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SESSÃO DE 18 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios-os srs. José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada-49 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, A. A. Carneiro, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Villaça, Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, Veiga Barreira, Magalhães Aguiar, Eça e Costa, Montenegro, Barão da Ribeira de Pena, Abranches, B. F. da Costa, Carlos Bento, Conde de Thomar (Antonio), C. J. Freire, Palmeiro Pinto, Fernando de Mello, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Francisco Costa, Quintino de Macedo, H. de Barros Gomes, Noronha e Menezes, Gil, Vidigal, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Cortez, Nogueira Soares, J. Pinto de Magalhães, Teixeira Cardoso, Ferreira Galvão, Correia de Burros, Infante Passanha, Firmo Monteiro, Queiroz, J. M. Lobo d'Avila, José de Moraes, Oliveira Baptista, Nogueira, Silveira e Sousa, Luiz de Campos, Affonseca, Espergueira, M. A. de Seixas, Penha Fortuna, M. R. Valladas, Paes Villas Boas, Mathias de Carvalho, Visconde de Bruges, Visconde de Guedes.

Entraram durante a sessão - os srs. Adriano Pequito, Costa Simões, Guerreiro Junior, A. J. Pinto de Magalhães, Fontes, Sousa e Menezes, Saraiva de Carvalho, Barão da Trovisqueira, C. de Seixas, Ribeiro da Silva, F. F. Mello, Diogo de Sá, Pinto Bessa, Henrique de Macedo, Baima de Bastos, Corvo, Aragão Mascarenhas, Alves Matheus, Matos Correia, J. Thomás Lobo d'Avila, J. A. Maia, Sette, Dias Ferreira, Mello e Faro, Holbeche, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, L. A. Pimentel, Camara Leme, Fernando Coelho, R. V. Rodrigues, Caldeiros, Thomás Lobo, Visconde do Carregoso, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram - os srs. Braamcamp, Sá Nogueira, Sá Brandão, A. J. de Seixas, Antonio Pequito, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, B. J. Gorcez, Mártens Ferrão, Lemos e Napoles, José Luciano, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Daun e Lorena.

Abertura - Á uma hora da tarde.

Acta-Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

1.ª Da camarA municipal do concelho de Oliveira de AzemEis, pedindo que seja approvado o projecto de lei apresentado pelo sr. Alves Carneiro, para excluir do registo as servidões de prédios rústicos.

á commissão de legislação.

2.ª Da camara municipal de Penatiel, pedindo que seja approvado o projecto de lei, do sr. Alves Carneiro, relativo ao registo das servidões de predios rusticos.

Á mesma commissão.

Declaração

Declaro que assisti ás sessões dos dias 10 e 13 de maio de 1869.= Manuel Affonso de Espergueira.

Inteirada.

Notas de interpellação

1.ª Requeiro para tomar parte na interpellação do sr. Fernando de Mello sobre iustrucção publica, no que respeita ao lyceu de Vizeu. - Luiz de Campos.

2.ª Declaro que desejo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. Fernando de Mello ao sr. ministro do reino, acerca da reforma de instrucção publica. = Henrique de Macedo Pereira Coutinho.

3.ª Desejo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Fernando de Mello ao sr. ministro do reino, acerca da reforma da instrucção publica.

Sala das sessões, 18 de junho de 1869.= J. de Andrade Corvo, deputado por Soure.

Foram inscriptos.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto n.° 164 de 1864.

Sala das sessões, 17 de junho de 1869.= L. A. de Affonseca.

Foi admittido e enviado á commiisão respectiva.

O sr. Aguilar: - Participo a v. exa. e á camara que o sr. Mello e Faro foi nomeado por parte da commissão de vinhos como seu delegado junto á commissão de fazenda.

O sr. José Pedro Nogueira: - Participo a v. exa. que por motivo justificado não pude comparecer á sessão de hontem.

O sr. Visconde de Bruges: - Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Ferreira de Mello: - Mando para a mesa uma certidão pela qual o sr. F. L. Comes prova que por motivo de doença não tem comparecido ás sessões da camara.

Mandando este documento para a mesa, sinto que aquelle nosso illustre collega por taes motivos deixe de vir tomar parte nos nossos trabalhos.

O sr. Magalhães Aguiar: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Penafiel, pedindo a approvação do projecto apresentado pelo sr. Alves Carneiro, para serem isentos do registo as servidões de predios rusticos. Peço a v. exa. que o remetta á commissão respectiva.

O sr. Abranches: - Fui hontem interrompido por alguns dos meus collegas, quando muito positiva o categoricamente tinha declarado que não occuparia muito tempo á camara, porque o meu fim era apenas ler uma noticia publicada no Diario de noticias, a qual entendi que era de alta importancia, e que sobre ella devia chamar a attenção do governo, e especialmente do sr. ministro da justiça.

Depois d'aquella minha declaração, senti que alguns dos meus collegas, anciosos como estavam para que se entrasse na ordem do dia, não tivessem tido para commigo a benevolencia de me deixar ler o artigo que hoje hei de ler, muito principalmente quando em seguida, a requerimento do meu particular e antigo amigo o sr. conde de Thomar, concedeu a camara que v. exa. podesse fallar, logo que estivesse presente o sr. ministro da justiça. Não commento ente facto, aceito o como uma d'aquellas amabilidades que alguns dos meus collegas da maioria costumam dispensar aos deputados da opposição.

O artigo a que hontem me referi, e que peço aos srs. tachygraphos que tenham a bondade de tomar nota, diz o seguinte:

"Não funccionou hontem o tribunal da relação commercial por não poder concorrer á sessão o sr. conselheiro Gaspar Pereira da Silva. Não se daria, porém, tão grande inconveniente se o sr. ministro da justiça attendesse ao que se lhe tem representado sobre a indispensabilidwle de se prover o lugar de juiz, vago n'aquelle tribunal pela prematura morte do sr. conselheiro João de Sequeira Pinto, o que dá motivo a não se decidirem muitas causas, com grave prejuízo das pessoas n'ellas interessadas. Tambem no Porto a primeira instancia commercial não funcciona ha mezes por falta de juiz, e ahi são muitos e muitos mais os pleitos impedidos de por tal rasão seguirem seus termos. Pedimos pois, ao sr. ministro da justiça que resolva com urgencia este assumpto, cuja importancia todos reputam incontroversa."

(Havia susurro proximo do orador.)

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Sr. presidente, se v. exa. não fizer com que estes senhores tenham a bondade de me deixar fallar, mudo de logar.

Se entendem que d'esta maneira me desviam do proposito que tenho de tratar de alguns objectos, estão enganados, porque então hei de fallar mais de uma hora, porque me não faltam assumptos sobre os quaes possa emittir n'esta casa a minha opinião.

Desde o momento que vagou um logar na relação commercial de Lisboa, devia o governo ter tratado de o prover para que os processos não ficassem tão amontoados e as decisões paradas.

O commercio fica sempre prejudicado com a demora dos pleitos e em geral ninguem lucra com as causas paradas nos tribunaes quer seja nos eiveis quer nos commerciaes ou nos criminaes; e sobre isso logo direi mais alguma cousa.

Por consequencia, a falta que hoje se dá no tribunal do commercio de Lisboa póde sanar-se desde o momento em que s. exa. cumpra o seu dever, despachando um juiz para aquella relação, visto haver uma vacatura pelo fallecimento do sr. conselheiro Sequeira Pinto.

Agora, com relação á falta de juiz da 1.ª instancia, que se nota na relação do Porto, tenho a dizer que é devida a estar o juiz proprietário gosando da licença que lhe foi concedida. (Uma voz: - Está doente.)

Por consequencia o juiz não tem a menor culpa de não poder exercer as suas funcções; porque ha uma força maior que para isso o inhibe; porém os substitutos que por lei são chamados para funccionarem no impedimento d'este magistrado, é que se esquivam de cumprir os seus deveres, isto é, esquivam se de julgar as causas.

Ora, como entendo que nenhum juiz, quer seja proprietario quer substituto, se póde eximir a exercer as suas funcções, por isso chamo a attenção do governo para remediar este inconveniente.

Se os juizes substitutos não têem as habilitações necessárias para exercerem aquelles logares, então ha urgente necessidade de se reformar a lei que determina a maneira por que são substituidos os juizes.

E note v. exa. que eu já n'esta casa, por occasião de se discutir a auctorisação que foi concedida ao governo para fazer as reformas que decretou, tratei d'este objecto e mostrei que havia necessidade de se fazer algumas alterações na lei que regula a substituição dos juizes de direito.

É preciso, ou que o governo apresente uma proposta para regular a maneira por que os juizes devem ser substituídos de forma que o serviço não fique prejudicado, ou então que aceite qualquer proposta que se apresente por parte de algum deputado.

Sobre as causas de justiça, tenho idéas certas e determinadas que não teria duvida em traduzi-las em projectos de lei se tivesse a certeza de que elles não ficariam nas commissões, como geralmente acontece. Não é só n'estes dois tribunaes que se sente a falta da regular administração da justiça.

Esta falta tambem se da na capital, e agora mesmo nos districtos criminaes, aos juizes de uns districtos não podem substituir os dos outros pela fórma por que a lei determina, porque o serviço é grande em todos os districtos.

A substituição dos juízos de Lisboa, Porto e Madeira, como a camara sabe, era regulada pela novíssima reforma judiciaria e ultimamente pela lei de 18 de julho do 1855.

As disposições d'esta lei são bem conhecidas da camara, por isso não farei grandes reflexões sobre ellas, e sómente direi que, havendo em Lisboa e Porto, e sobretudo em Lisboa, um grande numero de processos crimes, difficilmente podem os juizes dar o devido andamento aos processos que pertencem aos seus districtos, e por isso é quasi impossível que elles possam substituir aos seus collegas nos seus impedimentos.

Entendo mesmo que tres districtos cm Lisboa não são sufficientes para que os juizes possam devidamente cumprir os seus deveres, e digo isso porque o juiz que tiver de assistir a todos os summarios e a outros actos, não tem tempo para julgar as policias correcionaes; nem para fazer as audiencias geraes.

A verdade do que digo seria patente a todos, se no Diario do governo se publicassem as estatísticas do serviço de todos os tribunaes judiciaes.

E permitta-me a camara que ainda lhe diga que os juizes criminaes em Lisboa tanto não podem devidamente substituir os seus collegas, que me parece que pela affluencia de serviço que ha em todos os districtos, já tem succedido pelo impedimento dos juizes proprietarios, o ficarem adiados os julgamentos de réus que ha bastante tempo se acham pronunciados.

Agora vou ler e mandar para a mesa duas propostas. Uma supponho que será bem recebida pela camara, porque está no animo de nós todos, segundo os princípios económicos que se apregoam, e tem por fim marcar as horas que devem durar as sessões da camara.

Não é possível que abrindo-se a sessão pouco antes da uma hora, dando a hora fatal se entre na ordem do dia, deixando os deputados de tratar dos assumptos para os quaes o nosso regimento, se fosse cumprido, marca o espaço de duas horas.

V. exa. quer, e quer muito bem, que á uma hora, se entre na ordem dia; porém o resultado d'isso é não haver tempo para se tratar dos objectos que o nosso regimento permitte que se tratem antes d'ella.

Pelo nosso regimento a sessão deve abrisse ás onze horas e encerrar-se ás quatro, e por consequencia devemos ter cinco horas de trabalho.

A minha proposta é a seguinte (leu).

Eu pretendo que cada sessão dure cinco horas, sendo a primeira destinada para os objectos que se tratam antes da ordem do dia, e roqueiro a discussão e votação da minha proposta que também vae assignada pelos meus collegas os srs. Correia de Barros e Luiz de Campos, e não tem nada de política, porque só eu sou deputado da opposição, os outros signatarios são da maioria.

Parece me que n'este ponto e em muitos outros gfttito^pe accordo tanto os deputados da maioria como os da opposição.

Entendo que a camara não póde deixar de aceitar esta proposta e votar a sua urgência, porque no caso de ser approvada, já temos a certeza de que ámanhã haverá cinco horas de sessão, tratando se na primeira hora dos objectos que se costumam tratar antes da ordem do dia.

Para a segunda proposta não peço a urgencia, mas desejava que o sr. ministro do reino dissesse alguma cousa sobre ella, visto ser o unico membro do governo que vejo presente.

A proposta é a seguinte (leu).

Disse eu n'uma das sessões passadas que depois da lei de 9 do setembro de 1868, que auctorisou o governo a decretar no pessoal e no material dos serviços publicos dependentes de todos os ministerios as simplificações e reducções compatíveis com os meninos serviços, tinha elle rigorosa obrigação de vir á camara pedir por meio de um projecto de lei ou por mais de um que sejam confirmarias as disposições decretadas desde 10 de setembro de 1868 até 26 de janeiro d'este anno.

Disse tambem que entendia, para credito do governo, que depois que aqui se distribuiu o volume que contém as providencias promulgadas era virtude da lei de 9 de setembro, que elle tinha cumprido o preceito que a lei lhe impunha, submettendo á apreciação da camara as medidas que não foram incluídas no bill de indemnidade; se o governo assim o entendo, então compete ás commissões dar os seus pareceres sobre cada um dos decretos para que possam ser aqui discutidos, fazendo-se n'elles as modificações que se julgarem convenientes; porém se o governo entende que ainda não cumpriu o preceito da lei de 9 de setembro de 1868,

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e que ainda deve apresentar os seus relatórios para serem apreciados conjunctamente com as medidas decretadas em virtude d'essa auctorisação, pedia ao governo que os apresentasse, mesmo porque, depois que foi lida a proposta de lei do sr. ministro da fazenda, conhecida por lei de meios, pode a camara estar pouco tempo aborta, ou pôde também prolongar-se por muito tempo a discussão do orçamento, deixando-se por isso de se discutir a maneira por que o governo usou da auctorisação que a camara lho deu. Careço por isso de uma resposta positiva, para poder saber se é o governo que está em falta, ou as commissões que deviam dar os seus pareceres.

Desejava que o sr. ministro do reino me dissesse se entende que o governo tem ou não necessidade de apresentar alguns relatorios com relação ás medidas que promulgou, em virtude da lei de 9 de setembro de 1868.

Depois da resposta do sr. ministro, peço a v. exa. que me conceda a palavra, porque a continuação das minhas reflexões depende da resposta do sr. ministro.

O sr. Ministro do Reino: - Acabe o illustre deputado de fallar, que eu farei as minhas observações, quando julgar conveniente.

O Orador: - N'esse caso aguardo a resposta de s. exa. o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: - Sendo o governo auctorisado pela camara para reformar os serviços, usou d'essa auctorisação do modo por que consta dos decretos já publicados; o por isso que o governo nenhum relatorio tem a apresentar á camara sobre o modo por que usou d'essa auctorisação.

Os decretos são hoje leis do estado, mas se algum sr. deputado quizer usar da sua iniciativa para os modificar e alterar, ou mesmo para accusar o governo, se porventura entender que excedeu os poderes que lhe foram dados, está no seu direito.

O que se não póde exigir do governo é que elle submetta á aprovação da camara todas as medidas promulgadas em virtude d'essa auctorisação.

Os decretos dictatoriaes devem ser submettidos ao exame parlamentar, e o governo já cumpriu esse dever, mas os publicados, em virtude da auctoridade da camara, não.

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Propomos que cada sessão dure cinco horas, sendo a primeira destinada para objectos que são tratados antes da ordem do dia.

Sala das sessões, 18 do junho de 1869. - O deputado pela ilha de S. Thomé, Fernando Francisco de Abrantes = Correia de Barros = Luiz de Campos.

Consultada a camara sobre a urgencia, foi approvada.

O sr. Camara Leme: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar ler as disposições regimentaes relativas ás sessões d'esta camara.

O sr. Presidente: - O regimento determina que se abram as sessões ás onze horas da manhã e se fechem ás quatro da tarde.

O sr. Pinto de Magalhães (Joaquim): - Voto contra a proposta em discussão, porque á mesa compete resolver este negocio.

O regimento diz que ás onze horas se devo abrir a sessão e encerrar se ás quatro; v. exa., pois, fazendo cumprir o regimento, creio que ficam satisfeitas as exigencias dos srs. deputados auctores da prosposta.

Querem porventura os srs. deputados, que mandaram a proposta para a mesa, usar da palmatoria para obrigarem todos os seus collegas a virem ás horas competentes?

O sr. José de Moraes no principio das sessões preparatorias sempre apresentava um requerimento para se cumprir o regimento, e infelizmente nunca se cumpre. Ha quinze annos que estou n'esta casa e tenho visto o sr. José de Moraes constantemente pedir o cumprimento do regimento n'esta parte, e não sei porque desgraça ou fatalidade elle não tem sido cumprido. Cumpra cada um de nós o seu dever; digam os auctores da moção aos seus collegas que venham ás onze horas, porque assim estão satisfeitos os seus desejos; mas adoptarmos uma proposta para depois não se cumprir, isso é que não acho decente nem proprio... (O sr. Luiz de Campos: - E o que acontece com o regimento.) Todos os annos se fez uma moção similhante e nunca se leva á execução; por consequencia é uma inutilidade a proposta. Recommende v. exa. a todos os membros da assembléa que venham ás onze horas, e teremos então cinco horas de trabalho.

O sr. Presidente: - Em resposta ao sr. deputado vão ler-se as disposições do regimento a este respeito.

Leram-se.

Aqui tem o sr. deputado como se têem cumprido e cumprem, quanto é possível, as disposições do regimento.

Fatigado de pedir aos srs. deputados que viessem ás onze horas, não o podendo conseguir, pude comtudo obter que a camara resolvesse que pozessemos de lado a primeira parte da ordem do dia, e passássemos immediatamente á segunda, se efectivamente se não podesse abrir a sessão á uma hora da tarde. E isto que se tem feito. Se o sr. deputado sabe de outro meio, que não teve a bondade de indicar, de compellir os srs. deputados, e talvez s. exa. mesmo, a virem mais cedo, eu da melhor vontade o aceitarei. O que posso fazer é solicitar, pedir e convidar. Tenho solicitado, pedido e convidado; e posso dizer, porque me parece que se não levará isso em má conta, que ás onze horas estou sempre aqui (apoiadosu geraes), mas não posso abrir a sessão emquanto não ha numero legal.

O sr. Ministro das Obra Publicas (Calheiros e Menezes): - Declaro-me habilitado para responder ás interpellações que me dirigiram alguns srs. deputados, até ao dia 28 de maio.

O sr. José de Moraes: - Pedi a palavra sobre este incidente para emittir a minha opinião, que já é velha n'esta casa.

A proposta que o illustre deputado mandou para a mesa é identica a muitas que m têem feito n'esta camara, e das quaes nunca se tirou resultado algum. Desde que sou deputado tenho votado sempre contra similhantes propostas e continuo a votar do mesmo modo.

V. exa. sabe que eu estou aqui sempre á abertura da sessão; hoje eram onze horas e meia quando entrei n'esta casa e só cá estava v. exa.

Agora quer o illustre deputado que qualquer que seja a hora a que se abra a sessão, haja sempre cinco horas de trabalho; isto é, quer o illustre deputado, sendo juiz de direito, que seja castigado aquelle que cumpre com o seu dever, quando s. exa. sabe, porque estudou direito criminal na universidade de Coimbra, assim como eu estudei, as penas não se impõem senão a quem commette crime.

Eu declaro a v. exa. e declaro á amarra que hei de estar presente á hora que o regimento marca para se abrir a sessão, mas todas as vezes que se prorogar a sessão para alem da hora que marca o regimento retiro-me, e votarei contra todas as propostas n'esse sentido.

Em todas as legislaturas os srs. deputados têem pedido por algumas vezes prorogação das ssessões, um sr. deputado que fazia taes requerimentos era o primeiro que se retirava da sala antes da hora da prorogação. Cumpre cada um o seu dever que ha muito tempo para discutir.

Se o illustre deputado quer que a sessão dure cinco horas, que comece ás dez ou doze, e que haja uma hora fixa para ella se fechar entendo, mas impor uma pena, repito, áquelles que se apresentam a horas não aceito.

O sr. Abranches: - Ouvi com toda a attenção os meus illustres collegas o sr. Joaquim Pinto do Magalhães e José de Moraes.

O regimento quando determinou que as sessões se abrissem ás onze horas, e que a ordem do dia começasse á uma hora, dava duas horas para nós tratarmos dos assumptos que se devem tratar antes da ordem do dia.

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Vejo que v. exa. cumprindo o artigo 28.° do regimento se tem visto na impossibilidade de cumprir o artigo 25.°, porque não tem podido abrir a sessão ás onze horas, e entramos sempre na ordem dia sem que os deputados tenham tempo para poderem tratar de alguns assumptos importantes.

Ha dois meios para que as sessões se abram ás onze horas. O primeiro é virem os srs. ministros a horas, porque se n'aquellas cadeiras se sentasse qualquer dos srs. ministros, os deputados estariam aqui a essa hora para fazerem as perguntas que entenderem. Mas como os srs. ministros não vem senão quasi á uma hora, e unicamente para se tratar dos assumptos da ordem do dia, os deputados também vem só a esta hora. O outro meio, era que os deputados viessem mais cedo á camara.

Ora, como todos nós temos deveres a cumprir, entendo que desde o momento em que se estabelecesse que as sessões durariam cinco horas, nós que sabíamos que os srs. ministros vinham tarde, appareciamos mais tarde, empregávamos nos assumptos proprios a primeira hora antes da ordem do dia, e em logar de três horas tínhamos quatro para a ordem do dia.

Por consequência a minha proposta que está assignada por dois collegas, está no espirito do regimento, porquanto elle marca cinco horas de sessão, como marca a minha proposta; e os meus collegas que toem desejo de trabalhar não podem deixar de approvar, e quer esteja presente o governo quer não, nós trataremos d'aquelles negocios de que tivermos urgência de tratar. Já que estou com a palavra, não posso deixar de declarar que apoiei o sr. ministro do reino quando disse que o governo já tinha cumprido o seu dever, apresentando as medidas...

Vozes: - Está fóra da ordem.

O sr. Presidente: - Advirto o sr. deputado que o que está em discussão é a sua proposta.

O Orador: - Se é só isso, peço a v. exa. que me dê a palavra n'outra occasião, porque preciso responder ao sr. ministro, e pedir ás commissões que cumpram o seu dever, visto ter declarado o governo que as medidas decretadas eram já do domínio da camara.

O sr. Barros (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga este incidente sufficientemente discutido, e se quer passar á ordem do dia (apoiados).

Consultada a camara, julgou a materia discutida, e em seguida foi rejeitado o requerimento.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do artigo 4.º do projecto de lei n.° 9 na especialidade

O sr. Bandeira de Mello: - Hontem apenas tive tempo para formular a minha questão previa, que deve estar sobre a mesa.

Se bem me recordo propus á camara a seguinte questão previa: se da approvação do bill de indemnidade tinha resultado implicitamente a approvação de concessão feita á companhia do caminho de ferro de sueste constante do decreto de 10 do março.

Fui levado a apresentar esta questão previa, porque já n'esta casa um nobre deputado tinha dito o seguinte:

"Mas esse decreto, polo facto de ser approvado o bill de indemnidade, ficou convertido em lei, e hoje é esse pagamento uma obrigação que pesa sobre o governo (apoiados). Portanto a questão não póde hoje versar sobre a approvação ou rejeição d'aquella medida, mas sim unicamente sobre a forma de pagamento."

N'outra parte do discurso do mesmo sr. deputado acha-se a mesma idéa e os mesmos apoiados. Por consequência entendi, que havendo n'esta casa alguns membros da camara que julgavam que a discussão d'este assumpto devia ser muita restricta, que havendo esta opinião na camara, manifestada já por um illustre deputado que foi o sr. Lobo d'Avila, e por mais alguns que o apoiaram, e sem ter sido contestada, e podendo fora d'esta casa ser mal interpretada a discussão larga que póde e deve ter este artigo, julgando-a como tempo perdido, e portanto, suppondo ser verdadeira esta opinião de que nos devemos limitar unicamente á discussão conforme a propunha o sr. deputado, e tido concordando com esta opinião, entendi que devia, primeiro que tudo, apresentar esta questão previa para que ficasse bem claro de que nós, indo tratar da discussão d'este artigo, não estamos a inutilisar tempo, antes, pelo contrario, vamos consumi-lo n'uma discussão importante em que é preciso que seja elucidada e esclarecida a opinião publica, que em parte anda um pouco, segundo entendo, arredada do seu verdadeiro caminho.

Para confirmar a minha opinião de que o sr. Lobo de Avila não tinha fundamento para a sua asserção, basta recordar á camara que o decreto de 10 de março não é um decreto dictatorial.

Este decreto tem duas partes distinctas. Uma, aquella, pela qual o governo tomou conta do caminho de ferro dentro do uso das suas attribuições, como poder executivo. A segunda, uma promessa feita á companhia de trazer uma proposta ás côrtes para ser concedida á companhia a indemnisação de 2.376:000$000 réis. Esta promessa também estava o governo no seu direito de a fazer, sem exorbitar das suas attribuições. Se o decreto veiu na relação dos decretos dictatoriaes, entendo que veiu mal. E só no bill se teve em vista uma absolvição ao governo pelo abuso de poder, não podia applicar se a este decreto. Se a absolvição é pelo governo ter feito aquella promessa, essa absolvição não era precisa; porque o governo não tinha exorbitado se n'aquella promessa o governo tivesse exorbitado, a approvação do bill de indemnidade significava a absolvição de ter feito a promessa, mas não a approvação da economia promettida (apoiados).

Estes são os fundamentos por que entendo que nós, discutindo o artigo 4.° e tratando de conhecer da auctorisacão que n'elle se pede, estamos no caminho que devemos seguir e em que eu vou entrar.

Sr. presidente, se ha artigo no projecto que está em discussão que eu voto sem reluctancia e até mesmo com satisfação, é o artigo 4.° O artigo 4.° vem resolver uma questão importante, pela unica maneira por que eu entendi sempre que devia ser resolvida. Entimaria mais que esta proposta não viesse incluída n'este projecto de emprestimo, porque eu separo completamente a questão do emprestimo da questão ao caminho de ferro, e avalio-a exactamente n'este campo (apoiados).

Tenho necessidade de dar explicação do meu voto de approvoção a este artigo, por quanto, tendo feito parte da legislatura passada, tendo rejeitado dois accordos que n'esta casa sobre esta questão se apresentaram, e tendo-se aventado a idéa de que os que tinham rejeitado aquelles accordos passavam agora pelas forças caudinas, approvando um presente que se ia fazer á companhia do caminho de ferro de sueste, eu quero protestar contra a palavra presente e mostrar que sou coherente tendo rejeitado aquelles dois accordos e approvado esta concessão (apoiados).

Eu creio que a maior parte do paiz nunca entendeu que se devia sequestrar o caminho. Condemno todos os confiscos c por consequência não podia também deixar de condemnar o confisco do caminho de ferro de sueste.

O confisco que, como aqui já se disse, não representa mais do que o principio de que nos locupletâmos com o trabalho alheio, só póde defender-se, sr. presidente, á luz do direito; mas se o rigor do direito justifica essa medida, eu declaro a v. exa. que me insurjo contra essa crueldade do direito, e que não posso approvar um principio que não é nada mais nem nada menos do que a pena de morte applicada aos capitães e ao trabalho.

Esta questão emquanto a mim tem andado um pouco fóra do campo em que devia ser tratada. Ha aqui uma grande confusão nos nomes que se dão ás diversas cousas e pessoas.

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Em geral toda a animosidade que ha da parte d'aquelles que defendem a idéa de se não dar nada á companhia, toda a animosidade é contra a companhia, mas é preciso distinguir a entidade companhia, a entidade accionista e a entidade credores d'esta companhia.

A companhia não tem direito a favor nenhum, a companhia está fora da discussão. A companhia não recebe nada, não são os accionistas da companhia que recebem. A companhia não recebe favor nenhum com esta concessão. A concessão é feita unicamente a benficio dos credores da companhia. A companhia entra aqui como intermediaria, como a entidade com que o governo não pode deixar de tratar, porque é ella que fez o contrato. A companhia não é senão para servir de vehiculo para os capitães entrarem no bolso dos credores.

A rasão por que eu rejeitei o accordo feito pelo governo de que fez parte o sr. Corvo, e a rasão por que esse accordo fui mal recebido pelo publico, não foi por estabelecer o principio da equidade, e de cortar as relações com uma companhia fallída; pelo contrario, eu approvei plenamente o principio seguido pelo governo de que o sr. Corvo fez parte: o que não approvava, nem podia approvar, era a largueza da concessão (apoiados).

S. exa, o sr. Corvo, fatiando aqui sobre este objecto, disse o seguinte:

"Para esse fim o governo encarregou um engenheiro que durante muitos annos tinha estado á frente, por parte do governo, da fiscalização d'aquelle caminho, e que até tinha gerido a exploração da linha durante o tempo em que o estado estava de posse d'ella, encarregou esse engenheiro, digo, de fazer o inventario do caminho de ferro de sueste. Procedeu se ao inventario, e d'ahi resultou um laudo assignado pelo engenheiro do governo e pelo delegado da companhia. Um ministro que tem confiança nos seus empregados, e eu tinha a e tenho-a plena no engenheiro que foi, por parte do governo, fazer aquella avaliação, não póde conhecer o valor de uma obra senão pelo que lhe dizem esses funccionarios."

Eu tomo a liberdade, respeitando muito a liberdade de v. exa. de divergir um pouco da sua opinião a este respeito.

Eu tambem tenho plena confiança no engenheiro que o sr. Corvo encarregou d'este trabalho, todos têem confiança n'elle, porque é um caracter honrado e um engenheiro distincto (apoiados). O sr. Sebastião do Canto disse por essa
occasião que não podia fazer uma avaliação como devia ser feita, em consequencia do pouco tempo (apoiados) e por ser elle só o encarregado d'esse trabalho.

O sr. Sebastião do Canto tanto reconheceu isso que, quando teve a seu cargo a pasta do ministerio das obras publicas, encarregou outro distincto engenheiro, o sr. Boaventura José Vieira, de fazer uma analyse a esse inventario e da analyse a esse inventario resultou que a concessão feita pelo sr. Corvo, excedia aquella que devia ser feita, segundo os dados que tomou o sr. Vieira, 2.000:000$000 réis proximamente.

Ora, o sr. Corvo era engenheiro e sem ser engenheiro, é uma illustração d'este paiz (apoiados); e não era preciso se-lo para conhecer logo, vendo o inventario apresentado pela companhia e aceito pelo engenheiro do governo, que era uma base impossível para uma concessão de equidade (apoiados).

Eu tomo a liberdade de ler á cambra um periodo da analyse ao inventario feito pelo sr. Boaventura José Vieira. Diz esse periodo:

"Está feito o inventario de modo que parece que foi o governo que faltou ás obrigações que tinha para com a companhia, e que por isso são justas todas as reclamações por parte d'esta. O contrario d'isso foi o que aconteceu; a companhia perdeu o direito ao caminho de ferro, que só por equidade da parte do governo podia readquirir, mas sem que jamais se invertessem as posições de passar o réu a ser auctor. É o que parece pelo ajuste final das contas."

Ha aqui n'este modo de dizer, n'estas vantagens todas de um lado, alguma paridade com o que, por parte da opposição, se tem dito relativamente ao contrato ou empréstimo Goschen.

O sr. Boaventura José Vieira, avaliando o caminho de ferro de sueste, e expondo as dificuldades que encontrou para chegar á approximação rasoavel do valor d'esse ca minho, diz o seguinte:

"Não é de certo este o systema a seguir para realisar a compra de um caminho de ferro por um valor approximado no acto do contrato, porque o comprador seria por este systema muito prejudicado, e só forçado poderia fazer similhante compra.
Para chegar a uma avaliação mais approximada possível, dever-se-ia detidamente e com bastante pessoal proceder a medições sobre as obras, etc. Só d'esta maneira poderia apparecer um comprador que não fosse o governo."

Mas, sr. presidente, â avaliação feita pelo engenheiro da companhia e aceita pelo sr. Sebastião do Canto é que serviu de base á licitação, quando em virtude da rescisão do contrato os caminhos tiveram de ir á praça; e eu peço a attenção da camara sobre este ponto, porque me parece grave (apoiados).

No artigo 11.° do contrato de 14 de outubro, determinou-se o seguinte:

"Se nos termos dos contratos de 29 de maio de 1860 e 23 de maio de 1864, e por applicação das penas n'elles mencionadas, os mesmos contratos forem rescindidos, serão devidamente avaliadas as linhas que fazem objecto d'esses contratos, e adjudicadas em hasta publica com todas as suas clausulas e condições á empreza que offerecer propostas mais vantajosas. Os credores da companhia exercerão os seus direitos sobre o producto da adjudicação, e o governo, se for credor, será equiparado aos credores mais privilegiados da mesma companhia."

E ha outro artigo em que ao estipula que no caso de não apparecerem concorrentes, o governo toma conta dos caminhos sem indemnisação alguma para com a companhia. Mas o caso de não apparecerem concorrentes foi o caso que se deu. E eu pergunto: devendo o governo mandar fazer a avaliação das linhas como mandou, e sendo postas em praça e não apparecendo concorrentes, não haveria culpa do governo n'essa falta de concorrencia, e não seriam por esse modo prejudicados os interesses dos credores da companhia? (Apoiados.)

Segundo a avaliação feita era impossível apparecerem concorrentes. N'uma arrematação em que se avaliavam todas as despezas que a companhia devia ter feito, e as que fez em consequencia de uma má administração, elevando-se isto a uma somma consideravel, como havia de haver concorrencia? (Apoiados.)

Mas, se, se fizesse então o que se devia ter feito, e que o actual governo fez, mandando-se proceder a uma avaliação rigorosa dos caminhos de ferro; se então se adoptasse para base da licitação o preço em que foram agora avaliados os caminhos, quem nos diz a nós que não appareceriam concorrentes? (Apoiados.)

Eu acho isto um ponto grave, e parece me que não ha só equidade em fazer esta concessão á companhia, concessão que vae reverter em favor dos seus credores, ha mais que equidade, ha justiça (apoiados), e para mim ainda ha mais que justiça, ha uma questão de consciencia (apoiados). Quando o gabinete transacto apresentou nas commissões de obras publicas e fazenda reunidas o accordo feito pelos seus antecessores, a commissão rejeitou esse accordo, e o sr. Dias Ferreira, que era membro d'esse gabinete, disse-nos n'outro dia aqui que a coromissão se pronunciou quasi unanime contra o accordo, sem querer sabor a opinião do governo.

Eu tomo a liberdade de recordar a s. exa. que a commissão foi effectivamente quasi unanime em rejeitar o accordo, mas tambem foi quasi unanime, apenas com a dis-

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crepancia de um voto, em se pronunciar a favor da equidade, querendo mesmo que no relatório, que precedesse essa rejeição, se estabelecesse o principio de que aquella rejeição não importava o confisco do caminho de ferro (apoiados).

O que s. exa. nos disse aqui tem ou póde pelo menos ter uma interpretação dubia. Eu devo declarar á camara que se a commissão se pronunciou sem ouvir a opinião do governo, foi porque o governo não quiz emittir a sua opinião.

Já disse as rasões por que rejeitei o accordo feito pelo sr. Corvo, e como consequencia não podia deixar de rejeitar o que foi feito pelo sr. Dias Ferreira. Escuso pois de me demorar mais n'esse ponto.

O principio de ir outra vez entabolar negociações com uma companhia fallida, não se podia admittir (apoiados). Fazer concessões de dinheiros, deixar a companhia na posse das linhas férreas, sem que ella desse garantias de explorar essas linhas melhor do que até ali, isto é, sem causar novos embaraços ao governo, todas estas circumstancias me obrigaram a rejeitar esse accordo, suppondo-o mais prejudicial que o primeiro (apoiados).

Os meus princípios são os que foram adoptados pelo sr. Corvo. Neto tenho que estranhar no accordo feito por s. exa.; senão a largueza da concessão, como já disse (apoiados).

Mas é preciso que nós sejamos um pouco justos com a companhia. Tem-se dito por toda a parte que a companhia nos tem feito uma guerra tenaz e que por isso nenhum direito tinha á concessão que lhe vamos fazer.

Eu não posso admittir este principio. Em geral, quando trato de avaliar o procedimento dos outros, julgo-me na sua posição, e examino o que eu faria se estivesse no logar d'elles. É preciso que adoptemos este outro principio para com a companhia.

Se podessemos inverter as posições, sendo nós um paiz rico e poderoso e a Inglaterra um paiz pobre, sendo nós os capitalistas que fornecêssemos os capitães para os caminhos de ferro da Inglaterra, estou certo de que, munido os ingleses nos viessem pedir dinheiro emprestado, haviamos tambem de querer desforrar-nos com juros excessivos dos prejuízos que elles nos fizessem com a tal injusta applicação do principio do stricti juris.

Insisto um pouco n'este ponto, porque vejo e sei que esta concessão é mal recebida por alguma gente, talvez mais por falta de estudo, por não querer attender ás circumstancias e relações que tem havido entre a companhia e os governos, por não querer saber as circumstancias por que ella passava e os serviços que fez, do que por outra cousa.

A companhia de caminho de ferro de sueste contratou em 1860 a construcção do caminho das Vendas Novas a Evora e Beja, mediante uma subvenção, dada pelo estado, de 16:000$000 réis por kilometro. A companhia cumpriu perfeitamente o seu contrato. E lembro-me muito bem que, por essa occasião, foi esse caminho apontado como um modelo de boa construcção (apoiados).

A companhia estava no goso do usufructo do caminho de ferro; e, talvez por uma boa fama que tinha adquirido, foi preferida, se é que outras companhias se apresentaram para tratar d'isso, na construcção de mais tres caminhos de ferro, o do Algarve, o do Guadiana e o do Crato, mediante uma subvenção mais avultada.

Por essa occasião vendemos-lhe o caminho do Barreiro ás Vendas Novas, com o ramal de Setubal, pela quantia de 1.008:000$000réis, e a companhia obrigou-se a fazer obras n'aquella testa dos caminhos de ferro, como alargamento de via, estações e outros trabalhos.

Mais tarde a companhia fez um contrato com o governo, compromettendo-se a dar ao estado o dinheiro que d'elle tenha recebido, e ficando por consequencia senhora dos caminhos de ferro, sem que o estado tivesse concorrido para elles com um real, mas garantindo lhe o governo um producto bruto de 3:600$000 réis por kilometro.

A companhia não póde satisfazer a este contrato, e falliu.

Pergunto eu agora se não ha equidade em fazer uma concessão que vae reverter somente em favor dos credores da companhia, quando nós tomámos conta de uma rede de caminhos de ferro, grande e importante, tendo sido uma grande parte d'ella feita por um capital que nós não fornecemos? (Apoiados.)

Tem se dito, e disse-o o sr. Dias Ferreira, que, quando aqui foi rejeitado o accordo em que s. exa. tomou parte, se haviam proclamado as idéas de não se fazer concessão nenhuma á companhia, e que d'ahi tinham nascido os embaraços que todos nós conhecemos.

Eu estou persuadido de que uma das cousas que fez mais bulha na camara do anno passado, e que mais concorreu para ser rejeitado o accordo feito pelo sr. Dias Ferreira, foi o inventario do sr. Boaventura José Vieira (apoiados).

Quando appareceu esse inventario uma grande parte da maioria pronunciou se manifestamente contra o accordo, tendo até ali estado um pouco condescendente e resolvida a vota-lo.

Emquanto a mim, o mal data do contrato de 1864, do contrato pelo qual se ajustou a construcção d'aquelles tres prolongamentos de linha.

Eu estava então muito longe de ter um logar n'esta casa, mas tive occasião de n'um modesto jornal de província combater com todas as minhas forças similhante contrato, e os factos vieram demonstrar que tinha rasão. Então era a febre dos caminhos de ferro; passou aquelle contrato, porque se prometteram caminhos de ferro para toda a parte; por essa occasião até houve um deputado que pediu um caminho de ferro que passasse por Vouzella e S. Pedro do Sul, circulo que hoje represento, e para que não peço um caminho de ferro.

A proposito d'isto, permitta-me v. exa. que faça uma pequena reflexão ao que disse aqui o sr. José Dias Ferreira, a respeito dos caminhos de ferro do Alemtejo.

Diz v. exa. que a província do nosso paiz em que o caminho de ferro ha de ser mais profícuo instrumento de producção, é o Alemtejo.

O sr. Dias Ferreiro, que dá tanta importancia ao caminho de ferro do Alemtejo, ao mesmo tempo que dizia isto, dizia que tinha notado, quando tratou de fazer o accordo com a companhia do caminho de ferro, que os interessados e que não queriam por cousa nenhum era o caminho, que queriam o dinheiro, mas o caminho por cousa nenhuma o queriam, e que o governo de que elle fazia parte o que queria era dar o caminho, e não dar o dinheiro. Acho aqui alguma contradicção n'esta importancia que s. exa. attribue aos caminhos de ferro do Alemtejo, e ao mesmo tempo dizendo que ninguem quer o caminho. É um caminho que ha de render tanto que ninguem o quer. E s. exa. ainda mais n'outro logar, avaliando a actual concessão, que por este systema do governo, fica o estado com o rendimento do caminho que está calculado em 54:000$000 réis, mas este rendimento desapparece logo que se construam os 119 kilometros em construcção. Quer dizer, s. exa. crê muito nos caminhos de ferro do Alemtejo, mas o pequeno rendimento que elles dêem para o estado ainda desapparece á proporção que se forem construindo e explorando mais kilometros d'esses caminhos.

Parece me que s. exa. tambem aqui nos disse que não tinha estudado engenheria, mas que tinha estudado logica; creio que foi muito infeliz na sua logica fazendo estas asserções.

Creio ter já justificado a rasão do meu voto á concessão para que é auctorisado o governo pelo artigo 4.º do projecto em discussão; mas permitta-me v. exa. e a camara que ainda faça umas pequenas reflexões sobre estes caminhos de ferro do Alemtejo.

Um grande argumento que se citou e cita ainda hoje como rasão para dar todo o desenvolvimento ás linhas ferreas do Alemtejo é o exemplo dos Estados Unidos.

Os Estados Unidos faziam caminhos de ferro pelos de-

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serios e nós deviamos tambem faze-los para fecundar aquelles terrenos. Era o que se dizia.

Os Estados Unidos, segundo um recenseamento de 1850, tinham uma população de 23.000:000 habitantes, e d'estes, 21.000:000 estavam concentrados nas costas do Atlantico e no valle do Mississipi. Foi n'estas duas regiões, nas quaes se achava concentrada a população e a producção, que elles construíram os seus primeiros caminhos de ferro, e só depois é que se lançaram n'aquelles gigantescos projectos de communicação, em vista dos seus recursos, que nós não temos. Nós fizemos o contrario. Deixámos as províncias onde estava concentrada a população e producção, para primeiro irmos estabelecer uma vasta rede de caminhos de ferro no Alemtejo!

Não posso deixar de fazer uma reflexão, discordando um pouco do meu nobre amigo o sr. Coelho do Amaral, que já perdeu a fé, não acredita no caminho de ferro da Beira.

O sr. Coelho do Amaral: - Não è isso. Não acredito na construcção.

O Orador: - Pois creio eu, porque tenho fé no futuro e creio que se ha de fazer, porque é uma necessidade urgentissima para nos pôr em communicação com a Europa civilisada. (O sr. Ministro da Fazenda :- Apoiado.)

Vou terminar, e tendo já dito as rasões por que approvo o artigo 4.°, direi a v. exa. que approvei o projecto na generalidade e os outros artigos, levado por uma asserção do sr. Lobo d'Avila:

"Já se vê pois que o expediente que tenho a honra de suggerir á camara, não significa que eu approvo em absoluto o contrato, mas collocado na dura necessidade de optar entre o contrato e a bancarota", etc.

Desde que ouvi este argumento decidi-me a votar o contrato na generalidade e na especialidade (apoiados). Achei-me collocado, segundo a expressão já aqui adoptada, entre a espada e a parede, e á espera que me retirassem a espada para poder respirar o ar da liberdade (muitos apoiados). Preciso também de fazer uma declaração política. Os partidos não se criam pela vontade dos homens, nascem da natureza das circumstancias (apoiados). O paiz hoje não é historico, nem regenerador, nem fusionista, nem conservador, nem d'este, nem d'aquelle partido; o paiz é livre e quer ser bem governado (apoiados). Eu, entrando pela primeira vez n'esta casa o anno passado, tive occasião de fazer aqui uma declaração solemne, de que nunca, quaesquer que fossem os cavalheiros que se sentassem n'estes bancos (os dos ministros), daria o meu voto em qualquer questão senão considerada debaixo do seu aspecto utilitario e não do seu aspecto político. Tenho mantido a minha palavra e hei de continuar a mante-la, porque não comprehendo as falsas lealdades partidarias que importam uma deslealdade á patria.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por varios srs. deputados.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho, como questão previa, se da approvação do bill de indemnidade tinha resultado implicitamente a approvação da concessão feita á companhia do caminho de ferro de sueste, constante do decreto de 10 de março. = Bandeira de Mello.

Foi admittida.

O sr. Ferreira de Mello: - ... (Como o sr. deputado ficou com a palavra reservada, publicar-se-ha o seu discurso por inteiro na sessão seguinte.)

O sr. Saraiva de Carvalho: - Mando para a mesa o parecer sobre a lei de meios.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Discurso do sr. deputado Raymundo Rodrigues, proferido na sessão de 16 de junho, e que devia ler-se a pag. 386, col. 1.ª

O sr. Raymundo Rodrigues: - Pedi, sr. presidente, a palavra para poder justificar perante os meus constituintes e o paiz o motivo por que votei a favor da generalidade do projecto em discussão, embora seja elle acompanhado de um accordo ou pertence, ao qual s. exa., o sr. Fontes, deu o nome de commentario.

Sr. presidente, este projecto (e principalmente o seu commentario) tem sido qualificado pelos distinctos oradores que o tem combatido como mau e pessimo; e eu direi, sr. presidente, que elle ainda cem mais uma ruindade das que têem sido indicadas, qual é a de fazer apparecer um commentario antes da obra que é commentada. O projecto traz, sr. presidente, uma data posterior ao commentario. É effeito sem causa!!... Merece portanto ser fulminado!

Tenho, sr. presidente, de justificar perante os meus constituintes o motivo por que votei, e ainda voto, o encargo annual, durante trinta annos seguidos, de 1.999:450$000 réis, como disse o distincto orador, o sr. Santos e Silva, ou 1.890:000$000 réis, como está fixado no projecto em discussão.

Todos reconhecem a necessidade do empréstimo. Opposição, maioria e governo são concordes na necessidade de um valioso empréstimo para libertar o thesouro das apuradissimas circumstancias em que está.

Eu, sr. presidente, voto pela quantia indicada no projecto, apesar de reconhecer que a somma que póde produzir o emprestimo não chega a tudo quanto eu desejava em relação á extincção das dividas fluctuantes, externa e interna, incluindo os saques da agencia, e ao déficit do actual, e do próximo anno economico de 1869-1870.

Talvez me digam que isto é exigir muito; mas, sr. presidente, assim como todos estão de accordo na extincção da divida fluctuante externa, eu também desejava que esta deliberação, quasi unanime da camará, fosse também applicada á divida fluctuante interna, porque dividas fluctuantes que continuamente se accumulam, e que a final vem a capitalizar se por emissões de inscripções, são um grande mal que transtorna e desorganisa o melhor systema financeiro.

Divida fluctuante que vae crescendo em larga escala já não tem, e nem póde ter, o caracter de fluctuante. O adjectivo fluctuante por si só significa o sentido em que deve; ser tomado, e escuso de entrar na explicação de uma palavra que deve ser bem conhecida por todos os membros d'esta camara.

Sr. presidente, desde 1855 até á data em que o illustrado cavalheiro, o sr. Lobo d'Avila, saiu da gerencia dos negocios da nossa fazenda em 1865, o paiz não tinha um só real do divida fluctuante nas praças ou mercados estrangeiros, e apenas tinhamos divida fluctuante interna, que de 2:000$000 réis que era em 5 de fevereiro de 1855, chegou em 31 de março de 1860 a 4.737:551$676 réis, e a esta enorme quantia deve-se addicionar outra ainda mais avultada, na importencia de 7.998:295$500 réis, provenientes dos emprestimos, supprimentos e saques de agencia, effectuados nos mencionados mercados estrangeiros, sempre onerados com os effeitos de reformas de letras e penhores em curtos prasos, e com juros exorbitantes, a ponto de se haver levantado supprimentos com 24 por cento ao anno, e reformas de tres em tres mezes, e até de dois em dois mezes!!

É verdade, sr. presidente, que toda a nossa divida fluctuante interna, está nas mãos dos prestamistas nacionaes; mas quem nos assegura que elles não serão no futuro exigentes, como geralmente não têem sido desde 1865, ou mesmo quem nos diz ou affirma que, chegando aquella nossa divida fluctuante a um ponto ainda mais subido, não appareçam capitalistas estrangeiros para a negociar, e depois obrigar-nos ás torturas em que estamos, e ainda mais, obrigar-nos a contratos e condições ainda, mais duras do

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que aquellas que estão consignadas no contrato de 16 de abril, commentario do projecto em discussão?

Não basta, sr. presidente, prover as necessidades urgentes, que actualmente reclama a nossa fazenda publica, é mister mais alguma cousa; é necessario prever que no futuro não appareçam a crise e as circumstancias que a aggravam, como está acontecendo actualmente.

E em que póde consistir esta previsão? Não póde ser senão observando rigorosamente o seguinte:

1.° Entender por divida fluctuante aquella que é permittido levantar dentro dos limites da receita votada para cada anno economico, de modo que, salvo raras excepções, possa ser extincta no mesmo anno em que for votada a dita receita, e só á custa d'esta.

2.° Quando se não possa extingui-la immediatamente, estabelecer um ponto de amortisação para este fim.

Sr. presidente, faço votos para que este emprestimo, principalmente destinado para pagamentos das dividas fluctuantes, e especialmente da externa, e saques da agencia, seja o ultimo. Venham, sr. presidente, quantos emprestimos quizerem, para os melhoramentos materiaes do paiz, que sempre votarei, porém acompanhados sempre dos encargos que elles trouxerem, e á proporção que forem necessarios.

Sr. presidente, difficil é a posição em que me acho, em relação a tantos oradores habituados ás lides parlamentares, o que têem tratado magistralmente a meteria em discussão, porque sou o primeiro a reconhecer a minha insuficiencia, que me dá direito a esperar da camara toda a benevolencia de que é digno quem não é versado em similhantes debates.

De mais a mais, sr. presidente, se eu tivera adivinhado que me cabia a palavra logo em seguida a um orador tão distincto, como aquelle que ultimamente combateu o projecto em discussão, de certo não me atreveria a apresentar-me em frente de um cavalheiro versado em negocios publicos, e principalmente nos negocios da administração financeira, e cujas opiniões são sempre para mim de todo o peso e muito auctorisadas, se não fôra a convicção sincera e profunda de que o emprestimo actualmente em discussão é absolutamente necessario para a organisação da nossa fazenda publica, e que ao mesmo tempo, nas actuaes circumstancias, os seus encargos não são tão gravosos como querem fazer inculcar os illustres propugnadores do emprestimo, e especialmente s. exa. o digno deputado, o sr. Lobo d'Avila.

Disse, sr. presidente! s. exa.:

1.° Que o contrato era pessimo.

2.° Que era possível fazer se outro melhor.

3.° Exclamou contra a multa e penhor d'ella nas mãos do mutuante estrangeiro!!

4.° Quem deu direito ao sr. ministro da fazenda para dispor assim dos dinheiros do povo!!!

5.° Que tendo julgado no principio d'esta discussão que 10.000:000$000 réis eram similhantes, comtudo, ponderando no que havia passado na discussão d'este projecto, enviava para a mesa uma emenda ao artigo em discussão, reduzindo a auctorisação dos 18.000:000$000 a 12.000:000$000 réis.

6.° Disse mais que, pagar um encargo menor com outro maior (em relação á divida interna, que apenas tem um juro de 7 1/2 por cento), era um absurdo inaudito e intoleravel.

7.º Que o pagarmos 1.080:000$000 (ou 1.035:000$000 réis) para o contratador do emprestimo, era outro absurdo.

8.° Que a companhia do caminho de ferro de sueste não devia ser paga pelo dinheiro do emprestimo, e embora elle tivesse proposto na sua moção este pagamento á custa da emissão de títulos de 3 por cento, comtudo isto não significava que o governo tinha procedido bem em dar, invocando a generosidade do paiz ou os sentimentos do paiz, á dita companhia a quantia de 2.376:000$000 réis.

9.° Concluiu por mandar para a mesa a emenda dos 12.000:000$000 réis, attendendo a que alguns dos prestamistas nacionaes, que são possuidores da divida fluctuante interna, possam, quando queiram, interessar no emprestimo em discussão.

Não nego, sr. presidente, que o contrato, e ainda mesmo o projecto em discussão sejam maus. Nenhum contrato de emprestimo é bom. Ninguem recorre ao emprestimo senão quando tem falta de numerario para satisfazer as suas necessidades, e o indivíduo ou a nação que se achar n'este estado, ninguem dirá que está em boa situação, custando a crer que quanto peior for esta, mais oneroso será o emprestimo.

Alem d'isto, sr. presidente, se este emprestimo é mau, outro que vier, se as nossas condições financeiras não melhorarem, ha de ser ainda peior.

Portanto para podermos avaliar a ruindade do emprestimo em discussão, devemos compara-lo com os anteriores, mettendo em linha de conta todas as circumstancias que os acompanharam e que são conhecidas de nós, e só d'esta comparação é que podem resultar a ruindade ou não ruindade do actual emprestimo projectado.

O que vamos fazer é em referencia aos encargos na epocha das recepções do liquido de cada um dos emprestimos.

Escolhi, sr. presidente, dois emprestimos levantados por dois cavalheiros que têem combatido com a energia da sua logica e fluideza de sua linguagem, e que estiveram á testa dos negocios da fazenda publica durante alguns annos.

Escolhi para este fim, sr. presidente, os dois contratos que s. exas. disseram havia um com 6.5 por cento de encargo, e outro com 8,5 por cento. Aquelles contratos não podem deixar de ser o de 26 de junho de 1862, em virtude do qual se fez a emissão de 5.000:000 libras nominaes a 44 por cento, estando as inscripções no valor medio de 46,25 por cento; e o de 5.500:000 libras com a emissão 38 estando a 44.

Aquelles 5 000:000 libras esterlinas produziram réis 9.664:872$160 depois de tiradas todas as deppezas na importancia de 316:281$912 réis (vide a pagina 36 do relatorio apresentado por v. exa. o sr. Lobo d'Avila, em sessão ordinaria de 1864).

D'aqui se segue que o encargo das despezas ou a sua percentagem em relação ao liquido do emprestimo foi de 3,272, e como a emissão das inscripções foi a 44 por cento no emprestimo, logo o seu encargo foi de 6,818, e portanto o encargo total foi de 10,09 por cento.

Pelo projecto em discussão, como se vê dos 4.000:000 libras, tem a deduzir 6 por cento e mais a importancia do bond de um semestre, o que dá para as despezas 450:000 libras, portanto sendo o liquido 8.550:000 libras, segue-se que a percentagem do encargo é de 11,831 por cento sobre o liquido, sendo 10,5 por cento sobre 4.000:000 libras conforme o artigo em discussão.

Ora, as inscripções no tempo em que se fez o contrato das 5.000:000 libras estavam a 46,25 por cento, e no tempo do actual contrato estavam a 36, o que dá uma differença de 10,25, quando a differença dos dois encargos é apenas de 1,331 por cento.

D'onde resulta que sendo a differença dos dois encargos gerido contra, e do emprestimo projectado) inferior ou igual a 0,1 proximamente da differença (10.5) dos preços das cotisações das inscripções em cada uma das duas epochas, não se póde concluir que o contrato de 1862 esteja em melhores condições das que resultam do projecto de lei em discussão: e se attendermos alem d'isto que em 1862, durante a epocha do contrato, a que me refiro, tendo estado as inscripções a preço de 46,25 por cento, e foram estas representadas no emprestimo a 44 por cento, resultando d'ahi uma differença de 2,25 por cento, emquanto que no actual esta differença é de 1,44 por cento, torna ainda o contrato do actual emprestimo mais favoravel que o outro. Finalmente as circumstancias do paiz em 1862 em muito diversas das actuaes. Então não tinhamos um só real da divida fluctuante nas praças estrangeiras, emquanto que hoje lega esta divida, a que damos o nome de divida fluctuante

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externa, quasi a 8.000:000$000, e todos sabem que estas circumstancias são importantes para que um empréstimo levantado n'aquella situação era que estávamos em 1862 tenha rasão de ser mais vantajoso do que o que se effectuar actualmente.

Passemos agora a comparar os encargos do empréstimo em discussão que achamos ser de 11,831 por cento, com o que resultou do empréstimo de 5.500:000 libras nominaes, contratado pelo sr. Fontes em 9 de setembro de 1867, e levado a effeito em 27 de dezembro do mesmo armo, c cm que as inscripções foram representadas a 38,5 por cento, apesar de o thesouro as ter vendido em o dito setembro a 45,3 por cento (meio termo); e em o mencionado dezembro terem o preço de 41 por cento.

Até o presente não estão publicadas as despezas d'este empréstimo de 5.500:000 libras que ficou reduzido a libras 4.750:000 nominaes em virtude do artigo 11.° do contrato de 9 de setembro, e apenas temos (a paginas 15 do relatorio do ministério da fazenda, apresentado em sessão de 28 de abril de 1868; que 4.750:000 libras nominaes produziram liquido 1.704:003 libras depois de deduzidos a commissão de 1,125 por cento sobre o nominal, e mais o bond do 1.° semestre, que começou em 1 de julho de 1802, que tudo dando 124:687 libras, trouxe uni desconto, logo no começo da recepção, de 7,317 por cento "obre o liquido, e sobre o producto e liquido, que é de 1.828:750, fui de 6,814 por cento. Devemos notar que nas despezas acima, mencionadas não entrou o desconto de 5 por cento por antecipações que tiveram logar, em conformidade com o artigo 8.º do mencionado contrato de 9 de setembro (quantia esta que não posso calcular; e finalmente tambem não entraram as despezas de annuncios, impressão, preparo e sellos de bonds, que não devendo importar em menos de 4:000 libras, se isto dá um augmento de 0,214 por cento. Portanto segue-se que o contrato do sr. Pontes custou no seu começo com despezas inherentes a elle 7,551 por cento sobre o liquido de 1.704:063 libras, o como já vimos que 11,831 era o encargo do actual emprestimo, liquido, resulta portanto uma differenç/i de 4,280 por cento em desfavor d'este, e que por ser esta differença inferior á differença dos preços das inscripções em dezembro de 67, e na occasião do actual emprestimo, por ser 5 esta differença, segue se que o emprestimo actual não apresenta quasi desvantagem alguma em relação ao emprestimo do sr. Fontes.

Comparemos agora o encargo annual do projecto em discussão, com cada um dos encargos permanentes dos dois já mencionados contratos, tomando em consideração a differença dos preços das inscripções nas respectivas epochas das transacções.

Pelo projecto recebemos 3.550:000 libras, com encargo annual de 10,5 sobre 4.000:000 libras durante apenas trinta annos, donde resulta que 6 de 11,831 por cento o encargo annual para juro e amortisação, estando os nossos fundos a 36 por cento.

E sendo como já vimos que no emprestimo de 5.000:000 libras nominaes, que produziu 9.664:872$160 réis, foi o encargo annual de 6,818 por cento, segue se que a differença em desfavor do actual emprestimo é de 5.013 por cento, emquanto que a differença dos preços das inscripções é toda a favor do contrato de 1862 em 10,25 por cento, porque em 1862 obtiveram a 46,25 e actualmente a 36.

Comparando pelo mesmo teor o actual emprestimo como feito em 9 de setembro de 1867, também já vimos que seu encargo foi do 7,792, porque as inscripções figuraram no emprestimo a 38,5 por cento; d'onde resulta em desfavor do novo emprestimo a percentagem de 4,039 por cento quantia tambem inferior á differença dos preços das inscripções (a favor do contrato de 9 de setembro) no valor de 8 por cento em setembro, e no valor de 5 em dezembro de 1867; e no valor de 9,3 em relação ao preço medio das inscripções em setembro, a qual foi de 45,3 por cento. Estas desvantagens que apparecem no emprestimo pelo actual projecto, quasi que desapparecem, em virtude do principio de desamortisação que ahi vem consignado, porque no fim de trinta annos, com uma pequena annuidade de 7/8 destinada á amortição, não só podemos extinguir as duas dividas fluctuantes, os saques da agencia, o embolso que temos a fazer á companhia de sueste, mas até o proprio emprestimo de 4.000:000 libras que ficam reduzidas de 3.550:000 libras.

Passarei agora a responder ao segundo argumento de s. exa. o sr. Lobo d'Avila.
Disse s. exa., que era impossível fazer outro melhor.

Sr. presidente, quem acreditar nas palavras do sr. ministro da fazenda, quem reflectir no relatorio de s. exa., o qual precedeu ao projecto em discussão, d'ahi ha de concluir o espirito inteiramente desprendido de qualquer inclinação ou antipathia para com s. exa., que s. exa. empregou todos os meios, e durante alguns mezes, para obter um emprestimo, não digo vantajoso, mas sim menos oneroso do que o actual; s. exa. não conseguiu isto, e eu assim o acredito, como tambem é de suppor que s. exa. o sr. Lobo d'Avila igualmente acredite, porém com a differença só de que s. exa. não tem confiança no actual ministerio, e nem no sr. ministro da fazenda, em relação á sua gerencia financeira; é portanto, sr. presidente, uma questão de confiança, em virtude da qual julgo verdadeiras todas as asserções que vem no dito relatorio, e que eu até ao presente não vi rebatidas, e portanto confio e acredito que o sr. ministro da fazenda não póde, na conjunctura em que se achou, por causas que já vem muito de longe, fazer melhor contrato do que este que está em discussão.

Não basta, sr. presidente, dizer "era possível fazer melhor contrato". É necessario mostrar quem era o mutuante, ou banqueiro que veiu offerecer um emprestimo em melhores condições, e que s. exa. o sr. ministro da fazenda não aceitou as suas propostas?

Emquanto não for demonstrado que com effeito appareceu perante o sr. ministro da fazenda um Messias de tal ordem, estou no meu direito de julgar, pela confiança que deposito no sr. ministro, que s. exa. não póde fazer melhor contrato (apoiados).

Agora, sr. presidente, em relação á multa. Estas são de duas especies, uma no caso do emprestimo não ser levado a effeito por culpa do governo, e é de 1 por cento sobre o nominal fixado em 7.750:000 libras, ou é a quantia de réis 258:750$000!! e outra de 1/2 por cento, quando o mutuante por qualquer circumstancia não possa, e mesmo talvez não queira, concluir ou fechar o emprestimo!!

Sr. presidente, não acho nada de extraordinario a primeira multa. O capitalista já emprestou ao governo, por conta de 4.000:000 libras, mais de 500:000 libras como parte de 1.000:000 libras que toma sobre si, e a juro de 10 por cento ao anno, sob a condição de que os adiantamentos que vier a fazer até á quantia de 1.000:000 libras seja levada em conta do emprestimo tem elle alem d'isto de empregar diversos meios para que o emprestimo tenha a devida aceitação ou collocação nas praças estrangeiras, e portanto não é para admirar que ella exija as despezas e até o premio, pelo trabalho que houver de empregar para a realisação do emprestimo, uma vez que tal realisação não se verifique por vontade ou culpa do governo. O sr. Fontes no contrato de 9 de setembro de 1867 de 5.000:000 libras consignou este principio no artigo 14.°, com a differença só de que a multa seria de 1/2 por cento sobre o nominal de todo e qualquer capital que não estiver subscripto, quando o governo portuguez preferisse outra qualquer negociação á que estava estipulada no dito contrato.

Portanto o sr. Fontes que reconheceu aquella multa, embora seja de 1/2 por cento, não póde impugnar, como impugnou o principio da multa, na primeira hypothese; o que póde impugnar é na quantia que o governo foi obrigado a aceitar, porque sem a que foi fixada não era possível ajuntar o emprestimo, conforme supponho.

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A segunda multa, sr. presidente, e dura, e ate a chamarei vexatoria. Porem, sr. presidente, o que havia de fazer o sr. ministro da fazenda no dia 16 de abril, tendo em frente de si, no dia 23 do mesmo mez, um pagamento de praso fatal na quantia de 500:000 libras á companhia societe generale, que estava disposta a não aceitar reforma alguma, por se lhe ter mallogrado o contrato de emprestimo de 100.000:000 de francos, assignado por s. exa. o sr. Carlos Bento em 4 de dezembro ultimo? Havia de deixar protestar a letra das 500:000 libras, para o penhor da qual estavam depositadas nos cofres da dita companhia quasi 2.000:000 libras nominaes em inscripções com juros de 3 por cento, que a mesma companhia podia lançar immediatamente no mercado, prejudicando assim o credito das nossas inscripçoes e arrastando o d'este paiz?

Sr. presidente, quaes seriam as consequencias e responsabilidade de um governo, que nos levasse a um similhante apuro? Devia o governo largar o poder? E quem o substituísse, teria o condão de arranjar as 500:000 libras? E alem d'isso que certeza podíamos ter de que a crise ministerial terminasse tão rapidamente, que no intervallo de sete dias, que tantos decorriam de 16 a 23 de abril, o governo que succedesse tivesse tempo para arranjar as 500:000 libras, que tinha a pagar á societe generale!

A vista d'isto, não era preferível a multa de 1/2 por cento, apesar de vexatoria, a todas aquellas funestas consequencias?

Eu, sr. presidente, em uma tal alternativa, escolheria aquelle meio que menor descredito trouxesse ao paiz.

O estado financeiro em que está o paiz não e devido ao actual ministerio, e devido a todos que o têem precedido desde 1860 ate ao presente, e mesmo aos anteriores de longa data. Os deficits dos nossos governos toem excedido espantosamente em relação aos deficits calculados nos respectivos orçamentos, e saiba a camara que no anno economico de 1867-1868, o deficit real da gerencia foi de treze mil e tantos contos, emquanto que o computado no respectivo orçamento era de cinco mil e tantos contos. Este, systema ha tantos annos em pratica, e que nos tem levado ao deploravel estado em que estão as nossas finanças.

Sirvam, sr. presidente, esta discussão, este projecto, e seus commentarios, como lições que devemos aproveitar a fim de que se não repitam geenas e factos que temos presenciado. Tratemos todos de melhorar as actuaes assustadoras condições do nosso estado financeiro (apoiados).

Combatem, sr. presidente, perguntando - quem deu direito ao sr. ministro da fazenda para dispor assim do dinheiro do povo.

Eu respondo a este argumento, sr. presidente, com as palavras de s. exa., o sr. Fontes, que quando encetou este debate, com tanto lustre, que e inherente á elevada intelligencia e mais dotes que s. exa. possue, disse: "Pelo que me diz respeito, só posso dispor do que é meu, do pouco que tenho, e não do que é do thesouro, da nação para fazer generosidades que não ostentem sobre a conveniencia publica". Ninguem disse, sr. presidente, que o sr. ministro da fazenda tivesse subscripto as multas do commentario por generosidade, foi, sr. presidente, por necessidade; c se por conveniencia publica e permittido praticar actos de generosidade, dispondo do que é do thesouro ou da nação, no que s. exa. parece concordar, com mais forte rasão e necessidade póde obrigar o governo a dispor d'aquillo que não é seu e nem do thesouro, pedindo depois um bill do indemnidade ao poder legislativo.

Porem, sr. presidente, nem a multa e nem o commentario fazem objecto d'esta discussão; o que estamos a discutir e o projecto n.° 9, e só eu tenho tratado a questão referindo-me ao commentario e para desfazer as impressões que os discursos dos que têem combatido o emprestimo podem fazer no paiz. É necessario, sr. presidente, avaliar os factos como elles são, e não como elles poderiam ser!! Emquanto, sr. presidente, a considerar o emprestimo de 18.000:000$000 réis excessivo, e que por isso s. exa. o sr. Lobo d'Avila, tendo no principio da discussão do artigo 1.° de que estamos a tratar, proposto a reducção d'aquella quantia a 10.000:000$000 reis, pela ultima vez que fallou elevou-a á de 12.000:000$000 reis, auctorisando alem d'isto ao governo para pagamento de 2.376:653$751 réis á companhia do caminho de ferro de sueste por meio da emissão de inscripções de 3 por cento.

Não vejo, sr. presidente, motivos para eu concordar com a emenda de s. exa. O emprestimo de 4.000:000 libras depois de pagar 6 por cento de commissão e todas as mais despezas inherentes a elle, e bem assim um bonus com vencimento de um semestre, fica reduzido a 3.500:000 libras ou a reis 15.975:000$000 réis, e o que propõe s. exa. em duas parcellas, dando uma somma de 15.376:653$751 réis, resulta apenas uma differença, a maior e a favor do projecto, de 598:346$249 reis, differença esta que não vale a pena de fazer alterar o que está fixado no projecto (apoiados).

A unica differença que ha aqui, e a de que o onus resultante da quantia destinada para o embolso da dita companhia e menor do que vem da quantia tirada do emprestimo. Isto é exacto, sr. presidente, ate certo ponto, porque com effeito o encargo do dito embolso no actual estado dos nossos fundos, que reputo a 36 por cento vem a ser de 8 1/2 por cento, emquanto que o do emprestimo é de 11,831 por cento, o que dá uma differença de 3,5 por cento proximamente. Porém se nos lembrarmos que com este encargo, a maior, amortisâmos dentro dos trinta annos, o que temos a dar ao caminho de ferro, emquanto com o outro de 8 1/2 ficámos com um encargo permanente, qual dos dois alvitres e melhor é melhor? Eu, sr. presidente, que adopto o principio da desamortisação (com annuidade dentro de certos limites) como logo mostrarei a sua rasão, acho que é mais vantajoso termos por trinta annos um encargo pouco maior, do que termos um encargo permanente, constantemente a figurar nos nossos orçamentos.

Proseguindo, sr. presidente, tem se dito que é absurdo, inaudito, a mesmo intoleravel o pagar uma divida de encargo menor á custa de outro maior (referindo-se ao pagamento da divida fluctuante interna que tem apenas um juro de 7,5 por cento).

Temos, sr. presidente:

[Ver tabela na iamgem]

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Postos estes dados vejamos: 1.°, qual a vantagem do emprestimo sobre o estado das dividas fluctuantes em 31 de março ultimo; 2.°, se haverá caso em que seja conveniente, e até proveitoso, extinguir uma divida de encargo menor com outro maior.

Em quanto ao 1.°:

[Ver tabela na imagem]

Logo a vantagem do encargo do emprestimo sobre o das dividas fluctuantes e saques é evidente, porque sendo libras 48:421,070 o encargo annual, a maior, da parte do emprestimo, importa este encargo, em trinta annos, libras 1.452:050, quantia esta com que fica amortizada um debito quasi dobro na quantia de 2.830:170 libras, que é emquanto, como já vimos, importam os capitães de ambas às dividas fluctuantes, e dos saques da agencia, acrescendo a esta vantagem a da extincção do emprestimo de 4.000:000 libras pela annuidade de 420:000 libras durante trinta annos.

Notem os srs. deputados que n'estes resultados já apparece em parte confirmado que o principio de amortisação, quando a percentagem da amortização e dentro de certos limites util, porque, apesar de serem os juros da divida interna de 7,5 por cento, e os da externa de 1(5,1 por cento, o meio termo das duas percentagens é de 11,8 por cento, pouco menor do que 11,831 por cento, percentagem dos juros r amortisação do capital 3:550:000 libras, remanescente do emprestimo de 4.000:000 libras; e notem mais que a pequena differença de 0,031 a mais na percentagem da annuidade, destinada para os juros e amortisação, deu um resultado tão vantajoso como aquelle que acabam de ver; suppondo que o emprestimo do ministerio da guerra, na importancia de 302:531$070 réis, tambem vencem juros de 7,5 por cento ao anno.

Vejamos agora qual c o resultado da extincção da divida fluctuante interna com o encargo de 7,5 por cento, comparado com a anuuidade de 11,831 por cento para juros e, amortisação do emprestimo.

O capital da divida interna que vence juro de 7,5 por cento é de 985:551 libras, e como este é amortizado por uma igual quantia do emprestimo que tem juro e amortização de 11,831 por cento, segue-se que, este encargo annual é 116:600 libras, que tomado trinta vezes já viram effectivas libras 3.498:000; porém os srs. deputados já viram que libras 73:910 era o juro da divida fluctuante interna em cada anno, que por isso no fim de trinta annos importa em 2.217:489, que deduzido d'aquelles 3.498:000, temos dado á maior a quantia de 1.281:511, com a qual temos amortisado 1.052:780, havendo portanto no fim de trinta annos um excesso de 228:731 a maior, lançando mão do emprestimo. Ora, senão tivermos amortizado a divida fluctuante interna, ou se a tivermos capitalizado com juro não inferior a 7,5 por cento, seriam necessarios pouco mais de tres annos para estes juros chegarem áquella quantia de 228:731 a mais, continuando d'aqui para diante com um encargo annual de 73:916 libras, emquanto que, com o encargo dos juros e amortisação do emprestimo, se extinguem tanto a divida fluctuante interna, como igual quantia tirada do emprestimo para pagar a mesma divida á custa de um encargo de 4,331 por cento a maior, porém temporario, por durar sómente trinta annos.

D'onde resulta que não é absurdo pagar uma divida de encargo menor com outro maior, uma vez que a amortisação de uma e outra seja feita nos limites de uma annuidade que esteja nas forças de quem se vê na necessidade de levantar emprestimos.

Emquanto ao pagamento de 1.080:000$000 réis, ao qual se deve acrescentar a jouissance de 210:000 libras, já se respondeu quando tratei de comparar este emprestimo com cada um dos de 5.000:000 e 5.500:000 libras nominaes.

Concordo, sr. presidente, em que a companhia de sueste não devia ser paga pelo emprestimo, considerando esta questão absolutamente; porém considerando-a relativamente, isto é, aos tropeços que a dita companhia, embora fallida, tem posto a tres successivos ministerios, não tenho duvida de votar que o embolso á dita companhia seja feito com parte do dinheiro do emprestimo.

Na occasião em que o sr. Fontes estava tratando de contrahir o emprestimo de 5.500:000 libras nominaes, estabeleceu s. exa. um accordo em que dava á companhia mais do dobro do que está estipulado no artigo 4.° do projecto; dava s. exa. quatro milhões novecentos e tantos contos com o fim de facilitar o recurso ás praças estrangeiras, e porque os mercados das outras nações ficavam-nos abertos para podermos ir levantar ali os meios de que carecíamos, como s. exa. disse no seu discurso sobre a generalidade do projecto.

Tambem ninguem ignora a historia dos telegrammas do sr. José Dias Ferreira, quando ministro, sobre a promessa á dita companhia, de que o accordo feito pelo sr. Fontes seria levado á presença do parlamento, e isto em occasião em que ainda não estava collocado o emprestimo das 5.500:000 libras.

Finalmente s. exa. o sr. Carlos Bento, no artigo 2.º do projecto de contrato assignado por s. exa. em Paris, em data de 4 de dezembro ultimo, e pelo representante da société générale, estipula que todas as condições exaradas n'aquelle contrato para o fim de emprestar ao governo 100.000:000 francos, não terão vigor senão quando o governo portuguez pelos princípios de equidade na questão de caminhos de ferro, tiver feito desaparecer as dificuldades que a emissão ou collvcação do emprestimo podem encontrar actualmente nas praças de Londres e de Paris.

São, sr. presidente, tres ministros da fazenda successivos, que nem sempre estando de accordo em muitos pontos da administração publica, unanimemente reconheceram a influencia da companhia de sueste sobre qualquer transacção de emprestimo que tentassemos fazer nas praças estrangeiras.

Portanto não é para admirar que o actual sr. ministro da fazenda se visse na necessidade de consignar no projecto em discussão o pagamento á dita companhia com uma parte do emprestimo, e, desde que reconheceu que o emprestimo era absolutamente necessario, no que todos concordam, e todos reconhecem que sem elle não é possível alcançar a regular da nossa fazenda publica.

Já mostrei, sr. presidente, que a vantagem de pagar á companhia de sueste não é tão grande como parece quererem inculcar.

Finalmente, emquanto ao governo haver procedido mal ou bem em relação á resolução que tomou para embolsar a dita companhia, precedendo um laudo de tres habeis e honrados engenheiros, cate assumpto ha de ser objecto da discussão do artigo 4.º do projecto; no entanto já babemos qual foi a opinião de tres antecessores do actual sr. ministro da fazenda sobre esta materia...

Deveria concluir aqui, sr. presidente, as rasões que me levaram a votar o projecto na sua generalidade, e bem assim porque votarei pelo seu artigo 1.º em discussão, porém não deixarei de fazer breves refflexões, sobre algumas proposições que ouvi enunciar n'esta casa.

S. exa. o sr. Carlos Bento, cujas opiniões são para mim de todo o peso e auctoridade, propoz que em logar de ser o emprestimo de 18.000:000$000, fosse de 13.000:000$000

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réis. Porém, sr. presidente, eu vejo que s. exa. assignou com o representante da société générale, em data de 4 de dezembro ultimo, um contrato de emprestimo de francos 100.000:000, ou 18.000.000$000 réis, e eu supponho que as actuaes circumstancias do nosso thesouro não são mais lisonjeiras do que eram então, antes o contrario, e portanto se s. exa. achou que em 4 de dezembro era necessario um emprestimo da grandeza de 18.000:000$000 réis, não posso achar rasão para s. exa. o reduzir a 13.000:000$000 réis!!

Ouvi dizer, sr. presidente, a alguns oradores que nós recebendo do mutuante estrangeiro apenas a quantia de réis 13.000:000$000, vamos entregar ao mesmo mutuante, no fim de trinta annos, cincoenta e seis mil e tantos contos de réis!! Que esta operação era absurda, era dissipadora, e não sei que mais!

Admitto, sr. presidente, que annualmente tenhamos de dar a Goschen uma annuidade e commissão de 1/2 por cento, na importancia de 422:100 libras. D'onde resulta que no fim de trinta annos teremos desembolsado 12.663:000 libras. Emquanto que não recebemos depois de deduzir tudo que está indicado no contrato de 16 de abril senão 3.394:500 libras.

Ora, um capital posto a juro simples de 6 por cento ao anno, no fim de trinta annos e meio, quadruplica-se; isto é que 3.394:500 libras se transforma, sem usura, e sem juros compostos, em 13.578:000 libras. E sendo a differença d'esta ultima quantia para 12.663:000 (56.983:500$000 réis) de 915:000 libras, mostra que a juro simples de 6 por cento ao anno não são necessarios trinta annos para o capital de 3.394:500 chegar a 12.063:000 libras.

Alem d'isto é facil mostrar que o capital de 3.394:500 a juro composto de 5 por cento capitalisado no fim de cada semestre, em sessenta semestres fica elevado a 14.935:098, quantia ainda superior a 12.063:000; portanto não posso descobrir aqui nem usura da parte do mutuante, nem dissipação do mutuado.

Tambem ouvi avançar n'esta casa que o encargo do actual emprestimo ía elevar os juros da nossa divida consolidada a 9.000:000$000 réis, mais do que metade da nossa receita. Suppondo que a receita seja de 16.000:000$000 réis!! E para que foi apresentado o seguinte calculo:

[Ver tabela na imagem]

Porém, Br. presidente, o illustre orador que desenvolveu as parcellas que ficam mencionadas, não considerou o enorme juro da divida fluctuante externa, na importancia de 1.287:000$000 réis, e acrescentou os 332:000$000 réis juros da divida interna, e estas duas parcellas, não devendo continuar a figurar no orçamento, por isso mesmo que o emprrstimo é destinado tambem para a amortisação dos capitães que produzes: aquelles juros, segue se que o emprestimo actual eleva o actual encargo de 6.854:000$000 a réis 7.366:450$000, e não a nove mil e tantos contos.

Agora, sr. presidente, direi duas palavras a favor da desamortisação enunciada no artigo 1.° do projecto, amortisação que apenas chegando a 0,875 por cento, é tilo diminuta que seria quasi imperceptível se esta amortisação recaísse toda sobre a percentagem do juro para tornar este juro um encargo permanente.

Sr. presidente, tenho ouvido dizer n'esta camara que o principio da desamortisação não póde ser admittido, porque um tal principio faz com que as gerações futuras gosem dos melhoramentos feitos pela geração actual, sem que venham a ter os encargos respectivos. A primeira vista parece ser verdadeira esta proposição, porém não é assim. Se nós deixássemos ás gerações futuras todos os melhoramentos a que é possível attingir o entendimento do homem, então seria justos que elles tambem pagassem o custo d'aquelles melhoramentos, porém as gerações futuras terão a satisfazer novas necessidades e encetar novos progressos, e mesmo aperfeiçoar os actuaes, e tudo isto ha de acarretar comsigo encargos, e portanto é justo que alliviemos os nossos vindouros o mais que for possível dos encargos que a presente geração vae creando em seu proveito e das que hão de vir.

Sr. presidente, ainda hoje temos exemplos de desamortisações em quasi todas as nações da Europa, e até n'aquellas em que os seus orçamentos apresentam deficit.

A Belgica amortisou, desde 1 de maio de 1867 até 30 de abril de 1868, a quantia de 9.235:000 francos, apesar de deficits em cada um dos annos de 1868 e 1880, que importaram em 2.508:370 francos e 707:588 francos.

A Hollanda amortisou, durante um anno, de 1867 a 1868, florins 1.207:000, apesar de deficit de 4.800:503 florins.

A Inglaterra, que em 1855 tinha uma divida, não consolidada, de 23.151:400 libras, em 1867 ficou reduzida a 7.056:800, e em 1868 a 7.911:100. E a divida consolidada, que em 1861 era de 785.119:600 libras, ficou reduzida, em 1867, a 760.541:004, e em 1868 a 741.190:328, tendo por conseguinte empregado, durante o anno de 1867 a 1868, libras 28.306:376, para a amortisacão de ambas as dividas, apesar de ter um deficit n'aquelle anno, que foi de 1.636:024.

Podia citar mais exemplos, porém não quero cansar a attenção da camara, e apenas terminarei citando o exemplo dos Estados Unidos, que amortisou, em 1867, dollars 746.350:526, e em 1868, 200.176:368; devendo notar que na receita d'aquelle anno entraram, sob o titulo de - emprestimos contratados - 640.426:910 dollars, e n'este anno, e sob o mesmo titulo, 135.103:282.

D'onde concluo que o principio de desamortisaçao é seguido mesmo pelas nações que trazem na frente dos seus orçamentos deficits consideraveis.

Se nós não tivessemos amortizado 3.200:272$392 réis do saldo de 4.000:000$000 réis, em divida ao banco de Portugal, ficando reduzido, em 27 de junho de 1867, a réis 799:727$628, que foi capitalizado n'esta data, e pelo que pagamos o juro de 47:983$650, teríamos hoje, em logar d'este encargo annual, outro maior, que não podia deixar de importar em menos de 240:000$000 réis.

Devemos, sr. presidente, aproveitar estes exemplos salutares, e não se diga que a França não amortisa as suas dividas, porque ella sempre amortisou desde, 1810 até 1848, tendo allcançado, que os fundos que estavam, em 1846, a 56, 57 e 58 por cento, chegaram, em 1823, a 89, e em 1824, os de 5 por cento vieram ao par. O exemplo de 1848 para diante nada prova, attendendo a que a receita do fundo da amortisação faz parte da receita publica, desviando assim da sua applicação, e não me considero habilitado para entrar na apreciação d'esta medida, e este exemplo nada prova contra a desamortisação, que julgo sempre profícua todas as vezes que a sua annuidade seja diminuta, isto sem fracção da unidade da percentagem dos juros.

Vou terminar, sr. presidente, declarando que voto por este projecto, não porque elle seja bom em absoluto, mas sim porque não apparece e nem appareceu outro melhor; porque é absolutamente necessario para pagarmos avultadas quantias que enormemente pesam sobre o thesouro; porque, finalmente, não é possível tratar da organisação da nossa fazenda publica, sem a libertar das exorbitantes exigencias dos capitalistas estrangeiros, que não deixara respirar os nossos ministros da fazenda!

É necessario, sr. presidente, de que, terminada esta discussão, entremos na discussão do orçamento, a fim de mostrarmos ao paiz até que ponto póde ser reduzida a nossa despeza, para depois recorrermos ao imposto, que a nação não repelle, uma vez que seja equitativo e bem empregado (apoiados).

Tenho concluído.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

1:205-IMPRENSA NACIONAL - 1869

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