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SESSÃO NOCTURNA DE 10 DE DEZEMBRO DE 1870

Presidencia do exmo. sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios - os srs.

Antonio Augusto de Souta Azevedo Villaça
Joaquim Augusto da Silva

Chamada - presentes 52 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - Os srs.:
Braamcamp, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Sousa de Menezes, Antonio Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos,
Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca,
Eça e Costa, Barris do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Beirão, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Jayme Moniz, Santos e Silva, Zuzarte, J. C. de Moraes, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Lobo d'Avila, Gusmão, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas Junior, Almeida de Queiroz, Mexia Salema, José Tiberio, Julio Rainha, Leandro J. da Costa, Luiz de Campos, Marques Pires, Paes Villas Boas, Sebastião Calheiros, Thomás de Carvalho, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, e Visconde de Villa Nova da Rainha.
Entraram durante a sessão - Os srs.: Adriano Machado, A. de Ornellas, Alberto Carlos, Osorio de Vasconcellos, A. Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antonio Pequito, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Pereira do Lago, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Silveira da Mota, Palma, Mártens Ferrão, Barros e Cunha, Alves Matheus, J. A. da Silva, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, José Luciano, Rodrigues de Carvalho, Lopo de Mello, Mariano de Carvalho, D. Miguel Pereira Coutinho, e Pedro Roberto.
Não compareceram - Os srs.: Antunes Guerreiro, Arrobas, Freire Falcão, A. Pedroso dos Santos, Santos Viegas, B. Ferreira de Andrade, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Ulrich, J. J. de Alcantara, J. A. Maia, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, J. M. dos Santos, Pedro Antonio Nogueira, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Julio do Carvalhal, Luiz Pimentel, Affonseca, Camara Leme, Pedro Franco, e Visconde de Valmar.
Abertura - Ás oito horas e um quarto da noite,
Acta - Approvada.
O sr. Barros e Cunha: - Acha-se nos corredores desta casa o sr. Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos, deputado pela índia. Pedia a v. exa. que, na conformidade do regimento, e segundo o uso doesta casa, o mande introduzir na sala, a fim de prestar juramento.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.
O sr. Santos e Silva: - Acaba de me ser distribuido um parecer da commissão especial do bill de indemnidade, que foi tambem encarregada de examinar a proposta do sr. Barros e Cunha, que, se me tivesse sido apresentado, eu teria assignado vencido. Faço esta declaração, porque, não vindo o meu nome no numero dos membros da commissão que assignaram o parecer, espero que v. exa o faça constar na acta.
O sr. Presidente: - Queira ter a bondade de mandar para a mesa a sua declaração por escripto.
O sr. Luiz de Campos: - Na sessão de quarta leira, quando tive occasião de pronunciar aqui breves reflexões ácerca do bill de indemnidade, proferi no calor da discussão uma expressão, que póde ter intuitos diferentes daquelles que eu queria assignar-lhe.
Revendo as notas tachygraphicas, encontrei essa expressão que não podia estar no meu animo. Até agora não me consta que ninguem reclamasse por ella; sou eu que venho dar satisfação perante o parlamento, e pedir a v. exa. que consulte a camara se permitte que eu retire do meu discurso, que por esse facto não tenho mandado para a imprensa, a palavra «monstruosidade» que, sem saber como, proferi com referencia ao gabinete do sr. duque de Loulé, gabinete que eu por forma alguma podia apreciar desta maneira.
Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que eu retire essa expressão do meu discurso.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Não é preciso votação da camara; a declaração do illustre deputado é bastante; entretanto como v. exa. o pede, vou consultar a camará.
Consultada a camara, decidiu affirmativamente.

ORDEM DA NOITE

CONTINUA A DISCUSSÃO SOUBE O PROJECTO no BILL DE INDEMNIDADE

CONCEDIDO A ACTOS DE DICTADURA

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do projecto n.° 4. Tem a palavra o sr. Dias Ferreira.
O sr. José Dias Ferreira: -... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
O sr. Mendonça Cortez: - V. exa. comprehende, e a camara tambem, que depois do longo e brilhante discurso do nobre orador que occupou com tanta satisfação para elle, e desgosto, seguramente, para o partido reformista, que o teve como seu correligionario, e particularmente para mim, que o tenho por amigo e que não esperava ouvir o que lhe ouvi, digo, a camara e v. exa. comprehenderão de certo que não é já no fim da sessão, quando a camara está cansada, que eu, na qualidade de relator, devo usar da palavra, tenho de levantar asserções de s. exa., que me collocam era posição desagradavel, de como relator do bill, ter de defender os actos dos ministros da dictadura, e como soldado do partido reformista ter de defender os actos deste ministerio contra aquelle para quem peço o bill.
Por isso, se a camara me permitte, eu na sessão seguinte usarei da palavra.
O sr. Presidente: - Não é preciso consultar a camará; o illustre deputado póde desistir da palavra, e fallar quando quizer, porque é relator da commissão.
O sr. Mendonça Cortez: - Muito bem, mas talvez que por esta forma eu prejudique algum sr. deputado que esteja inscripto.
O sr. Presidente: - Não prejudica. Tem a palavra para um requerimento o sr. Falcão da Fonseca.
O sr. Falcão da Fonseca: - V. exa. e a camara sabem quanto é necessario e urgente occupar-nos das medidas de fazenda. Por consequencia eu pedia a v. exa. que submettesse á votação da camara a seguinte proposta, (leu). Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que entre na ordem do dia, logo que termine a discussão do bill de indemnidade, o parecer da commissão de fazenda n.º 14 (real d'agua).
Sala das sessões, 10 de dezembro de 1870. = Falcão da Fonseca.
Foi admittida.
O sr. Mendonça Cortez: - V. exa. tem a bondade de me dizer qual foi a resolução da camara, quanto ao meu pedido?
O sr. Presidente: - Não houve resolução alguma da camara.

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O Sr. Mendonça Cortez: - V. exa. permitte então que eu use da palavra?
O Sr. Presidente: - V. exa. não desistiu d'ella?
O Sr Mendonça Cortez: - Eu não cedi da palavra; pedia á camara que me dispensasse de fazer agora as considerações que tenho a fazer, se isso não fosse prejudicar a inscripção. Se isso não é possível, começo desde já.
O sr. Presidente: Eu já disse que não precisava licença da camará; o regimento dá preferencia ao relator; póde usar da palavra quando quizer.
O sr. Mendonça Cortez: - Então Vou usar da palavra.
(O sr. deputado não restituto o principio do seu discurso, proferido nesta sessão.)
Foi approvada a proposta do sr. Falcão da Fonseca.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuado da discussão do projecto de lei n.º 4. Está levantada a sessão.
Era meia noite.

Discurso do sr. deputado Telles de Vasconcellos, que deveria ser publicado na sessão do dia 2 do corrente, a pag. 268, col. 1.ª

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, como está presente o sr. ministro da justiça, consinta-me a camara que eu faça algumas perguntas a v. exa. Te-las-ía já feito ha muito tempo, se s. exa. frequentasse com mais assiduidade as sessões do parlamento. Deseje porém saber se s. exa. tenciona trazer á camara algumas medidas de negócios que dizem respeito á pasta da justiça.
O nobre ministro foi completamente estranho, segundo me parece, ao projecto de resposta ao discurso da corôa, que foi aqui discutido; porque estabelecendo-se ahi certo programma, fazendo-se certas promessas ao parlamento e ao paiz, apenas o sr. ministro do reino e o da fazenda expozeram quaes eram as suas idéas; aquelle com relação á questão administrativa, e este ácerca da questão de fazenda. O sr. ministro da justiça foi, repito, estranho a este documento; não teve parte n'elle de certo, aliás dir-nos-ía quaes os seus trabalhos respeito á pasta que gere, e os traria á camara de iniciativa sua.
Desejo saber se s. exa. está disposto a trazer a esta camara alguma proposta no sentido da reforma do código criminal. S. exa. sabe que alguns artigos d'elle estão tendo applicação em certas comarcas e em outras não; e tendo por certo rasto os que attendem mais ao espirito do que á própria letra do código, e digo rasão, porque a observancia do codigo era certos casos traz consigo um grande trabalho para o juizo sem proveito algum, porque em virtude do processo que deve ser intentado de policia ou querela, segundo as prescripções do actual codigo, o resultado é a impunidade com grave prejuizo para a sociedade, e com grandíssimo trabalho para o juizo; bem como eu pedia licença ao Fr. ministro para lhe perguntar se s. exa. tenciona trazer alguma cousa á camara no sentido de reformar á forma do processo. Se me não engano, s. exa. tem na secretaria trabalhos importantes que lhe tinham sido legados pelos seus collegas, e mesmo creio que alguns destes assumptos foram commettidos aos trabalhos de commissões compostas de importantes jurisconsultos nomeados pelos antecessores de s. exa. o sr. ministro. Não pareça á camara que estes negocies são de pequena importancia. O ministro que os apresentar ao parlamento, e a camara que os discutir e approvar, tem feito um dos mais relevantes serviços que se podem fazer a este paiz (apoiados).
Ouço dizer, em um aparte que amigavelmente me dirigiu um meu collega, que o codigo do processo está prompto; se está, traga-o s. exa. á camara, e discuta-se. Nada mais necessario ao bom e regular andamento doa negocios publicos, e desta parto dos tribunaes, do que uma boa lei de processo (apoiados).
Ha ainda um outro assumpto e não menos importante, para o qual eu quero chamar a attenção do sr. ministro da justiça, que é para a resolução de uma quentão em que tanto se tem Miado, a respeito á qual nada só tem feito ou antes decidido, porque o ministro antecessor de s. exa. creio eu, alguns trabalhos tenha, respeito á dotação do clero; desejava saber se esta questão occupa o pensamento do sr. ministro da justiça, e se o seu espirito está inclinado a ter em consideração a classe parochial, que por certo não terá sido a que terá chamado em seu favor os carinhos ministeriaes, e diga se a verdade, porque é necessario disse la aqui, a classe eclesiastica é uma das mais desprotegidas neste paiz (apoiados), e em erro estão aquelles que olham para a classe eclesiastica com menos favor e consideração.
Conheço perfeitamente a gravidade do assumpto, conheço aã dificuldades com que ha a lutar; mas quanto maior é a dificuldade ha solução de qualquer problema, maior é sem duvida a gloria do homem que vencer esses embaraços, e essas difficuldades; uma difficuldade não é motivo para se parar, pelo contrário deve ler incentivo pirá se vencer, e para se resolver dê uma maneira justa e condigna (apoiados). Desde muito que a dotação do clero tem sido objecto de trabalhos pára alguns governos, mas até hoje nada se tem resolvido; esta é que é â verdade, infelizmente.
Desejava portanto que s. exa dissesse o que pensa a respeito deste importante assumpto, e se as suas idéas hão estiverem de accordo com as minhas na apresentação de varias propostas tendentes a resolverem estas graves questões de administração, pedirei a palavra novamente, e exporei a v. exa. e á camara a maneira como se apresentam ao meu espirito estás questões, e o valor que se me afigura tem a sua resolução na marcha dos negocios publicos, e na administração deste paiz.
Discurso do sr. deputado Santos e Silva, proferido na sessão de 5 de dezembro, 6 que devia ler-se a pag. 304, col 1.ª
O Santos e Silva: - Sr. presidente, v. exa. e acamara sabem, que assignei vencido o projecto de lei, conhecido pelo nome de bill de indemnidade e que está em discussão. Não poderei pois, deixar de dar um tal ou qual desenvolvimento às minhas observações, para justificar a minha assignatura e o meu voto.
Folgo com a resolução que a camara acaba de tomar. Evita-se com ella, que v. exa. se incommode, chamando repetidas vezes os deputados á observancia dos preceitos regimentaes, e evita-se tambem que os oradores se incommode com as advertências severas da presidência, que interrompem os discursos, às vezes cortam os fios dá argumentação, e podem perturbar os discursadores. Não fallo de mira, porque felizmente não sou attreito a esses achaques. Todavia hei de fazer todos os esforços para não serem demasiado longas as reflexões que tenho a fazer.
Percebi na maioria desta casa, revelada ha poucos momentos, por alguns membros da direita, certa ansiedade, que não quero contrariar, e pelo contrario desejo auxiliar, para que sejam discutidas as propostas financeiras, que têem por ora o pequeno inconveniente de jazerem no limbo das commissões. Seja como for, é facto que o meu espirito não está hoje disposto, nem me parece adequada a epocha para fastidiosas dissertações, para pugnas violentas, nem para vehementes e apaixonadas aggressões.
As questões pessoaes são sempre estéreis ou prejudiciaes. Vou occupar-me de uma questão de principios, e abstrahirei quanto ser possa das pessoas (apoiados). Se alguma vez tiver de alludir a este ou aquelle cavalheiro, creia v. exa. e a camara, que o farei unicamente, ou pelas exigências do assumpto, ou pelo rigor da argumentação.
Nós os deputados que occupamos o lado esquerdo da carcará, nós os que não jurámos, nem estamos dispostos a jurar aquellas bandeiras desbotadas, que a mão mysteriosa do acaso arvorou sobre a banqueta ministerial, temo-nos até hoje mantido escrupulosamente no terreno da mais irrepreensivel benevolência.
Nem hemos combatido, nem se nos tem offerecido que

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combater. Silenciosos sobre a marcha pausada e grave do governo, excepto tuim ou noutro incidente, em cujas refregas vão ha transparecido o menor proposito politico, temos assistido impassiveis a esta esterilidade ministerial, que parece querer transformar-se em abundante colheita, á vista de uma proposta que neste. momento acaba de noa offerecer o sr. ministro da fazenda, e donde hão de brotar centenares de contos de receita, que terão de afogar, em pouco tempo, o nosso deficit aterrador.
Ate aqui só tenros que celebrar o goso dos nossos ocios parlamentares, em que os dias feriados igualam, senão excedem, os dias úteis de sessão.
E pois justa a impaciencia da maioria, e não póde deixar de receber os applausos da opposição. Já não podemos ser taxados de inquietos ou de pouco soffredores, porque os ministeriaes, que são sempre pessoas insuspeitas, não poderá conter os seus reparos, e ei-los a pedir ao governo ou às suas commissões, que parecem um pouco retardatarias, menos indiferença, maior zelo pelo serviço da patria. Têm rasão. A questão de fazenda traz angustiado o espirito de todos os homens publicos, e prende, quasi exclusivamente, as attenções do paiz. D'ella pende a paz publica, d'ella pende a liberdade, a prosperidade e o futuro da nação (apoiados),
Quando o ministerio de 29 de outubro emergiu, concertado ou recomposto, naquellas cadeiras, e se avistou, no primeiro dia, com os representantes do paiz, nós os homens da opposição, sempre com deliciosamente accusados de malbaratar o tempo, não quizemos de proposito perguntar-lhe donde vinha. Abstivemo-nos da pergunta, não porque ella fosso velha, ou estivesse gasta, mas porque ora ociosa, sendo de primeira intuição para todos, que parte d'elle vinha do nada, e para o nada voltaria em pouco tempo; e que outra parte surgia do imprevisto, da surpreza, da incompatibilidade de hontem, da contradicção, que é a lógica do dia, e da abdicação de um partido, que de véspera se dissera o mais popular, o mais numero-o, o mais talentoso, e o mais feraz de aptidões exclusivas para bem governar o paiz.
Não perguntámos ao ministerio para onde ia, porque era tambem intuitivo para noa todos, que ou não ia para parte alguma, ou ia ao acaso para toda a parte, Fim certo e de terminado, era impossivel advinhar-lho.
Ainda hoje emprazo e desafio o mais perspicaz, o mais aventuroso Edipo, que seja capaz de decifrar o enygma desta especie de esphynye.
Não quizemos abrir as azas da discussão a, este lemma curioso, que daria logar a interessantes episodios, a notáveis peripecias, e a peregrinas theorias constitucionaes sobre a indole e formação doesta gabinete, e de que tivemos magnifica amostra na resposta dada aqui às observações, aliás pacificas e benevolas do meu honrado e illustre amigo o sr. Braamcamp.
Dêmos treguas á logica implacável doa factos recentes e antigos. Deixamos repousar o raciocinio, cuja intervenção neste assumpto inflammaria discordias, e accenderia perigosas perturbações, que poderiam fazer tremer nos seus assentos os illustres conselheiros da coroa; e em nome dos sacratissimos interesses da patria, a que nos cumpre curvar, deixamos passar a surpreza, abrimos alas ao imprevisto, e tolerámos que a galera ministerial vogasse, quasi em secco, e varasse o costado no lodo deste porto de salvação, chamado bill de indemnizado.
Sr. presidente, estamos a braços com uma das mais transcendentes questões, que costumam debater-se nos parlamentos. E uma questão eminentemente constitucional, da maior monta politica, e a que estão preços os brios, a dignidade e a honra de todos os partidos liberaes desta terra. E uma questão de principios, que é necessario firmar bem e affirmar alto, nesta occasião e neste logar, para que se descriminem claramente os campos; para que se extremem os partidos; para que se denunciem os bifrontes, se os ha; e para que te condenne a uma triste publicidade e a uma tremenda responsabilidade o nome d'aquelles, que porventura hajam mantido á nação, faltado á fé partidária, embaido o publico, como qualquer prestidigitador, rôto vergonhosamente os seus compromissos, e por fim descido ao affrontoso mister de descoser da fragil haste, a que estava presa, a bandeira do seu hoje indecifravel credo politico, para a estender, como tapete, debaixo dos pés do ar. presidente do conselho de ministros.
Eu não accuso pessoalmente ninguém; dirijo-me a um partido. Gosto sempre de travar combate com quem tem maiores forças, e vale mais do que eu, para proporcionar aos meus adversários as glorias pouco invejáveis de um facil triumpho.
Permitta-me v. exa. e a camara que eu rememore, em largos traços, os acontecimentos politicos que têem surprehendido este paiz desde 19 de maio até á desgraçadissima questão do bill de indemnidade. Assim é preciso na ordem das idéas, que me proponho expor á camara.
Caiu em 19 de maio um ministerio, regular e constitucionalmente constituido, quando tinha os seus materiaes acepilhados, senão para a resolução definitiva e em mediata da nossa questão de fazenda, pelo menos para a attenuação efficaz, progressiva, verdadeira, séria e não nigromantica do deficit, que nos assoberba. É deslocado tumultuariamente por um governo de facto e dictatorial. Concita-se a opinião; treme o paiz pelo systema constitucional; agita-se a nação; protesta a consciência publica, e reagem os municipios, as juntas geraes, outras corporações, milhares de cidadãos contra os excessos da dictadura; exerce-se em larga escala o direito de petição, de exposição, de reclamação, por parte de todos os partidos liberaes desta terra, e em que representa um distincto papel o partido chamado reformista; pede-se, em brados anisemos, a immediata convocação do parlamento, para que seja restaurado o imperio da lei, e se resolva definitiva e peremptoriamente a magna questão das nossas finanças; levantam se clamores patrióticos na imprensa de todas as cores, cuja grande maioria é pela liberdade, pela ordem, pela legalidade, contra a anarchia das ruas e contra os desacatos ao direito democratico e pacifico da reunião; e dão-se por ultimo os successos de 29 de agosto, sob a impressão de tentativas suspeitadas contra a independência do paiz e contra a dynastia constitucional.
Inventa-se um ministerio imprevisto, incompleto, interino, que, passados dez ou doze dias, estava reduzido apenas a dois membros physicamente sãos, pela despedida do sr. marquez d'Avila, e pela doença do sr. Marquez de Sá, ministerio ajoujado a pastas, não sei se triplicadas, se quadruplicadas, cujo peso, ainda assim, não parece incommoda-lo.
Verificam-se as eleições geraes a 18 de setembro, contra a opinião pertinaz do membro despedido do gabinete. Nega a uma uma maioria firme, homogenea, decisiva e retincta na politica exclusiva de metade do grupo do sr. bispo de Vizeu (pausa), do sr. bispo de Vizeu! outrora chefe glorioso, unico, autocratico do ex partido reformista, que se tivera previsto os notaveis succedimentos de 29 de outubro, data fatal para muitos, não se daria talvez pressa em investir se na posse de pergaminhos em branco, de titulos equivocos, de reformista e de radical!
E o governo obrigado a subscrever às indicações do suffragio popular, já de antemão proclamadas pela opinião, antes das eleições geraes de 18 de setembro.
Começam as conferencias para ura ministerio de colligação ou de conciliação, por iniciativa e convite do gabinete cerceado de 29 de agosto, conferencias em que o sr. ministro da fazenda, interino então, e hoje effectivo, parece ter dado mais uma prova cabal de incontestável habilidade nos seus conhecidos exercidos de politica seria, nos seus maravilhosos equilibrios de politica maromatica (riso), em que nem sempre a graça e o donaire lhe costumara conquistar o applauso das multidões (riso).

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Rompem-se as conferencias, porque o ministerio decidiu apresentar ao parlamento tal qual cata; e para cumprimento fiel da sua honrada palavra, demitte-se duas horas depois, para ressuscitar no mesmo dia, ou no outro, porque o sr. bispo de Vizeu tem o condão das ressurreições (riso)
Atam-se os fios partidos das conferencias interrompidas para um governo de conciliação, tudo por obra, graça, iniciativa e convite do ministerio resuscitado, mas não curado, como Lazaro, das feridas que lhe causaram a primeira morte; e rejeitam-se por fim offertas que não podiam deixar de ser rejeitadas por parte do honrado partido progressista histórico, que teve uma curta quadra, em que foi levantado às alturas de providencia salvadora para o grupo reformista (apoiados); por parte do isento e desambicioso parte progressista histórico, que principiou logo a ser abocanhado por aquelles que de véspera lhe estendiam a mão, como para uma tábua providencial de salvação!!
(Apoiados)
Das almas grandes a nobreza é esta! Muito bem.
Vozes: Muito bem.
Se o partido progressista histórico, se os homens liberaes da esquerda da camará, qualquer que seja a sua procedência, quizerem desforçar-se das mal cabidas injurias, que adversários, talvez despeitados, lhes têem arremessado aos pés, dar-se-iam nesta occasião por bem vingados com o papel desprimor o só, que a maioria dos amigos do sr. bispo de Vizeu terá de representar nesta infeliz questão do bill de indemnidade.
Perguntar-lhes-íamos ironicamente: - Quem venceu? Foi o sr. Marquez d'Avila ou o sr. bispo de Vizeu?
Creio que nenhuma voz se levantará, creio que ninguém terá a audácia de blasonar, que fora o sr. Marquez d'Avila quem sinceramente se convertera ao grémio radical da rua Nova do Almada. Quem se converteu, foi o partido exclusivista, intransigente, puritano, ultraliberal, que se reformou em conservador. O epitheto não é nosso; foi decretado pela imprensa reformista, em desabono poli tico do sr. Marquez d'Avila e de Bolama, no dia immediato áquelle em que deixou a amoravel e sempre saudosa companhia do sr. bispo de Vizeu; epitheto que, seja dito de passagem, pertence bem menos a certos respeitos, ao sr. marquez, do que a alguns dos seus detractores de hontem e alliados contrictos e sinceros de hoje.
Eu conheço de perto o sr. marquez, e tenho apontadas as tendencias liberalissimas que se denunciam nalguns puritanos da maioria.
Ha dois mezes, o sr. marquez d'Avila, incompativel cora o sr. D. Antonio Alves Martins, porque era conservador, bebera leite, crescera, medrara na escola reaccionaria do nosso paiz, e pactuara compromissos com o sr. duque de Saldanha, que os moralistas e os puros não podiam aceitar: ei-lo condemnando a uma eterna mudez o sr. bispo de Vizeu, e açaimando os caprichos, os surdos rumores, as veleidades timidas dos independentes e dos blasonadores! (Apoiados).
Aceitam o bill como está? Pois aceitam a sua eterna condemnação. Propõem modificações? Pois modifiquem o que quizerem, porque emquanto aceitarem a doutrina do artigo 1.°, desautoram se politicamente perante o paiz (apoiados).
O sr. Barros Gomes: - Peço a palavra. O Orador: - Vou ler á camara um documento, que não póde deixar de ser relembrado nesta occasião; é uma mina inexhaurivel, donde manam argumentos sem conto, para provar a coherencia política de uns certos espartanos, que nós todos em outro tempo conhecemos. E preciso que de novo corra o mundo, porque a camara e o paiz necessitam confronta-lo com o irreprehensivel proceder da maioria desta casa. É a representação solemne, é o protesto eloquente, sincero, audaz, do centro liberal reformista, contra a ominosa ou nefasta dictadura. É assignado o protesto por distinctos cavalheiros, parte dos quaes têem assento nesta casa. Convido-os desde já a passar para a o de forçosamente estar comungo contra o bill de inlemnidade escarnecer dos seus proprios compromissos? Os moralistas não são capazes se commeter um tão negro attenetado!
(Apoiados.)
Figura entro os signatários o sr. Saraiva de Carvalho, ministro das justiças; se s. exa. tivesse actualmente voto no parlamento, eu afiançava, com a mão na consciencia, que o illustre reformista teria brios para deixar cair das mãos a sua pasta, preferindo collocar se ao meu lado, aqui, nas cadeiras da opposição, para fulminar com a sua palavra e condemnar com o seu voto o desgraçado bill de indemnidade. Faço justiça á honradez do seu caracter e á lealdade das suas convicções.
Não quero com esta citação negar por ora aos cavalheiros assignados no protesto a mesma sinceridade de convicções, porque emquanto não estiver consumado o acto da votação, não posso acreditar que tão illustres caracteres manchem a sua reputação política, approvando desassombradamente este projecto de lei (apoiados). (Leu.)
Peço para este notavel periodo a attenção da camara, porque n'elle o centro do partido reformista condemna severamente o decreto das promoções. Não se pode dizer mais ; a censura energica e a condemnação formal só podem ser igualadas pelo vigor da eloquencia. (Continuou a ler.)
Será crivei, sr. presidente, que uns certos homens novos. que authenticaram com as suas firmas respeitaveis este grandiloco documento, puros e limpos politicamente de todo o peccado original, na seiva das suas crenças, no fervor da sua fé, apostolos fanaticos da mais requintada moralidade, severos julgadores de todas as faltas de fé, juizes implacaveis de todas as apostasias, apreciadores austeros de todas as contradicções, tenham a coragem de rasgar nas faces do parlamento os seus compromissos religiosamente contrahidos perante a nação, compromissos escriptos, compromissos publicados, compromissos depostos rias mãos do poder moderador!!? (Muitos apoiados.)
Não posso acreditar um facto, que escandalisaria a consciencia publica, e levantaria em tudo o paiz um brado enérgico de reprovação (muitos apoiados).
Quanto ao sr. bispo de Vizeu, outrora chefe desee glorioso partido que se finou, limito-me a olhar para s. exa. com áquelle interesse com que se olha para o infortunio. Vejo n'elle a miniatura desses desgraçados marechaes do segundo e ultimo imperio, que de desventura em desventura, de erro em erro, de capitulação em capitulação, nem poderam, souberam ou quizeram ser uteis á causa que sustentavam, nem resgatar a honra perdida da bandeira, que desfraldaram, nem salvar do exterminio os seus exercitos, que, de derrota era derrota, de vergonha em vergonha, ficaram reduzidos a pó.
O projecto de lei que estamos discutindo tem dois artigos; proponho a eliminação do primeiro, pelas rasões que vou expor á camara; voto contra o segundo, porque saiu da politica tortuosa do governo, vem manchado de contradicções, de arbitrios legislativos e de contrasensos parlamentares.
É necessario desconjuntar esta arca, onde os bifrontes, se os ha, pretendam salvar-se do diluvio das suas desgraçadas inconsequencias, das tibiezas da sua fé, do desamor pelos principios e das debilidades do seu caracter politico. Não alludo ao relatorio que precede o projecto, porque é da responsabilidade de até só homem, como são em regra todos os relatórios; e eu não quero trazer para este debate questões pessoaes. Mas de passagem direi ao meu illustre amigo, o sr. Cortez, a cuja intelligencia, e inteireza de caracter faço, e sempre hei de fazer justiça, que ha de chegar brevemente o dia em que elle só com a sua consciencia, solto dos compromissos politicos a que está actualmente preso, se

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arrependerá de ter consentido em modelar o seu magrissimo relatorio, (a palavra não é minha), pelas linhas que precedem a proposta de lei ministerial, linhas minguadas, dessoradas, desceremoniosas, desprezadoras dos principios constitucionaes, attentatorias da dignidade parlamentar, irreligiosas até á profanação de um assumpto, que pela sua alteza devia ser tratado condignamente, por um governo e por uma maioria, que se jactam de monopolisar nas mãos a arca santa dos principios liberaes, o sacrário augusto, onde as suas vestaes guardam e alumiam a pureza das crenças as mais radicaes, a moralidade em todas as suas manifestações, e o respeito por tudo quanto ha de mais nobre e de mais levantado no campo dos dogmas constitucionaes.
Não procedeu assim o sr. marquez d'Avila ha dois annos, antes de ser chefe do moralissimo partido reformista; não procedeu assim o sr. bispo de Vizeu, ha um anno, antes de se render á discrição nos braços do sr. presidente do conselho, quando veiu aqui pedir-nos as absolvições da sua dictadura. Ao menos, nos seus relatórios ha palavras de respeito pelos principios, satisfação dada ao parlamento, e como que uma humilde supplica, para serem absolvidos dos crimes politicos, que praticaram. Amnistiei o sr. marquez, porque o que se fez em janeiro de 1868 era imperiosamente reclamado pela nação, em nome da ordem publica, e da tranquillidade do paiz. Neguei a absolvição ao sr. bispo de Vizeu, porque a esteril e ingloria dictadura não assentara em rasão alguma suprema de salvação publica. Aqui está a rasão dos meus votos oppostos, n'aquellas duas notáveis epochas. Que faz, porém, hoje, o governo? Faz o que governo nenhum, que se preze, teria a audacia de fazer. Toma desassombradamente a responsabilidade de uma dictadura, que fulminou, que crivou dos mais affrontosos epithetos, contra a qual alborotou o paiz, e não tem a hombridade de escrever ou pronunciar quatro palavras serias para justificar ou explicar esta honrada perfilhação.
É a mais surprehendente sophismação do dever ministerial, que parlamento algum tem presenciado (apoiados).
Pois teem a coragem, o desassombro, de tomar a responsabilidade de um acto, que infamaram, de um attentado altamente criminoso, que a nação em massa condemnou, e fallece-lhes a dignidade politica para descerrarem os lábios ou deixarem cair dos bicos da penna quatro palavras quaesquer, que encaminhem á justificação dos motivos, que levaram os espartanos do sr. bispo de Vizeu á apostasia das suas crenças, e ao reprehensivel esquecimento dos seus sagrados deveres? ! Tomam ou não tomam a responsabilidade da dictadura dos cem dias? Tomam, cora certeza, porque pedem a sua santificação e a confirmação de quasi todos os seus actos. Pois, visto que a tomam, justifiquem, expliquem as rasões do seu inqualificavel proceder. Não fogem a este circulo de ferro, que os ha de eternamente torturar. Não estranhe v. exa. e a camara, se eu sou severo com o governo e a sua maioria. É naquelles bancos, e no lado direito da camará, que eu vejo hoje os réus, porque é lá, que estão os dictadores e a dictadura (apoiados).
Assumem a responsabilidade de um crime? Aceitem tambem as lógicas consequencias.
Sr. presidente, não sei se v. exa. tem presentes os relatórios, que precederam os buis de 1868 e 1869. Em todo o caso vou le-los. São pequenos, mas são dignos e respeitosos (leu).
Quando aquelles dois chefes de partido, fundidos hoje numa só cabeça visivel, que é o sr. marquez d'Avila, andavam arredados ou a fugir um do outro, ainda não tinham de todo esquecido o respeito que é devido ao systema constitucional.
Naquelles relatórios entoa-se o pamitet, por se ter attentado contra a lei fundamental, mas fazem-se esforços dignos, para sustentar as rasões que levaram os respectivos governos ao desvio do seu dever constituicional.
Hoje são outras as formulas; variaram as obrigações; porque um bill de indemnidade é uma cousa trivial, que chega a incommodnr os illustres caudilhos do partido radical, ou a lembrar-lhes o dever constitucional se respeitarem os principios, e de ajoelharem reverentes perante o systema parlamentar. Dir-me-hão: nós não fomos os dictadores, porque não fomos os companheiros do sr. duque de Saldanha, no nefasto governo dos cem dias. Se não foram os dictadores, se antes blasphemarem contra a dictadura (não alludo neste ponto ao sr. Marquez d'Avila), para que tomam hoje a responsabilidade d'ella, pedindo a sua santificação? E se a santificam, porque não têem a hombridade de a defender? Miserável contradicção, que ha de afogar em bilis os que eu estou, com justiça, torturando, mas que lhes não fornecerá um argumento de valia, que attenue os martyrios do equleo onde os vejo estorcendo-se (muitos apoiados).
Estão ali, n'aquellas cadeiras, os dictadores; é ali o banco dos réus (apoiados). (Continuou a ler.)
Eu leio de propósito estes documentos, para que a camara e o paiz avaliem, quanto vae declinando entre nós a homenagem e o preito, que todos os governos derem às instituições fundamentaes.
Não deviam ficar de pé estas velhas usanças, com a invasão dos moralistas e dos radicaes, que vieram ao mundo trazer a lei nova e reformar tudo.
O artigo cuja eliminação eu proponho em uma moção, que vou mandar para a mesa, releva o governo da responsabilidade em que incorreu pelas medidas de natureza legislativa, que promulgou desde maio do corrente anno em diante.
Pela redacção deste artigo creio que o governo actual tem escrupulos, ou desconfia ter commettido tambem alguns abusos de poder, porque se assim não fora, deveria limitar a santificação dos delictos politicos até 29 de agosto, dia em que succumbiu a dictadura. A redacção do artigo presta-se effectivamente às minhas suspeitas. (Leu e explicou o artigo.)
Se o governo tem effectivamente alguns receios, se o punge a consciencia, se está convencido de que praticou infracções da constituição, se commetteu algum peccado venial, eu não sinto a menor repugnancia em lhe dar generosamente a minha absolvição, porque é natural, que não tenha grandes attentados a amnistiar.
Quero porém, ver confessadas pelo governo as faltas commettidas.
Que abusos foram esses? Saia por uma vez o governo dessa politica mysteriosa, dessas vias tortuosas em que anda enredado. Falle a verdade, confesse as suas culpas clara e francamente ao paiz. Diga, por exemplo, que por uma portaria revogou um decreto da dictadura. Declare, se commetteu ou não um abuso de poder, e se precisa ser relevado dessa responsabilidade.
Eu supponho que se publicou, ha tempos, uma portaria, suspendendo o decreto da dictadura, que reformou o collegio militar.
Houve outra a respeito do theatro de D. Maria II. Não me recordo de outros actos deste governo, sobre o assumpto em questão. Discutamo-los pois, e vejamos se o governo precisa ou não de absolvição.
Quem sabe? talvez eu o declarasse benemerito, e o santificasse até, se elle tivesse tido a decisão de revogar por motu proprio os desacertos dos cem dias.
Eu proponho a eliminação do artigo 1.°, que releva o governo da responsabilidade em que incorreu pelas medidas de natureza legislativa, que promulgou desde 19 de maio, porque não quero absolver, não quero justificar, não posso santificar actos, que reputo illegitimos e nullos, derivados de um attentado altamente criminoso, que á minha consciencia e aos meus principios repugna sanccionar.
Tambem me não proponho n'esta occasião a formular uma accusação, mas quero salvar a minha responsabilidade, e manter intacto o meu respeito pelos principios consti-

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tucionaes. Demais não supponho esta formula do artigo 1.º tão sacramental nos fastos dictatoriaes, tão essencial, que a não veja oxpungida das dictaduras de Passos Manuel e de Sá da Bandeira, em 1836, e do próprio duque de Saldanha, Rodrigo da Fonseca, e Fontes Pereira de Mello, em 1851 e 1852. Não vem lá a decantada formula sacramental do artigo dos governos revolucionários dentão pé diram que se confirmassem certas medidas, mas não que fosco relevada a sua responsabilidade.
É estas dictaduras (não quero passar adiante sem o affirmar), estas dictaduras de 1836, de 1851 e 1852, tiveram uma alta significação, que as consciencias mais elasticas, e as mais relaxadas condescendencias não são capazes de descobrir no attentado de 19 de maio e nas suas desastradas consequencias.
Eu posso reconhecer, ou antes aceitar forçadamente factos que se impõem por si, que vivem da força das circumstancias e do império de irrevogaveis necessidades, factos, cujos effeitos ninguem póde destruir, como, por exemplo, o facto da cunhagem da moeda, cujas consequencias, cujo giro, cuja circulação, cujas transacções ninguem póde desfazer; mas da aceitação forçada destes actos não póde nascer para mim a obrigação de proclamar a sua legitimidade, que tanto vale relevar o governo da responsabilidade, em que incorreu por os ter tumultuaria e despoticamente promulgado (apoiados). Sá o duas questões distinctas, que é necessario não confundir (apoiados).
Eu não quero por agora accusar. Faça-o quem quizer. Mas levar a minha generosidade até á santificação de gravissimos abusos; levar a minha falta de escrupulos até á impunidade moral e politica de erros, que são um abysmo, e clamam por outro abysmo; decretar com o meu voto um bónus aos emprezarios fallidos de dictaduras; fomentar com premios de risco a concorrencia dos dictadores; e, finalmente, faltar ao cumprimento dos meus deveres de cidadão, de homem liberal e de deputado, em nome de compromissos, que o paiz não reconhece, a carta constitucional não auctorisa, e a dignidade dos poderes publicos repelle e condemna: não posso faze-lo, porque seria commetter um crime para santificar outro crime, e nivelar pelo chão o meu diploma de deputado para engrinaldar façanhas, que a moral, a historia e os principios constitucionaes nunca hão de absolver (apoiados).
O parlamento e os homens podem hoje perdoar, mas a historia, que é o homem de amanhã, ha de fulminar aquelles que sacrificarem os principios às conveniencias de momento (apoiados), ou ao sobrecenho de um governo, e de um moderno chefe politico, que leva a sua crueldade até ao ponto de humilhar um parlamento, e o seu novo e primeiro partido, perante a sua consciencia e perante a nação. Não póde ser (apoiados).
Houve compromissos!! Que argumento desgraçado ainda teremos a vergonha de ouvir!
Quer v. exa. saber quaes são os compromissos? Tenho-os aqui, numa carta, cuja leitura offereço á camará. Eu faço a v. exa. e ao paiz, juiz, se fica ou não deshonrado um parlamento que der um voto de louvor, ou um bill de indemnidade á dictadura, em nome de tão irregulares e inaceitaveis compromissos (apoiados).
A carta é do sr. duque de Saldanha escripta a um dos seus corajosos companheiros do dia 19 de maio (riso). Não quero ler a carta toda; extrahirei apenas della alguns periodos (leu).
Aqui está a capitulação. O illustre marechal Saldanha só abandonou o poder em 29 de agosto ao sr. marques d'Avila, com a solemnissima promessa de não serem perseguidos os seus amigos! O sr. marquez dAvila e de Bolama ratificou as condições, e aceitou a capitulação!
E ha de a maioria, em nome destes estranháveis compromissos, votar o bill de indemnidade!
Attenda a camara. A promoção não é revogada, não póde ser annulluda, porque o sr. Marquez d'Avila não tem forças para faltar á capitulação, que de Saldanha!! O assumpto seria ridiculo, subversão de tudo que ha serio, digno e moral do systema representativo (apoiados).
Em nome da moral publica oftendida, em nome da dignidade dos parlamento», em nome da honra do meu paiz, e da pureza das nossas instituições, em nome de tudo que ha de respeitavel e sagrado, eu, com a não na consciencia, reprovo e condenno taes humilhações (apoiados), e protesto contra taes compromissos (apoiados), á vista dos quaes se pretende extorquir um voto ao parlamento, para approvar o desgraçado bill de indemnidade (apoiados).
Sr. presidente, a camará, v. exa. e o paiz já ha muito tempo conhecem a« minhas opiniões a respeito de dictaduras e de revoluções. E preciso assentar bem os principios, repeti-los todos os dias, nesta vacillação de idéas, nesta volubilidade constante de opiniões, nestas nigromanicas de convicções, nestas prestidigitações de crenças politicas, que alguns homens novos, ou antes rapazes velhos, offerecem desgraçadamente ao paiz, em espectáculo publico.
A dictadura é um crime, porque é um abuso do poder. A dictadura é a subversão de todos os principios, a invasão todas as attribuições constitucionaes, a intrusão de todos os poderes politicos, a absorpção de todos os direitos dos cidadãos, que ao usurpador aprouve tumultuaria e despoticamente arrogar-se.
A dictadura é um dos maiores crimes no systema constitucional, e no regimento dos povoa livres, porque é o desprezo cynico, e a negação estupida e brutal da lei fundamental.
E por isso que ellas são merecedoras de severas correcções, e de grandes castigos.
E mister que o povo se insurja sempre contra ellas, e que a opinião enérgica de todos os homens conscienciosos e liberaes as esmague para sempre na hora primeira da sua nascença (apoiados).
Um dos maiores cancros do nosso paiz é a falta de energia constitucional. Quando surge das trevas um criminoso attentado, ou ficamos, em regra, indifferentes, ou tomados de paralysia politica. Só, mais tarde, quando todos os interesses são mais de perto e directamente offendidos, é que, às vezes, accordamos. A postergação dos principios não sobresalta logo o nosso espirito; os heroes das emboscadas continuam as suas façanhas, a sombra da impunidade, e quando, por um tardio movimento da opinião, são desalojados do poder, recolhem-se ao ostracismo benevolente e commodo, cheios de benesses, e forrados de honras e condecorações (apoiados). E este o seu exilio; é este o código penal que fulmina os seus attentados (apoiados).
Sr. presidente, as dictaduras não são factos innocentes para o futuro e para a liberdade dos povos.
Se Cincinatus abdicava o poder dictatorial no fim de quinze ou vinte dias, e voltava, depois de ter salvado Roma, a cultivar o seu pequeno campo, donde tirasse meios de sustentação, por ter arruinado a sua fortuna ao serviço da republica; Scylla manchava os fastos gloriosos da velha Roma com nodoas de sangue; tratava a Italia como paiz conquistado; deportava em massa populações inteiras, para dar logar aos seus famintos legionarios; degolava generaes às duzias e prisioneiros aos milhares; reduzia a quatrocentos o numero de senadores; cerceava as franquias populares, roubando aos tribunos a iniciativa nas leis, e o veto sobre materia politica; e depois de ter derramado torrentes de sangue, e creado um immenso partido á custa das mais atrozes espoliações, abdicava a dictadura, que era já uma arma inutil para a satisfação das suas ambições plutocraticas, dos seus ferozes instinctos, e dos seus rancores partidários, e definhava em tão, victima da sua vida desordenada, no regaço das cortezas, cercado de musicos e histriões.
Nunca houve homem no mundo que fizesse maiores favores aos «eus amigos, mas a custa do alheio, e que maio-

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res males causasse aos seus adversários. É este o teu triste
epitaphio. Será este o eterno epitaphio de todas as dictaduras sem grandeza, oppostas ao consenso geral, repellidas pela opinião do paiz; dictaduras esbanjadoras, dictaduras immoraes, que para cumulo do escandalo acabam por engrinaldar com prémios e honras a fronte dos heroes, que o código penal devia soldar ao banco raso dos réus (apoiados).
Sr. presidente, não nego que possa haver occasiões em que, para salvaguardar os altos interesses nacionaes, ameaçados de se subverterem nas grandes convulsões, seja necessario velar a imagem da liberdade, como se occultam no paganismo as estatuas dos deuses, na phrase conceituosa ou pittoresca do illustre Montesquieu.
Assim mesmo o capitão da nau, em certas occasiões, cede o poder ao piloto experimentado, assim muitas vezes a sociedade, em momentos de perigo imminente ou declarado, póde permittir que mão audaz vigorosa e hábil colha as rédeas da governação, e a guie a porto seguro, salva das borrascas, que as paixões politicas, a desordenada anarchia das praças, a sedição dos quartéis, as tentativas liberticidas, e os Catilinas de todas as eras desenfrearam e soltaram sobre o solo da nação (apoiados).
Mas estas excepções costumam definir-se e restringir-se no pacto politico e fundamental dos povos livres. Temo-las na nossa carta constitucional. Se está o parlamento aberto vem o governo pedir às cortes que permittam a suspensão de formalidades que garantem a liberdade individual. Se o parlamento está encerrado, os poderes publicos tomam sobre si toda esta responsabilidade quando a pátria corra imminente perigo, e dão depois às cortes, logo que se abrem, conta circunstanciada dos seus actos e das altas rasões que tiveram, para suspender umas certas formalidades.
É o que permitte a constituição, no artigo 145.°, § 34.° Fora disto é um crime assaltar e usurpar os poderes politicos, e os direitos individuaes, que a carta garante às cortes e aos cidadãos. Se o governo quer portanto um bill de indemnidade para os dictadores, se toma a responsabilidade dos seus abusos e dos seus delictos, é indispensavel que produza as rasões que justificam taes attentados. O contrario significa o desprezo revoltante pela constituição (apoiados).
Tome inteira e precipua toda a responsabilidade. Diga que são justificaveis os actos da dictadura, e que o attentado de 19 de maio fora indispensável para salvar a sociedade e as instituições. Colloque a questão neste terreno, que é a sua obrigação (apoiados).
Sr. presidente, se as dictaduras podem ser, por excepção, um remedio violento e energico, é facto que em regra acabam por aggravar os males, e comprometter a vida do paiz enfermo.
É preciso pois proscrever e condemnar severamente as dictaduras, porque o menor dos seus males e habituar os povos a confiarem cegamente nestas entidades collectivas ou individuaes, e a julgarem-se dispensados de concorrer com as suas faculdades, e com a propria responsabilidade para a salvação dos seus destinos (apoiados).
Os povos, que não confiam em si, abdicam, aviltam se (apoiados), e é por isso que o grande Rousseau dizia que não era tanto o perigo do abuso, como o perigo do aviltamento, que o levava a blasphemar contra estas indiscretas magistraturas.
Sou por consequencia contra todas as dictaduras que significam a usurpação violenta, anarchica, tumultuaria e subversiva dos poderes regulares, legitimos e constitucionaes.
Mas não coo fundo estas monstruosidades politicas, estes aleijões sociaes, estes crimes sem perdão, com os factos necessarios e fataes, saidos das entranhas das grandes revoluções, que salvam os imperios, a independencia dos povos, a liberdade e as instituições.
Dictaduras como a de D. Pedro IV; dictadura como a de Joaquim António de Aguiar, que secularisou os frades, extinguiu as ordens religionas, que nenhum homem liberal até hoje julgou favoráveis á liberdade; dictadura como a de Mousiuho da Silveira, que libertou a terra de privilégios e alcavalas, e extinguiu os dizimos, que ainda hoje tem admiradores como o paganismo tambem os tem; dictaduras como a de Passos Manuel e de Sá da Bandeira, que alargaram os foros populares e lançaram os fundamentos de utilissimas e fecundas instituições; dictaduras saidas das verdadeiras revoluções nacionaes, quando são a ultima das ultimas rasões dos povos; essas abençoas o povo, porque foi a nação que as decretou. Essas são fataes, imprescendiveis, porque trazem nos seus pergaminhos o sello da soberania popular. São factos que se aceitam, que se reconhecem, que se sanccionam, que se homologam, e de que ate se aproveitam, nas suas lucrativas consequencias, os mais meticulosos casuistas da ordem e da legalidade.
Sr. presidente, tenho firmado e affirmado clara e francamente as minhas opiniões, porque o momento é solemne, e é necessario que todos tenhamos a dignidade de assumir a responsabilidade das nossas convicções.
Voto contra o artigo 2.° porque não reconheço a legitimidade de quaesquer actos da dictadura de 19 de maio a 29 de agosto; e não aceito a regra geral deste artigo, que os sancciona e homologa. Rejeito tambem a excepção, porque só a poderia votar se ella se transformasse em regra geral.
Eu não teria duvida em dar o meu voto a um ou outro facto consumado, cujos effeitos se não possam destruir, e a este ou aquelle acto de administração, que fundou direitos para terceiro, ou cuja precipitada revogação traga sérios embaraços e graves perturbações á sociedade e á governação publica.
Para isso era necessario que desapparecesse o artigo 1.°, que o 2.° occupasse o seu logar, e principiasse por dizer - ficam abolidos todos os actos da dictadura.
Um paragrapho exceptuaria depois aquelles, cuja conservação fosse aconselhada pelo império das circumstancias, e por casos de força maior, seriamente averiguados.
Se o governo quizer o projecto nestes termos, não terei duvida em lho votar; como está, não posso approvar-lho, porque não voto a minha exauctoração.
Na collecção dos actos ou providencias legislativas, publicados pela dictadura, e que nos foi distribuida, ha alguns que são effectivamente de natureza legislativa, e não offerecem duvidas. Mas outros ha, neste mesmo volume, a respeito dos quaes variam as opiniões, porque alguém os colloca na esphera do poder executivo.
Eu vou mandar para a mesa uma moção, pedindo á maioria da commissão que liquide este grave assumpto. De outro modo como havemos de descriminar os pontos suspeitos? Como resolver estas duvidas? Como assentar os principios e definir o direito? E ao parlamento a quem cumpre pelo artigo 15.°, § 6.°, da carta constitucional, interpretar as leis, faze-las, suspende-las e revoga-las. Não commetto similhantes funcções, que são minhas, que são de nós todos, ao poder executivo (apoiados).
Mas quer v. exa. saber o que faz o artigo 2.°? Estabelece em principio: Continuam em vigor todas as medidas de caracter legislativo; quer dizer, estabelece o vago, o indefinido, o abstracto, o obscuro, a omissão e a negação (apoiados). E um meio tortuoso, leviano, contradictorio, arbitrário e inconstitucional de legislar. E um contra-senso parlamentar, que assim se lhe póde chamar. Isto não pude ser (apoiados). A maioria da commissão e o seu governo legislam, depois, por excepção, porque especificam uma duzia de actos, que são garrotados, e que a dictadura promulgou. Isto nunca foi serio, nem nos governos, nem nos parlamentos (apoiados).
Eu desejava que o governo ou a maioria da commissão nos dissesse qual foi o criterio que guiou a sua certeira mão na redacção deste artigo 2.° e § unico.

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Qual o motivo pôr que continuara em vigor certas medidas, e porque são annulladas outras? Era que assentam estas confirmações e estas excepções? Onde está a rasão da lei? Qual a regra, a potencia, as causas, a justiça, o direito? Faz o governo excepcões, porque as medidas exceptuadas não estavam em vigor? Não puje sor, porque algumas dellas estão em execução. Descobriria a commissão que as que sito confirmadas não podem ser annulladas sem grave perturbação do serviço publico? Não pode ser, porque eu provarei á camara que um grande numero d'ellas podia ser annullado, sem perturbações para o serviço, e sem transtorno da ordem publica. Não ha criterio. Desenganemo-nos: o criterio foi o arbítrio, foi o acaso, que é de que vive o governo, e de que vivem os seus.
Eu não quero examinar minuciosamente as medidas da dictadura. Mas permitta-me v. exa. que para corroborar as minhas asserções, produza alguns exemplos.
Pergunto eu: o decreto de 22 de junho, que fundou o ministerio de instrucção publica, se amanhã fosse derogado, traria a sua revogação grave perturbação ao serviço publico? Creio que o desastre se resumiria na mudança de alguma mobilia, ou antes da poltrona do ministro. Os papeis, os negócios e os empregados ficavam onde estão.
Peço que me respondam conscienciosamente, e me digam quaes seriam os serios transtornos para a sociedade, ou para a publica governação, se o sr. bispo de Vizeu e os seus collegas abolissem hoje o ministerio da instrucção publica, ou se já o tivessem abolido? Podem responder-me com subterfugios; mas não são capazes de fabricar argumentos plausiveis.
A propria reforma do conselho d'estado (refiro-me ao decreto de 9 de junho), se fosse revogada, não poria em alarme os serviços publicos, nem inflingiria profundos golpes na administração do paiz. Voltavam as cousas ao seu antigo estado, desapparecia o supremo tribunal administrativo, e deixava o sr. marquez d'Avila de ser o seu presidente. Creio que esta grande desgraça, que não tem os foros de nacional, não póde ser um verdadeiro obstáculo á annullação do decreto de 9 de junho.
Se os srs. ministros querem aproveitar algumas disposições dessa reforma dietatorial, como por exemplo, a gratuitidade das funcções de conselheiro destado politico, tudo se póde conciliar numa proposta de lei que o governo póde apresentar ao parlamento. O decreto, como está, é inaceitavel. Á parte a gratuitidade das funções, para os futuros conselheiros, prefiro a anterior reforma do sr. bispo de Vizeu. Não é occasião de desenvolver esta materia; concluindo, pois, direi, que o decreto de 9 de junho podia ser facilmente revogado, limitando se a perturbação do serviço, a ficarem quasi todas as cousas como estão, e a volverem as antigas attribuições da secção administrativa, hoje na posse do procurador geral da corôa e dos seus ajudantes, á mesma secção, que se restaurava.
Passando agora ao decreto de 15 de junho de 1870, começo por protestar solemnemente contra uma atrevida medida, que teve a audácia de tocar num assumpto, que só cortes constituintes podem regular (apoiados).
O direito de petição, generosamente concedido ao paiz pelos dictadores de 19 de maio, está especificadamente reconhecido e garantido a todos os cidadãos, no artigo 145.° § 28.° da carta constitucional. Dispenso os favores da dictadura sobre tal assumpto.
Em materia eminentemente constitucional, porque diz respeito a direitos políticos e individuaes dos cidadãos, só é competente para intervir uma assembléa constituinte. E a clara doutrina do artigo 144.° da lei fundamental (apoiados). A dictadura não talou só o campo das attribuições de um parlamento ordinário; teve até o arrojo de assumir as funcções de cortes constituintes (apoiados).
Em um e outro caso conderano todas as estultas dictaduras, mas chamo especialmente a attenção da camara para o pasmoso desassombro com que os ministros, saidos do attentado de 19 do maio, regularam direitos constitucinaes, da exclusiva faculdade de curtes constituintes. É audacia de mais (apoiados). O que está expressamente garantido na lei fundamental, despensa, por todos os titulos, as dadivas generosas de qualquer dictador (apoiados).
A carta garante o direito de reclamação, queixa em petição, e até a faculdade de expor qualquer infracção da constituição, requerendo-se, perante a competente auctoridade, a effectiva responsabilidade dos infractores (apoiados). E neste direito de petição, está implicitamente incluído o direito de reunião, quando os cidadãos necessitem para concertarem as suas petições, reunirem-se pacificamente no exercício legal dos seus direitos. Foi assim sempre entendida a lei fundamental por todos os homens liberaes (apoiados).
Os governos mal avisados, que, por uma cerebrina hermenêutica, tem interpretado restrictamente a lei fundamental, arrependem-se no outro dia, porque caem fulminados pela opinião liberal do paiz (apoiados). Ahi temos a historia dos nossos dias para o attestar (apoiados). Quanto ao direito de petição, concedido às municipalidades e outras corporações, será talvez mais conveniente definir taes rettribuiçoes numa lei de administração civil (apoiados). E esto um assumpto, sobre que muito variam as opiniões. Eu não nego às camarás municipaes o direito de peticionar sobre materia politica, mas vacilla o meu espirito sobre um ponto importante. E materia incontestavel para nós todos, que as camaras municipaes representam legitimamente os seus munícipes, em todos os assumptos administrativos e económicos do concelho, porque são attribuiçoes proprias, garantidas por todas as leis, antigas e modernas. Quanto a objectos de política geral, se lhes não nego o direito de peticionar, como individuos, ou como corporação, exprimindo uma opinião sua, duvido que lhes assista o direito de representar as opiniões politicas dos seus concidadãos, que lhes não deram para isso procuração (apoiados). E as duvidas procedem das minhas convicções liberaes e democráticas, convicções, que tenho sempre grande prazer em affirmar.
Se é crime ser democrata, no alto e generoso sentido da palavra, sentenceie me e condenem-me quem quizer.
O exercicio de direitos políticos deve exclusivamente pertencer, individual ou collectivamente, aos cidadãos. Não os quero ver adormecidos á sombra de uma garantia, usurpada talvez pelas camarás municipaes. Representem as camaras, em seu nome, se quizerem, mas deixem que os seus municipes tomem a iniciativa, reclamem, peticionem, ou se queixem, a respeito de assumptos politicos, como entenderem.
Uma camara municipal facciosa póde attribuir aos seus concidadãos opiniões que elles não têem, e a rectificação tardia, se apparece, nem sempre poderá desfazer os effeitos que a usurpação das municipalidades produziu. Parece-me esta doutrina mais sã, mais democratica e mais constitucional.
Em todo o caso as municipalidades representaram sempre, quando quizeram e como entenderam; e se, a respeito d'ellas, alguns governos toem sido intolerantes, a vindicta da opinião tem prostrado no chão esses governos.
O decreto de 15 de junho póde, pois, sem inconvenientes, ser abolido, porque nem os cidadãos nem as corporações precisam das graças da dictadura (apoiados).
Passemos a outro decreto de 15 de junho, que trata do direito de reunião. É tambem uma das medidas dictatoriaes confirmadas pelo actual governo, e que foi posta em execução na epocha memoravel dos cem dias. Protesto contra esta carta de alforria que a dictadura se dignou conceder aos seus submissos servos, que nunca tinham exercido o direito de reunião! Protesto contra este rasgo liberal, cheio de peias e de reservas, pelas mesmas rasões por que protestei contra o seu irmão gemeo, que me garantiu o direito de petição.
O direito de reunião está nos nossos costumes; está nos

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hábitos da todos os povos livres; está na indole do systema constitucional. Está no artigo 145.° da carta constitucional, quando diz que - a liberdade dos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes, que teem por base a liberdado, etc., é garantida pela constituição do reino =. Está no § 28.° do citado artigo que regula o direito de petição, como já ha pouco provei.
Pergunto eu agora ao governo, á maioria da commissão e aos modernos amigos do sr. marquez d'Avila e de Bola-ma: que transtornos soffrerão a administração publica, a sociedade e a ordem, se for abolido o decreto sobre o direito de reunião? Respondam, &e são capazes. Emmudecem, e hão de emmudecer. Pois eu reclamo, em nome da liberdade, a sua annullação. Em primeiro logar, porque o direito de reunião é matéria politica, que só cortes constituintes podem regular. Em segundo logar, porque eu não quero que o exercicio de tão democrático e proficuo direito se molde pelos pouco invejaveis precedentes que nos legaram as desgrenhadas reuniões dos cem dias. Vi as eu: ululantes, frementes, ameaçadoras, essas reuniões, que pejavam as praças e as ruas de gentes, no trajo e no aspecto, desgraçadas, que apavoravam os transeuntes, caminhando á luz lugubre dos archotes, e ao som destemperado de pifanos e tambores, para os paços então reaes do supremo dictador. E se o assumpto não fora baixo, eu poderá dizer d'elle o que de um dos nossos maiores feitos dissera o nosso grande epico:
«E as mães que o som terribil escutaram. Aos peitos os filhinhos apertaram.»
Não preciso das liberalidades da dictadura para exercer o direito de reunião. E quando delle precisara, nem o aceito como está, sem sinceridade alguma redigido, no decreto de 15 de junho, nem tumultuariamente exercido como se exerceu na dictadura dos cem dias (apoiados).
O direito de reunião foi sempre exercido neste paiz por todos os partidos liberaes. Nunca ninguem o julgou dependente da licença da auctoridade. Dar parte á auctoridade, que em tal dia e em tal logar se hão de reunir cidadãos, para se concertarem sobre certos assumptos politicos, não e pedir previamente licença, é satisfazer a uma prescripção policial. Os governos que teem tido audácia de contrariar as liberdades de reunião, não teem por muito tempo saboreado no poder as glorias de tão estultas oppressões. Appello para a memoria de nós todos (apoiados).
Eu tambem pergunto se o decreto de 15 de junho a respeito de aposentações, reformas e jubilações, teria algum inconveniente em ser revogado?
Podem me responder que já alguém se tem reformado, jubilado, ou aposentado, em virtude das disposições desse decreto. Pois garantamos o que está feito, que pouco será, annullemos o actual decreto dictatorial, que tem disposições iniquas, e melhoremos a antiga legislação, se é necessario melhora-la. Não ha desarranjo nenhum, absolutamente nenhum nas cousas publicas, se lançarmos no Indice ex-purgatorio o famoso decreto, ou doutrina requentada das aposentações.
Já no tempo em que o sr. Dias Ferreira, no seu primeiro consulado com o sr. marquez d'Avila e de Bolam a, apresentou á camara as mesmas idéas numa proposta, eu assignei o parecer da commissão de fazenda, com declarações.
É impossivel sustentar decentemente a odiosa e iniqua doutrina do artigo 4.°, principalmente em vista dos privilégios concedidos aos funccionarios militares pelo decreto de 28 de junho, do sr. duque de Saldanha, que veiu corrigir, em proveito do exercito, as iniquidades do seu collega, o sr. Dias Ferreira. Puis a lei deve ser igual para todos. Se aos funccionarios civis se não conta, para as suas aposentações ou jubilações, o tempo que servirem era commiseões estranhas ao seu mister, tambem se não deve contar para as reformas dos militares (apoiados).
Um funccionario civil póde, fora das suas obrigações bureaucraticas, prestar mais valiosos serviços ao pais, do que na sua repartição. Isto não precisa exemplificar-se (apoiados).
E não me alleguem a obediencia passiva dos militares, sobre que se baseiam os privilegios do decreto de 28 de junho, porque não ha lei, nem principio algum de justiça ou de moral, que obrigue um militar a ser administrador de um concelho, governador civil, empregado em commissões diplomaticas, ou no serviço de Deus e da igreja (apoiados).
Os militares podem ser administradores de concelho, ou o que quizerem; podem ser empregados em funcções diplomaticas e em misteres religiosos. O tempo que malbaratarem nessas commissões conta-se lhes para a reforma. O empregado civil não tem essa garantia, ainda que consuma a sua vida nas mais importantes commissões de utilidade publica. Isto é uma atroz iniquidade (apoiados). A lei deve ser igual para todos, quer premeie, quer castigue (apoiados).
Pelos exemplos que tenho produzido, julgo ter provado, até á saciedade, e sem receios de ser contrariado, que muitos decretos dictatoriaes, que se dizem em execução, podiam ser immediatamente revogados sem o menor transtorno publico, e deviam se lo, em homenagem aos principios, á justiça e á moral.
Vou agora provar que a excepção do artigo 2.°, em relação a algumas medidas, não assenta no facto da sua falta de execução. Terei assim demonstrado, que faltou de todo o criterio ao governo e á maioria da commissão, na redacção tortuosa do bill de idemnidade.
Sr. presidente, está ou não era execução o decreto de 15 de junho de 1870, que permitte a todos os cidadãos, no caso dos seus direitos civis e politicos, constituirem-se em associação para fins eleitoraes, litterarios, artisticos, de recreio, e para fundações de montes de piedade, independentemente de licença da auctoridade? Não ha duvida que está. Então se está, para que é derrogado este decreto? Por mais que busquem as rasões, as regras por que o governo confirma umas e annulla outras das previdencias dictatorial?, não é possivel descobri-las.
Se respondem: continuamos aquellas, que não podem ser destruidas, sem sérios desarranjos do serviço ou graves perturbações sociaes, prova se lhes até á saciedade, como eu tenho provado, com vários exemplos, que um grande numero de medidas podia ser inoffensivamente supprimi-do. Se teimam em asseverar, que confirmam só as que estavam em vigor, vem logo por parte dos contradictores a demonstração de que algumas das annulladas estão em effectiva execução. E o que acontece ao decreto sobre associações. Nem ha lógica no procedimento do governo, nem harmonia nas differentes disposições deste contradictorio bill de indemnidade. Se conservam os decretos sobre direito de petição e de reunião, para que revogam o direito innocente de associação? São pasmosas similhantes contradicções!
Pois eu, no logar do governo, se tivesse a audácia de reconhecer a dictadura, e de lhe santificar os seus abusos, teria com grande prazer confirmado o direito de associação. Pelo menos, as diposições do decreto, apesar de mesquinhas, contêem doutrina mais liberal do que o código penal que fica vigorando, supprimido o decreto dictatorial (apoiados).
A camara conhece de certo o iniquo e barbaro artigo 282.° do código penal sobre associações. Prohibe toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida era secções de menor numero, que sem preceder auctorisação do governo, com as condições que elle julgar convenientes, se reunir para tratar assumptos religiosos, politicos, litterarios, ou de outra qualquer natureza. Excellente e liberalissima doutrina, digna de um systema constitucional ou de um povo, que tenha aspirações democraticas!!
É tão insupportavel o artigo do codigo, que se póde considerar em desuso, desde a sua publicação, pelo rigor das

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suas penas. Castiga cora prisão até seis meses os que dirigirem ou administrarem as associações que deixo citadas. É esta a rasão por que n'este paiz nunca partido algum liberal fez caso do despotico artigo do codigo penal.
Todos se associam, fundados nas disposições do artigo 145.° da carta constitucional, para exercerem os seus direitos individuaes e politicos, que teera por base a liberdade, sem offensa da ordem publica. Reconheço ao governo, como protector dos interesses sociaes, o direito de intervir nas associações perturbadoras da paz publica e offensivas da constituição. Mais não. Em geral os nossos governos teem tolerado estas associações nas condições que deixo expostas. O código penal é letra morta para os fiscaes da lei e para os cidadãos. Mas se isto prova que é praticamente de desnessario o decreto dictatorial, não prova que deva ser supprimido por um governo, que conserva e confirma os decretes sobre petição e reunião, evidentemente desnecessários, porque taes principios estão expressamente garantidos na lei fundamental (apoiados).
Sr. presidente, pertenci sempre e pertenço a associações, umas politicas, outras não, e eu, e os meus amigos, nunca nos assustámos com o código penal. Existem hoje as associações, ou centros permanentes, histórico, regenerador, e reformista, e creio que nenhum delles obedece às prescripçoes do código penal, nem sente o peso das suas penas. É natural que continuemos a funccionar, como até aqui.
Mas se o governo quer pôr em vigor, com toda a galhardia, a saudável doutrina do código penal, nós os da opposição temos um bom fiador no centro da rua Nova do Almada. Emquanto elle tiver as suas portas abertas, hão de generosamente permittir que tenhamos tambem as nossas. Se nos pedirem estatutos, havemos de copiar os,r7o club reformista. Descançamos pois á sombra de tão valiosa e respeitável garantia.
Sr. presidente, chamei mesquinha á medida dictatorial do sr. Dias Ferreira, porque desde que elle se resolveu a alterar o artigo 282.°, devia permittir todas as associações, que o código penal prohibem, excepto talvez algumas, que este assumpto não permitte agora discutir.
As associações politicas não foram garantidas no decreto dictatorial, e a este respeito tanto restringia a dictadura, como restringe o código penal (apoiados). Mas a doutrina dacroniana deste código tanto fulmina as associações politicas, como as associações innocentes, que o sr. Dias Ferreira libertou.
Sr. presidente, a ninguém póde caber duvida, que o decreto sobre associações estava em execução. Todos nós temos conhecimento de uma ou outra associação, das mencionados no decreto de 15 de junho, fundada durante os cem dias. A sua revogação, por parte do governo, não tem pois explicação.
Ha tambem o decreto de 21 de julho, extinguindo o deposito publico de Lisboa e Porto.
Que este estava em execução, não deve restar a menor duvida, para o governo e por conseguinte para a sua maioria, desde que o sr. bispo de Vizeu, respondendo á interpellação de um illustre deputado, declarou que o alludido decreto estava em execução no Porto, onde as arrematações judiciaes se fazem perante as varas dos respectivos juizes. A não quererem pois renegar o sr. bispo de Vizeu, terão de confessar que a providencia sobre o deposito publico fôra pelo menos posta em vigor no Porto.
Sr. presidente, asseguro a v. exa que não quero trazer para aqui questões pessoaes; mas afianço que a voz publica se alevanta já contra esta excepção do deposito publico, e ve nella um patronato politico.
É a voz do povo, que murmura, é a imprensa que blasphema. Os homens que vieram inaugurar a quadra millenaria da moralidade politica, não podem consentir que seja approvada uma medida perfeitamente dispensável, quando ella está manchada da criminosa suspeita de patronato politico (apoiados).
Fatiemos com franqueza.
Estas desgraçadas excepções são umas complacencias do sr. presidente do conselho, pessoa a quem muito respeito, e de quem me prezo do ser amigo, para com algumas vellcidades, timidas e modestas, de certos espartanos, que nós conhecemos ha muito, pela sua isenção e desprendimento. Eu vejo estes corajosos torypheus contra a nefasta dictadura dos cem dias, tão abatidos e tão desnorteados, que me não espantará RO os vir correr, em debandada, a encerrarem-se na praça forte, que lhes abre generosamente o artigo 2.°, j mas dahi mesmo hão de ser desalojados. Sabe v. exa o que diz o artigo 2.°? Diz que «as mesmas providencias continuarão em vigor emquanto não forem opportunamente alteradas». A proposta do governo diz emquanto não forem convenientemente modificadas». Se é este o baluarte dos independentes, triste defeza é o seu ultimo recurso (apoiados). Não nos dão novidade alguma (apoiados). Todas as leis vigoram emquanto não são convenientemente modificadas ou opportunamente alteradas (apoiados). A novidade não é muito para applaudir (apoiados). Isto, que é nada, ou que é risivel, e uns certos compromissos fallados, mas não escriptos por parte do governo, creio que deixarão em paz com a sua consciencia os meus nobres collegas, e servirão de salvoconducto, para se apresentarem de rosto descoberto perante os seus correligionários, que desussombradamente alborotaram contra a dictadura dos cem dias. Deus os fade bem.
Não quero estar mais exemplos, e vou concluir, porque já deu a hora, e estou fatigado. Não desejo cansar por mais tempo a attenção da camará.
Sr. presidente, nós estamos a braços com, difficuldades sérias e reaes. Cuidemos de as remediar. E tempo. Eu nunca desesperei nem desespero da salvação do meu paiz. Confio, que os homens publicos de todas as procedencias, e a nação em massa, hão de sacrificar no altar da patria repugnancias e ressentimentos, para auxiliarem com o obolo da sua boa vontade e dos seus haveres, todo o governo firme, enérgico, homogeneo, sobretudo homogéneo, que tenha principios definidos, que saiba o que quer, e para onde vae, todo o governo intelligente, moral, patriotico, que se devote do coração á resolução pendente e efficaz das nossas grandes questões (muitos apoiados).
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Eu já disse, que ia concluir. Não costumo queixar-me de qualquer murmurio, que sinta na camará; mas o que posso afiançar aos murmuradores é que não me demoro quatro minutos.
O sr. Presidente: - Pôde continuar.
O Orador: - Amontoara se ha tempos, nuvens grossas no horisonte; sentem-se, vae para dois annos, rumores confusos e subterraneos, prodrómos de imminentes tempestades. Até o vulgo soletrou nos repetidos signaes, que appareceram no céu, prenuncios fataes de catastrophes inevitáveis. Pois bem! preparemo-nos para a hora solemne, se temos de passar por sanguinolentas provações.
Levantemo-nos á altura das desgraças que nos ameaçam, e saibamos manter honrada a independencia, que mais de sete seculos de bravura e de patriotismo nos legaram (apoiados).
Façamo-nos respeitar lá fora pelo nosso juizo, pela nossa firme e regular administração, pelas provas inequivocas da vida própria, e de povo, que tem recursos de sobra para fazer face às suas necessidades politicas, moraes e materiaes (apoiados).
Organisemos as nossas finanças, mas não sacrifiquemos os principios (apoiados), porque sem principios não ha governo, não ha liberdade, não ha estabilidade, não ha futuro, nem independencia para o paiz (muitos apoiados).
Salvemos os principios, porque os principios são a mais solida garantia, sito o esteio mais indefectivel da prosperidade nacional (apoiados).
Sr. presidente, eu voto contra o bill de indemnidade na

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generalidade e Da especialidade, tem tratar de indagar qual é a feição, que o governo lhe dá. Os principios constitucionaes valem mais do que as imposições voluntariosas de seis homens, que podem estar quiçá destinados para salvar o paiz, mas que não vejo dispostos a salvar os principios (apoiados).
O bill como está redigido é um repto audaz, uma luva grosseira lançada às faces de todos os partidos liberaes, que pozeram voz em grita, e desfraldaram bandeiras contra o attentado de 19 de maio, e contra a dictadura dos cem dias. Está a tempo de salvar-se, quem prezar a sua honra politica. Quem quizer suicidar-se, suicide-se (apoiadas). Mas lembrem-se todos, que o pais tem os olhos pregados em nós, e que á vista de tantos dislates, e de tanta relaxação por tudo que é respeitavel e sagrado, póde o povo um dia pedir severas contas aos homens publicos, que escarnecem de tudo e de todos, e sacrificam às suas ambições, aos teus caprichos, e ao seu engrandecimento pessoal, a moralidade politica, a honra partidaria, e as instituições liberaes. (Apoiados.- Vozes:- Muito bem, muito bem.)
(O orador foi comprimentado por guasi todos os srs. deputados.)

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