanto convem adoptar uma legislação prudente, equitativa o compensadora, que consiga obrigar todas as classes a concorrerem praticamente para que se alcance aquelle duplo fim, sem que essa obrigação se imponha com o caracter de uma expoliação e antes como um dever patriotico, que será sempre juntamente recompensado. Não o precisâmos, porém, fazer, porque o problema é d'aquelles que se impõem, pela sua importancia e gravidade, ainda áquelle que mais desprendidos andam de assumptos d'esta natureza.

Para se obter a solução d'esse problema, especialmente n'um paiz como o nosso, em que é accentuada a falta de gado e de vehiculos do que dispõe o exercito até para o tempo do paz o não que possue os recursos financeiros para o prover com esses elementos para as primeiras necessidades de mobilisação, é mister que esteja previamente feito o balanço, quanto possivel rigoroso do que aos habitantes só poderá exigir numa hora do perigo para a patria, fixando-se, com absoluto espirito de equidade, normas que respeitem todos os direitos.

Para essa missão, de verdadeira importancia, se propõe qee seja restaurado um serviço, que já existiu em Portugal, mas não vingou segundo julgamos por deficiencias do regulamento respectivo. A operação do recenseamento do gado e vehiculos; deverá cor efficazmente auxiliada pelas auctoridades civis; as restantes serão quasi exclusivo attributo das commissões a crear, as quaes ficarão directamente subordinadas ás respectivas divisões.

É de uma difficuldade quasi insuperavel, pelo grande numero e variedade de interesses com que joga, pelos casos isolados que sempre apparecem, contrariando o fim a que se aspira, excepções constantes das regras mais definidas,- encontrar uma formula pratica e efficaz, que consiga desfazer as desigualdades na promoção dos officiaes das differentes armas e seja baseada em principies de incontestavel justiça.

Não é privativo do nosso exercito, e antes se está manifestando do mesmo modo e em toda a parte, o mal que provém de se accentuarem grandes differenças na
carreira militar dos que iniciaram ao mesmo tampo ou estudos que ellas exigem, embora depois tivessem seguido para armas diversas, julgando-se, portanto, lesados noa interesses mais attendiveis os que, mercê do acaso e não do principios de selecção ou justificada primazia, vêem os seus antigos condiscipulos e alumnos da mesma epocha attingirem mais rapidamente do que elles as patentes mais ambicionadas. Esse mal está preoccupando lá fora todos os organisadores e escriptores militares e todos os espiritos reflectidos, que comprehendem como a persistencia e o aggravamento da taça de igualdades podem desenvolver um espirito da rivalidade e de desharmonia contraria aos laços de confraternidade militar e aos de disciplina, ainda mesmo nos exercitos melhor organisados.

Com estas opiniões concordava eloquentemente o bello relatorio, a que já nem temos referindo, da commissão que elaborou a organisação de 1884: "É preciso que todos os militares tenham proximamente igual compensação dos serviços que prestam ao paiz, e a satisfação modesta rasoavel das suas aspirações. Da desproporção de carreira entre officiaes que seguem armas diversas, redunda não só a desigualdade na distribuição das recompensas, mas comparações sempre perniciosas, porque alimentam o espirito do particularismo dão armas, que é um dos mais graves cancros que póde corroer as instituições militares. Segue por vezes demorada a promoção n'um exercito, mas todos se habituam a esse estado porque consideram que o mal é geral; se, porém, uma das armas se avantaja extraordinariamente às outras, na posição que até ali se soffria sem queixas ou lamentos, torna-se intoleravel para todos a ponto de levar os governos a tomarem medidas excepcionaes, sempre gravosas para o thesouro. É esta a historia de alguns dos modernos exercitos europeus e designadamente do italiano, onde por tal motivo n'estes ultimos tempos tem sido cuidadosamente estudado o problema da equiparação das promoções nas diversas armas, não só pelos interessados e pelo governo, mas até pela iniciativa do proprio parlamento".

Somos sinceros e verdadeiros, affirmando que não seriamos capazes do desprover, com tanto colorido o evidencia, os inconvenientes de uma situação que d'aquella epocha para cá se tem aggravado constantemente.

É bem conhecida, pela larga discussão que sobre ella incidiu, a base que, na organisação proposta, pretendo não remediar desde já, mas attenuar um pouco no presente, accentuando-se a sua influencia no futuro, as differenças flagrantes no accesso de officiaes, que deviam sempre ter caminhado, quanto possivel, a par.

Por essa base, o numero de generaes fica o que vigora actualmente e a sua distribuição conserva-se tambem sem alterações tanto para os quadros minimos, como para os diversos grupos compensadores. A promoção n'estes grupos é que vira a caber ao respectivo coronel do matricula mais antiga na escola polytechnica de Lisboa, na universidade de Coimbra, na academia polytechnica do Porto, ou na escola do exercito, no primeiro anno do curso do corpo ou arma a que o official pertença, deduzindo-se-lhe o tempo perdido na frequencia do mesmo curso e fazendo-se-lhe as correcções indispensaveis para que não se altera a situação nos respectivos quadros.

Damos todo o nosso applauso a este principio. Elle vae irmanar officiaes era condições que os equiparam realmente para a promoção ao generalato, visto que iniciaram ao mesmo tempo os cursou das escolas superiores, das escolas de cujas habilitações dependeram depois as suas respectivas carreiras, isto é, quando possuiam um curso sensivelmente igual, um pouco mais exigente apenas para os aluirmos que ao destinaram às armas, apontadas agora, sem rasão, como aquellas que irão receber mais largo beneficio.

A idéa proposta não ataca direitos adquiridos, porque cada coronel conserva, como devia succeder, todas as ga-

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rantias e direitos de superioridade que lhe derivam da sua posição na respectiva escala, não só em relação aos seus companheiros de arma, mas ainda aos seus camaradas do armas differentes. A promoção ao generalato, sem se respeitar em absoluto a antiguidade do posto de coronel, vigora em Portugal desde que a promoção se deixou de fazer por um quadro só e se adoptaram promoções para os quadros minimos o para os diversos grupos, incluindo-se até um grupo geral a todas as armas, o qual concorreu consideravelmente, em nosso entender, para originar muitas das desigualdades existentes.

Se vingar a base que se propõe irá muitas vezes caber a promoção de general a um coronel que não seja o mais antigo dos officiaes da sua patente n'essa mesma patente. É o que acontece agora a miudo na promoção para as vagas dos quadros minimos; devendo ainda notar-se que será sempre promovido um dos coroneis mais antigos dos seus respectivos quadros, isto é, um d'aquelles a quem por estas vagas poderia pertencer de um momento para o outro a ascensão ao generalato. Alterar-se-ha o principio do antiguidade de posto, principio infringido em todas as patentes, desde que se comparam armas diversas, mas respeitar-se-ha um principio de antiguidade mais alto e equitativo, baseado em condições de igualdade, que não mais se repetem na vida de officiaes que pertencem a differentes quadros.

Esta base irá pois attenuar desigualdades e injustiças só devidas ao acaso; desigualdades e injustiças que fazem esmorecer as melhores dedicações e que têem ultimamente originado verdadeiras crueldades, desde que a lei dos limites de idade vae abrindo a carreira, até às maiores culminancias hierarchicas, áquelles a quem a sorte favoreceu anteriormente com promoções mais rapidas, para sacrificar sem piedade os que tiveram a má fortuna de se alistar n'ma arma a que, circumstancias occasionaes, demoraram o accesso.

O processo de comparação que se propõe e nós preconisamos é o mais justo para os effeitos d'essa lei e é o que mais se hamonisa mesmo com a legislação que vigorou largos annos, pela qual os officiaes de engenheria e artilheria obtinham a promoção a primeiros tenentes logo dois annos depois de haverem alcançado a patente anterior, isto de certo para os compensar das delongas dos cursos preparatorios nas escolas superiores e para os collocar, sobre o ponto de vista da promoção, em condições approximadas das dos seus camaradas das armas de cavallaria e infanteria, que haviam terminado muito mais cedo do que elles a carreira escolar. Tal compensação não é igual para todos e por isso preferimos a base de compa. ração proposta á que podia ser defendida da data de promoção ao posto de tenente.

Pelas declarações feitas pelo governo, declarações que levaram a modificar no projecto a redacção que a base tinha na proposta, vê-se que, quando a promoção das vagas fluctuantes couber a um de dois ou mais coroneis do mesmo inicio decurso, terá preferencia então o que possuir mais antiguidade no posto de coronel. Reputamos facilmente justificavel essa preferencia nas condições apontadas. A base do projecto tende a desfazer ou a attenuar profundas desigualdades. Quando a promoção dever recaír em officiaes que, á face das idéas que ella traduz, estão em condições analogas, a sua acção tem de se tornar n'ella por desnecessaria, devendo então vigorar, para todos os effeitos, o principio da antiguidade do posto.

Com o fim tambem de se combaterem as causas que mais concorrem para que seja tão desigual a carreira dos diversos officiaes, estabelece o projecto uma disposição relativa aos que forem requisitados para servirem em ministerios estranhos ao da guerra que, devidamente regulamentada, produzirá resultados apreciaveis.

Não se pretende privar cada especialidade da que mais competentemente se lhe podem dedicar. Mas, assim como todas as requisições de pessoal ao ministerio da guerra são apreciadas agora pela consideração superior do seu deferimento não ir prejudicar a organisação do exercito, ou as melhores conveniencias do serviço, não é demais que se lhe assegure tambem o direito de expor aos outros ministerios, quando elles lhe peçam officiaes para commissões, que não exijam conhecimentos ou qualidades muito restrictas, quanto conviria que as respectivas nomeações se fizessem em beneficio dos quadros mais prejudicados.

Os officiaes, fazendo serviço nos ministerios que não sejam o da guerra, deverão ser promovidos até ao posto de coronel, como se estivessem no quadro da sua arma, sujeitando-se a todos os tirocinios e provas que ali lhe seriam exigidos, e sendo considerados como officiaes do reserva, com o dever de acudir às convocações das unidades a que pertencerem. Da promoção ao generalato só lhe poderá caber a respectiva graduação, tendo previamente declarado que não querem voltar mais ao serviço do ministerio da guerra. A esses officiaes, exceptuando os que fazem parte de tropas, embora independentes, em tempo de paz, do ministerio da guerra, ou em qualquer outra commissão do caracter militar, não se lhes applicará o limite de idade, cessando para elles comtudo qualquer direito a promoção ou a novos beneficios para a reforma, quando attingirem a idade em que passariam ao quadro auxiliar, se estivessem directamente sob a acção d'aquelle ministerio, e sendo immediatamente reformados se alguma vez a elle regressarem.

Tem adquiridos nos ultimos tempos os foros de uma idéa, que conta o apoio das opiniões mais auctorisadas a de que os serviços do estado maior devem ser desempenhados por um corpo de officiaes que formem um quadro aberto, onde possam aggremiar-se as mais provadas capacidades do exercito, todos os que tenham revelado, em provas de apurada selecção, dotes excepcionaes de vigor, de saber e de amor á vida militar.

Ao corpo do estado maior cabem as missões mais difficeis e transcendentes para se completar o trabalho de preparação de um paiz para a guerra. O estudo dos exercitos estrangeiros, das modificações a introduzir na organisação do exercito nacional, dos planos e regras de mobilisação, das operações e planos de campanha, do serviço das tropas tambem em campanha, de concentração das tropas e das marchas pelos caminhos de ferro e estradas ordinarias ; a direcção do recrutamento e instrucção dos officiaes que queiram entrar para o serviço do corpo; o fornecimento do pessoal para os quarteis generaes dos commandos em chefe o dos mais importantes das forças em operações, e o estudo das fortificações em harmonia com as hypotheses provaveis de guerra, são outros tantos deveres e problemas que aos officiaes do estado maior cumpre attender e resolver em tempo de paz.

Este rapido escorço serve para demonstrar quanto têem de ser rigorosos e persistentes os elementos de escolha e apuro de officiaes que têem tão altos deveres a cumprir. Na organisação que se projecta refere-se uma das bases á constituição do corpo de estado maior, pedindo o governo uma auctorisação para a poder decretar, sem outras restricções mais do que as que são communs a todas as disposições da proposta que apresentou ao parlamento, e com o pensamento definido de que, respeitando-se a situação dos actuaes officiaes d'aquelle corpo, elle será completado por officiaes das differentes armas, habilitados com o curso estabelecido pela legislação em vigor; como preparatorio indispensavel a um serviço tão complexo e importante como é o do corpo de estado maior. É o principio que advogamos e temos como o melhor. Por isso demos o nosso voto á referida base.

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A secretaria d'estado dos negocios da guerra, o serviço da administração militar, a constituição especial das differentes armas do exercito, os commandos de divisão e de brigada o os commandos militares territoriaes, os serviços de saude e veterinarios militares, os corpos de almoxarifes de engenharia e artilharia, do secretariado, do capellães e picadores militares, serão reorganisados de harmonia com as restantes bases do projecto. Trata-se, como se vê, de uma, auctorisação a conceder ao governo - auctorisação do que elle dará conta ao parlamento, e n'esse sentido se introduziu uma modificação á proposta ministerial- cingida a uma esphera do acção muito limitada, por isso que não poderio ser esquecidas ou desrespeitadas as disposições restrictivas de todas as outras bases.

Vem de longe os clamores contra a fórma como está, actualmente montado o serviço do justiça militar, accumulando, nos conselhos do guerra permanentes, o julgamento de causas de menos valor, resultando daqui, alem do importante dispendio, o impedimento de um grande numero de officiaes em commissões, que podem ser reduzidas e em que é, portanto, desnecessaria a sua acção e, simultaneamente, o que é mais grave ainda, o protelamento inevitavel, pela fórma adoptada do julgamento, de processos instaurados por crimes, que a lei manda punir com penas de curta duração. Entre aquellas causas, as mais numerosas, são as que julgara crimes a que corresponde a pena de encorporação em deposito disciplinar.

Os conselhos de disciplina regimentaes têem poder e attribuições para julgar os reincidentes era falta disciplinares, podendo applicar lhes penas de deportação militar de dois annos e mais.

Não se comprehende, pois, que esses conselhos não sirvam para resolver tambem em processos de que só póde derivar uma pena, cujo limite maximo será de seis mezes de encorporação nos depositos disciplinares, adoptando-se todas as garantias estipuladas actualmente, para que não soffra a causa da justiça. Diz-se que a falta do um auditor faz recear que a lei, n'um caso ou n'outro, deixe de ter a sua mais rigorosa, e juridica interpretado. A defaza, porém, não se coarctará nenhum dos recursos para que ella nos conselhos do guerra tem direito a appellar e as vantagens adquiridas pela rapidez do julgamento indemnisarão largamente qualquer excesso que podesse haver na applicação de uma pena, cuja duração não vae alem de seis mezes. Adoptando-se o principio que defendemos, deverão supprimir se dois conselhos de guerra permanentes, como o projecto estabelece.

Tem o exercito correspondido galhardamente ao que a nação esperava do seu patriotismo, dando exemplos do dedicação, nunca em parto alguma repetidos o que devem por isso constituir o orgulho do todo o paiz, na forma como satisfez o appello que se lhe dirigiu para, em expedições successivas, defender os direitos ameaçados da soberania nacional era torras de Africa e da India. Cobriram-se essas expedições de immarcessivel gloria e os feitos heroicos das campanhas harmonisaram-se com o fervor, com o enthusiasmo que animavam os soldados, filhos de todas as regiões e de todas aã provincias, na hora da partida, em que trocavam a tranquilidade da vida do quartel pelas contingencias de todos os azares e do todos on perigos. Não faltou nunca um da nomeados, não houve jamais uma deserção. Ao contrario, o que avultava ora o numero do voluntarios e o d'aquelles que se despediam com nobre saudação dos que haviam tido a felicidade de lhes caber em serviço, tão rico do actos do acrisolada dedicação à patria.

A nomeação da expedições do exercito e da metropole para serviços ultramarinos não assenta porém sobre disposições legaes tão expresas que a muitos, se não affigurase nomeação como um acto, cujo dever de obediencia póde ser contestado o além d'isso não está definitivamente regulamentada. Julgâmos conveniente desfazer todas as duvidas em tão grave assumpto e regulal-o de fórma, que sobre elle não possa haver arbitrios ou desigualdades. Por isso applaudimos a respectiva base do projecto.

Concluimos aqui a prata tarefa de expor, sem louçanias de phrase e sem brilhos de fórma, mas n'uma linguagem, que procuramos tornar clara e comprehensivel para todos, as rasões de ordem militar e as considerações de ordem economica e pratica, pelas quaes demos o nosso voto ao projecto, que vão ser sujeito ao vosso esclarecido exame. Não tem este relatorio outro merito alem do da sinceridade com que reflecte a enraizada convicção de que o projecto, não sendo perfeito ou inatacavel, representará contudo, se se converter em lei, um melhoramento de incontestavel alcance no organismo militar e nos elementos defensivos do paiz. Defendendo o que nos parece mais util e justo, preocupamo-nos sobretudo com o caracter pratico dos assumptos a que tivemos de nos referir e usámos do maior parcimonia na invocação dos exemplos estrangeiros, ou no appello ao voto de auctoridado, julgando que não careciamos do chamar era nosso auxilio o parecer de escriptores, embora dignos do maximo respeito e elevado conceito, mau dominados muitas vezes pela intransigencia de puras concepções theoricas.

Não apostalavamos uma these, não elaboravamos uma memoria destinada a uma academia militar o por isso seria pretencioso embronharmo-nos em discussões de natureza technica e abstracta, ou alongarmo-nos em repetidas e largas citações, querendo ostentar uma erudição tão facil como impertinente. Dirigiamo-nos a um parlamento-onde todos os problemas devem apparecer reduzidos às formas mais simples, cumprindo-nos traduzir dura modo singelo o que entendemos sobre as modificações mais necessarias e opportunas a introduzir na nossa organisação militar, modificações limitadas antecipadamente pelos recursos organicos que já possuimos, e que não devem ser alterados de um modo radical o brusco, o pelos recursos financeiros, de que não podemos abuzar.

Nada pois precisamos accrescentar e tudo o que deixámos escripto synthetisâmol-o na affirmação de que é convencida do que presta um assignalado serviço ao paiz, que a vossa commissão da guerra recommenda ao voto da camara, que a elegeu, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a reorganisar o exercito, dentro dos limites fixados nas bases mencionadas n'este artigo, dando conta às côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação:

1.ª O tempo de serviço na segunda reserva é augmentado de tres annos, sendo os reservistas, durante este periodo, dispensados das reuniões e revistas em tempo de paz.

2.ª Poderá antecipar-se de um anno o licenciamento das praças do effectivo para a primeira reserva, quando não haja prejuizo para o serviço do exercito, ou quando os recursos do thesouro assim o exijam.

3.ª O minintro da guerra superintenderá em todas as operações do recrutamento, o a distribuição dos contingentes votados pelas côrtes será feita pelas auctoridades militares.

4.ª Os estudantes, nas condições mencionadas no n.° 2.º do artigo 136.° do decreto de 6 de agosto de 1896, ficam obrigados ao tempo normal do serviço, mas terão passagem á segunda reserva no fim de seis mezes de serviço effectivo nos corpos designados pelo governo, ae satisfizerem a um exame que os habilite para official ou sargento de reserva. O tempo de seis mezes de serviço poderá ser dividido em dois periodos annuaes de tres mezes cada um.

5.º O exercito comprehende:

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1.° O estado maior general e o serviço do estado maior;

2.° As differentes armas:

A arma de engenheria;

A arma de artilheria;

A arma de cavallaria;

A arma de infanteria.

3.° Os serviços geraes do exercito:

A secretaria d'estado dos negocios da guerra;

O serviço de administração militar;

Os, commandos de divisões e brigadas, commandos militares territoriaes e governos de fortificações;

As escolas militares;

As justiças e tribunaes militares;

C serviço de saude militar ;

O serviço veterinario militar;

O corpo de almoxarifes de engenheria e artilheria;

O corpo do secretariado militar;

O corpo do capellães militares ;

O corpo de picadores militares;

Os officiaes do quadro auxiliar e reformados;

As companhias de reformados o os invalidos militares.

4.° As tropas especiaes:

As guardas municipaes;

A guarda fiscal.

5.º As reservas.

6.ª As tropas das differentes armas formarão:

1.º Quatro divisões do exercito activo;

2.º As tropas de engenharia, artilheria e cavallaria independentes das divisões;

3.° As tropas do exercito activo destinadas á guarnição das ilhas adjacentes;

4.° As tropas de reserva do continente do reino e das ilhas adjacentes;

7.ª Cada uma das divisões do exercito activo terá a seguinte composição:

l.° Uma companhia de sapadores mineiros;

2.º Um regimento de oito baterias de artilharia de campanha ;

3.° Um regimento do cavallaria a quatro esquadrões;

4.º Um regimento de caçadores a tres batalhões;

5.° Duas brigadas de infanteria de tres regimentos, a dois batalhões cada um.

8.ª As tropas do exercito activo, independentes das divisões, comprehenderão ao:

1.° Duas companhias de pontoneiros, uma de telegraphistas e uma de caminhos de ferro;

2.° Um grupo de duas baterias de artilheria a cavallo o outro de artilheria de montanha, e dois regimentos de artilheria do guarnição a dois batalhões cada um;

3.° Duas brigadas de cavallaria a dois regimentos de quatro esquadrões cada um.

9.ª As tropas do exercito activo destinadas á guarnição das ilhas adjacentes, constara, de tres companhias de artilheria de guarnição e tres regimentos de infanteria a dois batalhões.

10.ª As tropas de reserva comprehenderão:

No continente do reino:

1.° Duas companhias de sapadores mineiros, uma de ponteneiros, uma de telegraphistas e uma de caminhos de ferro;

2.º Quatro grupos de artilheria de campanha a quatro baterias fada um, e dois batalhões de artilheria de guarnição;

3.° Oito grupos de dois esquadrões cada um ;

4.° Vinte e quatro regimentos de infanteria a dois batalhões cada um.

Nas ilhas adjacentes:

1.° Tres companhias de artilheria de guarnição;

2.° Tres regimentos de infanteria a dois batalhões.

11.º A primeira e segunda reserva serão obrigadas ao serviço em tempo de guerra, ficando sujeitas a todos os regulamentos do exercito activo.

Em tempo de paz, as praças da primeira reserva serão obrigadas ao serviço militar, quando o exija a segurança publica, e a dois periodos do instrucção, em annos diversos, de trinta dias cada um. As praças da segunda reserva, que serviram no exercito activo, serão obrigadas a dois periodos de instrucção, em annos diversos, de vinte dias cada ura, desde o oitavo até ao decimo segundo anno de alistamento ; as praças da segunda reserva que não serviram no exercito activo, serão obrigadas a um periodo do trinta dias de instrucção durante o primeiro, segundo ou terceiro anno de alistamento, e a tres periodos de instrução, em annos diversos, de vinte dias cada um, desde o oitavo até ao decimo segundo anno de alistamento.

a) Serão applicaveis às praças da segunda reserva as disposições penaes estabelecidas para as da primeira reserva.

12.ª O territorio do continente do reino será dividido em quatro circumscripções de divisão, ou divisões territoriaes, e cada uma em seis de regimento, ou districtos de recrutamento e reserva. O territorio das ilhas adjacentes será dividido em dois commandos militares, o dos Açores comprehendendo dois districtos de recrutamento e reserva e o da Madeira constituindo um só.

13.ª A cada circumscripção de divisão corresponderá uma divisão do exercito activo para sua guarnição, podendo as tropas de uma divisão estar destacadas na circunscripção de outra; as tropas independentes das divisões serão distribuidas pelo paiz conforme as conveniencias do serviço.

14.º A cada districto de recrutamento e reserva corresponderá um regimento de infanteria do exercito activo e outro de reserva; cada districto satisfará às necessidades de recrutamento e de mobilisação dos regimentos que lhes correspondam, e, noa limites dos seus recursos, às necessidades de recrutamento e de mobilisação das tropas activas e de reserva das outras armas e serviços.

15.ª Os quadros permanentes dos regimentos de infanteria de reserva em pé de paz, constituirão o pessoal dos districtos de recrutamento e reserva, e os vinte e sete commandos cios regimentos ou districtos, serão exercidos por nove coroneis, nove tenentes coroneis e nove majores do quadro da arma de infanteria.

16.ª Em cada divisão militar territorial será creada uma commissão para o serviço de recenseamento de animaes e vehiculos, e de requisições ; terão por chefes dois coroneis e dois tenentes coroneis do quadro da arma do cavallaria, o os correspondentes serviços serão regulados de maneira a satisfazer às necessidades de mobilisação do exercito activo e das reservas.

17.ª As vacaturas do general de brigada nos quadros minimos fixados pela legislação em vigor continuarão a ser preenchidas segundo a antiguidade do posto de coronel.

As vacaturas de general de brigada, que tiverem logar depois de preenchidos os quadros minimos, nos tres grupos estabelecidos pela mesma legislação, serão destinadas a attenuar as desigualdades de promoção e o seu preenchimento será regulado pela data da matricula no primeiro anão da escola polytechnica de Lisboa, da universidade de Coimbra, da academia polytechnica do Porto ou da es cola do exercito, exigido para o curso do corpo ou arma a que o official pertencer, deduzindo se o tempo perdido na frequencia e o de interrupção do mesmo curso, e fazendo-se as correcções necessarias para que não se altera a situação relativa nos respectivos quadros.

a) Nas vagas que se derem, depois do preenchidos o quadros minimos, serão promovidos, nos respectivos grapos, os coroneis do corpo do estado maior, ou de quaesquer armas que, sendo os primeiros dos seus quadros, tiver

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maior antiguidade a contar da data da matricula no primeiro anno do curso;

b) A antiguidade de matricula no primeiro, anno do curso será determinada nos seguintes termos:

1.° A data da matricula no primeiro anno do curso será contada, para todos os coroneis, a partir de 1 de outubro do anno da matricula ;

2.° Para os coroneis habilitados com os cursos do corpo do estado maior ou das arams de engenharia ou artilharia, a duração do curso preparatorio para a matricula na escola do exercito será de quatro annos para os corpos do estado maior o arma de engenheria, e de tres para a arma de artilheria, durante o regimen anterior ao decreto do 28 de outubro de 1891; e do tres annos para todos aquelles cursos, quando sujeitos ao disposto n'este decreto e legislação posterior;

3.° Para os coroneis do cavallaria e de infantaria habilitadas com o curso do real collegio militar, que não foram sujeitos ao estabelecido pelo decreto do 24 de dezembro de 1863, o sexto anno d'aquelle curso será contado como o primeiro da sua arma;

4.° Os coroneis do corpo do estado maior o das armas de engenheria e artilheria que foram promovidos a alferes nas armas de cavallaria e infanteria, por primeiro se habilitarem com os cursou d'esta arma, serão considerados como tendo a mesma antiguidade de matricula no primeiro anno do curto do corpo ou arma a que pertenceu, que os officiaes do respectivo quadro immediatamente superiores na occasião em que foram ali collocados, sem comtudo poderem ficar com a antiguidade do curso anterior;

5.° Os coroneis de cavallaria e de infantaria provenientes da classe de sargentos, serão consideradas como tendo a mesma antiguidade de curso que os officiaes habilitados que lhes ficarem immediatamente a direita na occasião da sua entrada no quadro da arma;

6.° Os coroneis que obtiveram algum posto por. distincção serão considerados como tendo a mesma antiguidade de curso que os officiaes dos sons respectivos quadros que lhe ficaram immediatamente á direita na occasião da promoção áquelle posto;

7.° No caso do igualdade do matricula no primeiro anno do curso, em conformidade com as indicações anteriores, prefere a maior antiguidade no posto de coronel, e em igualdade de antiguidade n'este posto, a do posto anterior.

c) A escala dos coroneis para a promoção a general, segundo os preceitos d'esta base, será publicada no almanach do exercito.

18.ª O serviço do estado maior será desempenhado por um quadro constituido pelos officiaes do actual corpo do estado maior, successivamente completado por officiaes das differentes armas habilitados com o curso do estado maior.

19.ª As differentes armas do exercito serão reorganisadas de maneira a constituir as tropas fixadas pelas bases 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª, e a satisfazer aos serviços especiaes que pertencem a cada uma.

20.ª Os commandos d'estado dos negocios da guerra e o serviço de administração militar serão reorganisados de maneira a assegurar a direcção superior e a administração do exercito.

21.ª Os commandos de divisão e de brigada, e os commandos militares territoriaes serão estabelecidos de accordo com o prescripto nas bases 6.ª, 7.ª, 8.ª e 12.ª

22.ª Os crimes puniveis pelo codigo de justiça militar, a que corresponde a pena de incorporação em deposito disciplinar, e os crimes communs, commettidos por praças de pret aos quaes, pelo codigo penal ordinario, corresponde a pena de prisão correccional até seis mezes, serão julgados pelos conselhos de disciplina regimentaes , devendo n'este caso, os conselhos de guerra permanente das divisões militares ser reduzidos a tres,

23.ª Os serviços de saude e veterinario militares, os corpos de almoxarifes de engenheria e artilheria, de secretariado, de capellães e de picadores militares, serão reorganisados em harmonia com as alterações provenientes das bases anteriores.

24.ª A collocação e promoção dos officiaes empregados em commissões estranhão ao serviço do ministerio da guerra, será regulada de maneira a attenuar, quanto possivel, as desigualdades de promoção havidas entre as differentes armas, e a garantir a carreira militar d'esses officiaes sem prejuizo do serviço do exercito.

25.ª A nomeação dos destacamentos para o ultramar que devam ser fornecidos pelo exercito de continente, será regulada por escala definida por principies fixos, não podendo este serviço exceder a um anno de permanencia nas colonias.

26.ª As pequenas modificações que for indispensavel introduzir nos quadros de officiaes do exercito activo, não devem prejudicar as condições de promoção nem produzir augmento de despeza.

27.ª Não será excedida a despeza auctorisada pela legislação era vigor para o ministerio da guerra.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 13 de marco de 1899. = Arnaldo de Novaes Guedes Rebello - José Estevão de Moraes Sarmento (vencido)- Sebastião de Sousa Dantas Boracho (vencido)= José Pimenta de Avellar Machado (vencido)=Alberto Affonso da Silva Monteiro -Francisco José Machado =José Gregario de Figueredo Mascarenhas (vencido)-Joaquim Heliodoro da Viega =Alfredo Casimira de Almeida Ferreira = J. G. Pereira de Santos (vencido)-José Mathias Nunes = Abel da Silva = Julio Ernesto de Lima Duque = Joaquim Tello = Francisco Ravasco = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla.

Senhores.-A vossa commissão do recrutamento foi presente a proposta de lei junta, da iniciativa do illustre ministro da guerra, auctorisando o governo a reorganisar o exercito.

Devidamente ponderadas pela commissão todas as rasões que a favor de tal proposta militam, é a vossa commissão de parecer que dia devo ser approvada.

Sala das sessões da commissão, 15 de março de 1899-= João Monteiro Vieira de Castro = Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco - João Abel da Silva Fonseca Loureço Cayolla = Antonio de Vasconcellos - José Pessanha = Antonio Tavares Festas.

A commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de guerra sobre a proposta de lei junta, da iniciativa do sr. ministro da guerra,

Sala das sessões da commissão, l5 de março do 1899.= Frederico Ressano Garcia Augusto José da Cunha = Frederico Garcia Ramires = Henrique de Carvalho Kendall = Francisco da Silveira Vianna = Luiz José Dias.

N.º1-a

Senhores.-Submetamos á vossa illustrada apreciação as bases em que devo assentar a organisação militar do paiz para satisfazer ao fim a que é destinada, dentro dos recursos actuaes do thesouro.

Este resultado póde obter-se sem fazer reformas muito radicaes nas instituições militares, e sem impor novos encargos ao orçamento do estado; a nossa actual organisação possue os elementos necessarios para o conseguir, uma vez que se lhe introduzam alguns melhoramentos e só lhes dê uma combinação mais harmonica com os principios geralmente adoptados; as verbas auctorisadas pela legislação em vigor permittem que ello se possa realisar.

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Na organisação militar do paiz devem ser attendidas duas ordens de medidas legislativas; umas relativas ao recrutamento, estabelecendo o modo como deve ser prestado o serviço militar por toda a população válida; outras correspondentes á organisação do exercito, em que se prescreve como o pessoal alistado deve receber instrucção militar, e conservai a depois para ser aproveitada na defeza do paiz. Na presente proposta de lei são considerados estes dois pontos de vista.

A legislação sobre o recrutamento foi tratada com grande interesse pelos governos transactos, e de justiça é confessar que muitos melhoramentos importantes se realisaram n'este ramo das instituições militares; por isso ella deve ser conservada, fazendo-lhe apenas as alterações indicadas nas bases 1.ª a 4.ª

O augmento de tres annos na duração do tempo de serviço na segunda reserva, tem por fim obter os effectivos precisos para formar em boas condições as unidades de reserva, elevadas a maior numero, como adiante vereis. Esse augmento de tempo de serviço não se traduz em encargo algum de importancia em tempo de paz, e só produzirá este effeito em tempo de guerra; mas, n'este caso, cidadão algum que possua instrucção e aptidão militar, mesmo que tenha obtido a baixa definitiva, deve eximir-se a concorrer para a defeza do paiz.

Licenciar para a reserva, no fim de dois annos de serviço, as praças do effectivo, é uma medida tendente a attenuar os inconvenientes que resultam de se conceder licenças registadas a um grande numero de praças, para ficarem nas fileiras só as auctorisadas pelas cortes em vista dos recursos orçamentaes. Este licenciamento, que tem regulado pouco mais ou menos por um terço do effectivo do tempo de paz, produzirá menor perturbação quando se realisar no ultimo anno de serviço, permittindo até então a instrucção regular e seguida, do que feito em todas as classes alistadas. Alem d'isto, o ultimo systema é de mais difficil execução, por isso que muitas praças não desejam licença registada e têem de ficar nos corpos excedendo o numero auctorisado, o que não póde succeder com o primeiro processo.

Os serviços de recrutamento que em grande parte estiveram subordinados ao ministerio do reino, têem sido successivamente transferidos para o ministerio da guerra, de maneira que depende hoje daquelle ministerio só a distribuição do contingente; não ha rasão para a separação, e por isso este ultimo serviço deve tambem passar para o ministerio da guerra.

Hoje são indispensaveis em todos os exercitos os officiaes de reserva, que foram creados entre nós pela organisação de 1884, mas sem terem ainda produzido resultados apreciaveis. Para possuir officiaes de reserva, cuja preparação tem de ser feita em períodos excessivamente curtos, é preciso que o seu recrutamento se effectue entre individuos com sufficiente instrucção geral, e n'este caso estão os estudantes das escolas superiores. A elles se exige seis mezes de serviço effectivo, que póde ainda ser dividido em dois periodos de tres mezes, permittindo que prestem o serviço durante as ferias, sem interromper os cursos e tornando-se mais uteis ao exercito e ao paiz como officiaes de reserva, do que servindo em conformidade com as condições geraes de recrutamento. O tempo de serviço exigido não é muito, mas parece sufficiente, quando bem regulado, para iniciar esta importante medida.

O exercito comprehende as forças activas e as reservas, fixando-se pela base 5.ª a sua composição com pequena differença do estabelecido pela legislação em vigor. A organisação do exercito activo é definida pelas bases 6.ª a 9.ª, e adopta como unidade estrategica, a divisão constituida com os elementos necessarios paia, sustentar um combate independente. Foi este o principio estabelecido no começo do seculo para a organisação dos exercitos em campanha, e que depois se generalisou com a formacão dos corpos de exercito, quando os effectivos augmentaram consideravelmente.

As organisações modernas adoptaram em tempo de paz a composição necessaria para a guerra, e nos exercitos mais numerosos estabeleceram-se os corpos de exercito permanentes; nos exercitos mais pequenos deveria, pela mesma ordem de raciocinios, adoptar-se para base das suas organisações a constituição permanente da divisão, e assim o estabelece a presente proposta, fixando tambem o numero de quatro divisões, que é o maximo permittido pelos recursos do paiz.

Os maiores effectivos que nós poderemos reunir, sob o mesmo commando, para operações militares, não exigem a formação do corpos de exercito, e o grupamento em divisões é muito mais racional na opinião dos escriptores militares; não havendo necessidade em tempo do guerra, sendo até inconveniente, constituir corpos de exercito, não devem elles existir em tempo de paz.

Por estas considerações poderia concluir-se que, um grupo de forças organisado em divisões, ficaria mais fraco do que formado em corpos de exercito, por isso que lhe faltariam os elementos que entram nestas ultimas unidades alem das divisões; mas este inconveniente deixa de ter logar, creando-se corpos independentes das divisões para constituir os elementos correspondentes aos dos corpos de exercito, de maneira que, sem diminuição de forças, estas fiquem mais bem combinadas para o exercicio do commando e para a execução das operações.

O que temos dito refere-se só às forças do continente do reino, e leva a estabelecer uma organisação independente para as ilhas adjacentes, a qual terá o mesmo numero de unidades actualmente ali aquarteladas, ficando em boa proporcionalidade com a população das ilhas e com as exigencias da manutenção da ordem publica em tempo de paz.

A organisação do exercito activo, que propomos, tem effectivos um pouco superiores á existente, grupa esses effectivos pela ordem mais racional que elles devem ter em campanha, estabelece em tempo de paz o correspondente grupamento, e cria os commandos permanentes das unidades superiores como existem em todos os exercitos estrangeiros.

Diminue seis batalhões de infanteria, mas realmente só dois, por estarem dissolvidos dois regimentos, fazendo assim a economia de quadros necessaria para organisar as reservas.

Alem dos melhoramentos apontados, a proposta encerra outras modificações de ordem secundaria de algum valor : a organisação dos regimentos de caçadores a tres batalhões, dos grupos de artilheria de campanha a quatro baterias e dos regimentos de cavallaria a quatro esquadrões. As duas ultimas modificações são muito conhecidas para merecerem especial justificação, e só a primeira precisa ser explicada.

Crear em cada divisão uma forca de infanteria independente das brigadas da mesma arma, é applicar o principio seguido por algumas nações na composição do corpo de exercito, o que se justifica de uma maneira geral pela analogia estabelecida entre estas duas unidades, consideradas como bases de organisação dos grandes e pequenos exercitos; mas apresenta ainda outras vantagens para um paiz pequeno. Em campanha é muitas vezes preciso empregar alguns batalhões activos em missões secundarias, e os regimentos de caçadores permittem occorrer a esta necessidade, sem desorganisar as divisões já em tão pequeno numero. Os corpos de caçadores podem tambem servir para substituir, em parte, a cavallaria no serviço de exploração, e não dispondo nós dos effectivos precisos desta arma, devemos aproveitar os caçadores para aquelle serviço, ministrando-lhes uma instrucção apropriada, que não póde ser geral para toda a infanteria. Estes fina especiaes justificam uma organisação tambem

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especial, e por isso se póde admittir que os regimentos de caçadores sejam a tres batalhões é os de infanteria a dois.

A organisação de regimentos a tres batalhões é mais economica do que a dois, visto que, para o mesmo numero d'estas unidades exige apenas dois terçou dos estados maiores do regimento, e devia applicar-se aos corpos do infanteria, se não houvesse condições particulares a considerar.

Reduzindo seis batalhões de caçadores na organisaçao existente, e grupando os restantes em regimentos do troa batalhões, economisam-se os quadros sufficientes para organisar as reservas pela fórma que julgamos indispensavel ; igual grupamento nos regimentos do infanteria produziria maior economia de quadros, parmittindo organisar as reservas em melhores condições, a realisar talvez uma pequena diminuição de despeza; uma, n'este caso, tendo todos os regimentos de caçadores o de infanteria a tres batalhões, não haveria em tempo do paz quarteis para os alojar, e se a organisação das reservas não produzisse na pratica os resultados esperados, resultaria uma reducção mais consideravel no numero de officiaes, enfraquecendo-se assim a organisação militar do paiz.

É mais prudente ficar dentro dos limites estabelecidos na proposta; póde-se organisar em boas condições as reservas, e pôde-se experimentar com os quatro regimentos de caçadores, a maneira como elles funccionam a trse batalhões ; mais tarde e conforme os resultados, se poderá modificar a organisação das reservas e generalisar o grupamento a tres batalhões. Os corpos de caçadores, alem de serem destinados a missões especiaes, de poderem, como antigamente, servir para experimentar formações e armamentos novos, servirão tambem para experiencias de organisaçao.

Na organisação das reservas a que se refere a base l.ª effectuam-se os mais importantes melhoramentos, por isso que estas forças militares, de muito valor para aã nações de primeira ordem, são as que podem dar aos paizes pequenos a esperança de resistir a inimigos mais poderosos. E tambem n'este ponto que, as nossas leis têem sido, e ainda são, mais difficientes.

A nossa organisação militar antiga estabelecia, com as milicias o ordenanças, mu bom systema do reservas, que supprimidas em 1832, são imperfeitamente substituidas pela guarda nacional. Para compensar aquella suppressão, crearam-se em 1849 as reservas modernas, mau addiou-se a execução desta medida para quando se fizesse uma nova lei de recrutamento, o que só teve logar em 1855 então fixou-se em tres annos a duração do tempo de serviço na reserva, só para as praças que serviram no exercito activo, isto é, creou-se apenas a primeira reserva e com effectivos muito reduzidos.

Em 1868, pela carta de lei de 9 de setembro, eslabeleceu-se a obrigação do serviço na reserva para todo o cidadão, mas só pela reforma do exercito do 1884 teve logar a correspondente organisação nas condições em que actualmente existe, e que não satisfazem às esperanças fundadas n'este importante ramo das instituições militares.

As reservas estão ligadas com os regimentos do exercito activo e devora em tempo de guerra entrar na composição dos mesmos regimentos, para produzirem um effectivo total do 120:000 homens, o que é prejudicial em tempo de paz, e não póde ser admittido em tempo de guerra.

O exercito activo póde mobilisar-se rapidamente e constituir o primeiro escalão de forças para as operações de campanha; as reservas exigem mais tempo para a mobilisação e só mais tarde podem constituir um segundo escalão ; ligar estes dois escalões é demorar a acção do primeiro sem vantagem alguma. Na realidade não teria logar este inconveniente, porque a segunda reserva, não tendo recebido instrucção, não póde encorporar-se nos mesmos regimentos com as praças do exercito activo; mas resulta outro ainda maior, porque em logar dos 12:000 homens que a organisação se propõe obter, seriam apenas mobilisados 83:000, correspondentes às unidades activais, e os 37:000 restantes que deviam constituir as unidades da reserva, só podem ser aproveitados como depositos.

A presente proposta de lei altera estas condições; elevando o exercito activo ao effectivo de 84:000 homens, augmenta as unidades de reserva até 64:000, e constituo realmente um segundo escalão das forças em operações, visto que os depositos se podem formar com os contingentes não encorporados,

Em logar de 83;000 homens mobilisaveis, que a actual organisação fornece, teremos 148:000, divididos por um primeiro escalão de quatro divisões activas, e por um segundo escalão que pode constituir outras tantas divisões de reserva, produsindo o total de oito divisões, sufficiente para garantir a defeza do paiz.

Para obter este resultado é preciso tratar cuidadosamente da organisação da segunda reserva, do lhe dar instrucção militar e de adquirir o material necessario; é o que o governo se propõe fazer com, a organisação definida nas presentes bases, esperando que o producto das commissões, destinado pela Inalação vigente á acquisição de material de guerra e á instrucção da segunda reserva, lhe permittirá ir successivamente ocorrendo ás despezas indispensaveis.

A instrucção das reservas será ministrada nos prasos indicados na base 11.ª, que representam os minimos indispensaveis.

A circumscripção territorial do continente do reino o das ilhas adjacentes definida pelas bases 12.ª a 14.ª, em conformidade com a organisação, adoptando o recrutamento, a guarnição e a mobilisação regional, como é mais conveniente para os interesses militares e para o pessoal obrigado ao serviço.

As restantes bases não precisam ser justificadas, mão ainda assim chamaremos a vossa attenção para os pontos mais importantes.

As desigualdades de promoção entre os officiaes das differentes armas, têem sido consideradas como um grave inconveniente; muitos estudos se fizeram para as compensar ou pelo menos para as attenuar, e uma proposta de lei com estas aspirações foi, ha alguns annos; presente as cortes. Existem, porém, grandes divergencias entre as opiniões apresentadas e deve-se reconhecer que não se pode obter na pratica a igualdade completa de promoção era todos os postos, porque isso perturbaria os serviços do exercito e levaria a regular os quadros, não pelas necessidades dos serviços, mas por fórma a obter a igualdade de promoção, transformando assim o fim accessorio em principal.

Julgando muito difficil conseguir a igualdade de promoção em todos os postos, entendemos que, no accesso ao generalato, só podem attenuar as desigualdades mais importantes, sem prejudicar os serviços nem preterir os principios organicos.

Esta idéa não é nova, mas como outras que pretendiam a igualdade completa, foi posta do parto por não se descobrir uma base commum para comparar a promoção, chegando a affirmar-se que, só uma origem igual para todos os officiaes a poderia fornecer, o propondo-se até para a conseguir que os cursou fossem da mesma duração para todas as armas.

Em todas as bases propostos se pretendia fazer a comparação pela data da promoção a official ou da conclusão dos cursou das differentes armas, o que obrigava a correcções sempre combatidas pelo maior numero dos interessados. Julgâmos desnecessario adoptar qualquer d'estas bases, mais ainda alterar a constituição doo cursos militares com o fim de as justificar, porque existiu sempre uma outra mais segura para a comparação, o que não exige correcções ; é a data do começo do curso em qualquer escola superior, data em que todos os alunnos, seja qual for

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a arma a que de futuro venham a pertencer, têem um curso commum e proximamente igual, representado pelas habilitações de instrucção secundaria exigidas para a matricula.

Acceita esta base justa, parece que as desigualdades de promoção podem ser compensadas nas condições estabelecidas na proposta, pelo accesso aos sete logares de general de brigada que ficarem depois de preenchidos os quadros mínimos fixados pela legislação em vigor.

Restará apenas fazer as correcções correspondentes às alterações havidas nos differentes cursos o aos officiaes provenientes da classe dos sargentos, mas essas correcções são faceis, e serão tambem justas logo que fiquem restringidas pela condição de não alterar a collocação relativa dos officiaes da mesma arma.

Os conselhos de disciplina regimentaes, no julgamento dos reincidentes em faltas disciplinares, têem competencia para impor a pena do deportação militar por dois annos ou mais tempo ainda; isto mostra que a legislação vigente lhes reconhece suficientes garantias de justiça, e essas garantias serão por maioria de rasão suficientes para a applicação de penas mais leves, como a incorporação em deposito disciplinar, que pelo codigo de justiça militar não pode ter duração superior a seis mezes. Os mesmos conselhos podem, pois, julgar os crimes a que corresponde esta pena, seguindo o processo dos conselhos do guerra, e por esta forma se torna mais rápida a acção da justiça, que é tambem um dos fins de todas as reformas que lhe dizem respeito. Admittida esta disposição, deve ser reduzido o numero de conselhos de guerra em proporção facil de determinar. A estatistica criminal dos tribunaes militares no anno de 1897 mostra que foram condenados em conselho de guerra 341 praças, e destas 108, isto é, mais de dois quintos, a incorporação em deposito disciplinar; reduzindo os cinco conselhos de guerra existentes a tres, estes serão suficientes para os julgamentos que lhes ficam pertencendo.

O serviço de destacamentos para o ultramar cobriu de gloria os expedicionarios e todo o exercito, e n'isto está a sua principal recompensa; mas é preciso confessar que é tambem um encargo pesado; tanto por um como por outro motivo, para distribuir com equidade as glorias e os sacrificios, convém regular aquelle serviço por principies estabelecidos pela organisação do exercito, não para fazer grandes alterações no que foi seguido com tão brilhantes resultados, mas para evitar variações que podem ser prejudiciaes.

Por ultimo pedimos a vossa attenção para as bases 26.ª e 27.ª; a primeira serve de garantia ao exercito, a segunda á fazenda publica.

Attendendo às circumstancias do thesouro, o governo desejaria apresentar-vos reformas militares que produzissem economias, mas o exercito não se encontra em melhores circumstancias, e as reducções que se fizessem nas verbas para elle auctorisadas, prejudicariam a defeza nacional, e produziriam antes um verdadeiro desperdicio, por não poder satisfazer ao fim a que era destinada, a organisação que ficasse depois das reducções.

O governo pretende apenas dar uma melhor applicação às verbas do actual orçamento, tendo unicamente em vista os interesses militares, e, com a vossa illustrada cooperação na presente proposta, espera conseguir o fim que se propõe.

Proposta de lei

Artigo 1.° Ê o governo auctorisado a reorganisar o exercito, dentro dos limites fixados nas seguintes bases:

l.ª O tempo de serviço na segunda reserva é augmentado de tres annos, sendo os reservistas, durante este periodo, dispensados das reuniões e revistas em tempo de paz.

2.ª Poderá antecipar-se de um anno o licenciamento das praças do effectivo para a primeira reserva, quando não haja prejuizo para o serviço do exercito, ou quando os recursos do thesouro assim o exijam.

3.ª O ministro da guerra superintende em todas as operações do recrutamento, e a distribuição dos contingentes votados pelas cortes será feita pelas auctoridades militares.

4.ª Os estudantes nas condições mencionadas no n.º 2.º do artigo 136.° do decreto de 6 de agosto de 1896, ficam obrigados ao tempo normal de serviço, mas terão passagem á segunda reserva no fim de seis mezes de serviço effectivo nos corpos designados pelo governo, se satisfizerem a um exame que os habilite para oficial ou sargento de reserva. O tempo de seis mezes de serviço póde ser dividido em dois periodos annuaes de tres mezes cada um.

5.ª O exercito comprehende:

1.º O estado maior general e o serviço do estado maior;

2.° As differentes armas:

A arma de engenheria;

A arma de artilheria;

A arma de cavallaria;

A arma de infanteria.

3. 0s serviços geraes do exercito:

A secretaria d'estado dos negocios da guerra;

O serviço de administração militar;

Os commandos de divisões e brigadas, commandos militares territoriaes e governos de fortificações;

As guardas municipaes;

A guarda fiscal;

As escolas militares;

As justiças e tribunaes militares;

O serviço de saude militar;

O serviço veterinario militar;

O corpo de almoxarifes de engenheria e artilheria;

O corpo do secretariado militar;

O corpo de capellães militares;

O corpo de picadores militares;

Os musicos, artifices, clarins e corneteiros,

Os officiaes do quadro auxiliar e reformados;

As companhias de reformados e os invalidos militares.

4.° As reservas.

6.ª As tropas das differentes armas formarão:

1.° Quatro divisões do exercito activo;

2.° As tropas de engenheria, artilheria e cavallaria independentes das divisões;

3.° As tropas do exercito activo destinadas á guarnição das ilhas adjacentes;

4.° As tropas de reserva do continente do reino e das ilhas adjacentes;

7.ª Uma divisão do exercito activo terá a seguinte composição :

1.° Uma companhia de sapadores mineiros;

2.° Um grupo de quatro baterias de artilheria de campanha;

3.° Um regimento de cavallaria a quatro esquadrões;

4.° Um regimento de caçadores a tres batalhões;

5.° Duas brigadas de infanteria de tres regimentos, a dois batalhões cada um.

8.ª As tropas do exercito activo, independentes das divisões, comprehendem:

1.° Duas companhias de pontoneiros, uma de telegraphistas e uma de caminhos de ferro;

2.° Dois regimentos de artilheria de campanha a oito baterias, um grupo de duas baterias de artilheria a cavallo e outro de artilheria de montanha, e dois regimentos de artilheria de guarnição a dois batalhões cada um;

3.° Duas brigadas de cavallaria a dois regimentos de quatro esquadrões cada um.

9.ª As tropas do exercito activo destinadas á guarnição das ilhas adjacentes, constata de tres companhias de arti-

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lheria de guarnição e tres regimentos de infanteria a dois batalhões.

10.ª As tropas de reserva comprehendem:

No continente do reino:

1.° Duas companhias de sapadores mineiros, uma de pontoneiros, uma de telegraphistas e uma de caminhos de ferro;

2.° Quatro grupos de artilheria de campanha a quatro baterias cada um, e dois batalhões de artilheria de guarnição;

3.° Oito grupos de dois esquadrões cada um;

4.º Vinte o quatro regimentos de infanteria a dois batalhões cada um.

Nas ilhas adjacentes:

1.° Tres companhias de artilheria de guarnição;

2.° Tres regimentos de infanteria a dois batalhões.

11.ª A primeira e segunda reserva são obrigadas ao serviço em tempo de guerra, ficando sujeitas a todos os regulamentos do exercito activo.

Era tempo de paz, as praças da primeira reserva são obrigadas ao serviço militar quando o exija a segurança publica, e a dois periodos annuaes de instrucção de trinta dias cada um; as praças da segunda reserva que serviram no exercito activo são obrigadas a dois periodos annuaes de instrucção de vinte dias cada um, desde o oitavo até ao decimo segundo anno do alistamento; as praças da segunda reserva que não serviram no exercito activo, são obrigados a um periodo de trinta dias de instrucção durante o primeiro, segundo ou terceiro anno do alistamento, e a tres periodos annuaes de instrucção de vinte dias cada um, desde o quarto até ao decimo segundo anno de alistamento.

12.ª O territorio do continente do reino será dividido em quatro circumscripções de divisão, ou divisões territoriaes, e cada uma em seis de regimento, ou districtos de recrutamento e reserva. O territorio das ilhas adjacentes será dividido em dois commandos militares, o dos Açores comprehendendo dois districtos do recrutamento e reserva e o da Madeira constituindo um só.

13.ª A cada circumscripção de divisão corresponde uma divisão do exercito activo para sua guarnição, podendo as tropas de uma divisão estar destacadas na circumscripção de outra; as tropas independentes das divisões serão distribuidas pelo paiz conforme as conveniencias do serviço.

14.ª A cada districto de recrutamento e reserva corresponde um regimento de infanteria do exercito activo e outro de reserva; cada districto satisfará às necessidades de recrutamento e de mobilisação dos regimentos que lhes correspondem, e, nos limites dos seus recursos, às necessidades do recrutamento e de mobilisação das tropas activas e de reserva das outras armas o serviços.

15.° Os quadros permanentes dos regimentos do infanteria de reserva em pé de paz constituem o pessoal dos districtos do recrutamento e reserva, e os vinte e sete commandos dos regimentos ou districtos serão exercidos por 9 coroneis, 9 tenentes coroneis e 9 majores do quadro da arma de infanteria.

L6.ª Em cada divisão militar territorial será creada uma commissão de recenseamento de animaes e vehiculos, e de requisições; terão por chefes dois coroneis e dois tenentes coroneis do quadro da arma de cavallaria, e ou correspondentes serviços serão regulados de maneira a satisfazer às necessidades de mobilisação do exercito activo e das reservas.

17.ª As vacaturas de general de brigada nos quadros minimos fixados pela legislação em vigor continuarão a ser preenchidas segundo a antiguidade do posto de coronel.

As vacaturas de general de brigada que tiverem Jogar depois de preenchidos os quadros minimos, são destinadas a attenuar as desigualdades de promoção e o seu preenchimento será regulado pela data da matricula no primeiro anno da escola polytechnica de Lisboa, da universidade do Coimbra, da academia polytechnica do Porto ou da escola do exercito, exibido para o curso do corpo ou arma a que o official pertencer, deduzindo-se o tempo perdido na frequencia do mesmo curso, o fazendo- se as correcções necessarias para que não se altere a situação relativa nos respectivos quadros.

18.ª O serviço do catado maior será desempenhado por um quadro constituido pelos officiaes do actual corpo do estado maior, sucessivamente completado por officiaes das differentes armas habilitados com o curso de estado maior.

19.ª As differentes armas do exercito serão reorganisadas de maneira, a constituir ao tropas fixadas pelas bases 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª, e a satisfazer aos serviços especiaes que pertençam a cada uma.

20.ª A secretaria do estado dos negocios da guerra e o serviço de administração militar serão reorganisados de maneira a assegurar a, direcção superior e a administração do exercito.

21 .ª Os commandos do divisão e de brigada e os commandos militares territoriaes serão estabelecidos de accordo com o prescripto nas bases 6.ª, 7.ª e 12.ª

22. a Os crimes a que corresponde a pena de encorporação em deposito disciplinar serão julgados pelos conselhos de disciplina regimentais, do que trata o artigo 89.° do regulamento disciplinar do exercito, e os conselhos de guerra permanentes das divisões militares territoriaes serão reduzidos a tres.

23.ª Os serviços de saude o veterinario militares, os corpos do almoxarifes do engenheria e artilheria, do secretariado, de capellães do picadores militares serão reorganisados em harmonia com as alterações provenientes das bases anteriores.

24.ª A collocação e promoção dos officiaes empregados em commissões estranhas ao serviço do ministerio da guerra, será regulada de maneira a attenuar, quanto possivel, as desigualdades do promoção havidas entre as differentes armas, e a garantir a carreira militar d'esses officiaes sem prejuizo do serviço do exercito.

25.ª A nomeação dos destacamentos para o ultramar, que devam ser fornecidos pelo exercito do continente, será regulada por principios fixos.

26.ª As pequenas modificações quo for indispensavel introduzir nos quadros de officiaes do exercito activo, não devem prejudicar as condições de promoção nem produzir augmento de despeza.

27.ª Não será excedida a despeza auctorisada pela legislação em vigor para o ministerio da guerra.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 14 de janeiro do 1899.=Sebastião Custodio de Sousa Telles.

O sr. Lourenço Cayolla (relator): - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um additamento á base 14.º, que já tinha sido approvada pela commissão de guerra, mas que por omissão typographica não vem incluida no projecto ; do resto em nada altera a sua economia.

Fui admittido.

O sr. Franco Castello Branco : - Manda para a mesa o seguinte

Requerimento

Proponho que as bases do projecto sejam reunidas por fórma a constituirem os tres seguintes grupos e que sobre cada um d'elles haja discussão especial :

1.° grupo - Formado pela base 1.ª a 16.ª;

2.° grupo - Constituido pelas bases 17.ª , 18.ª e 24.ª;

E 3.º grupo - Composto pelas restante bases. = João Franco.

Foi rejeitado.

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O sr. Franco Castello Branco : - Explica que, se pediu se palavra sobre este assumpto de natureza technica e especial, não o fez movido por nenhum sentimento de vaidade, mas porque esta medida tem, como todas, um caracter administrativo e de opportunidade que póde e devo ser discutido por qualquer membro da camara.

É sob esse ponto de vista, portanto, que vae encarar o projecto; e fal-o ha rapidamente, porque os que acabou de passar-se com relação á proposta que elle, orador, apresentou, 6 significado bastante de que o governo, presidido pelo sr. José Luciano de Castro, o que pretende do parlamento não é a sua collaboração, mas uma chancella commoda que lhe de ensejo do continuar a affirmar que é o mais estrenuo respeitador da legalidade, e de que ninguem mais do que s. exa. deseja o prestigio do parlamento o do constitucionalismo de que tem sido um dos mais leaes sacerdotes.

Pelo projecto pede-se uma auctorisação amplissima para que o sr. ministro da guerra possa reformar todos os serviços dependentes do seu ministerio, e sendo elles, como são, tão multiplos, o governo não quer que haja sobre o projecto mais do que uma discussão, visto que elle só tem um artigo.

Pela sua parte não apreciará as differentes bases a que se refere o artigo 1.°, e, limitando-se às linhas geraes do projecto, diz que, dentro dos limites n'elle estabelecidos, s. exa. não poderá reformar o exercito, por isso que fica inhibido de augmentar as despezas, e que, pela base 17.ª, só vão expoliar grande numero de officiaes dos seus direitos legitimamente adquiridos.

Nas circumstancias em que o paiz se encontra, e que não permittem avolumar a despeza, inutil é tentar uma reforma do exercito. Sem que ella augmente, como é possivel obter o armamento que nos falta, fortificar as costas maritimas, e proteger as nossas fronteiras terrestres?

A missão de um ministro da guerra, n'estas circumstancias, seria, portanto, não a de querer ser reformador, mas organisador, e para isso não precisava s. exa. de trazer ao parlamento este projecto.

É, incidentalmente, visto que ao facto já se tem por varias vezes alludido, dirá que com effeito o sr. Sebastião Telles foi convidado pelo chefe da ultima situação regeneradora a fazer parte d'aquelle gabinete; mas deve accrescentar, para evitar erradas interpretações, que s. exa. não apresentou então ao chefe d'essa situação o plano de reorganisação do exercito que tinha em mente.

O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Apoiado.

O Orador:-Accrescenta, e não julga isto de mais, que muito folga de que s. exa. não tivesse então entrado para o ministerio de que elle orador, fazia parte, pois que se entrasse, e tivesse apresentado o projecto que se discute, um dos dois teria de sair do gabinete, porque pela sua parte não poderia nunca concordar com elle.

E diz mais ; na sua opinião, é sempre inconveniente reformar as instituciões militares, quando as circumstancias não permittem dar-lhe a organisação rasgada que ella devia ter, pois que a instabilidade nos preceitos que regulam as instituições d'esta ordem é sempre prejudicial.

Respeitaram-se durante longo tempo as instituições militares e o codigo civil, mas o actual governo, no seu empenho de fazer reformas, nem estas respeita.

Pois o partido regenerador declara, como já fez em relação a uma medida politica, apresentada pelo actual gabinete, que a respeito do projecto em discussão, perigosissimo no seu entender, se reserva inteira e completa liberdade de acção.

Reconhecido, como está, que esta reforma nunca poderá passar de uma reforma apenas feita no papel; que não tem opportunidade, porque são precarias as circumstancias do thesouro, e que a disposição da base 17.ª, representa uma verdadeira expoliação; lamenta que o sr. ministro da guerra vá desfazer a obra brilhante do marquez de Sá da Bandeira, e pergunta se exa. está disposto a estabelecer, como fez para o corpo de estado maior, nina disposição transitoria que respeite os direitos legitimamente adquiridos.
O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. presidente, pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo illustre deputado o sr. João Franco Castello Branco.

Antes de o fazer, porém, permitta-me v. exa. é a camara, que eu agradeça as referencias pessoaes que o illustre deputado me dirigiu.

S. exa. fez tambem referencias a um facto que se passou coimnigo e o sr. conselheiro Hintze Ribeiro, presidente do ministerio regenerador de que o illustre deputado fazia parte; e, fazendo affirmações com respeito a esse facto, pediu-me s. exa. que eu confirmasse com um apoiado a sua exactidão.

Dei esse apoiado, e agora aproveito a occasião para renovar a minha confirmação e dizer claramente que as afirmações do sr. deputado João Franco foram exactas.

Não houve entre mim e o sr. conselheiro Hintze Ribeiro combinação alguma sobre reformas militares, não foram essas reformas que influiram no resultado da conferencia que tive com s. exa.

Do que se passou, nenhuma recriminação tenho a fazer ao partido regenerador; foi uma prova de consideração que eu agradeci, e como tal a julgo e continuarei sempre a julgar.

Dadas estas explicações vou começar a responder aos argumentos apresentados pelo illustre parlamentar.

S. exa. começou por notar que a reforma em discussão não satisfaz às necessidades a que o exercito deve aspirar.

Effectivamente, a reforma não tem, nem póde a pretensão de ser radical; dil-o muito claramente o relatorio.

Ahi se affirmou que o não é, e que se pretende apenas remodelar o existente do modo mais consentaneo com as condições do thesouro e com os fins a que o exercito tem de satisfazer. (Apoiados.)

Referiu-se o illustre deputado á defeza do paiz, á necessidade que o exercito tem de mais armamento; tudo isso é muito justo, mas, por agora, está fora da questão; não é d'isso que se trata.

Quando s. exa. disse que não tinhamos dinheiro para acquisição de material, encarregou-se de responder às suas proprias considerações. (Apoiados.)

Não é essa a questão.

Pois por a defeza do paiz não estar nas condições em que deve estar, por não podermos comprar o material e todo o armamento preciso para o exercito, não podemos fazer cousa nenhuma, não podemos melhorar as instituições militares?

A organisação do pessoal deve ficar defeituosa por causa das faltas apontadas?

Não me parece que se deva assim pensar.

A questão da organisação do pessoal póde ser tratada independentemente da questão do material: hoje tratamos da reforma do pessoal; amanhã, quando houver recursos, trataremos da questão do material.

Dizia s. exa. que isto é prurido de fazer uma reforma!"

Não é. A necessidade da reforma está apontada por um ministerio de que v. exa. fazia parte, está apontada pelo ministerio presidido pelo sr. Antonio de Serpa, que por um decreto de dictadura se auctorisou em 1890 a reorganisar o exercito.

Em cumprimento d'esse decreto mandou a commissão superior de guerra proceder a essa organisação, e no mesmo diploma dizia-se, no relatorio, o que a organisação de 1884 estava condemnada, não satisfazia às necessida-

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des da defeza, e que a sua modificação era geralmente reclamada.".

Pois se eu, hoje, venho satisfazer a essa necessidade que já era apontada por s. exa., como é que posso ser criticado n'esse ponto?! (Muitos apoiados.)

Diz a. exa. "mas depois não se fez a reforma!" Exactamente porque se entendia que ella não podia ser feita sem grande augmento de despeza!

Como não se podia Augmentar muito a despeza, não se reformava nada e ficava-se indefinidamente com a organisação de 1884!...

Aquelle projecto de reforma de 1890 foi combatido, por que não exigia o necessario augmento de despeza, e os individuos que tinham cota opinião, quando depois foram governo, não organisaram o exercito porque não poderam augmentar a despeza!

Esta é a opinão do partido regenerador, mas o partido progressista tem uma opinião completamente differente

Entende que dentro do orçamento actual se podem fazer alguns melhoramentos.

A idéa não é minha.

Já no anno passado o meu illustre antecessor o sr. Francisco Maria da Cunha apresentou uma proposta para a reforma do exercito, sem augmentar a despeza, nas mesmas condições em que eu o fiz.

Por consequencia, debaixo d'este ponto de vista, não póde haver, entre regeneradores e progressistas, conciliação possivel: uns entendem que só com o augmento de despezas se póde fazer uma reforma; outros são de opinião que essa reforma, se póde fazer sem novos encargos para o thesouro.

Disse s. exa. que quando ha reformas só se tem em vista beneficiar pessoas!"

Esta phrase, dita n'esta casa, tem muito valor lá fora para muita gente, e por isso affirmo a s. exa. e á camara que o governo, apresentando esta proposta, unicamente tem em vista o beneficio do estado. (Muitos apoiados.)

Disse ainda s. exa. "que o meu programma devia sei um programma de administração e não um programma reformador! "

Entendo que para a administração ser boa e d'ella se tirarem os resultados que s. exa. deseja, precisa ser reformada a legislação actual. (Apoiados.)

E até s. exa. frisou um ponto, sem lhe dar grande importancia, que tem uma influencia enorme na administração : é a antecipação de um anno no licenciamento para a reserva, a que se refere a base 2.ª; a legislação vigente auctorisa a concessão de licenças registadas, mas nem sempre se póde licenciar o sufficiente numero de praças para se não gastar dinheiro a mais do que está consignado no orçamento.

E preciso que esse licenciamento seja obrigatorio o que o governo possa mandar para a reserva os soldados que muitas vozes, não querendo licença registada, ficam nas fileiras augmentando o effectivo.

É um principio de importancia que está intimamente ligado com a administração ; e como este muitos outros.

A administração com a organisação de 1884, sem se fazer uma reforma, sem collocar os elementos do exercito em condições mais harmonicas com os principies militares, não póde ser uma administração que dê resultado.

Disse v. exa. tambem que o ministro da guerra podia com a legislação actual realisar as mesmas aspirações que tem com a nova organisação, podendo instruir as reservas o reunil-as, como já se tem feito; peço licença para observar que da parte de s. exa. houve uma confusão, o que não admira, por não ser da especialidade.

Effectivamente, tem-se reunido a primeira, reserva. A segunda nunca se reuniu, nem recebeu instrução; e estou mesmo convencido que em face da lei de 1884, a segunda reserva só é obrigada ao serviço em tempo de guerra. Veiu depois o regulamento para os serviços do recrutamento de 1896, que diz n'uma parte de um dos seus artigos que a segunda reserva, póde ser chamada ao serviço de instrucção em tempo de paz. Mas, cousa notavel - este regulamento foi auctorisado por uma carta de lei, e aquella disposição não esta na carta de lei, mas apenas no regulamento;- a meu ver, não se podia cumprir, porque não era perfeitamente legal e era uma injustiça. Os periodos de instrucção a que póde ser chamada a primeira reserva não são muito largos, são apenas de vinte em cada anno, e estão fixados por lei. Como é que se póde admitir que a lei deixe de fixar os periodos de instrucção da segunda reserva, o que essa instrucção fique completamente ao arbitrio do ministro, podendo chamar a reserva por um, dois ou tres mezes. (Apoiados.) Esta disposição não se cumpria nem se podia cumprir.

Para muitos militares ella passou despercebida, porque estavam convencidos que, não havia nada na lei do recrutamento que se referisse aos periodos de instrucção da segundo, reserva.

Em rigor não havia, o mesmo havendo, não podia ser executada a respectiva disposição.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Sr. presidente, v. exa. diz-me a que horas termina a sessão ?

O sr. Presidente; - A sessão termina às sete horas.

O Orador: - O illustre parlamentar referiu-se ainda á base 20.ª d'esta organisação, e disse que esta base estava redigida de uma fórma que tudo auctorisava ; eu peço licença para fazer notar a s. exa. que não é assim, pede-se por esta base uma auctorisação para um determinado fim, define-se o fim para não poder ser excedido, o quando se tem em vista outro ponto, pede-se nova auctorisação.

Referiu-se s. exa. á reforma de uma maneira geral, mas em relação a um ponto parece tel-o considerado especialmente, como sendo capital, tanto pelo criterio da sua argumentação como pela declaração que fez no final do seu discurso.

S. exa. referiu-se accentuadamente á base 17.ª do projecto era discussão e achou que ella representava um ataque a legitimos direitos adquiridos, sendo tambem uma innovação completa, differente de tudo quanto existe; não é um ataque aos direitos do ninguem, não é uma innovação, (Apoiados.) é a continuação do que preceitua a legislação em vigor.

Mas antes de entrar n'este ponto, é preciso ver bem qual o alcance, qual o resultado a que aspira esta medida, ver se elle é ou não justo para então a condemnar se ella dever ser condemnada. Alem d'isto, sr. presidente, não se trata de tirar a una para dar a outros, não se tira nada a ninguem, e, por isso, é preciso, antes de tudo, ver qual a rasão que levou o governo a estabelecer a base I7.ª

A base 17.ª não foi estabelecida por capricho, nem foi introduzida na lei para modificar a legislação do marquez de Sá da Bandeira, que o illustre deputado me accusa de alterar, como se eu podasse ter a vaidade de me comparar com este vulto illustre, esquecendo-se de que tantas vezes, s. exa. tem já com certeza reformado a legislação de Sá da Bandeira. A camara, sabe que eu seu novo nas
discussões parlamentares.

Não tenho historia parlamentar, e tambem não conheço a historia parlamentar. Não a posso seguir; mas mesmo sem seguir essa historia, avalio que o sr. João Franco pelas vezes que tem estado no poder, pelas reformas que fez, tem modificado muito e muito a legislação de Sá da Bandeira, (Apoiados.) apesar do s. exa. dizer que tem por aquelle grande vulto muito respeito e consideração. (Apoiados.)

Ora eu não vou alterar, vou seguir os mesmos principios de Sá da Bandeira. (Apoiados.)

Mão antes disto vamos ver bem qual a causa determinativa da base 17.ª

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Na reforma de 1868 estabeleceu-se a promoção ao generalato por armas, e ficaram dois logares de generaes, um no grupo de infanteria e cavallaria e outro no grupo de estado maior, engenheria e artilheria, para serem preenchidos, não pelas armas, mas pela antiguidade no posto de coronel.

Veiu depois a reforma de 1884, que augmentou este numero com mais dois logares de generaes, que haviam de ser preenchidos pela antiguidade no posto de coronel, e veiu depois a reforma de 1895 que augmentou ainda esse namoro elevando-o a sete. (Apoiados.)

Note v. exa. que quem deve ser promovido n'aquellas vagas é o coronel mais antigo; isto é, aquelle que saiu primeiro coronel, e, portanto, o mais adiantado. por consequencia estas vagas oram preenchidas pelos coroneis mais adiantados ; quer dizer, as vagas não serviam para compensar desigualdades, serviam para aggravar as desigualdades existentes; e se este aggravamento se dava desde 1868, quando havia duas vagas a preencher por este systema, augmentou em 1884 quando havia quatro, e mais consideravelmente em 1895 com sete vagas. (Apoiados.) Estas desigualdades produziam os desgostos conhecidos de todos que é preciso fazer cessar porque constituem uma grande injustiça.

E se o numero de dois era insignificante para o numero de generaes de brigada que então havia, o numero de sete para vinte generaes que ha hoje, tem uma importancia considerael. (Apoiados.)

Disse s. exa. que isto era um principio novo.

Não é Pois então o que succedeu com a promoção ao generalato depois de 1868?

Até ali a escala de promoção era só pela antiguidade no posto de coronel, e Sá da Bandeira estabeleceu o generalato por armas, e por este principio os coronéis mais antigos nem sempre eram os primeiros promovidos. Quando a vaga se dá n'uma arma vae-se buscar um coronel d'aquella arma para ser promovido a general, deixando do promover coroneis mais antigos de armas differentes, e estes não ficam preteridos, porque no exercito não ha preterições de arma para arma; só póde haver preterição dentro da mesma arma.

Em armas differentes não ha preterição, pois de contrario todos estavam preteridos. Então os coroneis que foram promovidos primeiro do que outros tenentes coroneis mais antigos, não teriam preterido estes, e pão se daria o mesmo para todos os postos?

Pela legislação vigente um coronel mais moderno póde sair general primeiro do que outro mais antigo; e o que faz a base 17.º? Faz com que um coronel mais antigo possa ficar em coronel e sair general outro mais moderno. É exactamente o mesmo resultado. Principio novo não é, é a applicação do principio do generalato por armas levada tambem para as vagas communs a todas as armas para atenuar as desigualdades que existem, para fazer cessar uma causa de aggravamento d'essas desigualdades.

Sr. presidente, como me sinto um pouco fatigado, e como não poderei concluir o meu discurso dentro dos cinco minutos que faltam para se encerrar a sessão, eu pedia a v. exa. a fineza de consentir que ficasse com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: -A proxima sessão é na sexta feira. A ordem do dia é, na primeira parte a continuarão da discussão do projecto de lei n.° 8, assistencia judiciaria, e e a do n.° 10, porto de Leixões; e na segunda parte a discussão do projecto do lei n.° 13, bases para a reorganisação do exercito.

Está encerrada a sessão.

Eram sete horas menos cinco minutos.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Proposta de lei

apresentada pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros

Proposta de lei n.° 18-B

Senhores.-Da applicação da tabella dos emolumentos consulares em vigor desde 1 de julho de 1898 está resultando diminuição, tanto na receita que o estado aufere d'esta fonte, como na remuneração que tiram os consules de 2.ª classe e vice-consules da metade dos que arrecadam.

Não póde a maior frequencia dos actos consulares que deve naturalmente trazer o desenvolvimento das operações sobre que recaem, avolumar aquella receita em termos a offerecer compensação num futuro proximo ao desfalque que se annuncia, e assim julgo a curta experiencia dos effeitos da tabeliã, donde elle sómente procede, sufficiente a determinar-me a propor desde já remedio a um estado de cousas que não corresponde ao pensamento que a dictou e affecta interesses que seria condemnavel deixar em demorada crise.

Teve por objecto principal a remodelação da tabella favorecer, sem prejuizo da receita fiscal, a navegação. Para esse fim foram supprimidas e reduzidas taxas que lhe correspondiam, estabelecidos differenciaes em beneficio da marinha nacional, creado o emolumento das declarações de carga e onerados outros nos diversos ramos dos serviços, consulares.

É nos actos da secção IV, relativos á navegação, que a depressão do rendimento se manifesta exclusivamente, não chegando para a compensar o que a mais têem produzido as outras secções.

A menos justa previsão do maior numero de expedições de navios com carga completa, ou o menor numero de carregadores a que deveria convidar a implantação entre nós do systema das declarações, previsão então possivel só por vaga estimativa, bastaria, por si, a tornar falliveis quaesquer calculos da provavel maior receita futura. Seria inconveniente corrigil-os agora aggravando, fora dos actos em que essa depressão se dá, taxas já relativamente elevadas. Por isso me limito a modificar os numeros da tabeliã, que se referem às declarações de carga e aos actos que constituem, ou fazem parte do despacho de navios, sem aggravamento para a navegação nacional, e sem sensivel maior encargo individual para o carregador, procurei na fixação das novas taxas auferir a receita que a mais reputo precisa.

Apesar da aspiração de todas as reformas do serviço consular, ainda até hoje não tem sido possivel tornar equivalente a despeza que motiva e a receita que d'elle provem.

Não deve, pois, occultar que na proposta de lei que offereço á consideração da camara me anima o proposito de obter mais do que o simples restabelecimento da receita, ao que anteriormente era.

Proseguindo, como espero, o trafego mercantil no crescimento que manifesta, conjecturo que num praso não muito largo poderá a despeza com o pessoal e serviço consular sor igual ao rendimento dos emolumentos consulares pertencente ao estado.

Aproveitando a opportunidade, cuidei ainda em attender a representações dirigidas ao governo e á opinião manifestada por diversas collectividades, simplificando o despacho consular e tornando mais accentuados os favores á marinha nacional.

Na dispensa das declarações de carga em determinadas circumstancias, na uniformidade do emolumento que recáe nellas, no emolumento unico sobre o despacho do navio qualquer que seja o numero de actos que se pratiquem, no que os navios estrangeiros terão de pagar a mais, e na

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reducção da taxa para a navegação de cabotagem, se traduz este intuito.

Na conformidade do que fica exposto, tenho portanto a honra de submetter ao vosso exame, esperando vos digneio dar-lhe a vossa approvação, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É substituido o n.° 48 da tabella dos emolumentos consulares, approvada pela carta do lei de 5 de maio de 1898, pelo seguinte:

N.° 48 -Visto em declaração de carga, em duplicado qualquer que seja a natureza e quantidade do carregamento, não podendo, porém, cada declaração comprehender mercadorias remettidas em mais de um navio ou por mais de um expedidor ou a mais de um consignatario, emolumento pago pelo carregador, 2$000 réis.

§ unico. São dispensadas as declarações em relação a volumes de encommendas cujo valor não exceder 22$500 réis.

Art. 2.º Sito substituidos os n.º 51 a 59 da referida tabella pelo que segue:

Despacho do navio (comprehendendo: certidão da quantidade e qualidade de lastro; carta du saude; rol de equipagem, com designação dos portos do destino e declaração do modo como tiver o capitão observado tis leis o regulamentos vigentes; legalisação de qualquer alteração ao rol de equipagem; visto na certidão de registo ou titulo do propriedade do navio; visto na relação de passageiros; visto no diario nautico, quaesquer que sejam d'estes documentos os que conforme as circumstancias e as respectivas prescripcões do regulamento consular deverem ser expedidos ou localidades em cada porto estrangeiro) emolumento pago pelo capitão ou mestre:

a) Navio portuguez ou estrangeiro tomando carga do valor superior a 45$000 réis --9$000 réis ;

b) Navio portuguez ou estrangeiro saindo em lastro ou tomando carga do valor inferior a 45$000 réis - 4$000 réis;

c) Navio portuguez em navegação de grande ou pequena cabotagem, nos casos das alineas a) e b)-50 por cento menos do emolumento respectivo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado da negocios estrangeirou, em 28 de março de 1899. =. Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Foi enviada às commissão de negocios estrangeiros e internacionaes e de fazenda.

Representações

Dos distribuidores telegrapho-postaes de Lisboa, pedindo melhoria de vencimento e que lhes seja concedida a aposentação aos vinte e cinco annos de serviço e cincoenta de idade.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos José de Oliveira, enviada às commissões obras publicas e fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Da junta de parochia da freguezia de Villa Ruiva, concelho de Cuba, contra o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado visconde de Ribeira Brava, na sessão de 9 de março ultimo, no qual exonera a casa pia de Beja de todos os encargos com que para ella foram transferidos os bens o rendimentos das extipctas misericordias o confrarias do districto, e isenta de pagar os que estiverem vencidos.

Apresentada pelo sr. deputado Gonçalves Braga, e enviada á commissão de administração publica.

Justificação de faltas apresentada n'esta sessão

O sr. deputado Antonio de Vasconcellos encarregou-me de participar á camara que tem faltado às ultimas sessões, e faltará a mais algumas, por motivo de doença. - Fialho Gomes.

Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado.= Paes Abranches. Para a secretaria.

O redactor= Barbosa Colen.

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