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SESSÃO DE 1 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e um projecto de lei. — Na ordem do dia continua a discussão do artigo 2.º do projecto n.º 7 (real de agua) que foi approvado e bem assim os mais artigos do projecto, sendo enviadas á commissão as propostas apresentadas durante a discussão. Fallaram os srs. visconde de Moreira de Rey, ministro da fazenda, Luciano de Castro e Pinheiro Chagas.

Presentes á chamada 36 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Pinheiro Osorio, Van-Zeller, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jayme Moniz, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, Matos Correia, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Luiz de Lencastre, Bivar, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello e Simas, Miguel Coutinho (D.), Pedro Correia, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Cunha Belem, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Forjaz de Sampaio, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Ferreira Braga, J. J. Alves, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Sampaio e Mello, Freitas Branco, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Pedro Franco, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Pereira de Miranda, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Neves Carneiro, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Palma, J. Perdigão, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, Moraes Rego, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Camara Leme, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. A. J. Teixeira, copia da deliberação do conselho de districto de Coimbra, designando o dia em que devia proceder-se ás eleições municipaes.

Enviado a secretaria.

2.° Da commissão parlamentar de inquerito ácerca da administração das obras da penitenciaria, pedindo esclarecimentos sobre a extensão dos seus poderes e tempo de duração.

Declaração

Declaro que por motivo justificado faltei a algumas sessões. = O deputado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

O sr. Pires de Lima: — Enviaram-me, para eu apresentar n'esta camara duas representações: a primeira, de al-

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guns habitantes da villa de Lavre, em que pedem que se proceda aos estudos necessarios para ser ligado o caminho de ferro do sul com o caminho de ferro do norte por meio de um ramal que, partindo das Vendas Novas, termine em Santarem e Ponto de Soure.

A segunda representação, é do official reformado Mauricio Maria de Carvalho, pedindo que lhe seja concedida melhoria de reforma no posto de general de brigada.

Peço a V. ex.ª que se digne dar a estas representações o destino conveniente.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma representação de João Augusto Soares, capitão do 3.° batalhão do regimento de infanteria do ultramar, actualmente destacado em Macau, o qual se julga com direito ao abono do subsidio de residencia eventual estabelecido pela carta de lei de 13 de maio de 1872.

Mando tambem para a mesa outra representação de Gaspar João dos Reis Magalhães, contador do juizo ecclesiastico do arcebispado de Braga, em que pede providencias a respeito das tabellas de emolumentos ecclesiasticos.

Peço a V. ex.ª que se digne dar a estas representações o devido destino.

O sr. Paula Medeiros: — Desejo fazer uma simples pergunta ao sr. ministro da fazenda.

Em janeiro tive a honra de mandar para a mesa um requerimento, em que pedia uma nota dos empregados das alfandegas do reino e ilhas, que não exercem os logares para que foram despachados; e bem assim as gratificações que conjuntamente accumulam.

Já tive a honra de instar por esta nota mais de duas vezes, e a mesa declarou-me que aquelle meu requerimento ainda não tinha sido satisfeito.

Por este motivo rogava ao sr. ministro da fazenda o obsequio de me dizer se era possivel, ou ha algum inconveniente em vir a nota que pedi, ou difficuldade que ha na respectiva repartição em se satisfazer a este meu pedido, pois, como deputado, tenho direito de o fazer.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Não tenho conhecimento especial do requerimento do illustre deputado; mas direi a s. ex.ª, que as ordens que ha no ministerio da fazenda é para que todos os esclarecimentos pedidos pelos srs. deputados sejam satisfeitos.

O sr. Paula Medeiros: — Fiz este requerimento no tempo do antecessor de V. ex.ª, e já por duas vezes instei pela satisfação d'elle.

O Orador: — Ha muito tempo que existem as ordens para que venham á camara os esclarecimentos que são pedidos, por isso não tenho duvida alguma em mandar os que o illustre deputado pediu.

O sr. Paula Medeiros: — Agradeço a resposta do nobre ministro, e dou-me por satisfeito com ella.

O sr. Luiz de Lencastre: — Mando para a mesa tres requerimentos, aos quaes peço a v. ex.ª se sirva dar o devido destino.

Estes requerimentos referem-se á provincia de Cabo Verde, que não tenho a honra de representar n'esta casa.

Não julgue, porém, v. ex.ª e a camara que eu, vindo apresentar estes requerimentos n'esta camara, quero antecipar-me ao illustre deputado que muito dignamente representa aquella provincia. Não está isso na minha intenção.

Tendo principiado a minha carreira publica n'aquella provincia, e devendo muitas obrigações áquelles povos, eu, conhecedor das suas necessidades, tenho por dever vir

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apresentar n'esta casa aquillo que entendo que é conveniente áquella terra.

O primeiro requerimento é o seguinte.

(Leu.)

A navegação entre as ilhas de Cabo Verde e a Guiné, que é uma parte importante d'aquella provincia, ainda hoje é feita por navios de véla, que não offerecem commodidades nem aos particulares nem ao estado.

Parece-me, e não é só opinião minha, que se póde substituir a navegação á véla pela navegação a vapor com pouco prejuizo para os interesses da fazenda publica. E quando esses interesses fossem de momento prejudicados, haviam de ser depois compensados pelo augmento das rendas publicas, e, quando não fosse por outra causa, pelas vantagens que tirariam os particulares.

O outro requerimento é o seguinte.

(Leu.)

É a purgueira o genero mais importante da provincia de Cabo Verde. Queixam-se os habitantes de que os direitos da purgueira são exagerados, e em logar de dar vantagem para o estado, dá-lhe prejuizo, porquanto sendo esses direitos excessivos e affectando-se aquelle genero de um modo sensivel, a exportação será menor, a producção tambem menor será, e, portanto, virá d'ali menor vantagem para o estado.

O terceiro requerimento é o seguinte.

(Leu.)

Tudo aquillo que se faz a bem da instrucção publica dos povos das provincias ultramarinas é sempre de grande vantagem para o paiz.

Limito-me por agora a mandar para a mesa este requerimento e a pedir estas informações, e depois direi o que entender á vista das informações que vierem.

Mando os requerimentos para a mesa, e repito mais uma vez, que não me quero antepor ao illustre deputado que dignamente representa aquella provincia, á qual devo tantas finezas.

Tendo servido ali, devendo uma certa gratidão áquelles povos e conhecendo um pouco as necessidades d'aquella provincia, entendo que faltaria ao meu dever se não apresentasse algumas considerações em favor d'ella.

O sr. Conde da Foz: — Mando para a mesa duas declarações: a primeira, de que faltei ás sessões dos dias 25 e 26 do corrente por motivo de doença; e a segunda, é que se estivesse presente á sessão do dia 25, teria approvado o artigo 1.º do projecto do real de agua.

Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, porque desejo chamar a attenção de s. ex.ª para a continuação do caminho de ferro do sueste.

O sr. Guerreiro: — Mando para a mesa quatro requerimentos dos artifices dos corpos do exercito pedindo que, no caso de reforma, lhes seja applicada a mesma lei que se applica aos musicos, tambores móres e cornetas móres do exercito.

Peço a v. ex.ª que se digne mandar enviar estes requerimentos á commissão de guerra, a fim de os tomar na devida consideração.

Desejava que algum dos membros da commissão de guerra me dissesse se já chegaram ao conhecimento de s. ex.ª os requerimentos dos officiaes do exercito que vieram a esta camara pedindo augmento de vencimento.

Uma voz: — Não está presente o sr. secretario da commissão.

O Orador: — N'esse caso peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando s. ex.ª estiver presente.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pergunto a v. ex.ª se já foram remettidos do ministerio das obras publicas os documentos que pedi, relativos ás propostas da companhia do caminho de ferro do Porto á Povoa de Varzim para prolongar esta linha até Chaves e Villa Real.

O sr. Presidente: — Por emquanto ainda não vieram.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estou informado de que entenderam no ministerio das obras publicas que eu pedia a copia de todos os documentos, incluindo as representações das camaras municipaes, o que torna esses documentos muito volumosos, e por isso desejo dizer ao governo, a fim de que communique ao sr. ministro das obras publicas, de que me contento com a remessa das propostas da companhia e dos pareceres da junta consultiva de obras publicas a esse respeito, e que, limitando o meu pedido a estes documentos, peço e recommendo a maior urgencia que seja possivel na sua remessa a esta camara.

O sr. Visconde de Arriaga: — Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha, a respeito da pretencção dos pilotos da barra do Porto.

O sr. Pereira Rodrigues: — Parece-me que posso dizer algumas palavras, que serão agradaveis ao meu collega e amigo o sr. Lancastre e aos interesses que com tanto ardor advoga em relação aos requerimentos que acabou de mandar para a mesa, ácerca dos direitos da purgueira exportada pela provincia de Cabo Verde, e da navegação entre o archipelago e a Guiné.

O sr. José de Mello Gouveia, quando ultimamente geriu a pasta dos negocios do ultramar, continuando com verdadeiro zêlo a poderosa iniciativa do sr. Andrade Carvo, nomeou uma commissão, da qual tenho a honra de fazer parte, para elaborar um projecto de reforma das pautas de Cabo Verde.

Esse trabalho está muito adiantado, e parece-me que a provincia ha de lucrar com elle, e o nobre deputado, que tanto se interessa pela prosperidade d'aquella nossa rica possessão, ha de ficar satisfeito.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um projecto de lei, que vae tambem assignado pelos srs. deputados Pedro Roberto, Mello Simas e Filippe de Carvalho, ácerca da contribuição predial nos districtos de Angra, Funchal e Horta.

Peço a v. ex.ª que mande este projecto com urgencia á commissão respectiva, para ser tomado em consideração juntamente com uma proposta que o sr. ministro da fazenda apresentou hontem, relativa á contribuição predial em Ponta Delgada.

ORDEM DO DIA

Discussão na especialidade do projecto n.º 7

Continua a discussão do artigo 2.º

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mando para a mesa a seguinte proposta. (Leu.)

Em uma das sessões anteriores tive eu a honra de dizer n'esta casa, que longe de ser adverso aos impostos do consumo ou de me oppor á adopção d'este meio de augmentar as receitas publicas, pelo contrario, este imposto é aquelle que de preferencia a outros desejo votar. Eu faço toda a diligencia para fallar, se não com inteira correcção, pelo menos com a maior clareza possivel, e creio que todos reconhecem em mim, seja qualidade, seja defeito, o habito e o proposito de não disfarçar o meu pensamento. (Apoiados.) Apesar d'isso, algumas vezes não tenho a fortuna de me fazer entender, e, pelo contrario, tenho a estranha infelicidade de ser comprehendido inteiramente ás vessas.

É assim que, a proposito do meu ultimo discurso, alguem que, tendo voz e voto n'esta casa, não aproveita a primeira para esclarecer qualquer duvida, que porventura sobresalte o seu esclarecido espirito ácerca do que dizem ou pensam os seus collegas; é assim que alguem suspeita ou parece receiar que o meu fim seja hostilisar o governo, quando eu declarei positivamente o contrario; suspeitando igualmente que o meu desejo é eximir-me a votar impostos, ao mesmo tempo que os declaro indispensaveis para equilibrar o orçamento e affirmo querer o orçamento equilibrado, collocando-me em contradicção manifesta, como usam collocar-se todos aquelles que, affirmando a sua disposição

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de votar todos os impostos, não votam e guerreiam todo o imposto que tenham de pagar.

Esta apreciação, por mais injusta que me pareça, não me afflige demasiado, porque felizmente eu sei e posso definir a minha posição, e se respondo inteiramente pelas minhas idéas, não acceito as alheias nem tomo responsabilidade alguma pelas apprehensões ou suspeitas dos outros.

Quanto ao governo, aos meus sentimentos em relação aos ministros, á minha posição politica em face do ministerio, affirmei outro dia ainda solemnemente, e sem restricção de alguma ordem, que a organisação ministerial, proveniente da indicação parlamentar, estava em rigorosa harmonia com os verdadeiros principios do direito constitucional. Declarei confiar no governo, e nos pontos a que se limita a confiança politica disse que ninguem confiava mais que eu. Digo ainda, e é minha convicção profunda, que se este paiz póde ser salvo das difficuldades, que o opprimem, por qualquer ministerio que não exceda as condições normaes, ou antes que se contenha dentro dos habitos e costumes que ha muito constituem entre nós o systema ou a praxe de governar, não vejo outro governo que facilmente reuna as condições de illustração, de experiencia e de tolerancia que os actuaes ministros possuem e incontestavelmente representam.

Assim penso eu, e até aqui vou por convicção e por vontade. Mas d'aqui a supprimir todo o raciocinio, a esquecer as idéas proprias, a abdicar ou renegar as minhas convicções, vae distancia que eu não transponho, porque não sei confundir a confiança politica numa situação ou n'um ministerio com o voto cego o submisso a todas as medidas governamentaes, e não me presto a louvar nem a votar propostas e pareceres, só porque são do governo ou porque vieram da commissão. O governo tem a minha confiança; em qualquer moção politica tem o meu voto. Nas propostas de administração ou de fazenda, que para mim não são questões de confiança politica, discuto como sei e voto como entendo, desejando contribuir para que se convertam em leis justas, uteis e de facil execução, dando-me pouco ou nenhum cuidado a circumstancia de que a minha opinião desagrade a alguem, porque eu não a emitto como cantico permanente de louvor a nenhum homem, grupo ou partido, exprimo simplesmente as minhas idéas, e deixo aos outros tempo, logar e plena liberdade para manifestarem os seus sentimentos.

Resta a minha disposição de não votar impostos que eu tivesse de pagar.

Sr. presidente, quem tiver estes escrupulos, obsequeia-me muito se me der noticia de qualquer imposto existente ou possivel n'este paiz que eu não tenha que pagar logo que seja lei do estado. Creio que estou sujeito a todos os impostos existentes, e até para não escapar a nenhum, já experimentei como deputado as deducções nos vencimentos dos funccionarios publicos, não tendo eu nunca sido empregado publico, nem tendo aspirações a sel-o!

Portanto, é preciso que se entenda que, tomando inteira responsabilidade das minhas opiniões e dos meus votos, eu proclamo, como primeira necessidade, augmentar a receita para equilibrar o orçamento. Affirmo n'esta casa a minha posição sem ambiguidade e sem restricção mental. O meu proposito firme é concorrer para a extincção do deficit. Já se vê que hei de votar impostos, e sei que tenho de os pagar. Affirmo ao mesmo tempo que de todos os impostos o que me proponho a votar de preferencia é o que actualmente se discute.

Porém, sr. presidente, indispensavel para mim, quando desejo equilibrar o orçamento, é votar o imposto que augmento as receitas publicas, assegurando o resultado que tenho em vista.

Eu não posso nem quero, a pretexto de imposto, votar uma ficção que, embora assustadora na apparencia, ou ha de ficar inoffensiva no papel, ou ha de tornar-se sensivel unicamente pelos vexames e pelos incommodos que vae crear na execução, sem nunca corresponder no augmento das receitas publicas ao fim que temos em vista.

Eu entendo, como já disse, que o imposto de consumo, entregue aos municipios, é excellente e enorme fonte de receita, justa na distribuição, facil e suave na cobrança. Ao mesmo tempo entendo que estabelecido e cobrado o imposto pelo estado, na nossa actual organisação e com os habitos do nosso paiz, a receita ha de ser muito pequena, a differença real quasi insensivel, ao mesmo tempo que as consequencias podem ser tristes, funestas e deploraveis!

Sem me occupar de barreiras, sem tratar n'este momento da fiscalisação que é indispensavel para assegurar a cobrança do rendimento, digo simplesmente que este imposto póde ser grande fonte de receita, logo que seja entregue aos municipios, deixando-lhes a escolha perfeitamente livre para o cobrar em qualquer localidade, segundo as condições especiaes de cada terra.

Como imposto do estado não tem nem póde ter augmento de receita sem uma despeza enorme, sem a creação de uma fiscalisação vexatoria, irritante e muito dispendiosa, e que eu receio que, mesmo muito dispendiosa, venha a ser inutil ou prejudicial. Para mim é evidente, e a experiencia já demonstrou, que o estado não póde auferir d'este imposto a receita que elle deve necessariamente produzir.

Os factos referidos no relatorio que precede a proposta do sr. Mello Gouveia são de uma eloquencia irresistivel. Que objecções — eu procuro-as e desejava vê-las apparecer n'esta casa; que objecções podem existir contra este imposto como puramente municipal, logo que por avenças, ou por determinação expressa da lei, se imponha a cada municipio a obrigação de contribuir com uma certa e determinada quota para o orçamento do paiz?

Dizem que tendo uma vez os concelhos de Belem e dos Olivaes sido dispensados das barreiras, não pagaram o que como compensação se tinham obrigado a pagar. Mas que prova, que quer dizer este facto isolado? Só póde provar que o governo não adoptou, quando tomou essa resolução, as garantias indispensaveis para tornar effectivo esse pagamento, ou que por considerações de outra ordem tem preferido a popularidade de dispensar o pagamento aos inconvenientes de o exigir. Para mim, em todo o caso, mais culpados têem sido os governos que não têem exigido o pagamento, do que os dois municipios que se dispensaram de o realisar, porque lhes consentiram tal procedimento.

A minha proposta não póde produzir taes inconvenientes. Eu desejo, é certo, que a distribuição e a cobrança sejam municipaes, mas na arrecadação e guarda das sommas cobradas, isto é, nos meios de obstar á repetição dos casos de Belem e dos Olivaes, não se pense que venho propor que se confie nos municipios plena e absolutamente sem garantia de especie alguma, deixando-lhes a arrecadação do dinheiro proveniente do imposto, arriscando assim o governo a ficar sem a receita que por este meio se lhe votasse, ou a ter de promover largos e demorados litigios, para recuperar o que lhe é devido.

Emquanto á arrecadação das sommas provenientes do imposto, tanto o governo como a commissão facilmente encontrarão os meios de estabelecer as garantias indispensaveis, fazendo entrar essas sommas, primeiramente, nos cofres do estado, de fórma que a parte relativa ao governo esteja sempre guardada pelos seus agentes, e por consequencia perfeitamente garantida.

Este cuidado na execução da lei não envolve, a meu ver, difficuldade de ordem alguma, e creio bem que o caso Olivaes não poderá ser de boa fé allegado como obstaculo invencivel e eterno contra todas as reformas futuras.

Dizem tambem que a cobrança municipal se faz por arrematação, e perguntam, suppondo a objecção irrespondivel, se queremos que o estado para fazer render este imposto o entregue á industria particular!

Para mim a objecção é imaginaria e pueril.

Se é certo que muitos municipios arrematam os impos-

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tos indirectos, não é menos certo que outros os cobram e os fiscalisam, obtendo assim melhor receita do que por meio da arrematação.

Eu não quero o estado a fazer as arrematações; pretendo simplesmente que deixe os municipios cobrar o imposto, arrematando, ou não arrematando, conforme em cada localidade elles julgarem mais conveniente.

O nobre minislro da fazenda pareceu-me dizer, que a cobrança municipal não era mais suave nem menos vexatoria.

Na opinião de s. ex.ª a unica differença que fazia da cobrança directa por conta do estado era ninguem ter interesse em especular com os municipios, e por isso os queixumes não se ouviam, porque ninguem fazia arma politica nem promovia resistencias contra as instituições municipaes, ao passo que os partidos especulavam contra o governo.

Para mim isto não é inteiramente exacto.

No municipio, pelo facil e perfeito conhecimento dos factos, ha e póde haver muitos e diversos meios de evitar as fraudes e cobrar os direitos, sem os vexames a que os fiscaes do governo têem de recorrer.

Se, porém, fosse verdadeira a opinião do nobre ministro, ainda que a cobrança pelos municipios não tivesse senão a vantagem de evitar as especulações politicas, os queixumes, as provocações á resistencia popular, julgava eu que havia aqui já um motivo mais que sufficiente para preferir a cobrança municipal á cobrança por conta do estado.

Se quizerem deixar o imposto municipal, eu voto-o sem hesitar, e não só não discuto a importancia das taxas que este projecto não altera, mas presto-me facilmente á possibilidade do seu augmento, porque me presto sobretudo a deixar ao prudente arbitrio municipal, não só a escolha dos melhores meios de fiscalisação e cobrança, mas ainda a escolha e a classificação das diversas taxas que devem ser applicadas aos diversos generos em que recáe ou póde recaír o imposto do consumo. Se quero assegurar a receita do estado, não quero menos garantir a liberdade e a justa iniciativa dos municipios nas questões que reputo de interesso vital e de ordem publica nas diversas localidades.

E não se pense que na ordem de idéas, de que dimana a minha proposta e de que resultam as observações que tenho tido a honra de expor á camara, influem em mim considerações pessoaes ou politicas em relação ao governo actual.

Não, sr. presidente, não é esse o motivo que me determina. As idéas que tenho exposto ligam-se, ou antes, fazem parte do plano de um novo systema tributario, em que eu pensei pela primeira vez em epocha já distante, e que nunca esqueci, nem abandonei, esperando todavia occasião opportuna para o expor desenvolvidamente por escripto, com o fim de o submetter á apreciação das pessoas competentes. Se os diversos incidentes da vida, que muitas vezes obrigam a desviar, por longos annos, a attenção do objecto que a prendia, me não deixaram ainda desempenhar-me d'este proposito, nem por isso se modificou a idéa que eu formei da possibilidade de um novo systema tributario, que me parece de uma simplicidade verdadeiramente maravilhosa, de execução facil e segura, tão justo na distribuição como suave na cobrança, systema que me convenceu ou illudiu a ponto que o reputo unico proprio de um paiz verdadeiramente livre, que queira applicar e desenvolver, quanto possivel, os verdadeiros principios da descentralisação.

Sr. presidente, d'esse systema, de que eu não faço mysterio algum, de que já particularmente dei ao nobre ministro da fazenda e meu amigo, umas indicações ligeiras, mas sufficientes para s. ex.ª, com os seus grandes conhecimentos e profunda intelligencia, fazer a este respeito uma perfeita idéa do que eu pensava e desejava; d'esse systema eu julgo-me obrigado n'esta occasião a dar tambem noticia á camara, não porque pretenda para mim gloria ou louvor, mas simplesmente porque o meu desejo seria que a minha idéa, se fosse boa, podesse ser aproveitada, e posta em pratica com vantagem do paiz, fossem quaes fossem os homens ou a situação politica que primeiro a aproveitassem.

Eu, não tenho duvida de o confessar, cansei, depressa e já ha bastante tempo, de ler e de comprar systemas financeiros, apreciações e particularidades dos diversos impostos existentes em França e em outros paizes, que os escriptores francezes produzem e exportam como verdadeira mercadoria.

Em outro tempo comprava e lia, e n'essa epocha, pensando uma vez se seria possivel descobrir um verdadeiro principio para a distribuição igual e justa do imposto, e ao mesmo tempo os meios para a sua cobrança em condições de facilidade, ou pelo menos de não promover resistencias, pareceu-me encontrar, não nos livros francezes, mas na simples lição da historia romana e da historia portugueza, um meio que me pareceu seguro e infallivel para obter este resultado, logo que com algumas modificações se podesse tornal-o applieavel ao estado actual das sociedades modernas.

O systema consiste em aproveitar, como elemento do imposto, apenas a entidade municipio, considerando-o como unidade tributaria.

O estado, tomando todas as garantias para receber em epochas certas e prasos determinados as sommas com que cada municipio fosse tributado para as despezas geraes, deixaria aos municipios e á iniciativa local toda a ingerencia na distribuição e na cobrança e plena liberdade de escolher os melhores meios de obter a receita indispensavel.

Por este systema não ha a fazer mais do que designar em relação a cada municipio a quantia com que elle tem de contribuir para as despezas geraes do estado, determinando-lhe as epochas fixas do pagamento e deixando-lhe as facilidades indispensaveis para realisar os meios com que ha de fazer face a esse pagamento.

Para isso o municipio poderia fazer o lançamento e principiar a cobrança seis mezes antes de se vencer o praso para o pagamento da primeira prestação, e seria obrigado a pagar por duodecimos, entregando cada prestação no principio de cada mez.

Conhecida a quota que lhe fosse distribuida, o municipio encontraria nos impostos indirectos a primeira fonte de receita, e procuraria no imposto directo o meio de obter a somma necessaria para perfazer a differença até completar a somma com que tivesse de contribuir para as despezas da nação, para o districto e para fazer face aos encargos municipaes.

Como não escrevo um livro, e tenho de resumir-me á indicação que pretendo fazer, tratarei apenas do meio de obter no momento actual uma experiencia definitiva do systema que proponho.

E escusado é declarar a v. ex.ª e á camara que eu mesmo, estando convencido, como estou, da excellencia d'esta theoria, tendo até já ha muito tempo procurado indagar praticamente, com o concurso de pessoas habituadas a tratar das diversas distribuições dos impostos em cada localidade, se este systema é realisavel ou não é, e não lhe tendo eu, nem essas pessoas, encontrado difficuldades grandes, não tomaria sobre mim, nem aconselharia, a ninguem a substituição immediata e repentina do systema actual ou de qualquer outro systema que estivesse em pratica pela applicação imprudente de uma tentativa, para ser experimentada de novo e ao mesmo tempo em todo o paiz.

Mas, se alguma vantagem tem a theoria que apresento, a principal é a de se prestar facilmente a ser experimentada com toda a segurança e sem o menor inconveniente em um unico municipio. Por consequencia, em uma só circumscripção municipal podem todos convencer-se da exequibilidade do systema, e ver ao mesmo tempo se elle é ou não superior ao systema actualmente em vigor, ou a qualquer outro que se imagine.

Para isso era unicamente necessario saber se algum dos

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municipios d'este paiz se prestaria voluntariamente a pagar ao estado uma somma fixa, que o parlamento lhe arbitraria, pela media de todos os impostos geraes e de todos os rendimentos recebidos pelo estado em cinco, seis ou dez annos n'aquella localidade.

Por esta fórma, se um dos municipios do reino tivesse pago ao estado, pela media durante dez annos, uma somma de 44:000$000 ou 45:000$000 réis, o estado não arriscaria nada, perguntando a esse municipio se queria que fossem substituidos todos os impostos ali existentes pela obrigação, que assim contrahiria, de pagar ao estado réis 4:000$000 mensaes.

Eram mais 3:000$000 ou 4:000$000 réis que tinha a pagar; mas garantia-se-lhe por alguns annos esse imposto fixo, dispensava-se de todas as eventualidades, e aboliam-se todos os trabalhos, todos os vexames e todas as consequencias funestas que muitas vezes produzem as incriveis leis tributarias, que estão regendo este paiz, na verdade digno de melhor sorte.

Sem me referir ás execuções por tributos, que muitas vezes e só em custas representam mais que o imposto de muitos annos; sem me referir ás despezas e ao incommodo de continuas consultas aos homens de lei, que muitas vezes erram e involuntariamente illudem, sendo illudidos primeiro por uma legislação cahotica, absurda e contradictoria, eu deixo a v. ex.ª e á camara avaliar que imposto representa a nullidade de um contracto por falta ou insufficiencia de sêllo, pela omissão das formalidades de uma lei fiscal ignorada umas vezes, e mal entendida outras, pelos proprios funccionarios que intervem nos contratos. É d'esses impostos, que nada aproveitam ao estado e arruinam os contribuintes, que eu desejaria libertar o paiz para o livrar de uma calamidade publica.

No meu systema tudo isso desapparecia.

Se um municipio se prestasse pura e simplesmente a acceitar as quotas fixas em prasos certos, a primeira cousa era estipular a garantia para o estado receber as suas prestações, e n'esse ponto eu quereria o maximo rigor.

A lei havia de determinar, que todos os bens mobiliarios e immobiliarios, todos os valores, de qualquer ordem que fossem, existentes n'aquella circumscripção municipal, ficavam solidariamente responsaveis pelo pagamento integral das prestações impostas a essas circumscripções.

Depois de uma reforma que me parece indispensavel e urgente da nossa organisação judicial e do nosso ministerio publico, haveria em cada circumscripção um juiz verdadeiro membro de um poder independente, e um agente no ministerio publico, verdadeiro fiscal do poder central, sendo em cada uma d'essas localidades um verdadeiro representante da fiscalisação do governo, e de todos os direitos do estado, perante as diversas circumscripções municipaes.

Suppondo, o que dou como impossivel, que um municipio demorasse ou faltasse ao pagamento de uma das prestações, a que voluntariamente se tinha sujeitado, a fórma do processo seria unica e exclusivamente a apprehensão immediata dos valores ou bens existentes n'essa circumscripção designados pelo ministerio publico, e que fossem mais que sufficientes para garantir o pagamento ao estado da prestação em divida.

Com este recurso escusado me parece demonstrar, que não havia o menor risco para o poder central, emquanto á possibilidade de perder uma só prestação, e que não poderia de fórma alguma arriscar mais do que a demora, não de toda a contribuição ou quota distribuida no municipio, mas apenas de um duodecimo d'essa contribuição.

Resta saber como o municipio, depois de calcular o producto dos impostos indirectos, havia de proceder para cobrar a differença até completar a somma necessaria para o pagamento ao estado, para as suas despezas e para as despezas districtaes.

A que imposto directo havia o municipio de recorrer para obter as sommas que para isso lhe fossem indispensaveis?

O meio parece-me simples, e reduz-se unica e exclusivamente á avaliação do rendimento que possue cada um dos individuos que existem na sua circumscripção municipal. Para isso, feito o censo rigoroso da população, censo que cumpre-me dizel-o a v. ex.ª está feito em todo paiz simplesmente pelo registo ecclesiastico, feito o recenseamento per capita a operação era unica e simplesmente descrever, alem de cada individuo, o seu rendimento collectavel ou tributario.

O systema para avaliar o rendimento já nós o temos, posto que imperfeito e bem distante do que póde e deve ser, já o temos nos gremios para a contribuição industrial e nas juntas de repartidores para a contribuição predial.

Temos a base do systema, que é o mais justo, o mais seguro, o mais racional e o menos fallivel que se póde imaginar ou applicar em qualquer tempo.

Temos tambem o jury, que julga e decide de innocencia ou culpabilidade, que dispõe dos haveres e da liberdade dos seus vizinhos. E o que eu pretendo para decidir e julgar do rendimento individual, da capacidade tributaria de cada contribuinte.

Deixando ao municipio a dotação do culto e clero, interessando todos na vida municipal, o censo ha de ser rigorosissimo e ha de contar todos os individuos existentes na circumscripção municipal. O rendimento de cada um fixa-se facilmente. Creia v. ex.ª que se podem sonegar predios ás matrizes, occultar rendimentos das industrias e deixar em mysterio os lucuos do commercio; podem dar-se todas as difficuldades, que se verificam em relação á execução de todos os nossos impostos; o que ninguem póde sonegar, o que é mais facil e mais seguramente apreciavel, é o rendimento de cada individuo logo que esse rendimento tenha de ser avaliado pelo voto dos seus vizinhos que têem perfeito conhecimento das suas circumstancias, e que têem o maior interesse em verificar a sua exactidão.

Claro é que d’esta aprecciação do jury se havia de deixar recurso, mas esse recurso era unica e exclusivamente para o poder judicial, e pelo pagamento ou deposito nunca podia embaraçar de fórma alguma a cobrança nem a satisfação do imposto a que cada municipio estivesse obrigado.

N'estas condições, o lançamento da contribuição directa ficava unicamente reduzido a distribuir o concelho uma percentagem pelo rendimento collectavel dos differentes individuos.

Por esta occasião, eu direi a v. ex.ª e á camara que todos os individuos que têem algum conhecimento da vida pratica d'este paiz, podem n'um só momento apreciar a enorme massa de contribuintes que entrariam para este systema de contribuição.

Eu deixo a v. ex.ª e á camara apreciar outras circumstancias, igualmente importantes, porque eu não posso fazer a este respeito uma exposição demasiadamente minuciosa, nem isso é proprio do logar em que fallo, nem a occasião me parece opportuna.

Para conseguir a brevidade da exposição que me é indispensavel, eu reservo-me para responder a qualquer ponto que pareça obscuro logo que algum dos meus collegas ache impossibilidade ou difficuldade em executar o systema que estou expondo.

Por este meio o systoma de lançamento e de distribuição era facil e rapido. O municipio, auctorisado a cobrar a contribuição com sufficiente antecedencia para poder realisar a cobrança brevemente e a tempo de a entregar ao estado na epocha competente, procuraria os melhores e mais faceis meios de cobrança, mas nunca poderia dispensar-se de entregar com antecedencia a cada contribuinte a declaração do rendimento que lhe tinha sido attribuido pelos seus vizinhos, e da percentagem adoptada pelo municipio.

(Áparte.)

Eu sei perfeitamente que nenhuma nação tem este sys-

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tema, e tanto o sei que declarei este systema novo; mas o illustre deputado tambem ha de concordar, que nenhuma nação empregou ainda o systema que eu estou expondo á camara. Eu conheço varias theorias de imposto unico sobre o rendimento, e não foi preciso demorar-me muito na sua apreciação, para reconhecer que todas ellas são absolutamente irrealisaveis.

Mas, se por acaso Portugal, não por esta idéa ligeiramente indicada, mas por esta idéa devidamente aperfeiçoada e desenvolvida pelos nossos financeiros; se por acaso Portugal, por esta minha idéa devidamente aperfeiçoada pelos meus collegas e por todos aquelles que n'estes assumptos entendem mais do que eu, fosse a primeira nação que estabelecesse um systema verdadeiramente superior a todos os outros, e que paiz nenhum ainda tivesse conseguido descobrir, havia de ser isso para nós um motivo de receio ou de vergonha? Eu creio que deveria ser antes um motivo de gloria. (Apoiados.)

Como eu desejo dar uma rapida idéa da execução d'este systema, limito-me a dizer que cada individuo residente n'uma certa circumscripção territorial receberia, a tempo e a horas, muito antes da epocha em que deve fazer-se o primeiro pagamento, um documento, que é o proprio conhecimento do imposto, em que se declara o rendimento collectavel que lhe foi attribuido pelos seus vizinhos, a percentagem que se adoptou para ser tributado esse rendimento, a totalidade do imposto que tem a pagar durante um anno, e ao mesmo tempo a sua divisão em duodecimos, que tem a pagar ou póde pagar junto ou aos mezes e em dias certos e determinados.

Esse titulo, já dividido ou escripturado em relação a cada mez, é o documento proprio para que o contribuinte reclame, se quer reclamar, ou para que o guarde se quer sujeitar-se á contribuição que lhe foi distribuida.

Se por acaso reclama, o recurso é para o poder judicial; mas não póde interpol-o, como já disse, sem primeiro depositar ou pagar a collecta que lhe foi lançada.

Se quer pagar, o contribuinte póde pagar por duodecimos, ou por uma só vez, e quando pagar por junto fazem-se as deducções correspondentes ao abono do juro em relação ao tempo que elle antecipa.

N'este systema v. ex.ª ha de ver não só entrar para o numero dos collectados, ou para a qualidade de contribuintes, um grande numero de pessoas que actualmente lá não figuram (Apoiados.), mas encontra facilmente que entram para as contribuições do estado todos os valores que actualmente andam sonegados ou dispensados (Apoiados.), que todavia constituem rendimento de cada pessoa e de cada habitante d'este paiz.

V. ex.ª e a camara não ignoram que todos os financeiros, tanto nacionaes como estrangeiros, lutam com graves difficuldades em fazer a apreciação exacta de certos rendimentos.

Ás vezes proclama-se a impossibilidade absoluta de os reconhecer. Outros recorrem, como se faz em algumas nações do norte, a meios extremamente violentos, que n'este paiz difficilmente poderiam ter execução.

Nós sabemos, por exemplo, que em muitos paizes, para se apreciar devidamente o rendimento de cada casa commercial ou commerciante, o fisco tem o direito, no caso de suspeita, de lhe examinar violentamente toda a escripturação e dar-lhe o verdadeiro balanço.

Poder-se-ía applicar n'este paiz um systema parecido com este? Parece-me que é absolutamente impossivel.

Haverá algum dado ou meio para apreciar o rendimento exacto das casas commerciaes?

As nações mais adiantadas, e nações bem cultas, ainda applicam violentamente os meios que acabo de referir.

Todavia os visinhos avaliam bem, e com pequena differença, os lucros que produzem e que realisam cada casa de commercio ou cada estabelecimento commercial.

No meu systema os vizinhos apreciavam com inteira liberdade, não íam examinar nem as escripturações, nem os balanços, nem devassar os segredos de cada estabelecimento commercial. Depois de se lançarem as quotas, se o commerciante se conformava com o imposto que lhe tinha sido lançado, ninguem tinha que examinar; se elle se não conformava, reclamava, e ainda ninguem ía examinar. Apenas o ministerio publico, verdadeiro agente dos interesses sociaes, na sua resposta indicaria perante o juiz quaes são os meios de prova que um commerciante deve ter e tem a exhibir, para mostrar que lhe foram mal avaliados os lucros, e que foi indevidamente collectado.

Eu só direi, sr. presidente, que na maior parte do reino, apenas o ministerio publico respondesse, o commercio havia de desistir dos recursos, e viria sujeitar-se á quota.

D'este systema, que eu exponho, e no qual tenho, não só a confiança que resulta de um estudo profundo e da attenção que prestei a este assumpto, mas ainda a que provém de o ter sujeitado á apreciação de tres homens versados nos diversos meios e difficuldades de realisar em qualquer municipio todo o nosso complexo systema de contribuições, e que me responderam approvando-o e declarando-me que o desejavam para os municipios a que pertenciam; d'este systema, eu posso tomar e tomo a responsabilidade precisa para deixar aos meus collegas a mais perfeita liberdade de me fazerem objecções, compromettendo-me eu a responder-lhes, e talvez a convencel-os em todos os pontos em que se lhes offerecerem duvidas.

Eu não quero prolongar a discussão; direi apenas que n'este systema é indispensavel o imposto indirecto como imposto municipal. Para este imposto indirecto concorrem de certo na proporção das suas despezas aquelles que vivem á sua custa, e eu não os dispenso, nem desejo dispensal-os.

Se não me abalaram o espirito da primeira vez os receios do sr. Arrobas, quando nos apresentou os mendigos como contribuintes, tambem não conseguiram impressionar-me as reflexões muito sensatas e muito bem expostas que hontem apresentou n'esta casa o meu amigo, o sr. Custodio José Vieira.

Se me fallam em nome dos proletarios, como hontem fallou o sr. Custodio José Vieira, eu declaro a v. ex.ª que não conheço tal classe n'este paiz. Eu sei que existiu em Roma o proletariado, que era a classe pobre e miseravel, absolutamente dispensada do pagamento de impostos, e que n'aquelle tempo se tolerava ou estimava unicamente para que fizesse filhos e produzisse cidadãos. É isto o que nos ensina a historia romana. (Riso.) É isto mesmo, não ha a menor duvida.

Depois nas sociedades modernas habituaram-se a dar o nome de proletarios áquelles que vivem unica e exclusivamente do seu trabalho: a esta classe é que eu me refiro, e creio que é a ella que se queria referir o sr. Custodio José Vieira.

Pois este illustre deputado tem mais alguns annos de idade do que eu; e por isso não só tem mais sciencia, mas tambem mais experiencia, que o habilita a ter experimentado praticamente quem é que paga o imposto dos individuos que trabalham, mas que põem o preço aos seus serviços; quer o illustre deputado considere os trabalhos dos jornaleiros empregados nos trabalhos agricolas, quer os dos serviçaes e domesticos, quer os que se dedicam a quaesquer artes, officios ou profissões, compare o preço dos productos que calça, ou que veste, examine o custo de todas as cousas que não póde dispensar, e encontra ahi quem é que paga os diversos impostos indirectos, se é o chamado proletario que, quando trabalha, fixa o preço do seu trabalho e eleva o seu salario, ou se é quem é obrigado a pagar essa elevação de preço.

Estas subtilezas parecem bisantinas, e para o meu modo de pensar são inteiramente inuteis. Para mim, em qualquer sociedade civilisada, como direito superior a todos os outros, existe, da parte do estado, o direito de cobrar o imposto indispensavel para as despezas publicas; a este di-

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reito corresponde a obrigação indeclinavel e sagrada de todos os contribuintes concorrerem, segundo o seu rendimento, a pagar o imposto conforme o exijam os interesses e as necessidades da civilisação em que todos estamos interessados.

Eu fallo d'este modo, porque no nosso paiz muitas pessoas se escapam ao imposto, e eu não quero excepção de qualidade alguma.

Se eu quizesse procurar o proletariado n'este paiz, ou pretendesse descobrir uma classe que mais facilmente se approximasse das condições do proletariado, não encontraria outra mais approximada que a classe dos empregados publicos. (Apoiados.)

Os empregados publicos é que são os verdadeiros proletarios, porque, com ordenados fixos e invariaveis, têem de fazer face aos preços sempre crescentes, ás despezas, cada vez maiores, que a civilisação vae sempre exigindo.

Ora, se esses ordenados calculados para uma epocha de preços, inquestionavelmente mais baratos, têem de ser invariavelmente os mesmos quando os preços subiram, a receita não está de fórma alguma em harmonia com a despeza, e póde principiar a ver-se o inconveniente ou defeito que se dava no antigo proletariado. Eu conheço este mal, e desejo remedial-o.

Desejo que as funcções publicas sejam devidamente retribuidas, para que possam ser devidamente desempenhadas.

Se a classe dos empregados publicos se tem collocado e vae collocando em condições pessimas, sou obrigado a confessar que não tenho a esse respeito a menor culpa, e posso facilmente provar que a culpa é principalmente da propria classe, que tendo mais que nenhuma outra governado este paiz, só de si tem direito a queixar-se.

Esta classe é tão numerosa, que, se não se destina no futuro para ser o nosso unico e verdadeiro exercito, precisa de que se adoptem as medidas indispensaveis para a reduzir ás proporções com que ella póde existir em um paiz que tem as proporções do nosso.

V. ex.ª sabe que não posso ser interessado, nem posso manifestar o menor desejo de comprometter nenhum dos serviços publicos, indispensaveis á ordem e ao progresso social; pelo contrario, desejo-os todos nas melhores condições de serem bem desempenhados, e não tenho duvida em confessar que os ordenados e as retribuições actualmente existentes para todos os funccionarios publicos, e não exceptuo nenhum, são verdadeiramente inferiores, e não podem, sem grande difficuldade, subsistir por muito tempo.

Mas em relação a este ponto eu não prescindo de affirmar o direito que o paiz tem, em relação a cada serviço, de examinar e de decidir quantos são os empregados com que elle deve ser feito.

Igualmente, quando um empregado publico vem, coagido pelas difficuldades e ás vezes pela fome, pedir augmento de ordenado, eu não posso prescindir de affirmar o incontestavel direito que tem a sociedade de, a par do ordenado que esse empregado recebe, indagar quanto vale o serviço que elle faz, para assim estabelecer a retribuição que elle deve ter.

Entre nós, infelizmente, por este modo, muitas vezes se havia de reconhecer que o paiz, pagando mais alguma cousa ao empregado para que o emprego não existisse, fazia ainda assim uma verdadeira economia, e sobretudo realisava um verdadeiro melhoramento.

Vou concluir. Já disse que voto, como imposto municipal o imposto que se discute, ou como está ou ainda mais aggravado.

Escusado me pareço declarar que nunca recusarei ao estado os meios indispensaveis para equilibrar o orçamento e para fazer face a todas as despezas, a todos os melhoramentos exigidos pela civilisação.

Expuz ligeiramente a minha idéa, que se for boa eu abandono ou entrego completamente ao primeiro que a podér adoptar, deixando-lhe toda a gloria, se alguma d'ahi resultar: o que desejo é que a idéa seja aproveitavel e que produza excellentes resultados; se a idéa for má, o que só na experiencia se póde saber, e eu só pela experiencia insisto, restar-me-ha apenas a grande mágua de não ter tido uma idéa boa, excellente, para offerecer ao meu paiz e a todos aquelles que a podessem aproveitar e applicar.

Julgo ter demonstrado a minha disposição para o augmento de receita, e a camara de certo sabe, que eu estou de pleno accordo com o meu amigo, o sr. Dias Ferreira, na apreciação que s. ex.ª fez do deficit e das suas consequencias.

O que aquelle meu illustre amigo disse, muito melhor do que eu poderia ou saberia dizel-o, sinto-o eu igualmente, e tenho as mesmas disposições de não poupar esforços nem sacrificios para que cesse este estado irregular, que é a causa de graves difficuldades e que póde ser origem dos maiores perigos.

Illusões é que eu não quero por mais tempo. Declarei-o terminantemente ao ministerio transacto. Emprestimos que se pedem para saldar toda a divida fluctuante, e que depois de realisados a deixam ainda crescida e a medrar e desenvolver-se; impostos que devem equilibrar o orçamento, mas cujo producto não póde fazer face nem a metade do augmento de despeza de novo votada, e que assim só servem para pretexto de levantar novos supprimentos que hão de trazer ao orçamento maior desequilibrio, é systema com que mais não transito e a que protesto oppor todos os meus esforços.

Espero que o governo na proxima sessão proporá a receita indispensavel para o equilibrio do orçamento. E quando eu vir um ministerio, que, apresentando a esta casa o orçamento, e eu não peço que seja verdadeiro, póde até continuar a ser a reverendissima pêla, que tem sido a maior parte das vezes, apresente simultaneamente as regras de contabilidade, que sejam verdadeiras garantias e que estão applicadas e em exercicio em outros paizes, em virtude das quaes não póde ser auctorisado o pagamento de despeza alguma que exceda a verba consignada no orçamento; logo que se faça ao orçamento do governo o que se faz n'este paiz a todos os orçamentos dos municipios; logo que o tribunal de contas corresponda ao fim para que principalmente foi instituido, fim a que me referi, quando discuti essa e outras instituições com o ministerio anterior; logo que eu possa dar ao paiz a certeza de que o governo não dispõe nem de creditos extraordinarios, nem supplementares, nem complementares, e que se lhe não deixa, alem das verbas votadas no orçamento, nenhum outro recurso que não seja convocar extraordinariamente o parlamento para lhe votar um orçamento extraordinario ou supplementar creando devidamente a receita; logo que isto se faça, eu não hesito um momento, e voto como deputado e pago como contribuinte todos os impostos, embora seja um imposto de guerra, indispensaveis para que o deficit desappareça e não possa renascer.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Fazenda: - O illustre deputado, que acaba de fallar e de apresentar á camara as suas idéas sobre uma materia tão importante como aquella que actualmente se discute, mandou para a mesa uma proposta sobre o artigo que está actualmente em discussão. A commissão ha de aprecial-a, ella é muito digna de ser estudada e examinada. Eu direi sómente que esta proposta é uma descentralisação do imposto, e que no artigo que se discute se não ha o elemento que o illustre deputado indicou, ha já alguma cousa que se approxima um pouco d'isso; é a disposição em virtude da qual os municipios podem cobrar nas barreiras o seu imposto do consumo, pagando a parte correspondente da fiscalisação. Em todo o caso a proposta do illustre deputado faz parte das idéas e de um systema que s. ex.ª aqui nos descreveu a largos traços, e de que s. ex.ª já me tinha feito o obsequio de particularmente me expor

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uma parte. É um assumpto grave e que se não póde discutir n'este momento, e a respeito do qual eu peço licença para não dizer senão duas palavras — é o imposto directo unico distribuido e cobrado de um certo modo pelas camaras municipaes.

Mas o illustre deputado com o seu bom senso logo viu que era impossivel, por melhor que fosse o imposto, pol-o immediatamente em execução, e que só se podia ir executando pouco a pouco, fazendo a experiencia n'um concelho.

Direi mais ao illustre deputado uma das objecções que se póde oppor á execução da sua proposta é a que se oppõe a todos estes systemas novos, e oppõe-se com verdade, é a velha experiencia dos factos; é que todos os paizes em geral preferem um imposto, mesmo vexatorio e desigual, sendo antigo, a um imposto novo, embora mais suave e mais equitativo.

Isto não é motivo para que não se reformem os impostos, mas é necessario caminhar n'este terreno com a maxima prudencia. Ha já um principio na nossa legislação, que está em harmonia com as idéas do illustre deputado. É o que está estabelecido no imposto industrial na parte relativa aos gremios de profissão.

O illustre deputado sabe que em uma terra qualquer, em que ha um numero determinado de contribuintes pela mesma industria, elles têem de pagar uma somma igual de numero de taxas da classe a que pertencem; mas a distribuição é feita pelos visinhos, pelos pares, pelos industriaes da mesma profissão. Este principio é liberal e justo; é um principio que tem sido applaudido, que é irreprehensivel em theoria, e que deve dar bons resultados; mas infelizmente na pratica nem sempre os tem dado bons, e ha grandes queixumes contra injustiças commettidas por estes vizinhos, por estes pares, que apreciam o rendimento dos outros.

Mas isto é uma questão que não vem para agora.

O illustre deputado comprehende que nas nossas circumstancias o que nos convem é tratar d'este projecto que augmenta a receita publica, e que deve concorrer muito para nós continuarmos no caminho em que estamos empenhados, de aperfeiçoar os impostos existentes, procurando tirar d'elles a maxima receita que for possivel com o menor gravame dos contribuintes.

Emquanto á proposta do illustre deputado, depois d'ella apreciada pela commissão virá á discussão e será julgada pela camara.

Foi approvado o artigo 2° e enviada á commissão a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey. Foram approvados os artigos 3.° e 4.°

Artigo 5.°

O sr. Pinheiro Chagas: — Pergunto unicamente á illustre commissão de fazenda, porque este projecto não é claro em cousa alguma, o que querem dizer estes 12 por cento de que trata o artigo 5.° que estamos discutindo.

Este artigo 5.° diz o seguinte.

(Leu.)

Se estes 12 por cento são exclusivamente sobre o rendimento actual, parecia-me muito mais simples que se estabelecesse uma verba fixa, o que é facillimo, porque basta fazer a operação arithmetica.

Pergunto, pois, o que querem dizer estes 12 por cento, e se não seria melhor substituil-os por uma quantia fixa.

O sr. Teixeira: — O illustre deputado póde formular uma proposta a este respeito, para a commissão a apreciar convenientemente.

No entretanto o que posso desde já dizer ao illustre deputado, como explicação, é que o rendimento actual orça por 860:000$000 réis, e que a idéa da commissão ao escrever este artigo 5.° foi que os 12 por cento effectivamente fossem calculados sobre o rendimento actual, como está claramente indicado nas palavras que terminam o periodo.

É possivel que para o futuro, quando as circumstancias forem mais favoraveis, isto é, quando este imposto, por ter estado em pratica durante alguns annos, se torne menos difficil de cobrar, esta percentagem diminua, e estou convencido até de que deve diminuir, como tem acontecido n'outros paizes; mas actualmente estou convencido que é impossivel chegar qualquer percentagem inferior a esta, ou a somma correspondente 103:000$000 réis, o que é a mesma cousa.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 5.° seja substituido por outro em que se fixe a verba de 90:000$000 réis, que corresponde a 12 por cento da receita actual do real de agua para as despezas com o serviço especial d'esse imposto depois de modificado. = Manuel Pinheiro Chagas, deputado pela Covilhã.

Foi admittida.

O sr. Luciano de Castro: — Eu sinto que o sr. ministro da fazenda julgasse que as observações que fiz na sessão de hontem não mereciam alguma explicação da sua parte, sobretudo quando eu me apresentava n'esta camara sem nenhum proposito de hostilisar politicamente o governo, e fazendo apenas indicações que, a meu ver, deveriam ser consideradas pelo gabinete, ou para as approvar, ou para as rejeitar.

Não é de crer que o sr. Antonio de Serpa Pimentel, financeiro illustrado e homem de estado laboriosissimo, deixe de ter o seu plano de finanças combinado, organisado, e prompto para ser posto em execução.

E, quando eu vinha aqui fazer algumas considerações, que podiam dar-lhe o ensejo para expor esse plano, s. ex.ª não aproveita a opportunidade, esconde cuidadosamente as suas idéas, e nem sequer diz á camara se as minhas indicações são dignas de ser consideradas pelo governo e pela commissão de fazenda.

Pois as considerações que expuz na sessão de hontem tendiam a nada menos do que a chamar a attenção do governo e da commissão de fazenda para o estudo e applicação da legislação existente em materia de contribuições publicas; e a mostrar-lhes que s. ex.ªs têem meios de obter receita igual, senão superior, á que suppõem obter com a approvação da proposta que se discute, fazendo executar a legislação actual sobre o real de agua, e as outras leis sobre contribuições publicas. (Apoiados.)

N'essa occasião fiz a este proposito algumas considerações que me parece serem dignas, senão da approvação de s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, ao menos de que sobre ellas expozesse á camara o seu modo de pensar.

Poderia até o illustre ministro aproveitar o ensejo para levantar uma ponta do véu com que nos tem escondido sempre o maravilhoso segredo com que se propõe a salvar a fazenda publica.

Não pretendo obrigar o nobre ministro da fazenda, assim como tambem s. ex.ª me não póde obrigar a mim, a declarar o que entender não dever dizer; mas a verdade é que, depois do que eu expuz na ultima sessão, parece-me que tinha direito a esperar ouvir de s. ex.ª qual o modo por que apreciava a questão financeira sob o ponto de vista em que eu a apresentára á camara.

Em assumptos de tanta gravidade como este a todos nós assiste o direito de perguntar ao governo quaes são as suas idéas e projectos. (Apoiados.)

Ora o nobre ministro da fazenda esteve durante alguns annos administrando as finanças do paiz, e voltou ha pouco ao poder tendo apenas descansado nove mezes e meio d’essa longa e laboriosa tarefa.

Pois, apesar d'isso, veiu hontem dizer á camara que ainda não tinha tido tempo de estudar o seu plano financeiro. É notavel que, depois de decorrido tanto tempo, s. ex.ª venha fazer aqui tal declaração. (Apoiados.)

É com o projecto que está na tela da discussão, que o nobre ministro aproveitou do repositorio de propostas de lei

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que lhe foram legadas pelo seu antecessor, que s. ex.ª procura acudir ás urgencias do thesouro.

Não era, porventura, este o ensejo para s. ex.ª nos expor os meios de resolver as difficuldades financeiras em que ha de achar-se enleiado? (Apoiados.)

As observações que fiz na sessão de hontem davam margem a que o nobre ministro levantasse a toda a sua altura a questão de fazenda, e expozesse sem tergiversações qual o seu pensar relativamente ao assumpto para que eu convidava a sua attenção, mostrando assim ao paiz que era um estadista profundo, de largas vistas, de concepções giganteas, resolvido a emprehender de vez a solução do problema financeiro. (Apoiados.)

Mas s. ex.ª não fez isto. E eu, sem protestar contra o seu procedimento, tirarei, todavia, as consequencias que d'elle facilmente decorrem, e que vem a ser: que por agora ficâmos sabendo que as idéas financeiras do governo se reduzem ao projecto de real de agua, providencea aliás devida á iniciativa do seu antecessor. (Apoiados.)

Consinta agora v. ex.ª, sr. presidente, que eu dê ainda, algumas explicações relativamente ao que por mais de um illustre deputado foi dito a respeito da minha humilde pessoa, por eu ter declarado n'outra sessão que reservava para mim o pensamento, o systema, o processo emfim segundo o qual eu resolveria a questão do real de agua.

Creio que fui bem claro quando disse que votava o imposto sobre a venda por grosso e a retalho, assim como o tenho sido todas as vezes que fallei a este respeito; mas ao que me oppunha era a que fosse approvado o imposto de circulação, e o imposto cobrado á entrada das grandes povoações, isto é, o imposto de barreiras. Já se vê, portanto, que as minhas idéas estavam bem declaradas em frente do pensamento do governo. (Apoiados.)

O governo quer o imposto sobre a venda por grosso e por miudo, e quer alem d'isso o imposto da circulação e o das barreiras. Eu acceito apenas o primeiro d'estes impostos.

(Interrupção.)

Já disse na sessão de hontem que na legislação actual do real de agua havia a obrigação imposta ao comprador na venda por grosso de fazer os manifestos. (Apoiados.) Até li uma resolução de 7 de junho de 1778, que estabeleceu este preceito.

Acceitando este principio, não é preciso ser muito atilado para comprehender que na legislaçãe actual existem recursos bastantes para que a receita do real de agua produza o que deve produzir. (Apoiados.) Não preciso de ser mais explicito.

Mas queria o nobre ministro da fazenda que eu viesse aqui dizer qual o modo pratico como desenvolveria o meu pensamento? Responderei a s. ex.ª que não sou ministro. A minha missão perante a camara não é essa. (Apoiados.) Já disse francamente qual era a minha opinião a respeito do pensamento do governo. O nobre ministro não póde exigir mais de mim. (Apoiados.)

Essa é a missão do governo.

Ás opposições pertence mostrar os inconvenientes das propostas de lei, combatel-as racionalmente, empregar todos os meios de que póde usar; mas não têem obrigação de se substituir aos governos.

Cada situação governa com o seu pensamento politico ou economico. As opposições oppõem o seu pensamento ao do governo. O resto não lhes compete a ellas, mas aos governos, que têem obrigação de saber desenvolver as idéas politicas ou economicas, formuladas nas suas propostas. (Apoiados.)

É esta a rasão por que não me atrevo a desenvolver mais largamente o meu pensamento. E, com franqueza, digamme v. ex.ªs se a opposição oppozesse uma proposta clara, e definida á proposta apresentada, ou acceita pelo governo, não bastaria o vicio da origem para que o governo e a maioria a considerassem má? Esta é a verdade. (Apoiados.) E, por consequencia, o que lucrava eu em apresentar uma proposta que, só pelo facto de ser apresentada por mim, trazia na sua procedencia o peccado que a havia de condemnar a morrer no limbo das commissões? Já sei por experiencia o que tem acontecido em outras occasiões. O que lucraria eu, a maioria e o paiz com isso. O que se discute são as idéas do governo e não as minhas. (Apoiados.)

Permitta-me, portanto, a camara que eu me reduza a oppôr ás idéas propostas pelo governo os argumentos que considero mais proprios para as combater, e me limite a mostrar a sua inefficacia ou inutilidade.

Tambem o illustre deputado, o sr. Custodio José Vieira, estranhou hontem que a opposição fizesse questão politica dos assumptos de fazenda, e especialmente d'esta questão do real de agua. A opposição tem n'esta occasião mostrado a maior isenção e desassombro no encarar e apreciar os differentes artigos da proposta em discussão. Desde o primeiro dia que o illustre deputado e meu collega da opposição, o sr. Pinheiro Chagas, mais de uma vez, na sua phrase fluentissima, o tem affirmado á camara. E ainda hontem eu, pela minha parte, quasi esqueci o papel da opposição, e, voltando-me para as cadeiras do governo, lhe fiz indicações taes que mostrava o sincero proposito de cooperar com os srs. ministros na obra da regeneração financeira em que s. ex.ªs devem estar empenhados.

Se nós fizessemos opposição systematica aproveitariamos o ensejo para travar conflicto com o governo, para desenrolar aqui a nossa bandeira politica.

Não sabem v. ex.ª e o sr. ministro da fazenda, que é muito illustrado, que os assumptos financeiros são hoje aproveitados em todos os parlamentos, principalmente para levantar as grandes questões politicas? Pois não sabe v. ex.ª que na republica franceza ainda ha poucos dias foi a negação dos orçamentos a arma de que se serviu o partido republicano, para obrigar o presidente da republica a entrar nos limites da constituição? Não sabe v. ex.ª que uma questão economica, a questão da exploração dos caminhos de ferro do estado por conta das companhias, foi a que levantou ha pouco tempo uma profunda scisão na camara dos deputados italiana, e obrigou a recompor-se o ministerio Depretis?

Sabe-se que as questões economicas e financeiras são hoje quasi exclusivamente questões politicas importantes em todos os parlamentos, e nega-se-nos a nós, opposição parlamentar, o direito de fazer de uma questão de impostos, de uma questão de receita publica, uma questão politica! Qual é a questão politica que os illustres deputados querem que nós tratemos n'esta camara? Querem que venhamos levantar aqui questões pessoaes?! São essas as questões que s. ex.ªs chamam politicas?! Penso que á opposição não póde de nenhuma maneira estranhar-se e reprehender-se o seu procedimento, quando ella, no pleno uso do seu direito, vem fazer das questões economicas ou financeiras questões politicas; entretanto note-se que nós não levantámos questão politica, nem sequer fizemos a proposta de addiamento com que costumam romper os debates parlamentares, quando a elles anda mesclada a politica. (Apoiados.)

Tambem parece insinuar-se que eu tinha aqui alvitrado o expediente de aggravar a contribuição predial. Oh! sr. presidente, não tenho nunca receio de expor as minhas opiniões, e sobretudo em assumpto tão grave como este, quando é mister que toda a responsabilidade seja assumida por nós, pois que vamos em breve apresentar-nos aos nossos eleitores para sabermos se nos reconduzem ou não no exercicio do nosso mandato. (Apoiados.) Não tenho receio nenhum, sr. presidente; e abomino a escola politica que entende dever perpetuar-se no governo, adiando todas as questões importantes, fazendo a corte aos proprietarios, e deixando-lhes crer que podem evitar indefinidamente o pagamento dos encargos tributarios, que mais tarde ou mais cedo lhes hão de ser exigidos. (Apoiados.)

Sr. presidente, a franqueza é indispensavel em questões financeiras mais do que em quaesquer outras. Penso que a

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contribuição predial não póde subsistir como está. Detesto o systema de repartição. Acho-o improprio, porque começa por assentar em bases arbitrarias. Qual foi a base economica, logica, sensata e racional que determinou o actual contingente da contribuição predial? Foi a media dos cinco annos de producto da antiga decima? Mas nós sabemos perfeitamente que a antiga decima estava defraudada, pois que o rendimento collectavel era deficientissimo e não correspondia ao que realmente devia ser. Qual foi a rasão fundamental que determinou o legislador a fixar o contingente em 1:649 contos e não em 2:000 contos?

A contribuição predial deve ser de quota. Para isso é necessario melhorar as matrizes.

Ha quasi seis annos que o consulado regenerador tem as redeas do poder. Compõe-se o governo de homens intelligentes e illustradissimos, de economistas profundos e de experimentados estadistas; mas tem descurado por tal maneira o aperfeiçoamento e correcção das matrizes, que se vê hoje obrigado a crear o imposto das barreiras e de circulação para supprir a sua negligencia e o seu desmazello. (Apoiados.)

Não se diga, portanto, que venho propor o aggravamento da contribuição predial. Venho pedir ao governo que estude, antes de pedir o augmento das contribuições, quaes são os recursos que póde colher da legislação existente. Venho pedir-lhe, que empregue os meios precisos para reformar as matrizes prediaes, e que se prepare, para opportunamente operar a transformação da contribuição de repartição pela de quota, que sendo proporcional á materia collectavel, e acompanhando o natural e espontaneo desenvolvimento da riqueza publica, deve produzir em poucos annos uma enorme receita sem aggravacão, e até talvez com diminuição da taxa ou percentagem respectiva a cada contribuinte, concorrendo efficazmente para desaffogar o thesouro das actuaes difficuldades, e habilitando-nos para dispensar esses pobres e mesquinhos expedientes a que nos vemos obrigados a recorrer.

Eis aqui o que penso a respeito da contribuição predial.

Com relação á contribuição industrial, oh! sr. presidente, não sei o que hei de dizer. É quasi uma vergonha que este imposto esteja nas circumstancias em que se acha. É necessario operar ali uma grande reforma no sentido de desaggravar algumas taxas para aggravar outras. É necessario proceder a inqueritos, a estudos conscienciosos, tendo em consideração os trabalhos que se tem feito n'outros paizes. Lembro para isso a ultima lei de contribuição industrial hespanhola, e os trabalhos devidos á penna de um grande economista, que sinto não tenha hoje assento na camara franceza, mr. Mathieu Bodet, que elaborou em 1872 um magnifico relatorio sobre a contribuição das patentes.

Ahi, sr. presidente, ha principios luminosos, ha reformas profundas, que é necessario ter em vista quando se tratar de applicar, a um paiz pequeno, a experiencia do que lá fóra tem merecido a attenção dos homens competentes, ou produzido grandes resultados. (Apoiados.)

Na contribuição industrial, e na maior parte das nossas contribuições directas, é preciso principalmente attender á organisação das corporações encarregadas de fazer a repartição. (Apoiados.)

As juntas de repartidores influenciadas pelos agentes, politicos do governo, quasi sempre procedem, não em harmonia com os interesses do thesouro, mas em proveito dos interesses politicos d'esses agentes. (Apoiados.)

É preciso, sr. ministro da fazenda, pôr as juntas de repartidores de todas as contribuições directos fóra do alcance das paixões e dos interesses politicos. (Apoiados.) É preciso que os administradores de concelho não tenham interferencia n'essas juntas. (Apoiados.) Só d'este modo, separando a politica da administração da fazenda publica, conseguiremos ter boas e solidas finanças. (Apoiados.)

O que digo é que a contribuição industrial carece de profunda reforma, reforma que s. ex.ª foi o primeiro a reconhecer, quando antes de saír do ministerio nomeou uma commissão encarregada de rever a respectiva legislação, e de propor ao governo as alterações que julgasse mais convenientes sobre este assumpto. Mas que trabalhos, que resultados alcançou s. ex.ª da nomeação d'essa commissão? O que pensa s. ex.ª a respeito da reforma d'esta contribuição? Pois é com as ampliações do real de agua que se pretende reformar a nossa legislação tributaria e attender ás circumstancias especiaes do thesouro? Não póde ser! (Apoiados.)

É de querer que o governo tenha plano mais acabado, pensamento mais completo, idéas definidas e assentes. E é sobre esse ponto que estou pedindo explicações claras o inequivocas. (Apoiados.)

E se á camara parecer que estas reflexões não vem muito a proposito, dir-lhe-hei que a questão de fazenda se levanta naturalmente n'este projecto, porque se levanta sempre nos projectos de impostos. (Apoiados.)

Quando se trata de crear impostos, ahi surge logo a questão de fazenda, e é necessario que cada um tome a sua responsabilidade e diga claramente o que pensa e o que quer. (Apoiados.)

Eu podia fazer uma resenha das reformas que entendo necessarias em todas as outras contribuições publicas, porque todas carecem mais ou menos do que a illustrada intelligencia do nobre ministro da fazenda procure ali remedio para o mal de que o nosso thesouro publico soffre ha muito tempo, e em todas as contribuições actuaes podemos achar mais ou menos recursos para curar esse mal; não o farei agora para, não me desviar demasiado do assumpto que nos occupa; mas devo dizer a s. ex.ª, e n'isto acompanho em uma das suas idéas o meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey; devo dizer ao illustre ministro que todo o trabalho será perdido, toda a diligencia ficará esteril, se s. ex.ª não acompanhar os seus trabalhos sobre as contribuições de reformas consentaneas ao systema da nossa contabilidade publica; porque, emquanto os governos, emquanto os ministros poderem gastar sem limitação todas as verbas que figurarem no orçamento do estado, e até as que ali não figuram, sem fiscalisação parlamentar, digo a v. ex.ª e á camara que a boa gerencia dos dinheiras publicos ha de depender sempre da boa ou má indole dos ministros. (Apoiados.)

Se tivermos o infortunio de ter ministros dissipadores, a gerencia da fazenda publica, será má; se tivermos a fortuna de ter ministros escrupulosos na gerencia dos negocios publicos, na applicação dos dinheiros do estado, a gerencia da fazenda do estado será boa.

Já vê v. ex.ª que eu supponho que a chave de toda a nossa organisação financeira está n'uma boa organisação da contabilidade publica, e sobretudo na reorganisação do tribunal de contas, ao qual, a meu ver, devem ser dadas attribuições de fiscalisação sobre as despezas publicas, de modo que nenhuma despeza possa ser feita senão dentro das verbas auctorisadas pelo parlamento, e que seja nullo e sem effeito qualquer despacho que ordene a applicação dos dinheiros do estado a despezas illegaes. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu já tinha dito, não n'esta sessão, mas por outras vezes, que o projecto de reforma a que me quero referir, do tribunal de contas, não é innovação minha. Está praticada essa idéa na Belgica. Está praticada tambem na Italia. E se eu podesse pedir, em nome dos interesses publicos, algum favor, pediria a s. ex.ª que tivesse em consideração esta materia, que quizesse applicar os largos cabedaes da sua cultissima intelligencia ao assumpto para que estou requerendo a sua attenção; eu pediria a s. ex.ª que tivesse em vista os trabalhos luminosos de organisação da contabilidade a que tem procedido o governo italiano; porque ali, no regulamento do tribunal de contas, ha muito que aprender, e nos trabalhos a que recentemente se deu um dos mais illustres ministros das finanças d'aquelle estado para proceder a uma nova orga-

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nisação do tribunal de contas, separando-o do tribunal do thesouro, ha muito em que possa ser illustrada a iniciativa de um homem que disponha das faculdades e intelligencia do sr. Antonio de Serpa.

D'essas reformas fiaria eu alguma esperança. Da reforma da contabilidade publica, no sentido de que acabem todas essas ficções, que matam, por desgraça nossa, toda a idéa de reorganização financeira; de uma reforma do tribunal de contas, que nos desse em resultado uma fiscalisação severa das despezas publicas, de modo que nenhumas verbas podessem ser desviadas da applicação legal; d'essas reformas, digo, fiaria eu, na verdade, alguma esperança em relação ao futuro economico e financeiro do paiz; mas emquanto os ministros poderem gastar sem limitação, emquanto não houver nenhuma responsabilidade effectiva pelos desperdicios ou esbanjamentos dos governos, póde a camara votar os impostos que lhe aprouver, póde o paiz pagal-os o mais docilmente que lhe for possivel, que afianço a v. ex.ª que a nossa desordem financeira continuará do mesmo modo, que a nossa desorganisação tributaria ha de aggravar-se cada vez mais, e que nós nunca acharemos recursos para acudir ás urgencias e precisões do thesouro.

Comecemos, portanto, por onde devemos começar.

Alludindo agora a umas observações, e observações muito ponderosas, que fez o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, em uma das sessões passadas n'um luminosissimo discurso com que s. ex.ª illustrou a camara, peco licença para fazer minha uma d'ellas.

É aquella, em que s. ex.ª indicou que, para se fazer uma acertada o proficua reforma financeira, é necessario proceder harmonica e systematicamente, é necessario que todos os trabalhos do legislador se concatanem, se auxiliem e cooperem para o mesmo fim.

Assim seria indispensavel que a reforma administrativa não estivesse, na parte financeira, brigando abertamente com o projecto do sr. ministro da fazenda, que está em discussão; pois, emquanto o sr. ministro da fazenda declara no seu projecto que não podem ser exigidos manifestos ou declarações aos productores dos generos sujeitos ao imposto do real de agua senão quando os tenha em lojas ou logares de venda, a reforma administrativa exige esses manifestos mesmo fóra d'esses casos. (Apoiados.)

É necessario, como disse o sr. Dias Ferreira, que estas reformas obedeçam a um systema de governo pausadamente meditado.

De outra maneira arriscamo-nos a assistir a este triste espetaculo que nos está dando o sr. ministro do reino com um pensamento a respeito dos impostos municipaes inteiramente diverso do que sustenta e propõe o sr. ministro da fazenda sobre o real de agua.

Estas divergencias devem acabar. Eu peço a s. ex.ªs os srs. ministros do reino e da fazenda que combinem n'uma só idéa, para não obrigarem a camara a votar n'um dia n'um certo sentido e a votarem no outro n'um sentido que contraria completamente o seu voto do dia anterior. (Apoiados.)

Deixei correr largamente o pensamento por estas digressões economicas e financeiras, que talvez a camara não ache muito a proposito; mas que me não pareceram mal cabidas em vista do assumpto que se discute, que é um projecto de impostos.

Eu vou já pôr termo a estas divagações, fazendo uma proposta á illustre commissão a respeito do artigo que está em discussão.

Diz este artigo:

(Leu.)

Esta auctorisação para despender até 12 por cento, da importancia do rendimento actual do imposto, já o sr. Pinheiro Chagas, meu illustre amigo e collega, disse que era extremamente vaga; e creio que s. ex.ª se deu ao trabalho de fazer uma proposta a este respeito.

A minha pergunta é se, em virtude d'esta verba destinada para despezas de fiscalisação, fica o governo auctorisado a crear empregos publicos.

Essas attribuições quer-me parecer que tem pertencido, e pertencem ainda hoje, ao poder legislativo; mas póde o governo, em virtude d'esta auctorisação que lhe é dada para gastar 90:000$000 réis ou 100:000$000 réis, crear empregos publicos? Póde o governo nomear guardas fiscaes, passar-lhes diplomas; n'uma palavra, ir cobrir o paiz de um exercito de agentes encarregados de fiscalisarem a circulação e as barreiras para o effeito de se cobrar o real de agua?

O sr. Teixeira: — Se v. ex.ª me dá licença, dir-lhe-hei que a commissão de fazenda não teve a idéa de se crearem empregos publicos.

Por esta legislação, e pela legislação actual, poderão crear-se alguns guardas, alguns empregos de cathegoria muito inferior, mas nunca os empregos a que me parece que o illustre deputado se refere.

O Orador: — Vejo, pela declaração do illustre deputado, que o governo com esta auctorisação não quer crear empregos. Se assim é, eu faço já uma prophecia. E que a receita do real de agua, com que se contára, vae-se embora. Se se quizer fazer a cobrança d'elle, quer na circulação, quer na entrada das povoações, seria o rendimento pessoal da fiscalisação que actualmente ha.

O que eu digo tambem ao sr. ministro da fazenda é que o seu projecto se não executa.

Tenho a certeza de que as esperanças de s. ex.ª ficarão baldadas. Para mim é impossivel, absolutamente impossivel, sem augmento de pessoal, prover ás necessidades fiscaes, que vae crear o projecto em discussão.

Na proposta do sr. Antonio de Serpa, de 1873, sobre este assumpto, propunha-se, se me não engano, a creação de tres guardas fiscaes por concelho. Este creio que é o mesmo pensamento da actual proposta, mas não está claro.

Se s. ex.ª quizer tirar do imposto do real de agua o que suppõe, ou o que pretende, tem de acudir de algum modo ás necessidades da fiscalisação.

Não tenho mais nada que dizer por ora. No artigo immediato terei de pedir novamente a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda: — Se não respondi immediatamente ás observações feitas pelo illustre deputado na sessão passada não foi de certo por menos consideração para com o illustre deputado, cujos talentos eu respeito muito, assim como as suas intenções.

Mas as observações do illustre deputado eram de tal maneira genericas que eu podia responder-lhe n'um ou n'outro artigo, porque essas observações não diziam rigoromente respeito ao artigo em discussão.

Perguntára o illustre deputado se o governo entendia que na legislação actual não teria meios de tirar do imposto do real de agua uma somma maior do que aquella que se deve tirar pelo projecto que se discute. Esta pergunta era e é completamente ociosa; já o disse por tres ou quatro vezes, respondi sempre da mesma maneira.

Pois se eu julgasse que no systema actual eu tinha meios de cobrar uma maior somma d'este imposto, como poderia eu consentir em pela minha parte concorrer para que se apresentasse este projecto?

Está claro que se o projecto veiu á discussão, se se apresentou, é porque se entendeu que na legislação actual não ha meios sufficientes para cobrar d'este imposto tudo quanto póde render.

A legislação actual tributa a venda em grosso do mesmo modo que a venda a retalho. Mas que importa que tribute se em dois seculos e meio de existencia d'este imposto, ainda esta parte da lei, o imposto sobre a venda em grosso, se não tem podido pôr em execução?

O illustre deputado disse que o governo antes de lançar mão d'este projecto tinha outros meios para augmentar a receita publica, e citou a cobrança dos atrazados, os rece-

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bedores cuja quota se podia diminuir, citou as lotações, etc.

Eu posso dizer que a receita em atrazo é de 4.000:000$000 a 5.000:000$000 réis. D'esta importancia, talvez proximamente metade, ou 2.300:000$000 réis é receita completamente incobravel.

Do resto que nos fica, a maior parte é receita que se cobra no anno seguinte, isto é, que não estava cobrada no dia 30 do junho, ultimo dia do anno economico, mas que é cobrada nos mezes seguintes.

Ainda que fosse possivel cobrar esta receita mais cedo, não era d'este adiantamento de receita de alguns mezes que nós haviamos de tirar as receitas permanentes e indispensaveis para extinguir o deficit.

O resto representa os atrazos de cobrança desde o anno de 1834, e em relação a tão longo espaço de tempo não se póde dizer que a percentagem que está hoje por cobrar represente uma somma extraordinaria. O que figura por cobrar nas contas é a differença entre as liquidações e a cobrança. O imposto que proporcionalmente mais concorre para esta differença é a decima de juros, em que, segundo a legislação, se fazem liquidações de muitas dividas, que logo desde o momento que se escripturam se reputam incobraveis.

É claro que as lotações podem dar um certo augmento de imposto nos direitos de mercê; mas se estes direitos na sua totalidade apenas produzem cento e tantos contos, não creio que pela reforma das lotações o augmento da receita n'uma parte minima d'estes direitos viesse a produzir um augmento apreciavel. Isto não quer dizer que se não reformem as lotações, mas que d'este e de outros alvitres similhantes não póde provir uma receita avultada.

O illustre deputado, que foi membro de um governo que se achou em circumstancias difficeis, porventura entendeu n'essa occasião que devia recorrer a estes expedientes, que preconisa agora, antes de apresentar novos projectos de impostos? Não, e a prova é que apresentou grande numero de propostas importantes, para crear impostos novos e augmentar os existentes.

Sómente nós estaremos privados do direito de apresentar propostas para augmento de receita, quando esse augmento immediato é necessario, não só para occorrer ao deficit, mas ás despezas de melhoramentos publicos que acabámos de votar?

O illustre deputado referiu-se á contribuição predial, mostrando a sua opinião pela contribuição da quota.

Em these, tambem sou da opinião de s. ex.ª; mas esta questão é das mais graves que se discutem nos parlamentos.

O discurso que o illustre deputado acabou de proferir podia ter sido proferido ha seis annos em resposta ao sr. Thiers nas camaras francezas, depois do pagamento da contribuição de guerra, e quando a França se achava nas mais apuradas circumstancias. Havia lá tambem a contribuição de repartição, sendo, não digo tão desigual como entre nós, mas desigualissima, porque as queixas incessantes contra essa desigualdade duram ha mais de quarenta annos.

Apesar d'isso aquelle governo entendeu que não podia, dentro de um periodo curto, levar a igualdade, da contribuição, que é o que se pretende entre nós, pelo aperfeiçoamento das matrizes, a um ponto tal, que se podesse tirar d'aquella contribuição as sommas que podia dar.

O illustre deputado sabe muito bem que a somma que tira a França da sua contribuição predial não está em relação com o valor da propriedade, e por consequencia com o seu rendimento collectavel, como não está entre nós. Lá, apesar de ser um paiz em que a administração está mais perfeita, apesar dos longos estudos que se fizeram, apesar das sommas que se gastaram, entendeu-se ainda assim, que era impossivel reformar o systema de modo que o imposto se podesse tornar igual, apesar de se saber, que se isto fosse possivel, d'aquella proveniencia se podiam tirar sommas avultadissimas, sem exceder uma quota rasoavel de 10 por cento. E recorreu-se, como entre nós, ao augmento do imposto indirecto.

Direi ao illustre deputado que, se em these concordo em que o imposto de quota é preferivel ao imposto de repartição, não posso concordar com o projecto apresentado n'esta camara pelo gabinete passado. Por esse projecto augmentava-se a receita, é verdade, em perto de 600:000$000 réis, mas as desigualdades não só ficavam as mesmas, mas haviam de ser maiores. (Apoiados.)

Podia provar isto ao illustre deputado, mas não me parece agora a occasião mais opportuna, porque se não trata do imposto directo predial. Se se tratasse, provaria ao illustre deputado, á vista dos mappas a que s. ex.ª se referiu com a sua costumada benevolencia, e que mandei organisar em 1873, a maneira desigual como ficaria distribuido o imposto, mais desigual ainda do que o está pelo actual systema.

Havia eu de proporá camara que adoptasse um augmento de perto de 600:000$000 réis, sobre a propriedade directa, augmentando as desigualdades que existem actualmente? De modo algum.

O illustre deputado referiu-se tambem ao tabaco, como um recurso tributario. Alguma cousa se fez a este respeito, e espero que brevemente a camara se occupará d'este assumpto.

O tabaco cujo tributo não tem inconvenientes economicos em relação a outros, póde ser augmentado, mas não muito consideravelmente, porque o imposto já hoje é enorme.

Se se augmentar muito demasiadamente terá por concorrente o contrabando. Se não fosse o contrabando, em toda a parte essa fonte de receita teria augmentado, porque em toda a parte, financeiros e economistas, são implacaveis para com este genero de consumo.

Diz o illustre deputado, que não póde votar este projecto sem saber as idéas do governo, sobre o modo de resolver a questão financeira.

O modo é o mesmo por que se resolve em toda a parte, que é tratar de augmentar a receita publica para a igualar á despeza necessaria, sobretudo á despeza sempre crescente que vae sendo exigida pelas necessidades da civilisação.

Tenho dito muitas vezes, e este ponto é muito importante. Para resolver a questão financeira não basta, e seria sempre insufficiente, a operação material, deixe-me assim dizer, de augmentar a receita para a igualar á despeza, é essencial o desenvolvimento da riqueza publica (Apoiados.)

Pódem fazer-se os projectos que se quizer para diminuir a despeza, mas a despeza cresce todos os annos e em todos os paizes, e é inevitavel que cresça, porque as necessidades de civilisação augmentam todos os dias. Mesmo fazendo-se economias, e é bem que se façam, a despeza cresce, e para lhe fazer face não basta, e ás vezes mesmo nem é necessario, augmentar as taxas do imposto.

O remedio infallivel, o que faz crescer a receita em avultada escala é o desenvolvimento da riqueza publica pelo consideravel augmento da materia tributalve.

Os meios de que se ha de lançar mão, em todo o caso, são o desenvolvimento da riqueza publica, e é assim que nós temos saído das difficuldades financeiras graves em que nos temos encontrado, porque nós temo-nos visto em muito maiores difficuldades financeiras do que aquellas em que hoje nos achâmos.

Nós tivemos a cotação dos nossos fundos quasi por metade do que hoje está, e como saímos de um tal estado? Não foi só pela creação de novos impostos, foi pelo desenvolvimento da riqueza publica, fructo dos melhoramentos publicos, que fez augmentar as receitas dos impostos existentes muito alem do que o augmento que produziram os impostos creados de novo, ou augmentados na sua taxa. O systema do governo é tudo isto. (Apoiados.)

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Por consequencia não se diga, que as idéas do governo se reduzem a estabelecer uma melhor fiscalisação no real de agua: as idéas do governo são o desenvolvimento da viação, da instrucção publica, o alargamento dos caminhos de ferro, que são tambem um poderoso meio financeiro.

Os meios indirectos e os meios moraes, a paz e a segurança publica concorrem para o augmento das receitas. O resultado chega mais tarde, mas é muito maior do que o que ha de resultar dos impostos que votarmos.

Mas estes diversos meios completam-se.

Já hontem foi apresentado um projecto baseado sobre outro que estava na commissão de fazenda, e esta está-se occupando dos impostos de sêllo e de outros.

Entre os projectos que o governo encontrou apresentados pelo gabinete passado, escolheu aquelles que podiam trazer augmento de receita sem levantar resistencias, que são sempre perniciosas, e sem exacerbar os vexames.

Disse o illustre deputado, que o imposto industrial precisava de ser reformado, no que concordo, e não só este imposto, mas todos, porque não ha nada perfeito, e porque os melhoramentos se devem fazer successivamente; mas s. ex.ª, ao passo que fallou na necessidade de se reformar este imposto, desejou saber o que é que tinha resultado dos trabalhos de uma commissão que eu nomeára para este fim.

Eu não posso responder ácerca do que ella fez no tempo em que eu estive fóra do ministerio; mas se eu podér, com os trabalhos d'esta commissão ou de outra qualquer, apresentar uma reforma d'este imposto, de tal modo que elle fique mais justo e dê melhores resultados para o thesouro, de certo a apresentarei na sessão legislativa proxima.

Fallou o illustre deputado também na necessidade de se reformar o tribunal de contas.

Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que, segundo a minha opinião, o que precisa de reforma não é o tribunal de contas, mas a contabilidade dos ministerios e de todas as repartições subalternas.

Então, sem necessidade de ser reformado, o tribunal poderá desempenhar as altas funcções que lhe confere a legislação vigente.

Finalmente, o illustre deputado notou a contradicção que ha entre este projecto e o da reforma administrativa.

Peço licença para dizer a s. ex.ª que a contradicção não é como lhe parece, porque uma cousa são os impostos do governo e outra são os impostos municipaes.

Os corpos municipaes, pela sua origem e natureza, não encontram as resistencias, que póde encontrar o poder central, e é sempre bom evitar essas resistencias.

A administração municipal, sendo mais paternal e domestica, digamos assim, do que a administração central, podem-se-lhe conceder mais amplas faculdades.

Entendo que para a cobrança do real de agua não é necessario obrigar os proprietarios ás declarações, porque é um vexame, assim como para os vendedores a retalho, mas para o proprietario é ainda maior.

Entendo que para se poder cobrar o imposto do real de agua se podem evitar os vexames aos proprietarios.

Mas porque uma lei obriga a uma cousa, e outra lei obriga a outra cousa para casos e contribuições diversas, segue-se que haja contradicção?

Será contradicção que o governo não cobre os impostos por arrematação; emquanto que as camaras os cobram por esse meio, o que é, no meu entender, um pessimo systema? (Apoiados.)

Creio, portanto, que não ha inconveniente na votação do artigo 5.°, e as propostas dos illustres deputados hão de ser consideradas, e aqui de novo discutidas.

O artigo 5.° foi approvado.

Entrou em discussão o

Artigo 6.º

O sr. Luciano de Castro: — Diz o artigo que está em discussão. (Leu.)

Parece-me que n'este artigo ha uma disposição que destoa um pouco das deliberações parlamentares sobre este assumpto.

«Fica o governo auctorisado a decretar a epocha em que deve executar-se a lei».

Se o governo julga que é indispensavel ficar armado d'esta faculdade, não serei eu que me opponha a isso, mas parece me que seria melhor dizer que a lei se começará a executar desde que se publique o regulamento.

É possivel que o governo não possa fazer logo o regulamento, por carecer de esclarecimentos e informações; mas não me parece que fique adiada indefinidamente a execução da lei, ou que fique o governo armado da faculdade de poder adiar indefinidamente a execução da lei.

Não mando para a mesa proposta alguma, porque se entenderem que esta idéa é acceitavel, póde votar-se o artigo, salva a redacção; mas se entenderem que é necessario uma proposta não tenho duvida de a formular; mas não faço propostas para serem rejeitadas.

Espero a declaração do sr. relator da commissão.

Diz ainda o artigo.

(Leu.)

Não quero deixar passar este artigo sem que o governo fique auctorisado para prevenir uma lacuna da legislação existente, ácerca das apprehensões dos generos descaminhados.

Não ha na nossa legislação existente disposição alguma a esse respeito, que justifique a apprehensão dos generos descaminhados.

Parece-me que é esta a occasião do governo declarar se julga necessario que os agentes fiscaes possam apprehender os generos desencaminhados ao real de agua, e que fique prevenida esta hypothese, e habilitado o sr. ministro a decretar, no regulamento, a apprehensão.

N'esta parte sou mais ministerial que o sr. ministro da fazenda.

S. ex.ª, na sua proposta de 7 de janeiro de 1873, a que me tenho referido mais de uma vez, comprehendia no artigo 19.° esta disposição, quanto ás apprehensões.

Parecia-me conveniente que se prevenisse o caso de serem encontrados generos desencaminhados; ou que pelo menos o governo ficasse auctorisado a regular essa hypothese no regulamento.

N'uma palavra, pergunto se ha ou não apprehensões?

Outra pergunta que faço, é quem é que julga as apprehensões?

São as auctoridades fiscaes ou são as auctoridades judiciaes?

Era conveniente acautelar estas hypotheses.

Eu preferiria que tudo fosse declarado na lei; isto é, que as questões sobre penas e processos fossem declarados na lei.

Quero poupar difficuldades ao sr. ministro da fazenda, e quero, que quando tiver de fazer o regulamento, não se adie desarmado das indispensaveis faculdades legislativas, por modo que possa prevenir as differentes eventualidades que occorrerem na execução da lei, se chegar a executar-se.

(Leu.)

Sabe v. ex.ª quaes são as penas que vigoram?

Multas não ha no real de agua; á pena que a lei impõe, impropriamente se póde chamar multa. A multa, em geral, é uma pena pecuniaria, que está pela lei penal fixada na proporção do rendimento de cada individuo, entre o minimo de 100 réis e o maximo de 2$000 réis.

A pena estabelecida no regimento de 23 de janeiro de 1643 é o dobro da valia do objecto não manifestado.

Parecia-me que era muito mais conveniente que se po-

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zesse em harmonia as penas do real de agua, com as fixadas na legislação das alfandegas.

Na lei do imposto de consumo de 1867 estava incluido um artigo para o governo, em relação ao real de agua estabelecer as penas que existiam para a fiscalisação das alfandegas. Talvez fosse isto melhor.

No decreto n.º 7 de 6 de dezembro de 1864, que regulou os descaminhos e transgressões de regulamentos fiscaes, está preceituada uma pena para os descaminhos de direitos. Essa pena póde applicar-se ao real de agua. E direi a v. ex.ª, que depois da publicação do decreto de 12 de dezembro de 1873, e que é hoje o regulamento do real de agua, em muitas repartições publicas e em alguns tribunaes se entendeu que este decreto tinha revogado as disposições penaes do regimen de 1643.

Parece-me que era esta a occasião propria do governo declarar qual o seu pensamento a este respeito, e substituir, a meu ver, as penas estabelecidas no regimento de 1643 pelas do decreto de 6 de dezembro de 1864 em relação ás alfandegas.

Se v. ex.ªs não querem perturbar o andamento d'esta discussão com este incidente, eu presto-mo a fazer uma proposta e a mandal-a para a mesa.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre deputado, que me persuado de que na legislação vigente estão auctorisadas as apprehensões. Mas eu não sou jurisconsulto e desde já deixo essa questão ao illustre deputado e ás pessoas competentes.

A pena das apprehensões é muita dura, e não se deve executar senão em ultimo caso. Se o legislador estabeleceu essa disposição, o executor quando tratar de applicar a lei não deve usar do seu rigor senão em caso excepcional.

Emquanto ás multas não questionarei sobre o nome; mas o pagamento do dobro do genero occulto é já tão grande pena, que me parece que ahi ha margem sufficiente para se estabelecerem, com o nome de multas ou com outro nome, as necessarias precauções para evitar o descaminho; e como aquillo é apenas um limite, e o governo fica auctorisado a usar das faculdades que lhe dá a legislação actual, parece-me que ha bastante margem para estabelecer no regulamento penas ou multas menos graves do que a de perder o dobro do genero que não foi manifestado. Entretanto como o illustre deputado fez uma proposta, embora a não faça por escripto, está verbalmente apresentada, a commissão que ha de dar parecer sobre as propostas ha de dar o seu parecer sobre este ponto, e incluir alguma disposição que torne mais claro este artigo emquanto á parte que diz respeito ás multas e ás apprehensões.

O sr. Pinheiro Chagas: — Diz o § unico d'este artigo o seguinte:

«Não poderão ser exigidos manifestos e declarações dos productores dos generos sujeitos ao real de agua, excepto quando elles tiverem casas ou lojas de venda dos mesmos generos, os quaes ficarão sujeitos á legislação e regulamentos geraes.»

Este paragrapho parece-me que está em contradicção com o estabelecimento do direito de circulação.

O sr. ministro da fazenda declarou ainda agora que o imposto de circulação não podia existir sem guias; as guias baseiam-se nas declarações, e estas, por força, devem ser exigidas pelo governo ao productor, não só para os generos que vende, mas mesmo para os generos que reserva para seu consumo.

Desde o momento em que ha imposto de circulação, todo o vinho que circula ou ha de pagar impostos, ou ha de ficar isento, por alguma declaração expressa da lei, de pagar esse imposto.

Para isso é indispensavel a declaração.

A camara comprehende que o productor não fica com o vinho no lagar de maneira nenhuma; ou o manda para as suas adegas ou o manda para a venda; o que manda para a adega não paga imposto, e é preciso que esse vinho que recolhe para a adega vá acompanhado da resalva, do documento que mostre que não está sujeito ao imposto. A guia é a base da declaração do productor, e essa exigencia está em opposição com o imposto de circulação.

Eu desejava que o sr. relator da commissão, ou o sr. ministro, me explicassem qual era o methodo que é preciso adoptar para se conciliar este paragrapho com o imposto de circulação.

O sr. Ministro da Fazenda: — A declaração dos productores, emquanto aos generos que produzem, e a declaração nas guias, são cousas differentes.

Até aqui os productores não faziam declaração do que produziam.

Nas guias não se faz mais do que declarar a quantidade de genero que ellas acompanham. Isto parece-me que faz alguma differença. Uma prova é que em França, onde existe o imposto de circulação, e onde as guias declaram a quantidade de vinho que é transportado, não se exigem declarações ao productor.

Mesmo as declarações nas guias não são em geral feitas pelos productores, porque não são em regra os productores que mandam os vinhos, a não ser das adegas para os seus armazens, são os compradores. Em geral são os compradores que enchem as guias e que fazem as declarações.

O sr. Luciano de Castro: — Se v. ex.ª me dá licença, mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Isto é, salva a redacção. Parece-me que é o sufficiente para se perceber a minha idéa.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a commissão redija o artigo por modo que se declare se póde haver apprehensões, quem as ha de julgar, se as auctoridades fiscaes se as judiciaes, como se ha de dividir a importancia das multas, e que sejam applicadas as penas determinadas no decreto n.º 7 de 6 de dezembro de 1864. = José Luciano.

Foi admittida.

Foi approvado o artigo 6.°, e seguidamente os mais do projecto, sendo as propostas enviadas á commissão.

O sr. Sousa Lobo: — Peço licença a v. ex.ª para ler uma nota de interpellação, que é a seguinte. (Leu.)

Mando para a mesa esta nota de interpellação, e peço a v. ex.ª que lhe mande dar o devido destino.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

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