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SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1882

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vascoucellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se na mesa conta de um officio dos delegados da grande commissão encarregada pelo centro progressista de Lisboa, de fazer celebrar na igreja da Encarnação exequias solemnes em honra da fallecido bispo de Vizeu, D. Antonio Alves Martins, participando que esta solemnidade se verificará no dia 7 do corrente mez, pelas 11 horas da manhã. - O sr. presidente declara que a sessão seguinte abrirá às tres horas da tarde, para que os srs. deputados que quizerem possam assistir às exéquias. - Continuando a discussão do projecto de lei n.º 80, conclue o seu discurso o sr. Antonio Maria de Carvalho. - Julgada â materia discutida, é approvado o projecto na generalidade. Passando-se á especialidade, faliam sobre o artigo 1.° os srs. Emygdio Navarro, e presidente do conselho de ministros (Fontes Pereira de Mello).

Abertura - As duas horas da tarde.

Presentes - 63 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão os srs.: - Lopes Vieira, Alberto Pimentel, Sarrea Prado, Gonçalves Crespo, Pereira Corte Real, A. J. d'Avila, Pereira Carrilho, Santos Viegas, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Fonseca Coutinho, Trajano de Oliveira, Augusto de Castilho, Castro e Solla; Barão de Ramalho, Caetano dê Carvalho, Sanches de Castro, Brito Corte Real, Conde do Sobral, Emygdio Navarro, Pinto Basto, Estevão de Oliveira Junior, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Coelho e Campos, Francisco Patrício, Gomes Barbosa, Hermenegildo da Palma, Illydio do Valle, Freitas e Oliveira, Jeronymo Osório, Brandão e Albuquerque,. Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. A. Gonçalves, Ponces de Carvalho, Amorim Novaes, Elias Garcia, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Figueiredo de Faria, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Pereira de Mello, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Gonçalves de Freitas, Bivar, Luiz da Camara (D.), Correia de Oliveira, Silva e Matta, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Guedes Bacellar, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Candido, Pedro Martins, Barbosa Centeno, Visconde de Balsemão, Visconde de Porto Formoso e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Lobo, Sousa Cavalheiro, Agostinho Lúcio, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Azevedo Castello Branco, A. J. Teixeira, Cunha Bellem, Antonio Maria de Carvalho, Mello Ganhado, Pinto de Magalhães, Seguier, Potsch, Fuschini, Saraiva de Carvalho, Zeferino Rodrigues, Conde da Foz, Conde de Thomar, Borja, Cypriano Jardim, Eugenio de Azevedo, Gomes Teixeira, Wanzeller, Correia Arouca, Guilherme de Abreu, Silveira da Motta, J. A. Pinto, Rodrigues da Costa, Scarnichia, Ferreira Braga, Ferrão Castello Branco, J. A. Neves, J. J. Alves, Avellar Machado, José Bernardino, Borges de Faria, Pereira dos Santos, Rosa Araujo, José Luciano, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Vaz Monteiro, Pinto Leite, Lopo Vaz, Malheiro, Luiz Palmeirim, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Franco, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Ignacio da Fonseca, Diogo de Macedo, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Jayme da Costa Pinto, Dias Ferreira, Ferreira Freire, Vicente dá Graça, Pedro Correia, Pedro Roberto e Dantas Baracho.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, enviando copia das informações e despachos que obteve o requerimento em que Charles Garre, Luiz de Lemos e Luiz Etienne Jannae pediam a concessão de estabelecerem um estaleiro no sitio do Portinho da Arrabida, concelho de Almada.

Á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Abrantes, pedindo que lho sejam concedidos uns terrenos da praça de Abrantes, onde existe uma fonte publica, chamada dos Frades.

Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica, - mandada publicar no Diario da camara.

2.ª De alguns industriaes portuguezes, pedindo que seja modificada a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda, na parte em que faz
recair um só direito sobre todo o assucar importado.

Apresentada pelo sr. presidente da. camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

3.ª Da companhia dos trabalhos braçaes da alfândega do consumo de Lisboa, pedindo que sejam modificadas os artigos 2.º e 3.° da proposta de lei n.° 79-D, por lhes prejudicarem os seus interesses.

Apresentada pelo sr. deputado J. J. Alves e enviada á commissão de fazenda.
4.ª Dos empregados do governo civil do districto de Aveiro, pedindo augmento de ordenado.

Apresentada pelo sr. presidente, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica, e mandada publicar no Diario da camara.

5.ª Dos escripturarios do escrivão de fazenda do concelho de Oliveira do Hospital, no mesmo sentido da antecedente.

Apresentada pelo sr. deputado Brandão e Albuguerque e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

6.ª Da mesa regedora da misericordia de Villa Nova do Famalicão, pedindo para ser annexada A pia instituição que representa a administração e rendimentos da capella da Lapa, filial da igreja matriz d'aquella villa.

Apresentada pelo sr. deputado Adolpho Pimentel e enviada á commissão de administração publica.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. - Não possuo a camara municipal de Fraguai edificio adequado para paços do concelho, nem para tribunal judicial.

Os inconvenientes desta falta são manifestos, e resente-se della já a boa ordem nos serviços municipaes e no serviço judicial; e mais se resentirá se, por qualquer motivo, alheio á deliberação e vontade d'aquella municipalidade, lhe faltarem os edifícios em que aquellas repartições se acham installadas.

Para evitar estes inconvenientes, e por que tem aquelle concelho sobejos meios para sustentar a sua autonomia, resolveu a camara de Fraguas construir um edificio com a capacidade sufficiente para paços do concelho e tribunal judicial; mas para realisar essa deliberação carece de au-

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ctorisação legal que a habilite a applicar dos fundos especiaes em cofre, destinados á viação municipal, 2:000$000 réis para a construcção d'aquelle edificio.

Esta auctorisação, identica a outras já concedidas por esta camara, tem, por si, a justiça e o interesse publico, e em nada póde prejudicar a viação municipal, que, n'aquelle como na enorme maioria do concelho, só póde ser feita quando se procure outra fonte de receita que a actualmente cobrada para isso.

Por estes motivos tenho a honra de apresentar-vos o seguinte projecto de lei, que espero merecerá a approvação da respectiva commissão e a da camara.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É a camara municipal de Fraguas auctorisada a levantar, dos fundos especiaes destinados á viação municipal, a quantia de 2:0000$000 réis, para serem applicados á construcção de um edificio, com a capacidade suficiente para n'elle serem installados os paços do concelho e o tribunal judicial.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 4 de março de 1882.= José Bernardino.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

Projecto de lei

Artigo 1.° Os fiscaes dos antigos corpos da fiscalisação auxiliar, que desempenharem por mais de quatro annos os logares de chefes fiscaes, serão graduados em chefes de divisão.

Art. 2.° Quando se derem vagas de logares de chefes de divisão, serão promovidos a esses logares pela sua ordem de antiguidade, independentemente de concurso.

Art. 3.º Ficam só para este effeito alteradas as disposições do artigo 45.° do decreto de 1 de setembro de 1881.= finto de Magalhães, deputado pelo circulo n.° 53.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- É um dever constitucional proporcionar aos cidadãos os meios de exercerem os seus direitos com o menor sacrifício possível; e sendo o acto eleitoral um dos mais importantes, cumpre dispor os respectivos trabalhos por forma que os eleitores cumpram o seu dever sem risco e sem incommodo.

O circulo n.º 94 compõe-se de cinco assembléas. Em quatro destas, por serem mais pequenas, terminam cedo e no mesmo dia os actos eleitoraes. Ha, porém, uma assembléa, a de Santa Engracia onde succede inteiramente o contrario. A pequenez do templo, já de si insuficiente para conter o grande numero de eleitores recenseados, torna-se ainda mais sensivel logo que vão terminando os actos eleitoraes nas restantes assembléas, e que o povo vem affluindo para o de Santa Engracia, tornando a assembléa tumultuosa; embaraçando a regularidade da trabalhos, e originando, finalmente, as repugnantes e escandalosas scenas que ha bem poucos annos se presenciaram.

Considerando que é urgentíssimo e de necessidade remediar os inconvenientes apontados, e ainda os que nascem de ter de ficar a votação para o dia seguinte, como succedeu nesta assembléa, o que causa grave transtorno á grande maioria dos eleitores pertencentes às differentes classes que não podem comparecer em dia de trabalho;

Considerando que, tendo a assembléa de Santa Engracia 270 fogos e cerca de 1:800 eleitores, convém dividil-a de modo que obste de vez a este inconveniente:

Considerando que ha toda a vantagem na divisão da assembléa de Santa Engracia, ficando uma assembléa formada exclusivamente de eleitores de Santa Engracia, cuja sede é na respectiva igreja, e a outra de parte dos eleitores desta freguezia com todos os da freguezia de Santo André, cuja sede devia ser no espaçoso templo da Graça ficando assim cada uma destas iguaes com 1:700 fogos;
Considerando, finalmente, que a isto não de oppõe a vontade dos eleitores, e que é esta a opinião unanime da commissão do recenseamento do bairro oriental;

Por todas estas rasões tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte:

PROJECTO BE LEI

Artigo 1.° A assembléa primaria de Santa Engracia pertence ao circulo n.° 94 (1.°) Lisboa, é dividida em duas assembléas, sendo uma composta de grande parte dos eleitores da dita freguezia e com sede na respectiva igreja; e a outra composta do restante dos eleitores de Santa Engracia com os eleitores da freguezia de Santo André, e com a e é de na igreja da Graça.

Art. 2.° Fica deste modo elevado a sois o numero de assembléas eleitoraes do referido circulo 94 (1.°) e revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados em 4 de março de 1882. = Joaquim José Alves, deputado por Lisboa.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores.- Ha pouco mais de dois aunou que um poeta illustre e parlamentar distincto, o sr. Simões Dias, apresentou nesta casa, entre os unanimes applausos da camara, um projecto de lei, para que a nação pelo governo comemorasse o tricentenario de Luiz de Camões um da immortaes da nossa terra entre os immortaes do mundo inteiro.

No excellente relatorio a esse projecto encontrei eu estas eloquentes consideraçães: «Generalisa-se em todas as nações modernas da Europa o patriotico costume das commemorações civicas, que são como que a apotheose posthuma d'aquelles vultos que sobre symbolisarem, na ordem scientifica, artistica e industrial, o progresso da epocha em que viveram, bem mereceram por seus serviços e trabalhos a gratidão da terra que os viu nascer».

Senhores, faço minhas estas palavras, para vos pedir com ellas uma commemoração nacional no dia 8 de maio de 1882) pois que faz n'este dia um seculo que se finou na obscuridade de um desterro, para onde o atirava a ingratidão é grande homem que se chama na historia de Portugal Sebastião José de Carvalho e Mello, conde de Oeiras, marquez de Pombal) o mais perfeito modelo de estadista, no complexo das diversas qualidades que devem concorrer nestas entidades que, quando superiores, fazem com a administração publica o que os heroes da antiguidade não faziam com a guerra.

Procure-se em toda a historia da Europa, que não sé encontra um typo mais completo!

Elle fez com o absolutismo o que hoje procuram realisar as formulas constitucionaes das monarchias é das republicas, dirigidas já pelo criterio do positivismo dos factos. Elle fez mais para o progresso, pela tyrannia, do que fez depois a revolução politica pela liberdade!

No seu tempo, os encyclopedistas idealisavam e theorisavam em França, o que elle estatuia em Portugal, embora em nome de D. José I, rei absoluto em todas as cinco partes do mundo!

Quem elle foi, dil-o uma civilisação que á obra toda sua!

As aventuras loucas de uma creança sonhadora de victorias, o infeliz moço D. Sebastião; as incertezas e as duvidas de um velho, que logo ao nascer fora feito cardeal, e que só ao morrer o acaso o fazia rei; os sessenta annos de captiveiro em que a Hespanha teve uma colonia na Europa; as intrigas feminis da côrte de D. Affonso VI, esse rei fraco, que aliás não fez fraca a forte gente; a olympicidade da pessoa de João V, pequeno Luiz XIV do occidente: tudo isto fizera esquecer as glorias dos seculos XV e

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XVI, e ainda essa febre de enthusiasmo patriotico, que n'um momento proclamou a nossa independencia, e em quasi quarenta annos de lucta trabalhou por ella!

E o marquez de Pombal só com a acção da lei, mas da lei patria, affirmou no século XVIII a nação portugueza, como ella se affirmára pelas descobertas do mar por esse abraço dado pelo oriente no occidente, onde se estreitam as glorias do Rei D. Manuel, do almirante Vasco da Gama e do poeta Luiz de Camões!

Senhores, um ornamento d'esta casa, e honra do paiz, o sr. Pinheiro Chagas, eloquente quando falla, eloquente quando escreve, eloquente sempre, numa historia popular, que vale bem mais que muitas historias eruditas, synthetisa assim as reformas pombalinas:

«Sebastião José de Carvalho, tratou do mais, e mais nada. Ora de que é que o paiz precisava?

«Precisava de poder pensar e estudar, sem ser sempre debaixo da palmatoria dos frades e dos jesuitas.

«Precisava de acabar com a inquisição, porque era uma vergonha,, que ainda se queimasse gente em Portugal só por que não ia á missa.

«Precisava de ter exercito e de ter marinha.
«Precisava de ter industria.
«Precisava de ter lavoura.
«E nada disto elle tinha.»

E o marquez de Pombal a tudo providenciou na verdade: começou por fazer renascer Lisboa, que aliás ainda, lhe não ergueu um monumento; deu liberdade ao pensamento, tirando-o das escolas e dos confissionarios e dos pulpitos dos jesuitas, entregando-o á sciencia nos observatorio e nos laboratorio e deu liberdade á consciencia humana, apagando as fogueiras do fanatismo; levou a força do estado a ressuscitar; a agricultura e a fomentar as industrias, porque o espado bem faz acordando as iniciativas particulares, quando enervadas e indifferentes; fez-nos tão fortes, que pela administração dispensamos a guerra, e peja diplomacia tivemos voz na reunião das grandes potencias .... e se mais vivesse, teria feito com a democracia o, que fez com o despotismo.

Senhores! Honrámos a memoria de Camões; honremos a de Pombal!

Solemnisámos o tricentenario do poeta, solomnisemos o centenario do estadista! São dois immortaes, e são dois typos genuinamente portuguezes.

Para fazer-se justiça, ao auctor dos Luziadas foram necessarios tres seculos. Que bastem cem annos para se comprehender o alcance do trabalho do homem que pensou a lei de 18 de agosto do 1767.

N'esta differença de tempo, está o testemunho evidente dos adiantamentos da nossa civilisacão!

E a nação portugueza comprehende o muito que deve ao marquez de Pombal, porque na capital e nas provincias se associam as intelligencias para prestar culto á sua immortalidade!

A mocidade que estuda, e que vae adiante de todas as idéas generosas, lá está tambem na frente deste apostolado.

Congregam-se, as corporações scientificas para lhe tributar homenagem, porque Pombal, reformando a universidade, corou o edificio a que D. Diniz lançou os fundamentos, desterrando o eloquentismo, e deu entrada no mundo social ao livre exame que tudo tem reformado, porque tudo tem discutido.

Nós, senhores, que somos representantes do povo, interpretâmos certamente os seus sentimentos dando approvação ao seguinte:

PHOJECTO DE LEI

Artigo 1.° É considerado, para todos os effeitps, de festa nacional o dia 8 de maio de 1882, centenário do benemérito estadista marquez de Pombal.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado a prestar auxilio a quaesquer iniciativas particulares, commemorativas d'aquelle dia.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões dos srs. deputados, em 4, de, março de 1882. = O deputado por Portalegre, Augusto Maria da Fonseca Coutinho.

foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei, por mim apresentado na sessão de 18 de janeiro de 1878, auctorisando o governo a mandar proceder á conclusão do aterro marginai entre a alfândega e a estação do caminho de ferro de norte e leste, e á construcção da doca de abrigo. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta de um officio que hontem foi recebido na mesa.

(Leu-se.)

Leu-se na mesa um officio dos delegados da grande commissão encarregada, pelo centro, progressista de Lisboa, de fazer celebrar, na igreja de Nossa Senhora da Encarnação, no trigesimo dia do fallecimento do sr. Bispo de Vizeu, exequias solemnes, participando que esta solemnidade se realisara no dia 7 do corrente mez, pelas onze horas da manhã.

O sr. Presidente: - A camara fica inteirada do convite que se lhe faz para assistir às exequias que amanhã 7 se devem realisar, pelas onze horas da manhã, na igreja da Encarnação por alma do fallecido prelado de Vizeu.

A sessão de amanhã começará às tres horas, para que os srs. deputados que desejarem assistir áquelles actos religiosos o possam fazer.

O sr. Aralla e Costa: - Mando para a mesa um projecto de lei.

(Leu.)

Acompanha este projecto de lei uma representação da camara municipal de Arouca, e outros documentos para mostrar a justiça desta pretensão.

O sr. Palma: - Mando para a mesa4um requerimento, em que peço que da secretaria desta camara sejam remettidos á Commissão de guerra dois requerimentos de officiaes do exercito que pediram a demissão em tempo, e que mostram aos poderes públicos os desejos que têem de serem reformados no posto que occupavam nessa occasião.

Estas pretensões parecem-me justissimas, porque foram officiaes que serviram no exercito libertador, e por circumstancias especiaes se viram na necessidade de pedir a demissão. Essas circumstancias mudaram hoje, e creio que não póde deixar de sanccionar-se este pedido, por isso que os poderes públicos já fizeram o mesmo com relação aos chamados sargentos da junta do Porto e outros officiaes que serviram nos batalhões nacionaes e que não tinham direitos comparaveis a estes.

Mando igualmente para a mesa um requerimento do general reformado Francisco Maria Melquiades da Cruz Sobral, pedindo para ser considerado para todos os effeitos general de divisão na epocha em que foi reformado.

Mando mais um requerimento do general de brigada reformado, Antonio José de Sousa, pedindo que lhe sejam applicadas as disposições do decreto de 10 de setembro de 1880.

Mando tambem um requerimento do tenente Eugênio de Sequeira, pedindo que lhe seja contada uma certa antiguidade.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam remettidos á commissão de guerra os requerimentos de D. Antonio Correia Telles Pamplona, coronel do exercito de Portugal, e de Joaquim Cesario Pessoa, que devem existir na secretaria desta camara.

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Sala das sessões da camara dos senhores, deputados, em 6 de fevereiro de 1882. = H. Gomes de Palma, deputado por Santarem.

Á secretaria.

O sr. Freitas e Oliveira: - Mando para a mesa dois requerimentos.

(Leu.)

Leram-se na mesa os seguintes:

Requerimentos

1.° Requeiro que, pela direcção geral das contribuições indirectas, do ministerio da fazenda, seja remettido com urgencia a esta camara o telegramma dirigido áquella direcção pelo digno director da alfândega de Faro, avisando de que no Tejo entraria em designado dia um cahique com um importante carregamento de tabaco de contrabando. = Freitas e Oliveira, deputado pelo circulo n.° 144.

2.° Requeiro que, pela direcção de administração civil do ministerio dos negocios do reino, seja remettido com urgencia a esta camara o relatorio da syndicancia mandada fazer á administração do asylo da mendicidade pela portaria de 15 de julho de 1880, relatorio que deu entrada n'aquelle ministerio em fevereiro de 1881 = O deputado pelo circulo n.° 144, Freitas e Oliveira.

Mandaram-se, expedir.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Aproveito a occasião para perguntar a v. exa. se o sr. ministro dos negocios estrangeiros já se deu por habilitado para responder á interpellação que annunciei, c,om relação á emigração dos colonos portuguezes para as ilhas Sandwich.

O sr. Presidente: - A nota já foi expedida, porem o sr. ministro ainda não se deu por habilitado para responder a essa interpellação.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, polo ministerio das obras publicas, acta enviada a esta camara uma nota da correspondência trocada entre a repartição do commercio e industria e o intendente da pecuária do districto de Villa Real, durante os annos de 1869, 1870, 1871, 1872, 1873 e 1874, com relação á existencia da phylloxera n'aquelle districto. = Visconde da Ribeira Brava.

Mandou-se expedir.

O sr. Cypriano Jardim: - Mando para a mesa um projecto de lei, cujo relatorio passo a ler.

(Leu.)

Não preciso dizer a v. exa. a conveniência que ha em conceder estas gratificações a estes officiaes, por isso mesmo que uma companhia de posição isolada tem obrigações inherentes a um regimento, tem conselho administrativo, tem casão, etc , e não comprehendo que os officiaes arregimentados tenham gratificações que não competem a estes, desde o momento em que elles tcem obrigações correspondentes ao cargo que os outros desempenham.

Farei notar a v. exa. que este projecto foi conglobado no projecto do lei apresentado aqui em 1870 pelo sr. Sousa e Silva, já teve um parecer favoravel da commissão do orçamento, portanto não é senão a renovação desse projecto de lei que eu submetto á apreciação da camara e da commissão de guerra.

O sr. Visconde de Balsemão: - Mando para a mesa uma participação.

Leu-se na mesa a seguinte

Participação

Participo que, por motivo justificado, deixei de comparecer às duas ultimas sessões. = Visconde de Balsemão.

Á secretaria.

O sr. J. A. Gonçalves: - Mando para a mesa uma representação de alguns industriaes da cidade do Porto, pedindo que na tabella annexa á proposta n.° 3 seja mantida a differença da taxa do direito de importação no assucar refinado e não refinado.

Eu sei que a commissão de fazenda, de accordo com o governo, já tomou uma resolução que satisfez completa-mente os desejos dos requerentes; em todo o caso cumpro o meu dever de procurador, e cumpro-o com tanta mais satisfação, que vejo que os desejos dos meus constituintes têem a probabilidade de serem bem succedidos.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um requerimento, dos escripturanos de fazenda do concelho de Amarante, que, allegando a apresentação do projecto de lei do sr. Alberto Pimentel, pedem augmento de vencimento.

O sr. Rodrigues da Costa: - Mando para a mesa um requerimento do tenente coronel de infanteria, Damião Freire de Bettencourt Pego, em que pede que a camara considere a petição que elle pela sétima vez faz ao parlamento com relação a uma contagem de antiguidade em que este official se julga lesado.

Effectivamente, a pretensão parece-me muito digna de ser attendida pela
commissão de guerra, pois este official, antigo alumno do collegio militar, se acha preterido por circumstancias alheias á sua vontade; e, certamente, logo que lhe seja concedida a antiguidade que requer, terá na es: cala do accesso garantias e vantagens que, aliás, se tem concedido a tantos outros.

Mando ainda para a mesa nove requerimentos de officias do exercito, pedindo uma revisão geral das tarifas em vigor no exercito, e ampliando alguns o seu pedido, no sentido de que as cortes attendam á necessidade de reorganisar e desenvolver as nossas instituições militares, quando julguem a occasião opportuna.

É claro que um pedido desta ordem não é unicamente para ser considerado por esta camara; todavia, ella póde formular sobre taes requerimentos a sua opinião, e tomar sobre o assumpto uma resolução de ordem a que na outra camara sejam attendidas estas petições.

Envio igualmente a renovação do iniciativa de uma proposta de lei publicada no Diario da camara de 10 de maio de 1880.

Esta proposta refere-se á revisão do regulamento disciplinar do exercito.

A questão não é nada política, mas como moral e disciplinar para o exercito mereceu a attenção do governo progressista, e visto que até hoje não se tem modificado cousa alguma nem no regulamento disciplinar, nem no codigo militar, esta proposta auctorisará o governo a fazer a revisão do regulamento disciplinar, se não quizer rever o próprio codigo militar.

Aproveito o ensejo de ver presente o sr. ministro da guerra, para pedir a s. exa. a fineza de ordenar que pelo seu ministerio mo sejam enviados os esclarecimentos que pedi no dia 3 do mez passado com respeito a um exercício militar que se realisou no Sobral em 1880.

Esses esclarecimentos referem-se principalmente ao conhecimento das despezas feitas com esse exercicio, e como até agora não mo tenham sido enviados, eu peço a s. exa. que me faça o favor do ordenar que elles sejam enviados com a brevidade possível.

Igualmente rogo a s. exa. que se digne tomar na consideração que lhe merecer uma intcrpollação, que annunciei em uma das sessões passadas, a propósito da lei que se refere aos officiaes inferiores do exercito.

V. exa., sr. presidente, e a camara sabem que annunciando essa intrpellação tive unicamente em vista soccorrer-me do meio que me pareceu mais facil e mais official, para chamar a attenção do sr. ministro da guerra para uma questão que julgo de muitíssimo interesse publico.

Espero que o sr. ministro da guerra se dignará attender ao assumpto da minha interpellação.

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O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Ordenarei que sejam enviados á camara os documentos requisitados pelo ministerio a meu cargo. E, quanto á interpellação, estou prompto a responder a ella quando o sr. presidente a der para ordem do dia.

O sr. Augusto Castilho: - Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam enviados á commissão do ultramar um requerimento é mais documentos appensos do ex-tenente da provincia de Moçambique, Francisco José Diniz, que se acham na secretaria desta camara desde 1879. = Augusto de Castilho.

Á secretaria.

O sr. Pinto Basto: - Mando para a mesa a seguinte:

Declaração

Declaro que tenho faltado às sessões da camara por motivo, justificado. = Pinto Basto.

Á secretaria.

O sr. Antonio José Teixeira: - Mando para a mesa um requerimento de "Domingos Antonio Simões da Silva, guarda preparador do gabinete de physica da universidade de Coimbra, pedindo que o seu vencimento seja equiparado ao de outros empregados da mesma ordem e categoria.

Mando tambem para a mesa fim requerimento dos escrivães de direito de Amares, pedindo que seja modificado o artigo 2.° § unico do decreto de 12 de novembro de 1881.

E mando igualmente para a mesa uma representação dos empregados da repartição de fazenda do districto de Coimbra, pedindo augmento de vencimento.

Todas estas pretensões me parecem justas e dignas de serem attendidas.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 80

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Antonio Maria de Carvalho, para continuar o seu discurso, interrompido na ultima sessão.

O sr. A. M. de Carvalho: - Concedendo-me v. exa. eu continue no uso da palavra, deveria talvez começar por agradecer á camara não me ter feito o mesmo que fez ao meu illustre collega e amigo, o sr. Elias Garcia, mas isso é uma questão finda, não trato della; e continuarei na discussão em que nos achámos empenhados, sem dizer á camara uma unica palavra com relação á proposta que eu havia apresentado em nome, da opposição, pedindo que antes de se continuar neste debate se regularisasse a posição do goyerno perante a camara.

Cumprindo esse dever eu vou entrar na apreciação do projecto que se discute, usando do direito que o sr. presidente do conselho na ultima sessão reconheceu às opposições.

Não me limitarei só a apreciar esse projecto, mas passarei una golpe de vista sobre os projectos de fazenda trazidos por exa. a esta camara.

A conveniencia de apreciar em globo as differentes medidas de fazenda não póde ser com fundamento posta em duvida por s. exa.; porque do momento em que o governo se apresenta a pedir ao paiz outros recursos para extinguir o deficit, nós temos stricta obrigação de apreciar os resultados provaveis dessas medidas no seu complexo, e ver se effectivamente ellas têem a primeira condição que as justificariam, e era-a de preencher o fim a que se propunha o sr. ministro.

Não nos corre simplesmente essa obrigação, corre-nos uma outra é ver se o governo que nos pede esses sacrificios, em nome dos interesses do paiz, póde merecer ao paiz essa confiança. A camara comprehende perfeitamente que os representantes do paiz não podem votar meios a qualquer governo quando esse goyerno, pelos seus actos anteriores, tenha conquistado, perante o paiz, a vehemente suspeita de não ter feito resolver de vez a questão de fazenda.
Para a boa ordem, da discussão conviria por certo1 que entrasse separadamente de cada um d'estes assumptos, mas já por que não desejo tomar, muito tempo á camara, já por que seria difficil tratar, completamente em separado, de cada um dos pontos que me proponho demonstrar, peço ao sr. presidente do conselho, a quem se refere especialmente o que vou dizer, que me desculpe se effectivamente com o meu systema poder haver mais obscuridade da minha parte ou pelo menos não tanta clareza como eu desejaria.

Permitta-me v. exa. que faça desde já uma declaração perante a camara.

A declaração e a seguinte: na apreciação d'este conjuncto de medidas ninguem póde estranhar que eu esteja a referir-me constantemente ao nobre presidente do conselho, por cuja pessoa e por cujos talentos mais uma vez digo que professo o mais profundo respeito e mais profunda consideração.

Não devo dar margem a reparos que, quando se trata da apreciação dos actos do governo, a opposição se dirija principalmente ao sr. presidente do conselho.
Em todos os tempos, e appello n'este, ponto para os meus collegas que ha já alguns annos occupam um logar nesta casa; em todos os tempos, que não é isto de hoje, se dirigiram às opposições nos debates, á excepçã9 das discussões de menos importancia, especialmente aos chefes das situações.

Não ha aqui guerra a um homem, como se pretendeu já, lisongeando o nobre presidente do conselho, fazer acreditar, quando se tratava de discutir a resposta ao discurso da coroa. Pedem-se contas a quem tem inteira responsabilidade de todos os actos da situação, por isso que é chefe do governo.
Dito isto, vou procurar demonstrar á camara como em minha consciência, e compenetrado dos deveres que me correm como representante da nação, não posso dar o meu assentimento às medidas propostas nem acceitar este systema apresentado pelo sr. presidente ,do conselho, embora reconheça que em uma ou outra medida, se attendeu aos justos interesses do paiz e eu francamente direi á camara em occasião opportuna quaes são as medidas que considero nessas condições.

Affirmou o nobre presidente do conselho mais, uma vez, e não sei quantas vezes o tem feito já,, porque é difficil contal-as; affirmou s. exa. mais uma vez, que é preciso acabar com o deficit.

Creio que a esse respeito estamos todos de accordo, ainda que em minha opinião individual não sei se seria perfeito o systema de fazenda que acabasse, com o deficit de vez nesta occasião, impondo-os maiores sacrifícios ao paiz.

E não leve a camara a mal que eu tenha esta opinião, porque esta era a opinião sustentada pelo sr. presidente do conselho de 1867 e 1872.

S. exa. propunha-se já então, como se propozera em 1852, a matar o deficit, mas s. exa. deixava ainda um pequeno deficit para os annos seguintes, entendendo, e muito bem, que não valia a pena ir pedir ao paiz maiores sacrifícios quando o augmento natural das receitas, se não fosse paralellamente acompanhado por um augmento igual das despezas, bastaria para saldar o orçamento.

Mas o que eu não posso deixar de estranhar é que, quando s. exa. affirma que é indispensável acabar com o deficit, diga que é isso tão difficil que os cavalheiros que s& seguiram á sua administração o não poderam realisar.

Eu não posso deixar de sentir estranheza ao ouvir esta declaração, quando vejo que s. exa. se refere ao sr. José de Mello Gouveia, a quem o parlamento significou a sua desconfiança, não lhe concedendo mais tempo, que o preciso, para que lesse as suas propostas; e do mesmo modo

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ao sr. Barros Gomes, a quem o sr. presidente do conselho tratou de collocar fora do poder, impedindo-o de levar por diante o seu systema do fazenda.

Portanto, parece-me que, com justiça, posso affirmar o seguinte.

Se os cavalheiros que fizeram parte dos governos que se succederam, desde 1878 á situação regeneradora, não acabaram com o deficit, não foi por vontade d'elles, mas por que não tiveram á sua disposição os sete annos que a situação regeneradora tinha tido.

Mas, vejamos agora o plano de ataque com que s. exa. se propõe desbaratar o inimigo, e se elle póde merecer a nossa approvação.

Passou s. exa. em revista as forças de que dispunha, e por que as achou insuficientes, o que é que fez?

Em logar de as elevar ao preciso para assegurar a derrota do inimigo, adoptou o expediente de considerar este tão reduzido quanto fosse preciso para conseguir a victoria.

Ora, o meu espirito não se póde conformar com taes subtilezas.

S. exa. procurou servir-se de uma lente que, apparentemente, lhe diminuisse as forças do inimigo, e com ella foi ao orçamento e cortou pelas despezas ordinarias, passando-as para as extraordinarias - orçamento que a situação regeneradoVa tinha pedido tempo para estudar, porque neste governo não ha differença entre a situação presidida pelo sr. Fontes e a que foi presidida pelo sr. Sampaio.

Procuraram alcançar o poder como quem tem na sua gaveta a salvação do estado, e ainda hoje se não sabe quaes foram as intenções que levaram o sr. Sampaio a sair do ministerio.

O facto da saída do sr. Lopo Vaz póde-se explicar por uma divergência de opinião na questão de fazenda, mas a respeito do sr. Barros e Sá não consta que houvesse divergência sobre negocios de justiça.

N'este ponto surprehende-me que o nobre presidente do conselho, de 7 de janeiro para cá, mudasse inteiramente da opinião que tinha seguido toda a vida, com relação ao que era o verdadeiro deficit.

Desde agosto de 1851 que foi a primeira vez que s. exa. tomou conta da pasta da fazenda; s. exa. considerou sempre como deficit o excesso da despeza sobre a receita, sem distincção de despeza ordinária ou extraordinaria.

Mas cumpriu a promessa... promessa não direi bem, porque s. exa. não fez promessa nenhuma quando tomou conta da pasta da fazenda; mas a sua entrada n'aquella occasião, tomando conta desta pasta, tinha significação altamente politica, e era a da completa resolução da questão de fazenda.

E essa significação era evidente. Não se comprehendia, por certo, que um homem que tinha sido ministro da fazenda em 1852, que tinha sido um distinctissimo ministro da fazenda em 1868, que tinha promettido ser um distincto financeiro em 1872; que esse homem viesse dez annos depois, de preferencia, tomar sobre seus hombros a pasta da fazenda, para se apresentar perante o parlamento com os paliativos com que se podia apresentar qualquer situação meramente de conciliação, que não tivesse a impelhl-o as idéas, a responsabilidade e a gloria de um partido.

Digo, n'estas condições o salto de 7 do janeiro a 23 de fevereiro não o comprehendo, e não o comprehendo senão por uma forma; era necessario que parecesse que s. ex. tinha effectivamente o propósito de acabar com o deficit, e por que s. exa. não via na pauta que tinha sobre o joelho, nem no addicional que s. exa. suppunha havia de ser bem recebido do paiz, a margem precisa para o equilibro do orçamento, lançou não deste recurso que me parece inacceitavel, alem de que está em completa contradicção com os precedentes sustentados pelo governo.

Tratou, pois, de ver qual era a receita effectiva, e quanto poderia pedir ao contribuinte, e como isso não bastava para equilibrar o orçamento, tratou de classificar de despeza extraordinaria todo o excesso que não poderia sor coberto.

Ora, isto não póde ser, o permitta-me s. exa. que lhe diga que o sentimento que mais predomina em mim, ao fazer estas considerações, é a profundíssima pena de que s. exa. não apresentasse um systema que satisfizesse a nós todos, e podesse deixar junto do seu nome a gloria que s. exa. tinha conquistado pelos seus relatorios de 1868 e 1872.

Creia s. exa. que eu não tenho desejo de o molestar, e que isto é simplesmente a expansão d'aquillo que sinto no mais intimo da minha alma.

Eu disse na ultima sessão, devido mais aos meus collegas do que a num, porque o orador aquece tambem na proporção do calor de que se acha possuída a assembléa, que estas medidas se faziam em vinte e quatro horas; ora, se eu não queria dizer estas palavras, com a mesma franqueza digo o seguinte: para mini, aquellas palavras não exprimiam a verdade; a verdade é que estas medidas não se fazem só em vinte e quatro horas; fazem-se sobre o joelho! E eu proponho-me a demonstrar á camara o que digo; e isto, repito, sem querer contradizer s. exa.; é convicção profunda que tenho, e desejaria que se levantassem aqui a discutir commigo os que não acceitam a minha opinião, porque é aqui que se devem discutir estas questões.

Então a classificação das despezas em ordinárias e extraordinarias depende da nossa vontade ou das nossas conveniencias de momento? Então a classificação do ordinario e do extraordinario é uma questão puramente arbitraria? Não ha principios a, que nós tenhamos de nos cingir n'essa apreciação?

Eu olho para o relatorio de s. exa., e vejo, com grande degosto meu, que pela posição fatal em que s. exa. se achava collocado, de ter que mostrar que pretendia acabar com o deficit, entendeu que era preferivel dizer - eu apresentei um systema, por virtude do qual o deficit desapparece; dizer francamente - não é possivel extinguir de uma vez o deficit, e por isso me proponho a extinguil-o gradualmente.

E por isso viu-se obrigado a considerar como extraordinarias despezas que, em parte alguma do mandar, nem no nosso paiz, nunca foram consideradas extraordinarias.

A não ser isto, não posso encontrar explicação para o facto de vir s. exa. considerar como despeza ordinária a de 30:000$000 réis para as despezas com o melhoramento dó porto de Lisboa, emquanto não duvidou considerar como despeza extraordinaria a de 30:0006000 réis para melhoramento dos portos do paiz. Para o porto de Lisboa a despeza é ordinária e para os outros portos do paiz é extraordinaria!

De que principios lançou s. exa. mão para avançar uma proposição desta ordem?
É porque era necessario reduzir a despeza ordinaria?

Eu não posso acceitar essa rasão, porque não estou aqui para illudir o paiz; estou aqui unica e exclusivamente para o esclarecer; devo, por consequencia, dizer francamente ao paiz que o deficit, que s. exa. diz que existe, não é o deficit real.

Mas, se o illustre presidente do conselho descobriu um principio, em virtude do qual não devam ser consideradas como extraordinarias as despezas para subsidios de navegação, para melhoramentos de portos e rios, e para tratamento das vinhas do Douro, pergunto a s. exa. qual é a rasão por virtude da qual não ha de considerar ordinarias as despezas de reparação de estradas, que não está na mão de ninguém evitar, sem a perda total do capital, a despeza com o subsidio às estradas municipaes, que ha de existir por larguíssimos annos; a despeza de melhoramentos

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de portos e rios; a despeza mesmo com pharoes e linhas telegraphicas; é a despeza do caes novo dá alfandega de Lisboa?

Eu pergunto qual é o principio. E peço aos meus collegas que sustentam o governo e applaudem este projecto de lei que me expliquem, porque teria muito prazer, se s. exas. O fizessem, em votar com s. exas.

Ha muito que se tem dito que em questão de fazenda se não deve fazer politica; e eu estou plenissimamente convencido de que. da parte da, opposição não ha o minimo desejo de fazer politica.

Nós não queremos essa posição, creio que o posso dizer no plural; mas, pelo menos eu, não acceitava essa posição, porque não queria, depois de haver sustentado a inconveniência de um imposto, vir depois acceital-o.

Refiro-me ao imposto do rendimento. E logo explicarei ao sr. presidente do concelho o que quero dizer com isto.

Ora, o Subsidio para navegação é uma despeza ordinaria, e eu comprehendo perfeitamente que s. exa. a classifique como tal; mas como taes devem ser classificadas outras despezas, na minha, opinião.

O subsidio da navegação é perfeitamente uma despeza como o custeio das estradas que nós temos. Mas não o será da mesma forma a grande reparação das estradas, e poderá o orçamento do estado em caso algum deixar de ter uma verba destinada a esse effeito? Mas não vale a pena cansar-me em descobrir argumentos para convencer o illustre presidente do conselho, porque encontro no proprio relatorio de s. exa. a opinião, que não duvido acceitar, do que sejam despezas ordinarias e extraordinarias.

(Leu.)

Reconhece a exa. no legislador o direito de supprimir essas despezas em determinadas epochas, mas sem grave prejuizo dos serviços publicos. Pergunto a s. exa: se amanhã a camara dos deputados supprimir a verba para reparação de estradas, não ha grave prejuizo nos serviços publicos?

E peço até a quem estiver destinado a responder-me, que me diga se por este facto da ou não prejuizo nos serviços públicos.

Faço estas considerações para mostrar, que o systema apresentado pelo illustre presidente do conselho pecca logo pela base, não resiste á primeira analyse; e não resiste, porque das considerações que deixo expendidas perante a camara resulta que, quando votadas as propostas do illustre ministro, s. exa. ha de encontrar-se a braços da mesma forma, com um deficit de despezas ordinarias, approximadamente de 1.000:000$000 réis, mais conto menos conto; não vale a pena discutir esse ponto. Creio que s. exa. havia de descrer immediatamente do seu systema desde o momento em que tivesse a perspectiva de um deficit de 1.000:000$000 réis. Pois esse deficit ha de ser superior!

Mas, s. exa. não pensou só em fazer essa distracção tão subtil que o meu espirito não comprehende. Entendeu que devia, dividir as despezas a seu belo prazer, em ordinarias e extraordinarias, e a craveira de que s. exa. se serviu foi apenas a daquillo que calculava receber dos impostos - posso receber tanto; e considero como ordinario tanto.

Por esta fórma s. exa. escusava de appellar para novos sacrificios do paiz, e podia ter considerado todo o deficit como despeza extraordinaria, por forma que a receita ordinaria se apresentasse igual á despeza ordinaria. Ia um bocadinho mais alem; más a offensa aos bons principios era a mesma. (Apoiados.)

Não é, porém, só isto.

Este systema ainda não satisfaz ao nobre presidente do conselho, e então lançou mão de outro recurso, e disse: - isto só não basta, é necessario que eu faça representar a receita como maior de que effectivamente ella está no orçamento, e para isso vou fazer o calculo do quê tem sido o augmento da receita nos mezes decorridos, para se poder calcular qual será o augmento de receita no anno futuro.

Eu tenho sempre medo d'estes calculos, que de um momento para o outro podem ser desfeitos, muito principalmente quando o orçamento se faz para vigorar do 1.° de julho em diante; e, por consequencia, para uma epocha ainda tão distante, que ninguem póde prever o que succederá.

Ora, quando se faz o calculo do que póde ser o augmento de receita, não será justo que se faça o calculo do que será o augmento de despeza?

Quando ouço fallar em economias provenientes de vacaturas, na importância de 200:000$000 réis confesso que fico surprehendido, porque não me corista que qualquer situação regeneradora tenha feito economias pelo que diz respeito a empregados públicos, antes pelo contrario tenho visto nomear empregados sem auctorisação de lei.

Se o sr. presidente do conselho nos falla em 200:000$000 réis de augmento provável de receita já me contento de que o augmento de despeza seja apenas na mesma proporção, e nestas condições o equilíbrio conservar-se-ia; mas receio muito de que isto assim não seja.

(Sussuro.)

Parece que a maioria se enfada com estas, questões, mas não deve isto surprehender ninguem, porque outro tanto succede nos parlamentos estrangeiro quando se tratam questões de impostos, as quaes são sempre áridas e de defeza difficil.

Eu leio as seguintes palavras no relatório do Br. ministro da fazenda:

(Leu)

Já o outro dia, quando s. exa. respondeu ao meu illustre amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, s. exa. dizia: «Economias! Posso lá fazer economias depois dos senhores terem estado no poder?!»

Oh! sr. presidente, podia e devia fazel-as porque não tinha simplesmente esse periodo, durante o qual os seus correligionários estavam nesta casa continuadamente á atacar a situação progressista, por não fazer economias; o não creio que os seus correligionarios estivessem a aggredir o governo, por não fazer o que elles reconheciam que não podiam fazer, mas tinha tambem as economias que se podiam fazer nos desperdícios da situação do sr. Sampaio, e as economias que podiam fazer-se na situação que succedeu a essa!

Pois não temos ainda bem presentes esses. Diários do governo, que não traziam outra cousa senão nomeações de empregados para fiscalisarem, e que não fiscalisam nada?

Pois não temos ainda presente no nosso, espirito essa segunda caixa dos depósitos creada na cidade do Porto, unicamente por que se não queria dar uma pequena remuneração ao delegado do thesouro que até ali, com a máxima economia e interesse do paiz, fazia aquelle serviço com uma pequena despeza? Economias não faltavam para fazer. (Apoiados.)

E não se admire s. exa. do que digo.

S. exa. sabe quantas economias propunha em 1867, as quaes não foram por diante.
Ainda em 1871 s. exa. se apresentava nesta casa, e dizia:

«A questão da fazenda publica não póde resolver-se unicamente recorrendo ao imposto. Se alguém assim o pensa illude-se completam ente. É preciso, sem duvida, crear receita, mas é indispensavel tambem fazer tantas economias quantas comportem as circumatancias e as necessidades do serviço publico.»

Isto dizia s. exa. em 13 de setembro de 1871, e em janeiro de 1872 já s. exa. vinha dizer nesta camara, no relatório que apresentava sobre, o estado, da fazenda publica, a mesma cousa que declara hoje.

Economias! Como fazel-as, se os meus antecessores fizeram todas as economias possiveis?

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Economias, ha muitas a fazer, porque a economia não é simplesmente gastar menos, é gastar bem, e fazer com que as despezas representem um grande augmento de receita pela sua boa applicação; e s. exa., se quizesse ver as economias que ha a fazer, em questão do finanças, não tinha mais do que abrir o annuario da direcção geral das contribuições directas, que supponho que s. exa. não abriu, o que será a única desculpa perante o meu espirito, vendo que s. exa. não fez caso algum das indicações que ali se encontram.

Eu não quero roubar o tempo a quem melhor do que eu póde tratar destas questões, o desejava por consequencia resumir-me o mais possível; mas a camara comprehende que nestas questões, ou se entra ou não, e se se entra; é necessario tratal-as com grande desenvolvimento, porque são muito complexas.

Acceitarei o conselho do sr. Fontes, não me limitando a tratar sómente deste projecto, mas apreciando todos no seu conjuncto, porque effectivamente sem termos manifestado a nossa opinião e apreciado no seu conjuncto todas as medidas de fazenda, não podemos com segurança apreciar um projecto isolado que, embora defeituoso, poderia ser admissivel quando indispensavel para o conseguimento do fim a que o sr. ministro se propõe.

O systema seguido pelo actual governo não serve senão para aggravar mais as condições do contribuinte, difficultando ao governo, que queira resolver de vez a questão de fazenda, a sua solução.

Diz o nobre presidente do conselho no seu relatorio.

(Leu.)

Não quero continuar a ler, bastam-me estas palavras.

Em vista desta promessa vaga que se contém nas palavras que acabo de ler, se s. exa. continuar a presidir ao governo nós teremos, no proximo anno, novo aggravamento nos impostos.

Direi, porém, com toda a franqueza, que não comprehendo bem um systema de fazenda, nas condições em que nos encontramos, que não ouso qualificar de gravissimas, porque estou plenamente convencido de que a questão de fazenda não deve assustar ninguém, do momento em que, por parte do governo, haja o propósito firme e inabalável de governar única e exclusivamente para o paiz; repito, não comprehendo um systema de fazenda que pretende resolver a questão, nas condições em que nos encontrámos, limitando-se a ir á pauta das alfândegas, o que julgo para nós profanos mais difficil do que ir á China, porque nunca logrei possuir essa pauta.

O sr. A. J. Teixeira: - Posso fazer-lhe presente de uma. (Passa-a para as mãos do orador.)

O Orador: - Acceito-a com o maior prazer, e agradeço ao meu particular amigo de ha muitos annos e collega o presente que me faz.

Mas em todo o caso se é facil possuil-a é difficilimo entendel-a, (Apoiados.) e para isso não careço de mais do que do testemunho do proprio sr. ministro da fazenda.

Eu entendo que a questão de fazenda não se resolve por esta forma, indo á pauta escolher tres ou quatro artigos, ou á Revista dos dois mundos póde-se dizer isto, visto que o sr. presidente do conselho não tem duvida em declarar que a sciencia de um dos membros mais distinctos da opposição não surprehendia a maioria desta camara, porque era bebida ali; não se resolve a questão de fazenda, digo, indo á pauta escolher alguns artigos, ou á Revista dos dois mundos ver quaes os generos a que a Italia deu a preferencia no imposto, deixando apenas de a seguir n'aquelles que já o sr. Serpa os havia sobrecarregado. Não se resolve essa questão dizendo-paga-se tanto de contribuições; essas contribuições estão repartidas do modo mais desigual, não pagando uns o que devem pagar, e pagando outros mais do que devem. Pois corte-se a questão lançando mais 6 por cento. (Apoiados.)

Não se resolve a questão dizendo-o imposto de rendimento tem sido pago por alguns até agora; pois esses que o têem pago até aqui continuam a pagal-o, e revoga-se para os que não têem pago. (Apoiados.)

De sorte que uns continuam a pagar para os outros porque não houve coragem pára implantar o systema, revoga-se o imposto! Isto é uma perfeita iniquidade (Apoiados.)

Não se resolve a questão, sr. presidente, dizendo aquelles que pagaram, que tiveram â complacência, para não usar de outra expressão, de se prestarem às exigências dó fisco - paguem mais 6 por cento sobre a quota bancaria.

(Apoiados.)

Não se resolve assim a questão. Sabe-o perfeitamente quem escreveu os relatorios de fazenda em 1867 e de 1872.

Ouso esperar do sr. presidente do conselho que attenda a esta questão da contribuição bancaria, de modo que ella não fique onerada com os 6 por cento, continuando a pagar o imposto de rendimento.

A importância é pequena, mas a questão é sobretudo de principios. E iníquo que ao contribuinte, que paga essa contribuição, e que não reagiu contra o imposto de rendimento, se exija que pague, não só este imposto, mas os 6 por cento de contribuição bancaria. (Apoiados.} É uma questão de dignidade para o paiz.

(Apoiados.)

E uma iniquidade que não se deve commetter. (Apoiados.)

Digo, pois, e peço desculpa á camara, o muito principalmente ao illustre presidente do conselho, todas as desculpas, de que sem auctoridade alguma, debaixo de qualquer ponto de vista, eu ouse dizer que não é assim que se resolve a questão de fazenda.

Peço desculpa; mas s. exa. comprehende, desde o momento em que os meus eleitores mo trouxeram a este lo-gar, eu tenho de fazer das fraquezas forças, e dizer o que sinto.

Alem da proposta de lei, que tem por fim abolir o imposto de rendimento na parte em que está suspensa, ha á proposta de s. exa. estabelecendo um addicional.
Não quero fatigar extraordinariamente a attenção da camara, e não me darei ao trabalho, para a apreciação deste imposto, de ler o que ha de importantíssimo a esse respeito no Annuario a que já me referi.

Não o faço, porque elle foi distribuído a toda a camara, e, por consequencia, conhece-o e está no caso de apreciar se a medida que havia direito a reclamar, depois de ha dois annos terem sido indicadas, aos poderes públicos as pessimas condições em que se encontra a contribuição predial, era o aggravamento de mais 6 por cento.

É inutil insistir neste ponto, porque as considerações1 que podiam apresentar estão no espirito de todos que conhecem praticamente o que estas cousas são, e no espirito de todos que tenham lido os dois Annuarios.

Eu digo sinceramente a v. exa., que antes quizera quê este relatorio tivesse a data de 18G9, e hoje nos fosse apresentado o de então, porque embora, note v. exa., podessem haver no de 1869 medidas que me repugnassem; porque, já digo, não considero as condições da fazenda publica tão desgraçadas como muitos pretendem cónsideral-as, em todo o caso aquelle apresentava um systema completo.

As condições da nossa fazenda não são desgraçadas, o eu, que sou opposição, digo-o francamente; mas sel-o-hão se não se tomarem as medidas precisas para que se administre como se deve administrar, e que a politica, a malfadada politica, não entre no ministerio da fazenda por nenhuma das suas portas.

Isto é uma fatal desgraça, e não hei de cansar-me de o dizer.

A fatal desgraça, a rasao unica, a phylloxerá das nossas finanças, é a malfadada politica, em nome da qual sê vae á secretaria da fazenda pedir a transferencia de qualquer empregado de fazenda que cumpre o seu dever, uni-

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camente porque não attende aos interesses partidarios dos governos que estão no poder.

Esta é que é a fatal doença que mina as finanças.

Se a pasta da fazenda podesse por uma ficção, visto que ha tantas no systema constitucional, ser posta ao abrigo completamente da politica, das oscilações a que ella dá logar, e conservar-se longe das suas tempestades se um homem, com os merecimentos, com a intelligencia e com a boa vontade do sr. presidente do conselho, podésse navegar affoito, ha muito que a questão de fazenda estaria resolvida.

Mas, infelizmente, ao lado do financeiro, que tem olhos para ver, está o politico, que, desgraçadamente, tem ouvidos pára ouvir é acceitar todas as imposições que se lhe fâze-lo em nome da politica.

Por isso digo: não me assusta o estado da fazenda publica, o que me assusta é a desgraça da politica se metter em tudo, e o que lamento é que o paiz permaneça n'um estado de completa indifferença perante esta pessima administrativo que aliás é conhecida de toda a gente, porque toda â gente sabe muito bem que em todas as repartições publicas, desde a secretaria até á parochia, é sempre á politica o elemento pernicioso que embaraça tudo.

E não é só na fazenda que tal succede, desgraçadamente é em toda à administração porque em toda se encontra a politica; más onde este systema e mais perniciosos resultados é na fazenda.

O recebedor ou escrivão de fazenda, emfim todos os que intervem n'estes negocios e que querem saber, quando se trata do contribuinte; é a sua cor politica, e conforme á sua côr politica assim se lhe fará ou não fará algum favor, assim será recebido com attenção ou despedido sem ella.

Esta é que é a grande fatalidade.

Eu tenho modo de ser muito extenso, porque creio que, em qualquer assumpto; fallar mais de uma hora é considerado pela camara como um excesso, o por consequencia. Vejo-me obrigado â circumscrever-me.

Insisto, porém, na questão do addicional sobre os impostos cobrados nas alfandegas; e, se v. exa. me permitte e á camara me da licença, ao mesmo tempo que aprecio esse adicional, eu vou apreciar cumulatvamente a proposta que está em discussão, reservando-me, comtudo, o direito de fazer depois mais algumas considerações sobre o systema apresentado pelo governo.

Eu Creio que o nobre presidente do conselho, querendo fazer o calculo do que dariam os 6 por cento addicionaes, fez uma operação muito simples, e era ver quanto rendiam às contribuições que ficavam sujeitas a esse addicional e juntar-lhe depois a importancia d'este.

Depois d0isto disso:

«Este rendimento anda por 1.000:000$000 réis.»

Ora, eu pergunto se s. exa., n'esta parte do seu systema e na proposta de lei que está em discussão; teve em conta e tratado de commercio com a França e a reducção que, por causa do tratado com a França, devem soffrer differentes artigos?

Eu creio que não; e pelo menos, com respeito a parte dos artigos comprehendidos na proposta de lei que está em discussão, evidentemente s. exa. não teve essa circumstancia em conta; porque s. exa., querendo ver, com relação ao cognae, o que significam os 6 por cento, esqueceu-se por certo de que este genero não estava comprehendido no tratado em vigor, e passa a sel-o no novo tratado.

No antigo tratado, ainda hoje em vigor, não se falla em cognac; falla-se nos vinhos, mas não se falla em cognac nem em licores.

Ora, quando a taxa estabelecida no tratado, que já foi approvado por esta camara, é menor que a da alfandega, é claro que o tributo se ha de cobrar pela taxa estabelecida no tratado, que creio ser de 25 por cento, menos do que direito estabelecido na pauta.

N'este ponto succede ainda um outro facto. A tabella B do tratado com a França está applicada a diferentes paizes, como a Italia, a Belgica, a Suissa, a Hollanda, a Inglaterra, etc., donde, por consequencia, podem vir os licores e cognac.

Não póde, pois, nos cálculos deixar de ter em consideração isto, que mostra bem claramente a pouca segurança dos calculos do sr. ministro.

Basta esta consideração para s. exa. ver que isto reduz consideravelmente aquillo que s. exa. suppõe as suas propostas hão de produzir.

Isto são pontos que não soarem duvida, e creio que não poderão ser contestados. Isto não é uma questão de auctoridade; póde-se ter auctoridade, mas ninguem póde sustentar que quando é dia é noite.

Ha um tratado que a camara votou, e o sr. presidenta, do conselho, fazendo os seus calculos em relação á taxa da alfândega, esqueceu-se do tratado que reduz o direito 25 por cento.

Portanto, eu digo que o calculo está errado. Mas para que não sympathise com os addicionaes, ou pelo menos, para que não desejasse que lançasse mão deste recurso, não ha simplesmente a consideração das circumstancias em que se encontram as matrizes, mas ainda a de que ha dois annos acabaramos com os addicionaes, e eu, quizera que por parte do governo, que tem obrigação de se apresentar com seriedade perante os contribuintes e perante o paiz, não viesse hoje, tendo-se ha dois annos, com vantagem, acabado com os addicionaes, encorporando-os nas verbas principaes, lançar novos addicionaes; porque Aquando mais tarde se pretenda lançar mão dessa medida, que aliás 6 justificada, de encorporar os addicionaes nas verbas principaes, o paiz póde suppor que no anno seguinte só vão votar outros addicionaes.

O governo tem obrigação de não ferir a legitima susceptibilidade do paiz; tem a obrigação de ter toda a, prudencia em questões desta ordem; porque desgraçado do governo quando o paiz se convença de que effectivamente o governo o pretende illudir.

Diz s. exa., que todos os impostos se combatem.- Não ha duvida; assim como tambem não ha duvida que o deficit, é o peior dos impostos. Mas confesso que não comprehende o meu espirito que, quem tanto ódio tem ao deficit, tanto tenha desejado viver sempre com elle.

S. exa. entrando no periodo mais distincto da sua vida, no ministerio em 1872, Veiu com o propósito firme do matar o deficit; esteve sete annos no poder e não o matou. Larga o poder, deixando-o ficar mais gordo; occupa novamente aquellas cadeiras, encontra-se a braços com aquelle inimigo, pretende matal-o todos os dias, é acaba por o deixar sempre mais bem nutrido!

Diz s. exa. acabo-se com o deficit, porque em elle acabando ninguem ousa propor augmentos de despeza sem propor augmento de receita. Posso acreditar similhante facto?

Mas se o deficit não é argumento com que se respondia aos amigos importunos que pedem augmento de despeza, ha de ser o equilíbrio da receita argumento para repellir e não attender o pedido desses amigos? Sinceramente que o meu espirito não comprehende uma tal asseveração.

Diz ainda s. exa., e não posso deixar de apreciar esta parte: «Se em 1872 eu tivesse feito com que o parlamento votasse os meios que propuz, tinha acabado o deficit.

Não tinha, porque s. exa. e os seus collegas se encarregariam de o crear.

O deficit havia de ser igual, porque s. exa., haviam de continuar a fazer despezas sempre na mesma proporção.

Pois então não foi confessado nesta camara, por um correligionario de s. exa. e hoje seu collega no ministério, que em dois annos a situação regeneradora tivera um saldo positivo não sei de quantos centos de contos de reis?

Pois não está isso n'um discurso do sr. Hintze Ribeiro,

Sessão de 6 de março de 1882 39 *

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que disse que a situação regeneradora tivera em 1875 um excesso de receita superior á oito centos e tantos contos de réis?

Pois não sabe o paiz, e não viu como todos os anno: se vinha declarar ao parlamento que o deficit seria de 700:000$000 réis, e que, com o augmento da receita esse deficif desapparecia, e que não era necessario lançar mão de recurso como o imposto do sal, para a final deixarem o poder sete annos depois, deixando um deficit maio: do que o que tinham encontrado, tendo sido o augmento da receita publica de 8.000:000$000 réis.

Não quero cansar a camara lendo-lhe os apontamentos que tenho, porque creio que não ha ninguem que possa contestar o que estou dizendo.

Durante sete annos se disse isto, repetindo-se em cada anno a mesma phrase; e acabou-se por deixar a fazenda publica na situação em que s. exa. a deixaram. Lamentou s. exa. á falta de um cadastro. O que eu lamento, é que s. exa. que ha bons annos di zia que, a primeira condição pára a organisação da fazenda publica, era um cadastro; é que na ultima sessão mostrou que tinha conhecimento dos artigos publicados na Revista aos dois mundos, se não inspirasse no exemplo d'aquella nação e d'aquelle notabilissimo homem de estado, e não acompanhasse estas medidas da organisação do cadastro.

Mas, e. exa. olhou para a Italia, e viu só quaes os generos tributados.

Eu não apresento isto como novidade; apresento-o, estranhando que quem tem conhecimento d'aquelles artigos se não inspirasse nos actos d'aquelle ministro, para vir aqui propor modificações que estão estabelecidas na Itália e que é indispensável adoptar no nosso paiz.

Não posso continuar na apreciação dos differentes pontos do relatorio, quando não, diria tambem alguma cousa com relação á ultima lei que alterou o systema da contribuição predial.

Chegado ao projecto em discussão, não posso deixar de começar por exprimir a estranheza de que me acho possuido vendo apresentar um projecto d'esta ordem, havendo soffrido no seio da commissão modificações importantissimas, e julgar-se que era facto indifferente atirar com este projecto para a discussão, e não se dizer a toda a camara o projecto primitivo era este; mas as modificações acceites são estas, para que não estejamos aqui a argumentar hypotheticamente. (Apoiados.)

Parece-me que o primeiro direito de uma assembléa desta ordem é saber aquillo que se discute. O que é que o governo pretende fazer? Qual é o seu projecto?

Qual é o projecto que a commissão abraçou? Mas haver-se ajustado combinações com os membros da commissão ou com os interessados, não se dizerem á camara nem ao paiz, e ser necessario que o illustre presidente do conselho responda a qualquer dos individuos que combatem o projecto, para que se tenha conhecimento disto, não me parece regular este procedimento; (Apoiados.) e estimarei que este systema não seja adoptado pela illustre commissão de fazenda: no momento em que tenham combinado qualquer alteração nas disposições dos projectos, devem mandar para a mesa uma emenda a esse projecto. (Apoiados.)

Assim como não posso tambem deixar de dizer, coto toda a franqueza, que não se comprehende, a não ser que os projectos sejam feitos sobre o joelho, que depois de entregue na camara um projecto desta ordem, alterando a taxa do imposto, et? diga: que um determinado genero paga 85 réis de imposto, quando o que effectivamente paga são 80 réis!

Pergunto ao illustre ministro o que é que s. exa. pretende que pague effectivamente este genero - e assucar: são 85 ou 90 réis?

Este ponto é importantissimo para a discussão; e se v. exa. me permittisse, aguardava a resposta do illustre ministro; porque as considerações que tenho a fazer dependem da resposta que s. exa. der a este respeito.

O sr. Pinto de Magalhães: - Já respondeu: são 90 réis.

O Orador: - Então são 10 réis, e não 5 réis de augmento?!...

(Interrupção.)

Não era de estranhar que perguntasse, porque queai está fallando é um representante da nação; e não era de admirar, que não o tendo entendido tomasse a liberdade de o perguntar ao sr. ministro.

Folgo com a declaração prestada por um membro da commissão, de que são 90 rei»; o desejaria que a minha voz podesse percorrer o paiz todo de um extremo ao outro para que se soubesse que são 90 réis, e para que 8o não esteja illudindo a classe commercial dizendo que são 85 réis!

Folgo, porque ainda hoje fui procurado por negociantes respeitabilissimos d'esta praça, que me disseram que, tendo procurado o illustre presidente ao conselho, a exa. dia será que havia equivoco na sua proposta; mas que o calculo do governo tinha sido sobre 5 réis, e, por consequencia, permanecia sobre 5 réis!...

Fica, pois, o paiz sabendo que não são 5 réis por cada de assucar, mas sim 10 réis; e eu, como representante do paiz, preciso esclarecer o paiz.

Agora peço ao illustre relator da commissão, que tenha a bondade de me dizer se o assucar refinado pagará 90 réis ou se fica pagando o que paga actualmente.

O sr. A. J. Teixeira (relator): - O projecto, tal qual estava, comprehendia o assucar em qualquer estado; mas eu, por parte da commissão, tenciono, quando fallar, apresentar uma proposta de emenda, para que o assucar refinado continue a pagar o que paga actualmente.

O Orador: - É necessario que assentemos no que está estabelecido ou no que quer estabelecer-se.

O assucar não refinado, que paga 80 réis, fica pagando 90 réis, e é assucar refinado fica pagando o que actualmente paga.

Pois eu, acceitando para a discussão o projecto nestes termos, vou mostrar ao nobre presidente do conselho como não fui precipitado avançando a phrase de que um projecto desta ordem se póde fazer em vinte e quatro horas.

O projecto, tal qual veiu a esta casa, significava um importante prejuizo para o thesouro; mas, se se a. exa. insistir em elevar mais 10 réis no imposto, vae fazer uma reducção muito consideravel na receita publica.

A modificação que vae ser apresentada por parte da commissão devia já ter vindo no projecto primitivo, por honra do systema de fazenda apresentado pelo nobre presidente do conselho, porque a disposição que ella vae ella importava, nada mais nem nada menos, do que em 137:000$000 réis dê diminuição na receita publica; e folgarei muito que haja quem me responda e me convença, porque desejo que o projecto, sem prejuizo des contribuintes, signifique um augmento de receita.

Agora vou defender as receitas do thesouro, que vejo ameaçadas por este projecto de lei; mas, antes de entrar na questão, devo dizer que, augmentar por esta forma os direitos de um artigo tão importante como é d'assucar, que representa perto de 1.700:000$000 réis de receita, não é acto indifferente, e que o governo tinha obrigação de fazer os seus cálculos com toda a exactidão sobre uma questão que dá um triste diploma ácerca da administração do paiz.

Quando se augmenta a taxa do qualquer genero, sem conta, peso nem medida, dão-se os contrabandos como o do hiato Luz do dia, e furtam-se aos direitos centenas de votos de réis, porque ha vehementes suspeitas de que aquelle contrabando não era o primeiro que se fazia. É por esta occasião devo pedir ao governo que adopte as

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providencias necessarias para evitar a repetição de factos idênticos, factos que se hão de dar emquanto existir a péssima legislação que temos e que regula esta materia.

Mas o governo não pensa nisso, e deixa subsistir uma legislação absurda, porque não vi ainda até hoje apresentar uma proposta, por parte do governo, no sentido de a modificar.

E quer a camara saber qual o resultado da legislação vigente sobre denuncias? É que, custando um carregamento de tabaco em Tanger 5:000$000 réis, o individuo que o compra, vindo fazer a denuncia, encontra-se em duas posições ou o contrabando passa e ganha 90:000$000 réis, ou não passa e ganha 30:000$000 réis!

E aqui tem v. exa. e o paiz o que é essa legislação. (Apoiados.)

O denunciante com um genero que lho custou 5:000$000 réis, ou ganha 30:0000000 ou 90:000$000 réis, sempre ao abrigo de todos os perigos, porque fez a denuncia!

Oh! sr. presidente, estou vendo collegas meus, que se sentam nos bancos da maioria, e que apoiam esta situação, dando-me o testemunho de que é verdadeiro este facto; e pergunto ao sr. presidente do conselho se ainda até hoje, desde que o paiz teve conhecimento de um facto desta ordem, não teve tempo, ou não julgou conveniente aos interesses do paiz, trazer aqui um projecto que modifique a legislação.

O que é facto é que esta legislação, como está, não podo continuar. (Apoiados.)

O contrabando não se póde combater por esta forma; e não insisto mais sobre este ponto de contrabando, porque ha quasi dois mezes que mandei para a mesa uma nota pedindo, com toda a urgência, todos os papeis que dizem respeito a apprehensão de contrabando com relação a tabaco, a fim de os examinar, e sobre esse assumpto dirigir uma nota de interpellação ao governo, e ainda não recebi esses documentos.

Devo n'este proposito dizer a v. exa., embora não tenha conhecimento nenhum official disto, porque não tenho caracter algum official por onde me podesse vir a informação; mas devo dizer a v. exa., repito, que já me consta que, depois desta ultima apprehensão que se fez, ha evidentes suspeitas de que não se realisou outra, por extrema irregularidade do empregado a quem fora incumbida a diligencia.

(Sensação.)

Este facto foi-me dito, mas não garanto a sua veracidade, e nos termos vagos em que o conto não póde referir-se a ninguem.

Uma voz: - Mas isso é grave.

O Orador: - É gravissimo. Diz-se que o empregado, encarregado dessa diligencia, andara menos regularmente. Sabe-se, por participação do immediato a esse empregado, que os empregados da alfandega, tendo andado por esse Alemtejo uns poucos de dias, chegados a uma certa altura, como consta da participação que está na alfandega, sem que se tivesse procedido á minima busca, foram mandados retirar para Lisboa, porque não era preciso mais nada;

O sr. Pinto de Magalhães: - Mas isto é gravissimo.

O Orador: - È justamente por ser gravissimo é que eu, representante da nação, venho pedir providencias ao governo.

Uma voz: - Faça-se toda a luz. (Apoiados.)

O Orador: - Não esquecendo a Luz do dia. Continuando na discussão do projecto, vou mostrar á camara como a proposta do governo, tal qual vinha, significava, pelo facto de equiparar o assucar refinado ao não refinado, um prejuizo na receita publica de 133:000$000 réis, dado o caso que se importasse a mesma quantidade de assucar esse tem importado até aqui.

Agora conheço que é inutil insistir neste ponto, por isso que a illustre commissão concordou com as alterações; mas faço-o para que não haja a minima duvida da parte da camara em acceitar estas alterações, e porque tenho a obrigação de mostrar como este projecto foi feito sobre o joelho.

O assucar despachado na alfandega de Lisboa, durante um anno, póde calcular-se em 11.000:000 de kilos, o pela alfandega do Porto em 7.300:000 kilos, o que perfaz um total de 18.300:000 Kilos.

Peço a attenção da camara.

Sendo aquelle assucar todo refinado como succederia desde o momento em que o direito fosse o mesmo para todas as qualidades, e pagando 90 réis cada kilogamma, produziria 1.647:000$000 réis.

Do momento, porém, em que o direito para o assucar seja differente conforme for refinado ou não refinado, para apurar de assucar refinado aquella quantidade que o consumo do paiz reclama, teria de se importar não só aquella quantidade, mas mais 8 por cento, que tanto é a media das materias que o assucar bruto contém, e neste caso a impof-tação seria elevada 19.764.000:000 kilogrammas que produzirão 1.778:760$000 réis ou mais 131:760$000 réis.

Creio que esta demonstração é claríssima, é a camara deve tel-a comprehendido bem.

Todos sabem que o assucar não refinado para produzir uma arroba de assucar refinado, precisa de maior quantidade.

Se se estabelecesse um direito igual, tanto para o assucar refinado, como para o assucar não refinado, é evidente que aquelle começaria a substituir o assucar não refinado, e havia, portanto, uma diminuição importante nos direitos.

Custa-me muito a alongar n'este debate, mas acima das considerações que me podem levar a desejar ser muito laconico, está a necessidade de cumprir com o meu dever, e de justificar a phrase que avancei na ultima sessão, e que causou estranheza a muitos dos meus illustres collegas, que não comprehendem que em política possa haver franqueza e sinceridade.

Vejamos agora as consequências da elevação do direito proposto, e note a camara que tem de considerar esta questão, não como politica, mas pêlo lado que affecta interesses importantíssimos.

A elevação de 80 a 85 réis é uma elevação gravíssima, mas era uma elevação acceitavel e desculpável, quando as circumstancias não indicassem outro meio de se poder sair da dificuldade; mas a elevação de 80 a 90 réis é um erro, e póde servir só para augmentar o contrabando consideravelmente e produzir uma grande diminuição no consumo.

Em paiz nenhum civilisado se eleva o direito sobre um genero, já sobremodo sobrecarregado, com tanto exagero como nós queremos fazer. Nem em França, nem em Inglaterra ousaria qualquer ministro da fazenda propor um tão grande direito sobre uma das principaes fontes de receita.

Note v. exa. que não é simplesmente a elevação do direito de 80 a 90 réis; são, alem disso, os 6 por cento sobre os direitos antigos e modernos.

Sabem, v. exa. e a camara, quanto vem a pagar o assucar, nesta hypothese 1$530 réis. Creio que a illustre commissão não terá duvida a este respeito. E sabe tambem a camara qual o preço medio do assucar? 1$600 réis.

Entendo que se deve pensar muito antes de ir aggravar por esta forma o direito sobre um genero que é uma fonte de receita que dá 1.700:000$000 réis; que não se deve fazer isso, sem se ouvir quem está no caso de esclarecer o assumpto. Os ministros d'estado não podem apreciar devidamente a conveniencia ou inconveniencia do augmento de um determinado direito; mas o commercio, que está lidando nisso diariamente, que sabe, por consequencia, a importancia que tem para o consumo a subida de 5 ou de 10 réis, (Apoiados.) é elle que está no caso de apreciar as consequencias que devem resultar desse augmento sobre

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um genero que, se não é de primeira e absoluta necessidade para as classes pobres do campo, é de primeira necessidade para as classes operarias aqui em Lisboa, que tomam café, e, por consequencia, consomem assucar. (Apoiados.)

Creio poder tambem avançar que no seio das commissões de reforma de pautas ha muitos cavalheiros que sustentam como indispensavel a reducção de 30 por cento. Note-se que não é um augmento nos direitos, mas uma reducção de 30 por cento, como devendo d'ahi resultar, num período não excedente a anno e meio, um augmento do receita.

Fallo bem claro. Digo que n'esta casa ha indivíduos nomeados pelo governo para commissões de reforma de pautas, que têem sustentado a necessidade da reducção de 30 por cento sobre os direitos do assucar para augmentar a receita.

A camara comprehende perfeitamente a importância que tem, em artigo de consumo das famílias, uma reducção. Desde o momento em que elle seja mais barato, ha de consumir-se muito mais, (Apoiados.) e não só esse consumo será muito maior por parte das familias, mas ainda por parte de algumas industrias. (Apoiados.)

Tanto isto é sensato e verdadeiro que esses cavalheiros, fora de todas as influencias politicas, no seio de uma commissão de reforma das pautas, não duvidavam sustentar a necessidade da reducção de 30 por cento.

Mas voltemos á camara, e encontrámos a discussão de uma medida apresentada pelo governo, e essas considerações silo postas de parte, em vez de se esclarecer o governo, do o aconselhar a que não traga á camara a medida como está, que diminua o imposto se quer augmento de receita, e que olhe para o que outras nações têem feito, para a Inglaterra e para a Italia.

A Itália, permittindo a livre exportação de todos os artigos sem nenhum pagamento de direito, com excepção apenas do enxofre e do azeite, não fez como nós fazemos.

Nós aqui considerámos como uma fonte de receita aquillo que vamos buscar á exportação, quando não é mais do que um embaraço importantissimo posto ao desenvolvimento commercial do paiz.

Repito, não é uma questão política, é uma questão de todos nós, do interesse para o paiz, e nessas condições eu peço ao governo, peço á commissão de fazenda que ponha de parte as praxes seguidas nesta casa, de considerai- como um desaire acceitar qualquer modificação durante a discussão, e que reduza, limite apenas o direito aos õ réis.

Declaro a v. exa. que pela minha parte eu preferiria a reducção de 30 por cento. Desde que se julgue inopportuno o momento, eu não insisto.

Embora seja principio sustentado pelos membros da commissão de reforma das pautas, assim como pelo illustre presidente do conselho e ministro da fazenda, que o disse bem alto n'esta casa, perante o paiz inteiro que muitas vezes a maneira de conseguir um augmento na receita deste imposto era por meio de uma reducção sujeita nos direitos eu não insisto pela rcducção do direito actual, e peço apenas a s. exa., que se contentava com os 5 réis, que continue a contentar-se com elles, e não peça mais. Creia s. exa. que no commercio aqui e no Porto suppõe-se que effectivamente havia um equivoco, o que o pensamento do governo era elevar 6 réis; e eu hei de ver passar a medida nesta casa, se a camara a votar, e voltar com a emenda da outra camara, porque não passa, não póde passar.

E ainda sobre esse ponto, e com relação aos differentes artigos d'esta proposta, lembro á camara e lembro ao illustre presidente do conselho, principalmente a necessidade de que em assumpto d'esta ordem se falle com clareza e com lealdade ao paiz.

Ha dias foi apresentada uma proposta pelo sr. conselheiro Luciano de Castro. Uma resolução sobre essa proposta é necessario para os interesses do commercio, porque o commercio não póde estar com o seu negocio parado á espera que o parlamento e os srs. ministros resolvam este negocio.

O commercio carece da certeza, porque o seu negocio de cada dia não póde estar a assentar sobre hypotheses, ha de assentar sobre factos.

É, por consequência necessario que o governo declare terminantemente se está disposto a acceitar a idéa enunciada no projecto apresentado pelo sr. Luciano de Castro; e desde quando s. exa. entende que se deve ser obrigado a pagar os
direitos.

Em artigos taes como o chá, a farinha, o assucar, etc., e isto é um facto de todos os dias, ha sempre transacções importantes que se realisam por necessidade do commercio e não por especulação.

Em relação ao artigo assucar, por exemplo, ainda quando se declare que só em de julho começa a vigorar a lei, não ha de vir dahi um grande desfalque para o thesouro, o por uma rasão muito simples; é porque o commercio que olha para estas cousas com mais attenção e com mais seriedade do que o governo, porque lhe doem mais, tem em muita conta o desembolso do juro do capital, que é importantissimo.

Por consequencia não imagine a camara que, por exemplo, com respeito ao assucar o facto da lei começar a vigorar em 1 do julho signifique um grande desfalque para o thesouro.

E o commercio não póde estar nesta incerteza.

Ninguem póde estar a comprar, por exemplo, uma partida de assucar em Hamburgo, sem saber qual a lei que ha de vigorar quando o género cá chegar; e sem saber, portanto, os riscos que tem ou os lucros que póde tirar da transacção.

É este um assumpto importantíssimo, o sobre o qual folgarei que algum membro do governo, quando tiver occa-sião de responder a algum orador desta casa, e não a mim, que não posso merecer essa consideração por nenhum titulo, esclareça o,paiz devidamente.

Sinto-me fatigado, e não desejo abusar da attençao da camara por mais tempo.
Já na apreciação do relatório me referi á modificação que só devia dar no calculo do governo a respeito do cognac e dos licores, por estarem hoje comprehendidos no tratado com a França.

E já na ultima vez que fallei me referi tambom á questão das farinhas.

Applaudo o illustre ministro, quanto a esta proposta, na parte em que aboliu os direitos do barreira, porque simplificou muito o serviço.

Terei ainda occasião, apesar de para s. exa. ser talvez mdiffcrente esta declaração, de lhe dizer os pontos em que eu o applaudo, os pontos em que me parece que s. exa. prestou um serviço ao paiz apresentando as suas propostas.
Não é ainda na questão da armazenagem, porque nesse assumpto o governo não foi esclarecido, porque o governo não se informou com a gente do commercio para ver como esses negocios são.

E já agora direi apenas duas palavras a respeito deste assumpto.

O sr. presidente do conselho, no intuito de simplificar o serviço, partiu de um principio completamente falso.

Este principio é: ha uma distincção entre sólidos e líquidos? Pois eu vou acabar com essa distincção, applicando aos sólidos a mesma taxa de armazenagem que é applicada aos liquidos.

Mas isto é fazer uma proposta sobre o joelho, porque de outra forma, pensando-se um instante, via-se logo que esta casa; por exemplo, póde comportar um sem numero de sacas de café, e que, emquanto a azeite em pipas, não póde comportar senão quantas permittirem a sua superficie. Esta

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casa póde levar um grande numero de volumes uns em cima dos outros; mas pipas de azeite ou de outro qualquer liquido, não póde levar senão um numero limitado, porque não pódem ser postas unias sobre as outras.

Neste ponto digo eu: ir applicar o direito que se paga pelos líquidos ao que se paga pelos solidos, ha de dar uma grande differença para menos na receita, pela seguinte rasão: nos armazéns de retém sabe qualquer que, recolhendo os géneros, paga por 120 kilogrammas 20 á 25 réis; e pela proposta do governo, desde o momento em que seja approvada, o mesmo imposto que é para os liquidos passa a ser de 95 réis por cada 100 kilogrammas. De maneira que, quando qualquer tiver a receber generos, vae pagar em quaesquer outros armazéns 20 réis em logar de pagar 90 réis, e o thesouro é quem perde.

Mas este projecto ainda não está em discussão, e a camara me relevará do eu fazer já estas observações.

Tenho concluido.

O sr. Gomes Barbosa: - Requeiro que v. exa. consultea camara sobre se o projecto está suficientemente discutido na generalidade.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Antes de se votar a generalidade do projecto, vou submetter á deliberação da camara lima proposta de adiamento que foi mandada para a mesa pelo sr. Antonio Maria de Carvalho.

Vae ler-se está proposta.

(Leu.)

Como a camara acaba de ouvir, o sr. Antonio Maria de Carvalho pede o adiamento do projecto em quanto se não discutir o projecto do bill de indemnidade.

Os senhores que approvam esta proposta queiram levantar-se.

Não foi approvada.

O sr. Presidente: - Agora vae votar-se a generalidade do projecto. Os senhores que approvam, a generalidade do projecto, sendo enviada á commissão de fazenda a proposta ou projecto apresentado pelo sr. Luciano de Castro, conforme pediu o sr. relator da commissão, e sem prejuizo do andamento do projecto que se discute, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do projecto na especialidade.

Vae ler-se o artigo 1.°

(Leu-se.)

(Alguns senhores deputados pedem a palavra.)

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os srs. Emygdio Navarro, sobre a ordem; Pinheiro Chagas, Elias Garcia e Mariano de Carvalho.

Tem a palavra o sr. Emygdio Navarro.

O sr. Emygdio Navarro (sobre a ordem): - A minha moção é a seguinte:

(Leu.)

Sr. presidente, a camara acaba de resolver que se continue na discussão do projecto n.° 80, independentemente da apresentação e discussão do projecto sobre o bill de indemnidade.

Não tenho direito de censurar a resolução da camara, mas v. exa. não me levará a mal que eu lastime este precedente de se votarem impostos novos sem estar legalisada a cobrança dos impostos antigos; isto é o mesmo que acabar com a regalia que pertencia á camara dos representantes do povo de votar os impostos; regalia que constitue a base mais solida das franquias populares ; regalia já admittida e respeitada nos tempos do absolutismo do direito divino, e por meio da qual os povos caminharam progressivamente na conquista das suas liberdades. Tudo isso desapparece!

Não é já aos representantes da nação que pertence votar e sanccionar a cobrança dos impostos, e até se vão dar este caso extraordinário e estupendo, caso virgem em paizes constitucionaes, de se votarem addicionaes a impostos que legalmente não existem! Não me é licito, repito, censurar a resolução da camara; mas ella, não me póde levar a mal que eu lastime este deplorável precedente, e que ainda mais lastimo este facto, que profundamente caracterisa a nossa decadencia politica, de o parlamento votar impostos como addicionaes a uma dictadura!
E para que é tamanha pressa?! A que aproveita este atropellamento dos principios fundamentaes do systema representativo e das praticas parlamentares?!

Só isto ao menos servisse para o fim que o nobre presidente do conselho diz ter em vista, para de uma vez extinguir esse deficit que de tão longe nos afflige, haveria nos beneficios do resultado uma attenuante para a culpa, que aliás não deixaria em caso algum de ser delicto. Mas a triste verdade é que nem essa defeza póde apresentar-se. O deficit ainda desta vez não morrerá, embora se votem todos os impostos e alcavalas propostos pelo governo.

O deficit vae ficar nas mesmas circumstancias em que estava; e não só se não conseguirá dar-lhe morte segura, que faça com que elle não renasça, mas nem se quer se attenuarão as causas que têem provocado e aggravado de anno para anno o desequilíbrio orçamental.

Ha muito que o sr. presidente do conselho professa, nos seus relatórios e discursos parlamentares, um horror profundo pelo deficit.

Quando s. exa. vem hoje dizer ao parlamento que o deficit ou acaba por uma vez ou não acaba nunca, não faz mais do que repetir o que ha trinta annos constantemente tem affirmado como convicção sua muito profunda, e principio fundamental dos seus planos governativos. Ora se ha trinta annos que os seus actos estão em desharmonia com as suas palavras, quem póde hoje ter fé em propositos que de tanto atrás vem desmentidos?!

Em 1852, logo da primeira vez que entrou no governo, s. exa. disse no relatório do conselho de ministros de 11 de setembro, para a reunião das alfandegas do Terreiro e das Sete Casas, estas palavras memoráveis: o deficit o peior e o mais inexorável de todos os tributos.

No relatorio do conselho de ministros para a conversão dos títulos de divida publica, disse: emquanto houver em deficit, pequeno ou grande, que actue constantemente sobre o thesouro, o paiz caminhara para um abysmo inevitavel. E por assim o entender, logo jurou que o deficit havia de morrer, e do prompto; às suas mãos!

O deficit, porém, não morreu. Em 1859 o sr. Fontes fez as mesmas promessas de morte inexoravel, as quaes tiveram a mesma falta de cumprimento. Chegámos a 1867,. e no seu relatório de fazenda apresentado em sessão de 9 de fevereiro, a pag. 6.ª, disse o sr. Fontes:

«A mais séria de todas as difficuldades, com que lucta este paiz, é o grande deficit que o afflige: Está muito dito, porém nunca é demais, que o deficit é o mais inexoravel de todos os impostos; o, comtudo, muitas vezes se tem hesitado em lhe pôr cobro pelos embaraços que provém sempre da tentativa de crear receitas novas. Em vão se appella para o augmento progressivo doe rendimentos publicos ; a despeza augmenta mais do que elles, e a situação do thesouro é cada vez mais precaria.»

Na primeira parte repetem-se textualmente as palavras do 1852; na segunda parte descrevia-se antecipadamente a situação actual! A pag. 7.ª, do mesmo relatorio, dizia o sr. Fontes:

«A organisação das finanças é uma questão do presente e do futuro; e; debaixo deste ponto de vista, sobe de gravidade. Se formos continuando no systema de pedir ao credito para pagar o credito, iremos no plano inclinado, que leva ao cataclismo; e nenhum homem que ame a sua patria póde querer tomar a minima parte, que seja, na responsabilidade de tão desastrosa politica.»

A eloquencia persuasiva do sr. Fontes a todos convenceu, e só a s. exa. não venceu! Todos sabem, como uma

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serie de desregramentos de toda a ordem correspondeu áquellas boas palavras, e como a irritação popular produziu a queda do sr. Fontes. Restaurado em breve no poder, depois das angustias financeiras de 1868 a 1871, o sr. Fontes apresentou ao parlamento o seu memorável relatorio de 3 de fevereiro de 1872, e n'elle escreveu a pag. 2.° o seguinte:

«Já publicamente o declarei no parlamento, e agora repito aqui: o deficit ou acaba por uma vez, ou ameaça de não acabar nunca. Se ha annos tivessemos posto o devido empenho em conseguir este fim, é indubitavel que as economias realisadaa, e os impostos successivamente votados, seriam mais do que suficientes para regularisar as nossas finanças, equilibrando a receita com a despeza.

Aqui está a confissão de que os transvies da boa politica tem sido causa de se não -terem regularisado as finanças publicas. Concluía o sr. Fontes aquelle relatorio, dizendo a pag. 22.ª:

«Um orçamento com deficit não é orçamento, é um rol de receita e de despeza, e nada mais. Não censuro ninguem, porque seria eu dos mais culpados; porém, digo francamente o que penso, depois de amestrado largamente pela experiencia, e de estudar n'alguma outras nações exemplos, que me parecem dignos de imitar-se, um dos maiores erros que commetti em 1867 foi o de não levar as medidas de fazenda até onde fosse necessário, para equilibrar a receita com a despeza.»

É esta a lição do passado, e é por ella que devemos aquilatar o verdadeiro valor das palavras do presente. E necessario que não nos deixemos arrastar por irreflectidos movimentos de patriotismo, porque o patriotismo irreflectido póde levar, e levará certamente neste caso, a resultados inteiramente contrários áquelles que se desejam. E necessario que por uma credulidade cega, e que pedirei até licença para qualificar de leviana, não vamos votar novos impostos, quando, amestrados tambem por uma larga experiência, devemos saber que esses sacrificios serão perdidos, porque esses impostos hão de desapparecer na mesma voragem que tem inutilisado os antigos! (Apoiados.)

O sr. Fontes não nos diz hoje cousa alguma, que ha trinta annos não tenha dito e promettido. No seu relatorio deste anno o sr. Fontes começa precisamente por lembrar as palavras que escreveu ha dez annos: o deficit ou acaba de uma vez ou ameaça de não acabar nunca. E depois insiste na necessidade urgenta do acabar com o deficit, affirmando o seu proposito inabalável de realisar o equilibrio orçamental. São as mesmas palavras de ha trinta annos, e isso é que lhes tira toda a força! Por mais eloquente e persuasivo que seja, nessa parte, o relatorio de fazenda de 1882, não o é mais do que os relatorios de 1852, de 1867 e de 1872. E todos nós sabemos a traducção em factos que elles tiveram! (Apoiados.)

Aqui nos disse já neste anno o sr. presidente do conselho que, pela lição da experiência, adquirira a convicção de que era urgente extinguir o deficit; mas foi tambem em nome das lições da experiencia que s. exa. fez igual promessa em 1872. A lição não lhe aproveitará agora mais do que então lhe aproveitou. Ê verdade que s. exa. se reserva a faculdade de vir mais tarde repetir ao parlamento que foi esse um dos maiores erros que commetteu. Na politica do nosso paiz dá-se este caso singular, mas muito instructivo, e é que o sr. Fontes sobe sempre ao poder em nome dos seus erros, e que elle proprio confessa, e os seus adversarios são derribados do poder em nome das responsabilidades alheias, e por acudirem às consequencias desses erros e culpas do illustre chefe do partido regenerador! (Apoiados.)

Para o sr. Fontos errar é subir; para os que combatem os seus erros, emendar é cair! (Apoiados.) Triste sorte esta, sr. presidente, e ainda mais do paiz do que dos partidos, que por tal modo são maltratados! (Apoiados.) Mas não paremos em 1872. Prosigamos na lição da historia. N'aquelle anno, o sr. Fontes não só prometteu matar o deficit, mas levou a sua magnanimidade até ao ponto do annunciar um saldo positivo de 27:000$000 réis. A pouco trecho, o sr. Fontes alija a pasta da fazenda para se entregar todo às cousas do exercito, que, seja dito de passagem, deixou tão bem organisado como as finanças. (Apoiados.} Entra o sr. Antonio de Serpa para a pasta da fazenda, e no sou relatorio de 7 de janeiro de 1873 declara que o deficit ainda não fora morto de vez; mas acrescentava a pag. 20.ª:

«Assim, pois, nem as despezas normaes do futuro anno e dos seguintes, nem as despezas extraordinarias e eventuaes, cuja realisação póde ser necessaria ou conveniente, alterarão o equilibrio das nossas finanças, se approvardes as medidas que proponho, ou outras que melhor as substituam, para extinguir o pequeno deficit que ainda existe nas receitas ordinarias do thesouro.
a Acauteladas deste modo, e quanto possivel, todas as eventualidades, mesmo a de ser votada na sessão actual qualquer pequena despeza indispensavel, proveniente da livre iniciativa da camara ou do governo, parece-me podermos assegurar que firmámos em bases solidas o equilibrio das nossas finanças.»

O deficit não morrêra em 1872, mas em 1873 era certissima a sua morte. Vem o anno de 1874, e o sr. António de Serpa declara que ainda não póde dar cabo do deficit, mas que dessa vez a morte do monstro era segura. E, para que não houvesse duvidas, escrevia a paginas 5 desse relatorio:

«Já vedes, pois, que o calculo da extincção do deficit, no futuro anno economico, assenta nas mais largas e seguras bases.»

Mais um anno de espera! Chega o anno de 1875. No seu relatorio de 12 de janeiro o sr. António de Serpa volta a dizer que o deficit ainda não ficara bem morto, mas que os últimos restos de vida lho seriam infallivelmente tirados nesse anno. E não só o deficit ia morrer, mas deixaria em legado um saldo de receitas para despezas extraordinarias! Aqui estão as palavras que se encontram a paginas 5 daquelle relatorio:

«Para saldar este deficit temos os recursos calculados na importancia de 338:500$000 réis, que devem provir, com toda a segurança, de duas propostas de lei que adiante submetto ao vosso exame; e o resto, na importancia de réis 638:201$595, será coberto sobradamente pelo augmento das receitas effectivas sobre as que vão calculadas no orçamento, como acabaes de ver que já começou a verificar-se nos primeiros mezes do actual anno económico, alem da somma proveniente das vacaturas e accumulações do serviço, que regula por mais de 200:000$000 réis, e que servirá para occorrer aos creditos extraordinarios que muitas circumstancias costumam occasionar.»

A descrença já então devia ter entrado nos animos mais confiados! Abre-se o relatorio de fazenda de 11 de janeiro de 1876, e a paginas 7 lê-se:

«O deficit orçamental será sobejamente coberto e excedido pelas receitas deste anno, e o equilibrio do rendime,nto e despeza do thesouro ficará no anno futuro assente em solidas bases.»

A paginas 8 acrescentava o sr. Antonio de Serpa:

«Se acontecimentos imprevistos não vierem perturbar o regular andamento dos negócios, e interromper o desenvolvimento da riqueza do paiz, cujas fontes estão ainda em grande parte por explorar convenientemente, deveremos ter começado a amortisação da nossa divida consolidada muito antes do longínquo praso em que a reversão para o estado da propriedade dos caminhos de ferro concedidos às companhias nos traga a posse destes importantes valores.»

O sr. Serpa até promettia, que em breve se começaria na amortisação da divida consolidada!

Chega o anno de 1877, e dessa vez o sr. Antonio de

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Serpa já não promette matar o deficit! No seu relatorio de 9 de janeiro, a pag. 7, limita-se a dizer que: "o deficit normal do estado se póde desde já considerar reduzido a modestas proporções".

Vamos ver qual foi essa modéstia. Caiu o sr. Fontes com uma terrivel dôr de dentes, e subia ao poder o então sr. marquez d'Avila. Toma conta da pasta da fazenda o sr. José de Mello Gouveia, que é auctoridade insuspeita para o actual governo, visto que faz parte d'elle. O sr. Mello Gouveia apresentou ao parlamento o seu relatorio de fazenda, na sessão de 16 de janeiro de 1878, e n'elle, a pag. 6, declara que achou para deficit da gerencia de 1876-1877 a modesta somma de 7.123:313$848 réis! Veja a camara a que modestas proporções estava reduzido o deficit que o sr. Fontes jurára exterminar de um só golpe no principio d'aquelle seu consulado!

Para não cansar a camara com a analyse minuciosa das contas, que successivamente foram dando em algarismos um desmentido solemne ás palavras do sr. Fontes e do seu ministro da fazenda, leio uma simples nota dos deficits de exercicio, apurados desde 1867 a 1879:

Exercicios Deficit

1867-1868 .... 7.129:000$000
1868-1869 .... 5.974:000$000
1869-1870 .... 6.581:000$000
1870-1871 .... 6.158:000$000
1871-1872 .... 5.263:000$000
1872-1873 .... 4.695:000$000

Repare a camara. O sr. Fontes cáe com um deficit de exercicio de 7.129:000$000 réis. Vem a janeirinha, vem o facalhão das economias, que foi assumpto de tantas facecias e de tamanhas iras, succedem-se differentes ministerios, de differente côr politica, e o deficit vae gradualmente descendo. Em 1872 sobe outra vez o sr. Fontes, amestrado largamente pelas lições da experiência, e em nome de solemnes promessas, a que já me referi, consegue que o paiz se resigne a novos e pesados encargos tributarios. Vae a camara ver como o movimento descendente do deficit se converte logo em accentuado movimento ascensional:

Exercicios Deficit

1873-1874 .... 1.807:000$000
1874-1875 .... 3.657:000$000
1876-1876 .... 2.985:000$000
1876-1S77 .... 5.257:000$000
1877-1878 .... 4.692:000$000
1878-1879 .... 5.259:000$000

A estes 5.259:000$000 réis têem de accescentar-se réis 2.500:000$000 da antecipação dos direitos do tabaco, o que dá para deficit d'aquelle exercicio a bonita somma de 7.759:000$000 réis! Um d'estes exercicios, o de 1877-1878, pertence principalmente á responsabilidade do sr. marquez d'Avila; mas repare a camara, que elle representa uma diminuição importante, tanto a respeito do deficit anterior, como do seguinte, que ambos pertencem á responsabilidade do sr. Fontes!

Pelo que tenho exposto á camara se apura este contraste, verdadeiramente notavel, e de precioso ensinamento. Ha trinta annos que o sr. Fontes declara que o deficit é o peior dos nossos inimigos, jurando dar-lhe morte; quando o sr. Fontes está no poder, o deficit cresce, e quando sáe d'elle o deficit diminue. (Apoiados.) Parece-me que a lição não é difficil de tirar. (Apoiados.)

Em 1879 o sr. Fontes esteve outra vez no poder; recorreu a novos aggravamentos tributarios; e quando no anno seguinte o partido progressista lhe succedeu, achou um deficit de 7.308:000$000 réis. Foi tambem com um deficit superior a 7.000:000$000 réis que o sr. Fontes saiu do poder em 1868 e em 1878. Só n'esses apuros é que a abnegação do sr. Fontes se resolve a abandonar os cuidados da governação publica. Nunca faz a cousa por menos! (Apoiados.)

Esta é a lição irrecusavel da historia, attestada pelos fastos e documentos parlamentares, e é por ella que temos de guiar-nos. Essa lição diz-nos, com uma eloquencia irrefragavel, que as promessas de hoje hão de ter o mesmo resultado que as promessas de hontem, e que os sacrificios tributarios, que ao paiz se pedem serão sacrificios perdidos. (Apoiados.) O sr. Fontes já não é susceptivel de emenda. E não succede assim por que s. exa. não tenha ainda diante de si largos annos para poder exercer as suas faculdades de governo; mas sim por que s. exa. já não tem estimulo, que o faça mudar de habitos e contrariar tendencias, que hoje constituem para si como que uma segunda natureza.

S. exa. disse-nos aqui ha poucos dias, que nada deseja, e por isso de nada se arreceia. E tem rasão. O sr. presidente do conselho de ministros chegou onde podia chegar. O paiz tem-lhe dado, em honras e proveitos, tudo o que podia dar-lhe,; senão em proporção dos merecimentos de s. exa. que são muitos e muito grandes, pelo menos em proporção com os recursos se um paiz pobre, que não póde alargar-se em recompensas aos estadistas eminentes. Ora, como o sr. Fontes já nada tem a esperar, succede por isso que tambem não tem estimulo algum para se corrigir. Falta-lhe esse aguilhão, que é o que principalmente obriga os homens de governo a modificarem as suas tendencias e paixões conforme o melhor aproveitamento das circumstancias.

É por tudo isto, por esta lição do passado e por este estudo do presente, que ninguém póde ter confiança nas palavras do sr. presidente do conselho de ministros a respeito da morte proxima de deficit. Qual é a garantia, que s. exa. nos dá, de que as suas palavras de hoje hão de ter melhor confirmação do que as suas palavras de hontem? Que segurança podemos ter de que os novos sacrificios tributarios hão de ser mais escrupulosamente duplicados do que os sacrificios anteriores? (Apoiados.) Por que havemos de votar cegamente estes impostos, se para o mesmo fim outros se votaram em 1872, e já anteriormente, sem que com isso o deficit morresse e os desregramentos parassem? (Apoiados.)

Ainda que os impostos pedidos produzissem a receita calculada - que não produzem; ainda que elles chegassem para total extincção do deficit - que não chegam, nem assim este desappareceria. O deficit havia de continuar subsistindo, porque o sr. Fontes não se prende com considerações de especie alguma no gastar dos dinheiros publicos. S. exa. professa pela representação nacional, e pelas leis que d'ella dimanam, não direi desprezo, porque o nobre presidente de ministros é bastante cavalheiro para não desprezar as instituições, nem os homens que de algum modo as representam; não direi mesmo desdem; mas professa um acatamento menos respeitoso do que seria para desejar.

O sr. presidente do conselho não se preoccupa com os direitos do parlamento, nem reconhece os beneficios das boas praticas do systema representativo. Isso resulta do seguinte facto: s. exa. é demasiadamente grande para este paiz. A consciencia da sua superioridade arrasta-o, talvez inconscientemente ou a seu pezar, a invasões abusivas. O sr. Fontes, porque é muito grande, absorve na sua personalidade o que a constituição fundamental do estado distribuiu por todo o complicado mechanismo das instituições!

E eu vou apontar á camara alguns factos em abono do que deixo dito.

De 1872 a 1877 o sr. Fontes prometteu em cada anno a morte do deficit.

Subiu ao poder o sr. marquez d'Avila, levando comsigo o sr. José de Mello Gouveia, que hoje se senta ao lado do sr. Fontes, e o primeiro acto do novo ministerio foi legali-

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sar despezas, effectuadas pelo sr. Fontes, na importancia de 5.518:000$000 réis!

Eu leio á camara a respectiva nota:

Por lei de 9 de abril de 1877 .... 2.697:160$000
Por lei de 12 de abril de 1877 .... 700:000$000
Por lei de 12 de abril de 1877 .... 160:000$000
Por lei de 12 de abril do 1877 .... 412:794$449
Por lei de 12 de abril de 1877 .... 120:000$000
Por lei de 18 de abril de 1877 .... 1.428:430$801
Total .... 5.518:385$917

Aqui tem a camara como o sr. Pontes dava cabo do deficit! (Apoiados.)

Volta o sr. Fontes ao poder pela feliz restauração de 1878; cáe de novo ao fim de um anno; e o primeiro acto do ministerio progressista foi legalisar despezas feitas polo sr. Fontes na importancia de 2.952:686$113 réis!

Esta somma é superior áquella que o sr. Fontes espera obter dos aggravamentos tributarios que nos propõe; ora, só n'um só anno s. exa. gastou, fóra da lei, mais do que espera obter pelos novos impostos, quem póde crer que o producto d'esses impostos ha de fazer com que o deficit se extinga?! (Apoiados.)

A camara póde votar os impostos que julgar necessarios para matar o deficit; mas o sr. Fontes reserva-se o direito de gastar o que bem lhe parecer, e isso destroe todas as previsões, e inutilisa todos os sacrificios.

Apontarei mais um facto, que é caracteristico.

Em 1874 o actual sr. presidente do conselho, sendo ministro da guerra, resolveu transformar o regimento de artilheria n.° 3, que era de posição, em regimento de campanha. Toda a camara sabe bem a distincção que ha entre uma e outra especie de artilheria. A de posição, como o seu nome indica, é fixa, serve para a defeza das praças de guerra, e, como não tem viaturas, é tambem de menor pessoal, e faz muito menor despendio.

Por essa occasião resolveu igualmente o sr. Fontes elevar o batalhão de engenheria ao pé de guerra.

Essas transformações, devo dizel-o, militarmente consideradas, eram reclamadas pelas necessidades do serviço. E mesmo com ellas ficámos tendo apenas dois regimentos de artilheria de campanha, que são insuficientes em relação ao effectivo que deve ter o nosso exercito em condições normaes. Mas não é d'isso que trato; é do modo como essas modificações se fizeram.

A transformação do regimento de artilheria n.° 3, e a elevação do batalhão de engenheiros ao pé de guerra, alterou a organisação fundamental do exercito, regulada por uma lei de 1864.

Pois o sr. Fontes Pereira de Mello alterou a lei organica do exercito, transformando o regimento de artilheria n.° 3, em regimento de campanha, e elevando o batalhão de engenheiros ao pé de guerra, sem promulgar nova lei, sem publicar um simples decreto, sem ao menos publicar um aviso na ordem do exercito. Fez-se tudo por ordens verbaes e officios da secretaria! E o sr. Fontes continua, depois d'isso, a trazer todos os annos a esta camara o orçamento do estado, e figurando n'elle o regimento de artilheria n.° 3 como regimento do posição, e o batalhão de engenheiros conservado em pé de paz! E a camara votava esses orçamentos como sendo a expressão da verdade!

Mais tarde assumia as redeas do governo o sr. marquez d'Avila, e com as legalisações de despeza teve tambem de apresentar ao parlamento uma proposta de lei para regularisar aquellas transformações. Disseram então os jornaes regeneradores que nós, os progressistas, que apoiavamos aquelle ministerio, tinhamos engulido um regimento de artilheria com carretas e tudo! Elles, e os seus correligionarios é que de ha muito o tinham engulido! O sr. Fontes não esteve com coremonias para lhes metter o regimento pela bôca abaixo. Quem no fim de contas o enguliu foi o paiz, que é sempre quem paga as custas dos maus governos.

O nobre presidente do conselho não se preoccupa com ao auctorisações legislativas relativamente a despezas. A lei para elle é letra morta. E como faz sempre o que muito bem lho apraz, é escusado a camara estar a votar impostos com o intento de extinguir o deficit, porque as despezas hão de continuar a crescer, absorvendo assim o augmento de receitas que for creado.

E esta é a rasão principal dos desarranjos das nossas finanças.

A politica, na sua accepção mais nobre, é a sciencia da boa governação; e o paiz anda mal governado, porque é e tem sido pessima a politica predominante na governação publica.

Precisâmos de concertar a politica, para podermos solidamente concertar as finanças. E não é o sr. presidente do conselho, que póde impugnar a força d'esta connexão, porque no seu relatorio d'este anno escreveu:

"Entretanto, forçoso é confessal-o, o déficit tem um auxiliar poderoso na politica dos partidos militantes, e nas exagerações de que só ella é causa."

Estas palavras reproduzem o pensamento do outras, escriptas em relatorios anteriores, e segundo as quaes o sr. Fontes attribue á errada politica dos partidos a existencia e o aggravamento do deficit. No seu luminoso relatorio de 1872, dizia s. exa. que o paiz tinha a pagar réis 1.292:000$000 a mais do que precisaria ter pago em 1867 para extinguir o deficit... sem contar as reducções e economias, que se têem realizado, e que augmentam consideravelmente aquella somma. São estas as próprias palavras suas. E agora direi: quanto temos de pagar hoje mais, por não ter o sr. Fontes satisfeito aos compromissos a que em 1872 solemnemente se obrigou? (Apoiados.)

E como o sr. Fontes Pereira de Mello, segundo s. exa. tem affirmado, é o estadista que durante mais tempo tem gerido a pasta da fazenda, é tambem s. exa. aquelle que, independentemente de outras averiguações, maior responsabilidade tem na conservação e crescimento do deficit. E quando o sr. Fontes Pereira de Mello nos vem dizer no seu relatorio que o deficit tem um auxiliar na politica dos partidos, nós temos fundadas rasões para pedir que se reforme o modo de ser constitucional d'essa politica. Se d'ahi vem o mal, por ahi deve começar a applicar-se o remedio. Não se cura a molestia sem se supprimirem as causas que a produziram e alimentam. E é por isso que eu, ultrapassando talvez o modo de pensar dos meus amigos, declaro muito formal e positivamente que não voto nem um real de impostos sem reformas politicas. Nem um real!

N'este ponto sou naturalmente levado a entrar no capitulo das economias, a que o sr. presidente do conselho de ministros chamou o partido progressista.

O nosso illustre collega, e meu prezado amigo, que tomou sobre os seus hombros a ingrata empreza de relatar o projecto do imposto sobre o sal, andava ha dias muito afflicto em procura do sal attico, que em parte nenhuma encontrava, para tambem o sujeitar aquelle imposto. Felizmente que já o achou.

O sr. Manuel da Assumpção: - Não, senhor, ainda o não achei.

O Orador: - Peço perdão, achou e aqui mesmo, muito á sua mão. Pois não viu como o sr. presidente do conselho de ministros fez rir a maioria ao fallar das economias realisadas pelo ministerio progressista? Que sal attico mais puro quer do que esse, que assim fez desentranhar a maioria em risos?!

Vamos, pois, a esse capitulo, já que a elle nos chamou o nobre presidente de ministros.

Disse s. exa. que "o partido progressista fizera todas quantas economias se podiam fazer, pois que esse era o programma que contrapunha ao programma do partido

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regenerador accusado de esbanjador e perdulario, e que portanto, tendo estado no poder o partido progressista, não havia mais economias a fazer, porque todas ficaram feitas". Eu vou levantar estas ironias, e responder pelo partido progressista, a que tenho a honra de pertencer.

Lembrarei á camara algumas das economias que no poder fez o partido progressista, e a par d'essa indicação irei lembrando como é que v. exa. e o seu partido as tem inutilisado.

Ver-se-ha então se foi de risos e ironias a obra do partido progressista, embora o sr. Manuel da Assumpção, em vez do sal attico que eu lhe apontei, encontre sómente a galhofa. (Apoiados.).

Um dos primeiros actos do ministerio progressista, e tambem uma das mais importantes economias por elle realisadas, foi a redacção das gratificações por serviços extraordinarios. Essa economia deu logo um resultado de réis 100:000$000 annuaes de diminuição de despeza. Ora, 100:000$000 réis n'um anno parece-me que já é uma economia que avulta alguma cousa, e que não é para rir.

Fez-se essa economia e organisou-se uma tabella das gratificações, que se deviam dar, pelos differentes ministerios, por serviços extraordinarios, de modo que ellas não excedessem a verba fixada. Ainda nos não foram communicados esclarecimentos completos para apreciar o que se tem feito, desde que o ministerio progressista deixou o poder; tenho aqui sómente um documento, muito limitado, pois que apenas se refere a um mez e a um ministerio. Mas, apesar de incompleto, já nos dá uma indicação preciosa. Prova esse documento, que só no mez de agosto, e pelo ministerio da guerra, a tabella das gratificações extraordinarias foi excedida em 2:174$850 réis!

Nós fizemos economias, e o ministerio do partido regenerador, de que era chefe invisivel o sr. Fontes, só em um mez, e por um ministerio, já tem um excesso de despeza n'esta importancia.

Por aqui já se póde avaliar, que é subida a importancia dos excessos de gratificações em todos os mezes e por todas as secretarias.

Ha um outro documento, tambem, muito interessante, que foi pedido pelo sr. Mariano de Carvalho, e que diz respeito ás economias feitas pelo partido progressista.

É o que menciona, as verbas de subsidio a igrejas nos ultimos annos economicos.

Em 1878, anno de eleições feitas pelo ministerio regenerador, deram-se de subsidio a varias igrejas 26:000$000 réis. Vieram os progressistas no anno seguinte, fizeram tambem eleições, é n'esse anno concederam-se de subsidio a varias igrejas 12:000$000 réis. Desceu logo de 26:000$000 réis a 12:000$000 réis a importancia dos subsidios. Houve, portanto, de economia 14:000$000 réis.

No anno seguinte, tambem da gerencia do ministerio progressista, mas em que não houve eleições, a importancia dos subsidios a igrejas foi de cerca de 12:000$000 réis, isto é, sensivelmente igual á do anno anterior.

Durante a gerencia do partido progressista não fez aquella verba differença, quer houvesse eleições, quer não; mas veiu a situação regeneradora em 1881, e a verba para reparações e concertos do igrejas subiu logo a 41:000$000 réis!

Aqui está como nós faziamos economias, e como a situação da gravidade das circumstancias as conserva.

Ainda mais.

Apresentou n'esta casa o ministerio progressista uma proposta de lei, á qual vinculei tambem o meu nome, por que assignei o respectivo parecer como membro da commissão de fazenda, e que tinha por fim crear uma caixa de aposentações e reformas, impedindo o abuso crescente das aposentações.

Levantou-se contra essa proposta celeuma enorme, dizendo-se que era cruel e barbara, porque n'este abençoado paiz é sempre barbaridade e crueldade atalhar ao crescer das despezas e procurar o allivio do contribuinte!

Se era barbara, ou de rigorosa justiça e necessidade, dil'o-ha o seguinte mappa, que vem n'aquelle parecer:

[Ver tabela na imagem]

Estes algarismos têem uma eloquencia que dispensa commentarios. Em pouco mais de dez annos quasi triplicou a verba dos respectivos serviços, e a percentagem foi alem do dobro. Barbaridade e crueldade contra o paiz é a continuação de um tal regimen. (Apoiados.)

Aquella proposta de lei era um meio de obstar á continuação de um abuso, que poderosamente concorre para nos levar á ruina, e por isso era crueldade! Mas não é crueldade arrancar aos pobres mais impostos no assucar, no petroleo, e no chá, e até um novo imposto sobre o sal! Isto não é crueldade; é allivio. E por ser crueldade aquella proposta, foi uma das estranguladas pela situação da gravidade das circumstancias. A economia immediata, que d'ella resultava, era de 100:000$000 réis, devendo subir a 200:000$000 réis n'um futuro proximo, como no respectivo parecer se demonstra.

Estas eram as nossas idéas, e estes foram os nossos actos, a respeito do grave assumpto das aposentações e jubilações. Não há ninguem que não reconheça a necessidade de um correctivo, e nós tivemos a coragem de o apresentar. Em troca d'esse projecto, temos visto no Diario do governo um immenso rol de aposentações, succedendo-se umas ás outras, e que não sei quando acabará! Ahi tem um bom assumpto para comparar as economias que nós faziamos com as que faz o sr. Fontes Pereira de Mello e o seu partido! (Apoiados.)

E já que fallei de aposentações e reformas vou dar noticia de algumas muito curiosas, para mostrar como o sr. Fontes administra com severidade e zela com escrupulo a applicação do dinheiro dos contribuintes.

Adriano José de Carvalho e Mello. Foi nomeado chefe fiscal das alfandegas em 1877; em 24 de maio de 1879 foi julgado incapaz e reformado em 29 do mesmo mez e anno! Para se lhe conceder a reforma contou-se-lhe o tempo que serviu como inspector das contribuições em 1846; no serviço militar desde outubro desse anno a agosto de 1847; o tempo de sub-dircctor da alfandega de Villa Nova da Cerveira de janeiro de 1849 a agosto de 1850; de administrador do concelho, de setembro de 1851 a 1860; de commissario de policia, de 1867 a 1873; de governador civil até 1877; o de chefe fiscal, de 1877 até maio de 1879. Quer dizer, que foi nomeado chefe fiscal unicamente para se ir em paz para a sua casa com os proventos da reforma! E é para isto que se pedem impostos! (Apoiados.)

Apesar d'esta somma de serviços tão variados, ainda assim não poderam apurar-lhe o tempo que era necessario, e

Sessão da 6 de março de 1882.

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apenas ficou com vinte e dois annos de serviço, incluindo o de administrador de concelho e de governador civil! E o mais curioso é que no respectivo processo de reformas se diz, assim o modo de muita severidade em escrupulos, que não se lhe tinha contado o tempo que serviu como membro da junta geral de districto! (Riso.)

Em vista de taes factos, não teremos nós rasão em pedir moralidade na administração dos dinheiros publicos?!

Outro. O sr. José Claro foi nomeado chefe fiscal em junho de 1877 e foi reformado logo a 29 de maio de 1879, dois annos depois. D'este processo não consta nem a idade do reformado, nem o seu tempo de serviço, nem licenças, absolutamente nada.

Podia citar o caso do sr. D. Diogo de Sousa e vários outros. E, se o sr. ministro da fazenda se resolver a mandar os esclarecimentos pedidos pelo sr. Mariano de Carvalho, nós teremos occasião de ver que no actual regimen da gravidade das circumstancias se têem repetido essas bellas obras, e talvez até com circumstancias mais aggravantes, como, por exemplo, dar-se o caso de um individuo ser aposentado por ter uma certa idade e ser substituido por outro de idade ainda mais avançada.

O sr. Mariano de Carvalho: - E até com documentos falsos.

O Orador: - Continuo a apurar o sal attico a respeito das nossas economias.

Duas propostas foram aqui apresentadas, e felizmente convertidas em lei: uma, reduzindo as quotas dos escrivães de fazenda e dos recebedores de comarca; e a outra, reduzindo os emolumentos dos empregados das alfandegas.

Ambas estas propostas passaram e estão em vigor, e deram ambas importantes economias para o thesouro, que se converteram em augmento de receita...

(Interrupção do sr. Carrilho.)

Póde ser que a minha memoria me atraiçoe; e, reflectindo, creio que o illustre deputado tem rasão. A reducção das quotas não foi para os escrivães de fazenda, mas foi, com certeza, com respeito aos recebedores de comarca.

O meu argumento fica em pé, nem perde a força por causa d'essa correcção.

O sr. Barros Gomes, lidando no sincero empenho de reorganisar os serviços dependentes do seu ministerio e de reorganisar tambem as finanças, tratou de melhorar o serviço aduaneiro, e deixou prompto um projecto de regulamento, no qual collaboraram os homens mais entendidos no assumpto, e que, a par da melhoria do serviço, dava uma consideravel economia. D'esse regulamento dá testemunho o parecer n.° 165 da commissão de fazenda da camara dos dignos pares, á qual foi presente, parecer que traz a assignatura insuspeita do sr. Antonio de Serpa. Diz assim esse parecer:

"Consistem essas disposições na creação de tres corpos fiscaes com sede em Lisboa, no Porto e em Faro, na fixação do quadro do pessoal superior e do vencimento de todo o pessoal, que os deve constituir, e nas condições de nomeação e promoção do mesmo pessoal. E a commissão, concordando com as bases fundamentaes do projecto de regulamento, bases que foram claramente indicadas no mencionado relatorio, julga dever chamar a vossa attenção para a circumstancia importante de descer do 127 a 75 o numero de empregados superiores da fiscalisação externa, e de ficar a despeza com os seus vencimentos reduzida de 44.900$000 réis a 28:200$000 réis, o que deverá produzir no futuro a avultada economia de 16:700$000 réis."

A camara sabe como o ministerio regenerador, que succedeu ao progressista, respeitou este regulamento e realisou esta economia. Em vez da diminuição de cincoenta e dois empregados superiores, acrescentou os quadros com algumas dezenas d'esses empregados, de modo que a gente não dá um passo nas das de Lisboa que não tope logo com meia duzia de generaes, muito agaloados, do grande estado maior da fiscalisação aduaneira!

Outra proposta apresentou aqui o ministerio progressista, e de grande utilidade. Refiro-me ao estabelecimento de uma Caixa economica portugueza, a qual tinha por fim fomentar instituições que lá fora têem dado excellentes resultados, e crear e desenvolver no espirito do povo o amor e ascendencias para as pequenas economias, que é com que principiam a fazer-se as grandes riquezas.

Este estabelecimento tinha de vantagem o servir, não só para receber as economias do povo, dando-lhe um certo prémio, como tambem para o estado de aproveitar dos capitães em deposito, com um juro inferior áquelle que tem de pagar em outros estabelecimentos para obter supprimentos quando precisa antecipar a receita.

Apresentámos a proposta, que foi convertida em lei, e todos sabem como foi cumprida. O governo nomeou um pessoal do tal modo luxuoso para a caixa economica, que ella só por triste ironia póde continuar a ser assim chamada! A respeito da caixa geral dos depositos, succedeu cousa parecida! Era este o melhor meio de estragar aquellas utilissimas instituições, ao mesmo tempo que assim se dava mais um golpe no empobrecido thesouro.

Aquelle luxuoso pessoal da caixa economica absorve n'um anno o decuplo do que a caixa póde render; e é tão necessario, que logo desde o principio quasi todo tem andado ausente com licença por não ter lá nada que fazer! (Apoiados.)

Aqui está a maneira por que o governo regenerador comprehendeu os pensamentos economicos do governo progressista, e a maneira por que os realisou.

Mas, superior e muito superior, a tudo isto, estava outra proposta de lei que o governo progressista apresentou ao parlamento. Foi a proposta para a reforma da contabilidade publica.

E aqui vem a propósito fallar no tal artigo da Revista dos dois mundos, que parece ser a base da sciencia financeira que inspirou o sr. Fontes Pereira de Mello na elaboração das suas propostas.

S. exa. viu lá que a Italia supprimira, mas successivamente, o imposto das moagens; mas não viu, ou não quiz ver no mesmo artigo (que é um estudo consciencioso do estado financeiro d'aquelle paiz) que a Italia, para reconstituir as suas finanças, tratou, primeiro que tudo, de reformar a sua contabilidade publica. Pois as primeiras paginas desse estudo, que vem em dois numeros da Revista dos dois mundos, s3o dedicadas a esse assumpto.

O ministerio progressista que tratou de reorganisar a serio as finanças do estado, e não procurou acudir-lhes com expedientes de occasião; o ministerio progressista tambem apresentou uma proposta para a reforma da contabilidade publica.

Esta proposta passou na camara dos senhores deputados; e na camara dos pares passou tambem, mas com uma emenda, que, motivada talvez pelo proposito de ferir outra providencia então dependente de sancção parlamentar, não era, comtudo, a mais idonea para acautelar os verdadeiros interesses do estado, que aliás tinha em vista proteger.

Fosse como fosse, a emenda fez-se, e, voltando o projecto a esta camara, não teve essa emenda logo parecer da respectiva commissão, por causa das difficuldades que então se davam.

Caíndo, porém, o ministerio progressista, e apresentando-se um novo ministerio regenerador, cujas tendencias esbanjadoras estavam por demais assignaladas na nossa historia parlamentar, nós quizemos fechar ao menos aquella porta ao illegal dispendio dos dinheiros publicos.

Dissemos então: já que não nos é permittido fazer cousa melhor, vamos a votar esta lei, para ver se fechâmos a porta ás monstruosas legalisações de despeza, a que todos os ministerios regeneradores obrigam os ministerios seus successores. (Apoiados.)

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Votou-se, pois, a lei de contabilidade publica e votou-se com uma circumstancia muita notavel.

N'essa occasião era membro da governo o cavalheiro que tinha sido relator de respectivo projecta na camara dos pares, e por consequencia a pessoa, mais competente para dizer dos seus merecimentos.

Esta qualidade ampliava-se aos outras ministros, pelo principio da solidariedade ministerial. Pois levantou-se outro membro do mesmo governo a sr. Lopo Vaz, disse que a lei não servia para nada, e que os governo não podia concordar com ella!

E effectivamente não servia ou, melhor, não lhes servia. Se tinha por fim fazer com que não se gastasse alem das auctorisações legaes, se tinha por fim fiscalisar o emprego dos dinheiros publicos, é certo que não servia para, quem queria a continuação do systema anarchico, em que temos vivido que tem sido a desorganisação das finanças publicas.

Votou-se a lei, apesar d'isso mas a resultado é que ella ficou letra morta; porque, apesar de estar a isso obrigado, o governo ainda não publicou a regulamenta necessario para a sua execução com o fundamenta de que encontra para ella alguma difficuldades na actual organisação do tribunal de contas.

A lei de contabilidade publica, e uma reforma, da contabilidade publica se diz n'esse artigo da Revista dos dois mundos, e com muita rasão, que foi a base da restauração das finanças em Italia, é lei só para o papel; ainda, não se sabe por onde, não se vê nem apparece, e creio que não se verá nem apparecerá emquanto durar o feliz regimen da gravidade das circumatancias! Pois a execução d'esta lei valia, só por si muitas centenas de contos, de economias! (Apoiados.)

Aqui está muito pelo alto, quae foram as nossas economias no curto espaço do nosso governo, e quaes têem sido as economias do ar. presidente do conselho e do seu partido. Aqui está summariamente indicada, a nossa obra, e a obra do ministerio da sua presidencia, e d'aquelle que arranjou á sua imagem e similhança.

Creio que a maioria já não tem agora tanta vontade de rir, como quando na sessão anterior; o sr. Fontes galhofava das economias realisadas pelo ministerio progressista.

É em vista de todos estes factos e d'estes confrontos, que nós podemos dizer: com que direito nos vem pedir que votemos impostos?! (Apoiados.)

Se no regularmos pelos antecedentes do sr. presidente do conselho, havemos de ver que a reforma da fazenda não se faz, e que o deficit ha de continuar a existir como até aqui, se não mais aggravado.

E devo dizer tambem com toda a franqueza, e fazendo justiça á illustração do sr. presidente do conselho, que s. exa. tem as suas convicções intimas muito longe da sua proposição que «o deficit ou se acaba de uma vez ou não acaba nunca».

S. exa. não póde pensar a serio em extinguir o deficit de uma só vez e n'um só anno. Por mais que assim o affirme, eu, collocado na situação, ou de fazer aggravo á sua palavra ou de fazer injuria á sua intelligencia, prefiro desacatar a sua palavra? que uma qualquer conveniencia politica póde ter levado a uma affirmação em desaccordo com o seu pensar intimo, do que fazer injuria á sua intelligencia que é elevadissima e se impõe ao respeito de todos.

S. exa. não pensa em dar morte ao deficit com um só golpe. Não póde pensal-o. Um deficit de 2.500:000$00 réis (ainda que só este fosse) não se extingue n'um anno. Não o extingue o sr. presidente do conselho, não o extingue ninguem.

De 1868 a 1872 fizeram-se enormes sacrificios tributarios, e ainda não estavam exhauridos muitos recursos tributarios do paiz. Pois, apesar d'isso, não se póde obter mais do que 2.000:000$000 réis de receita nova, conforme o sr. Fontes declara no seu relatrio de 1872.

O ministro progressisra viu-se na necessidade de lançar novos tributos, e d'elles disseram os regeneradores que esse governo queria a pelle ao povo. Pois esses tributos não deram mais do que 1.200:000$000 réis.

Como quer então s. exa. obter 2.500:000$000 réis com as suas, proposta? Ou julga que só pelo apparecimento d'ellas as pedras se converterão em oiro?

O deficit não se extingue, de uma vez; extingue-se, gradualmente. E era esse o nosso plano. Nós queriamos extingui-lo progressivamente,, por uma acertada, combinação de augmentos, de receita e reducções de despeza. Porque era, firme esse nosso proposito, nunca, dissemos que queriamos extinguil-o n'um anno. Se alguem se abalançasse a essa empreza, em logar de realisar esse sonho, dourado, realisaria a, insania do homem que tinha a gallinha que punha ovos de oiro, e que, por soffreguidão da, riqueza, matou a para de uma só vez lhe tirar das, entranhas os thesouros que lá suppunha accumulados. Perdeu-se porque não achou nada. O mesmo succederá a quem rasgar as entranhas, do paiz, para de uma só vez tirar d'elle a receita necessaria para encher o esvasiado thesouro.

E que não é sincera a affirmação, do proposito, de dar cabo de deficit por uma só vez, prova-o o modo como para isso, se juntaram receitas e se encastellaram algarismos, que são verdadeiros castellinhos de cartas, foi tudo feito com precipitação, a correr, como quem escreve sobre o joelho. Não é com trabalhos assim, preparados, que se, reorganisam as finanças!

Assim, por exemplo, o sr. presidente do conselho escreveu no seu relatorio, que o assucar não refinado, paga 85 réis por kilogramma; e na pauta vê-se que elle paga 80 reis. Isto parece, á primeira vista uma, pequena cousa; mas em taxas tributarias não ha peguenas cousas.. Uma differença de 5 réis é uma grande cousa. E, pequena que fosse, provava ella que estas propostas foram çedigidas de afogadilho e sem meditado estudo. Fazer os calculos tornando para base um imposto de 85 réis, quando na pauta está a 80 réis, não é, de, certo argumento solidamente abonatorio de que se pensou reflectidamente na resolução da questão de fazenda.

O sr. presidente do conselho enganou-se; errou os calculos; tinha, ou assim devia suppor-se, apreciado cuidadosamente a elasticidade d'aquelle imposto, e chegára ao conveneimento, de, que elle não podia ir alem de 5 réis a mais. Verifica-se, que houve, engano, e que o augmento proposto é de 10 réis. E s. exa. acha que isso não faz diferença !

Tanto importa, que se augmente cinco como que se augmente dez. A importancia e a verdade d'este projecto concederam uma differença de 100 por 100 no aggravamento tributario! Devendo suppor-se que as restantes propostas financeiras são todas feitas com esta consciencia, e com este escrupuloso cuidado e conhecimento do assumpto é mais do que licito pôr em duvida que produzam os resultados annunciados. As reformas financeiras e fiscaes exigem sempre muito estudo. Mas, para reforçar ao acaso, e crear receita a dedo, então tudo serve. Augmentam-se 10, 20, 40 ou 100 réis nos generos, que mais estiverem á mão, e ficam as reformas feitas e as finanças salvas!

Moeda de cobre, Calcula o sr. ministro da fazenda, que a refundição da moeda de cobre lhe dará 30.000$000 réis de receita, com que conta tambem para extinguir o deficit no futuro anno economico.

Para o futuro anno economico, a refundição da moeda de cobre não só lhe não dá 30:000$000 réis de augmento de receita, mas ha dar-lhe despeza. A receita só virá mais tarde. Emquanto não estiver concluida a refundição, não ha receita apurada, e ha a despeza de machinas e de cunhagem. Logo, no anno economico não póde contar com este augmento.

Tamos os juros medios, çalculados no orçamento que deixam de existir 82.000$000 réis. O sr. ministro da fa-

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zenda vão ao seu proprio orçamento, elimina aquella verba e exclama triumphantemente que, pela eliminação, a converteu em receita.

É que são de tão maravilhosa efficacia as propostas financeiras do sr. Fontes, que só com annuncial-as o deficit desapparece. Nem ao menos espera que ellas se executem e produzam resultado. Sendo aquelles 82:000$000 réis de juros medios para o deficit, que só pela execução progressiva das propostas de fazenda podia ser extincto, parece á primeira vista que esses juros não podem ser eliminados, porque o deficit não deixa logo de existir. Pois não é assim. O deficit morre logo no principio do anno economico, só com o simples apparecimento das leis tributarias.

Eis ahi o que valem os cálculos do sr. ministro da fazenda. E direi, que a questão financeira é demasiadamente grave para ser tratada por tal modo.

Em vez de protestos, que nada dizem, era melhor mostrar mais firmeza e mais proposito de realisar o equilibrio financeiro, dizendo a verdade ao paiz, para que com verdade elle se preste aos necessarios sacrificios. Diga-lhe o sr. Fontes que - o deficit é 3.000:000$000 ou 4.000:000$000 réis, que as propostas que se apresentam não o extinguem, de uma vez, mas que o havemos de ir progressiva e cautelosamente extinguindo; e o paiz poderá então acredital-o, e dar-lhe em auxilio a sua resignação para todos os sacrificios indispensaveis. O que não póde desculpar-se é que em questão de tamanha importancia se proceda com menos cuidadoso exame de todos os factores, a que importa attender.

E não somos nós, os deputados da opposição, que o dizemos. Não vejo realmente motivo para que a maioria se de por offendida com as palavras aqui ditas pelo sr. Antonio Maria de Carvalho: que qualquer financeiro póde apresentar propostas d'estas. No seu relatorio diz o sr. Fontes, que estas propostas não passam de expedientes de occasião. Se o proprio sr. presidente do conselho assim as classifica, o que lhe havemos nós de chamar?! E por que se irrita a maioria, por não pararmos diante d'ellas em extatica adoração?!

Estas palavras do sr. presidente do conselho de ministros abrem um novo motivo para reparos. Se as suas propostas são, como diz, meros expedientes, é licito perguntar-lhe se a situação da fazenda publica ha um anno não era igualmente grave, quando s. exa. tomou nas suas mãos o cominando das hostes que dentro e fóra do parlamento rugiam enfurecidas contra o ministerio progressista, o qual pozera na resolução da questão de fazenda o seu principal empenho. Pois só agora é que o patriotismo pede, que os partidos não compromettam com as suas luctas partidarias, o problema financeiro?! Pois só agora é que ao sr. Fontes acode a necessidade de se afastar a politica das questões tributarias?! Como os tempos estão mudados, depois que se mudaram os ministros!

Fomos derribados do poder; o sr. Fontes tomou a dianteira do assalto o assumiu o commando d'aquellas hostes enraivecidas. Mas diga-nos agora, que está triumphador, agora que se rejubila na sua victoria, diga-nos em nome de que principio, em nome de que systema financeiro nos derribou do poder. O ministerio progressista tinha um plano financeiro; se bom, se mau, não discutamos n'este momento, embora deva presumir-se que elle era excellente; porque o sr. Fontes o conservou no que lhe fez arranjo, que foi em quasi todo. Tinha um plano. E o sr. Fontes, que proclama a preeminencia da questão financeira sobre todas as outras, o sr. Fontes toma o commando do assalto, e ao cabo de um anno vem dizer ao parlamento; que só tem providencias de occasião para apresentar-lhe?!

Pois a gravidade das circumstancias permitte-lhe oppor meros expedientes a um plano completo de fazenda? Em nome de que principios, em nome de que patriotismo, em nome de que lealdade para com os contribuintes derribou o partido progressista, se, passado um anno, só tem expedientes de occasião para offerecer ao paiz como resultado e legitimação do seu triumpho?!

E aqui estão as taes exagerações politicas, de que o sr. Fontes falla no seu relatorio! Fomos victimas d'ellas; e não seremos nós, infelizmente, as unicas e as ultimas victimas.

S. exa. combateu acirradamente o ministerio progressista e derrubou-o, porque elle não estava á altura da gravidade das circumstancias. Impugnou, com o seu partido, o imposto do rendimento, porque elle era iniquo contra os pobres capitalistas, que tinham de pagar alguma cousa para o estado; e era vexatorio, porque isentava tambem os operários que pagavam menos de 15$000 réis, e estabeleciamos minimos de isenção para a propriedade; e hoje não é iniquo nem vexatorio um systema de impostos que vae affectar as classes mais desvalidas da fortuna, tributando o chá, o petroleo, o assucar, o sal, e pedindo-lhes 6 por cento sobre todas as contribuições, sem isenção alguma de minimos. A mudança de politica fez com que tudo se mudasse.

Não creia s. exa. que eu pretendo imputar-lhe todas as culpas e responsabilidades. Bem longe disso. É muito conhecida a sentença: "Os povos têem os governos que merecem".

É justo que o povo aprecie as delicias deste governo, porque, embora não concorresse directamente para a nossa queda, consentiu n'ella, e deixou em liberdade os agitadores das ruas.

O sr. presidente do conselho diz que faz questão politica da impostos, é que assim nos torna facil o combatel-o. Não se arreceie disso o sr. Fontes. Esteja s. exa. tranquillo.

Não incitaremos paixões, nem provocaremos resistencias tumultuarias.

Os nossos sinceros desejos são que s. exa. leve a execução esses impostos, para o povo conhecer praticamente o que é um ministerio á altura da gravidade das circumstancias. Essa demonstração pratica ha de valer mais do que todas as demonstrações theoricas. Nós não somos impacientes!

O sr. Fontes tomou o commando do assalto contra o ministerio progressista, e, um anno depois, só póde apresentar expedientes de occasião. Para maior infelicidade sua succede que esses expedientes não os inventou s. exa., porque elles são unicamente os alvitres que o sr. Barros Gomes estudou e rejeitou.

Succedeu com s. exa. o mesmo que succedeu com o er. ministro das obras publicas. O sr. ministro das obras publicas, levado pela soffreguidão de illustrar o seu nome com um caminho de ferro de graça, fez um contrato para a linha de Torres, e ficou muito ancho do si, por ter separado essa linha do seu natural e necessario prolongamento, contratando-a sem nenhuma subvenção.

Não será difficil demonstrar, que essa separação é onerosissima para o estado. (Apoiados.) Nós tivemos essa proposta e rejeitámol-a. E ninguem rejeita uma cousa, que tenha por boa; nem voluntariamente se colloca em má posição. O supposto beneficio pareceu-nos um prejuizo. O sr. Hintze Ribeiro aproveitou-se do que nós engeitámos.

O sr. presidente do conselho fez o mesmo. Foi ao relatorio do sr. Barros Gomes e escolheu para si o que elle não quiz. E talvez o não devesse censurar por isso, porque o sr. Barros Gomes tem merecimentos de sobejo, para que até o refugo dos seus estudos possa ser aproveitado por outrem como obra de muita valia. São as migalhas caidas de mesa abundante e rica.

O sr. Barros Gomes estudou o imposto sobre o chá, sobre o assucar, e tambem sobre o bacalhau e outros generos de primeira necessidade, e concluiu que não podia, nem devia procurar ahi o augmento de receita, de que o thesouro carecia. O sr. Fontes achou tudo isso muito bom. Mas com tamanha precipitação leu aquelle relatorio, d'onde tirou o projecto de fazenda em discussão, que não viu n'elle, a pag. 23, uma tabella comparativa de differentes direitos

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pautaes. Se a tivesse visto, não teria caido n'aquelle fatal erro de dizer que «o assucar não refinado paga 85 réis». Lá está, em muito bons algarismos que paga 80 réis.

O sr. Barros Gomes estudou a questão tributaria em relação a alguns generos de primeira necessidade, e entre elles o chá e o assucar, e chegou á conclusão de que esses aggravamentos tributarios não eram convenientes: O sr. presidente do conselho achou bom aquillo que nós engeitamos! Eis todo o seu trabalho. Nós estudámos em hypothese o assumpto para ver se se deveria recorrer a esse augmento de imposto, e concluimos que não podia ser; mas o sr. Fontes reclamou para si o alvitre, que repellimos, e achou bom o que nós repudiamos! (Apoiados.}

Vamos a ver quem tem rasão.

Segundo se vê no relatorio do sr. Barros Gomes o chá, pela pauta portugueza e sem a taxa complementar, paga 600 réis; pela pauta hespanhola paga 370 réis; pela pauta allemã 225 réis; ora, em taes circumstancias, sendo tão grande a differença de impostos, ir augmentar o imposto sobre o chá, só póde servir para supprimir o deficit... dos contrabandistas! (Apoiados.)

O chá paga actualmente 600 réis por kilogramma; taxa complementar 19,1, visto que o valor medio do kilogramma, segundo diz o sr. Fontes no seu relatorio, é de 955 réis, o que prefaz a quantia de 619,1 reis.

Agora propõe-se que seja elevado a 800 réis; acrescentando-lhe a taxa complementar, e os 6 por cento do addicional, teremos os direitos de um kilogramma de chá elevados a 868,24 réis, ou seja cerca de 230 réis a mais em cada kilogramma. Comparando-se com a pauta hespanhôla, vê-se que a nossa taxa é de mais do dobro dá que está em vigor no paiz vizinho.

Ora, não ha fiscalisação possivel contra tal desproporção de direitos. (Apoiados.)

Vejamos o assucar. O governo parece já inclinado a deixar subsistir á differença de direitos entre o assucar refinado e o não refinado, e sem isso aniquilaria a industria nacional da refinação, que tem bastante importancia. Estimarei que assim succeda, e que seja por elle acceita a minha proposta.

No assucar não refinado propõe o augmento de 10 réis, embora só tivesse querido propor o augmento de 5 réis em kilogramma. O direito actual é de 80 réis; e sendo de 100 réis o valor medio, a taxa complementar é de 2 réis, o que perfaz 82 réis. Pelos novos direitos, teremos 90 réis de imposto proprio, mais 2 réis de taxa complementar, mais 5,52 réis dos 6 por cento addicional, o que dá 97,52 réis ou seja um augmento, não de 10 róis, mas de 15,52 réis em cada kilogramma. Estes direitos ainda tem uns adminiculos de expediente, que ponho de parte, porque não affectam a essencia do calculo. O que digo é que o assucar não póde supportar aquelle augemento de imposto. No seu relatorio diz o sr. ministro da fazenda, que propõe para elle o augmento de 5 réis em kilogramma, quando a verdade é que o augmento sobe a mais de 15 réis.

Quem há de lucrar é o contrabando. O assucar fica no nosso paiz com ufh peso de direitos quasi duplo do que se acha estabelecido na pauta hespanhola. Hoje, nas povoações da raia, o assucar que se consome é quasi todo hespanhol. Se o sr. Fontes quizer informar-se com exactidão, saberá que no Ribatejo grande parte do assucar, que se consome, é da mesma procedencia. Augmentando-se os direitos, claro é que augmentará o contrabando, e será esse o mais certo resultado, das propostas financeiras do sr. Fontes.

Eu proponho a conservação do direito actual para o assucar refinado, e a taxa de 85 réis para o não refinado. Propondo a elevação de 5 réis na taxa do assucar não refinado, não vou em contradicção com a minha declaração ao que não voto um real de impostos sem reformas politicas. Como agora é insignificante a importação do assucar refinado, o que em parte deve resultar da desproporção dos direitos entre um e outro assucar, proponho aquella elevação de taxa, não como augmento de imposto, mas como simples meio de estabelecer o equilibrio na situação actual.

Passo á aguardente. O relatorio do parecer, que se discute, contém os seguintes periodos, que á primeira leitura se não comprehendem claramente:

"Em diversos pontos do paiz, especialmente no Porto, ha fabricas de distillação, às quaes nenhuma concorrencia fazia já a aguardente estrangeira, com o antigo direito de 150 réis por litro. Elevado agora este imposto a 200 réis, maior será o monopolio, e grande o prejuizo para os vinicultores do Douro na beneficiação dos seus vinhos."

Sim, é claro que sendo prohibitivo o direito de 150 réis, ainda mais o será o de 200 réis. Por isso não se comprehende que o direito se eleve. O resultado será, que de tal direito se não arrecadará nem um real. E esssa receita ficará pura e simplesmente no papel.

Mas, acrescenta o parecer da commissão, que o governo talvez tenha na sua mão remedio para fazer cessar o monopolio e estabelecer a concorrencia. Esse meio não póde ser outro senão sobrecarregar por qualquer meio a industria nacional dá distilação por tal modo, que ella fique a par dos direitos, já hoje prohibítivos, para a aguardente estrangeira. E então não comprehendo como cessará com isso o prejuízo para os vinicultores do Douro. Até agora, se não recorriam á aguardente estrangeira, era por terem de casa aguardente mais barata; elevados os direitos e equilibradas as condições da concorrencia, ficarão com à aguardente de casa e com a de fóra por um preço carissimo. Confesso que não comprehendo este systema de proteger e beneficiar a vinicultura.

Digo mais. A concorrencia, estabelecida sobre a base de uma tal elevação de direitos, é impossivel. As fabricas nacionaes vivem hoje n'um regimen, para o qual vale como direito prohibitivo o de 150 réis por litro. Alterar de repente as condições de producção, de modo que ellas não só fiquem a par desse direito, mas da elevação d'elle a 200 réis, é uma transformação demaziadamente brusca, e á qual nenhuma industria póde resistir. E de duas uma: ou o direito sobre a aguardente será illusorio, por ser prohibtivo, e não dará um real para o estado, ou as fabricas nacionaes terão de fechar. Em qualquer dos casos não será d'aqui que o sr. ministro da fazenda tirará augmento de receita para extinguir o deficit.

Ainda ha aqui uma circumstancia mais grave, e para a qual chamo especialmente a attenção do illustre relator da commissão. Para alguma cousa me serviu já a pauta que s. exa. facultou ha pouco ao sr. Antonio Maria de Carvalho.

Na classe 14.º, que é onde vem o imposto da aguardente, que é de 150 réis, acrescenta-se uma indicação muito importante Essa taxa de 150 réis é para o litro de alcool puro. E como a aguardente, para tempero de vinhos e para outros usos ordinarios, está longe d'essa graduação alcoolica, succede que ella paga, por litro, sómente 100 réis, 80 réis, e ainda menos.

No projecto, que se discute, não vejo a mesma indicação. Diz-se a 200 réis por litro de aguardente, e nada mais.

Pergunto: no projecto em discussão o litro de aguardente entende-se litro de alcool puro ou aguardente em geral?

Se é litro de alcool puro, então nada tenho que acrescentar às considerações já expostas; mas, se não é, sobem ellas de peso, porque então o augmento de direitos que se propõe é em regra superior ao duplo dos direitos existentes actualmente.

Sr. presidente, estou fatigado, e a camara deve estar ainda mais fatigada de me ouvir, e por isso limito aqui as minhas considerações.

Outros oradores, e mais competentes que eu, hão de

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entrar na discussão d'este projecto, e elles supprirão sobejamente o que ainda me faltava para dizer.

E concluo accentuando o que já disse do meu pensar a respeito da questão tributaria. Eu votaria augmentos de imposto, daria a minha coadjuvação franca e leal a este ou outro qualquer governo sobre este assumpto, se entendesse na minha consciencia que esse augmento de impostos podia de qualquer modo attenuar a situação difficil da nossa fazenda publica.

Mas não o posso agora fazer por que, alem de não concordar de modo algum com a efficacia financeira destes expedientes de occasião, tenho a convicção firmissima de que, embora o sr. presidente do conselho empenhasse os seus mais decididos esforços para restaurar as finanças, o não conseguiria, em consequencia dos defeitos e vicios da nossa organisação politica, defeitos e vicios que são superiores á vontade do mais energico estadista. O mal é fundo. Não se vence com expedientes de occasião, e sim com reformas, que o corrijam nas suas origens. E elle é de tal ordem, que não só nos opprime a nós, opposição, mas opprime tambem os chefes dos governos, que por causa d'elles se vêem muitas vezes obrigados a afastar-se do recto caminho, para onde o seu bom senso e amor pela causa publica os chama.

Tenho a certeza de que estes aggravamentos tributarios serão improductivos, porque os desregramentos financeiros hão de continuar como até aqui, senão em maior escala.

Já temos aqui uma proposta para reforma de engenharia, que é verdadeiramente assombrosa no luxo dos quadros que estabelece; temos tambem uma proposta de lei augmentando o numero dos juizes no supremo tribunal de justiça; temos o syndicato-Salamanca e a proposta para a nomeação das empregados da penitenciaria, propostas todas ellas de augmento de despeza, n'uma importancia, de encargos annuaes, de cerca de 400:000$000 réis. Isto não póde ser; nem ha restauração de finanças, que possa effectuar-se parallelamente com taes augmentos de encargos.

Repito: como tenho a certeza de que este augmento de impostos, ainda que produzissem o que d'elles se calcula, não fariam realisar o equilibrio das nossas finanças, por isso declaro outra vez, que não voto estes impostos, nem outros quaesquer, sem que primeiro se apresentem as reformas politicas, que assegurem a sua util applicação, pondo cobro a estes desregramentos de toda a ordem, que são à causa fundamental dá má situação das nossas finanças.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que o direito sobre o assucar bruto seja de 85 réis., e que sobre o refinado e areado seja de 123 réis. = Emygdio Navarro.

Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): - Parece que commetti um grande crime ou um grande erro, se não querem que seja crime, em pretender extinguir o deficit, o desequilibrio entre a receita ordinaria e a despeza ordinaria do estado. O crime ou erro sobe ainda de ponto, porque tenho esta pretensão ha muito tempo, e porque, mau grado meu, não a tenho podido levar a effeito.

Ha muita gente que diz, e até em tom faceto, que já se não póde prescindir do deficit; que mesmo para a discussão parlamentar seria uma falta insupprivel, e que por isso a difficuldade augmenta quando se trata de equilibrar a receita com a despeza.

Eu tenho convicções, como as têem de certo os illustres deputados meus illustres adversarios.

Posso estar em erro, mas supponho que poderei conseguir este desideratum.

E como ninguem póde vir ao parlamento sustentar, em nome de um principio qualquer, a conveniencia de existir um deficit na receita publica, é claro que o que acontecerá, provavelmente, é falharem os meus recursos, ser pequena a minha intelligencia e as minhas propostas insufficientes.

Mas o fim a que me proponho é santo e justo. E ao menos os illustres deputados devem relevar-me, pela minha boa intenção, qualquer erro que commettesse no desempenho dos meus deveres.

O illustre deputado foi effectivamente franco e leal quanto possivel na sua argumentação.

S. exa. poz a questão em um terreno que poderia a mim proprio, e aos membros da maioria que fazem a honra de apoiar o governo, dispensar-nos de discutir.

O illustre deputado, contra a minha espectativa, veiu pôr a questão no terreno da confiança politica; e disse - eu não tenho confiança nos srs. ministros, não tenho confiança nos seus precedentes, porque não abonam o seu futuro. É, este o resumo de argumentação do illustre Deputado, debaixo d'este ponto de vista.

Eu tenho de certo commettido erros, talvez muitos; e, na opinião dos illustres deputados, immensos.

Tenho vindo ao poder, não porque o tenha requestado no parlamento.

Ha muito tempo, ao menos, que me tenho conservado em uma posição mais ou menos benevola para com todos os governos que têem estado á frente dos negocios publicos.

Ainda na sessão passada, e appello para os membros do ministerio que então estava á frente dos negocios, para que digam se effectivamente na questão dos impostos, na questão de receita publica, eu fiz opposição, excepto com relação ao imposto sobre as inscripções. (Apoiados.)

Votei contra elle, e tive agora a abnegação necessaria para, calcando aos pés o meu amor proprio, vir dizer ao parlamento - combati esse imposto; mas entendo que hoje, em vista das circumstancias em que estamos, e ao proposito que tenho de acabar com o deficit, não posso prescindir do imposto nas inscripções.

Fiz isto; vim de corda ao pescoço perante a camara, não digo penitenciar-me, porque estou convencido de que a minha opinião era melhor; mas os tempos mudaram, o imposto está recebido, está-se pagando, produz; e eu não posso n'esta occasião, em que venho pedir, um imposto sobre o assucar, sobre o chá, e outros generos de consumo, propor que não paguem as inscripções. (Vozes: - Muito bem.) Não posso fazer isto.

Mas o que valem os meus erros para a apreciação, para o valor intrinseco do projecto que se discute?

Podem valer, e muito, para a apreciação, que o illustre deputado e os seus amigos politicos façam, da minha capacidade ou do meu procedimento; mas para o projecto em discussão não valem nada, porque a camara não está discutindo nem o regulamento de artilheria, (Apoiados.) nem os relatorios de 1854 ou 1855, nem o que se passou ha vinte ou trinta annos.

O que a camara quer é discutir se acaso convem n'este momento aniquilar o deficit ordinario do estado, e se os meios apresentados são bons ou maus para conseguir esse fim. (Apoiados.)

Eu posso ser o peior dos homens, posso ter praticado as maiores iniquidades; mas isso não altera o merito do projecto, não o faz bom, nem mau.

Permitta-me o illustre deputado, por cuja capacidade tenho a mais alta consideração e por cujo caracter a tenho, tambem, que lhe diga que me parece que não acrescentou absolutamente nada ao que se tinha dito contra, o projecto que se discute, visto que n'uma parte do seu discurso, em logar de apreciar as circumstancias especiaes do projecto, apreciou o merecimento ou não merecimento do homem que o apresentou, e nada mais.

Estas questões são muito interessantes e muito importantes para o paiz; para que se possam tratar com menos

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circumspecção. E por isso eu não quero fazer retaliações, que na minha posição seriam injustificaveis, me afastariam do meu proposito, e me levariam a um campo onde não desejo chegar.

Não venho aqui expôr á camara, em contraposição aos erros que porventura possa ter commettido, os erros que possam ter commettido os meus adversarios politicos.

Supponho que não commetteram nenhuns, que são impeccaveis, que são os melhores politicos d'esta terra. Mas isso não altera, nem diminue a rasão por que se propõe a elevação do direito sobre o chá a 800 réis, nem a do direito sobre o petroleo a 50 réis.

Sabem o que me parece? É que á falta de boas rasões para combater o projecto se procuram, divagando por este arsenal antigo de recriminações, em que não quero entrar, nem acompanhar o illustre deputado, (Apoiados.) os meios de combater, o governo e a mim proprio, que estou sempre exposto ás iras dos meus adversarios, e que realmente não devo muito á sua benevolencia.

Era-me agradavel, mas não a solicito.

Eu quero que me tratem com rigor, mas com justiça. É a unica cousa que peço aos meus illustres adversarios. (Vozes: - Muito bem.)

D'estas propostas, que não prestam para nada, que foram feitas sobre o joelho, que não me levaram mais de vinte e quatro horas a estudar, já houve um illustre deputado, e não sei se mais algum, que disse que não tivera tempo para ás examinar, apesar de já estarem impressas ha alguns dias. (Vozes: - Muito bem.)

A mim, para as fazer, bastaram-me vinte e quatro horas; aos illustres deputados, para as examinarem, eram precisos muitos dias, talvez semanas! (Apoiados.)

E não admira. Os illustres deputados, e fazem muito bem, estão no seu direito, querem applicar o escalpello da analyse a todos os pontos de tal fórma, que carecem, não porque os seus talentos sejam inferiores ao meus antes são muito superiores, de muitos dias, de semanas talvez para estudar aquillo que eu escrevi em vinte e quatro horas.

Ninguem reconhece mais a insufficiencia dos meus talentos que eu proprio. Digo-o sinceramente; não o faço como recurso parlamentar.

Eu proprio, prevenindo todas estas objecções, no relatorio que tive a honra de ler á camara e que precede os propostas que apresentei, disse que isto não era um systema, não passava de um expediente de occasião, como o illustre deputado acaba de dizer agora, lendo um trecho do mesmo relatorio; mas que, na minha, opinião, tinha o merecimento de que, uma vez votadas e executadas estas medidas, aniquilavam o desequilibrio entre a receita e a despeza do estado.

E acrescentei que com isto me consolava do pezar que naturalmente sentia de não poder apresentar um trabalho mais completo e que estivesse á altura, não digo da minha capacidade, mas da capacidade da camara diante da qual tenho a honra de fallar.

Por consequencia, todas estas accusações, todas estas picadas no meu amor proprio, estão prevenidas no relatorio.

E resinto-me tão pouco d'ellas, abalam ellas tão pouco as minhas convicções e os meus propositos que, apesar de as ter ouvido repetidas, como o foram pelo illustre deputado, o sr. Antonio Maria de Carvalho, isso não altera, nem o meu animo, nem a consideração que tenho pelos illustres deputados meus contradictores, nem a resolução inabalavel em que estou de sustentar o posto de confiança que a corôa me concedeu. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Fui accusado de inventar uma distincção, um sophisma ou uma argucia para poder justificar as propostas que apresentei.

Reduzi o deficit, amesquinhei-o, torturei-o, fazendo com que se apresentasse de fórmas tão modestas que essas propostas fossem sufficientes para acabar com elle! Isto é, discriminei a despeza ordinaria e a despeza extraordinaria do estado.

Muito bem. Mas eu no relatorio disse que não inventei nada a este respeito, e effectivamente não inventei, como não invento nada a nenhum respeito.

E não me foi preciso ir procurar a Revista dos dois mundos, a que o illustre deputado e mais alguem se tem referido, como se eu tivesse querido fazer uma injuria a um cavalheiro que se senta nesta casa, por haver citado a Revista dos dois mundos a respeito de Italia.

Creio que não é crime citar a Revista dos dois mundos, principalmente se a citação é de um artigo sobre finanças, quando se trata de discutir uma questão financeira.

Mas tem-se querido accentuar a allusão áquelle artigo, como se eu quizesse dizer que o illustre deputado, o sr. Saraiva de Carvalho, cuja intelligencia todos respeitam, só ali tinha ido aprender.

Elle proprio se ri d'esta interpretação.

A distincção entre receita ordinaria e receita extraordinária, e entre despeza ordinaria e despeza extraordinaria é da natureza das cousas; não a inventei eu, nem ninguem.

Póde n'um anno estar accumulada a receita ordinaria á extraordinaria, diminuindo o deficit. Não digo que isso se tenha feito com esta intenção porque seria condemnar-me a mim proprio. E podem alguns orçamentos, algumas verbas de despeza ordinaria achar-se reunidas á despeza extraordinaria. Mas antes de mim já outros tinham feito o mesmo.

Um caracter illustre, um distincto financeiro, que infelizmente não vejo n'esta camara, fez a mesma cousa n'uma das sessões passadas.

Percorrendo-se o relatorio do sr. Barros Gomes, relatorio onde ha muita cousa para aprender e que está concebido em termos que estão á altura das suas faculdades, encontra-se em muita parte esta distincção a que o illustre deputado se referiu e que achou cerebrina.

Por exemplo, a pagina 7 das despezas ordinarias vem as mesmas que eu compendio! Citarei entre outras a construcção e fiscalisação dos caminhos de ferro e os melhoramentos de barras, portos e rios. Tudo isto estava nas despezas extraordinarias. Mais adiante falla-se no deficit previsto, e diz-se.

(Leu.)

Aqui vem discriminado o deficit ordinario e extraordinario, e mais adiante diz-se.

(Leu.)

Aqui estão calculados os impostos em relação ás receitas ordinarias e ás despezas ordinarias. Seria fastidioso ler á camara todos os periodos d'este relatorio.

Portanto, não fiz uma cousa nova discriminando o deficit ordinario do deficit extraordinario. Fiz o que me pareceu rasoavel, em primeiro logar por que não tinha recursos para de uma vez occorrer ao desequilibrio entre a receita ordinaria e a despeza ordinaria; e em segundo logar por que quiz fazer uma cousa justificavel; por que a receite extraordinaria levanta-se segundo a vontade do parlamento, segundo a vontade dos poderes publicos ou as necessidades da occasião, e não era possivel que a despeza extraordinaria estivesse sempre compensada com as receitas ordinarias.

D'aqui se deduz que podem estar mal classificadas as receitas e despezas, mas que o principio é verdadeiro, porque sem discriminar não é possivel de modo algum recorrer aos recursos extraordinarios do estado.

Portanto, procurei os elementos necessarios da receita para poder vencer este desequilibrio. E creio ainda hoje, apesar de tudo quanto se tem dito, que esse desequilibrio poderá deixar do existir uma vez que as propostas sejam votadas e executadas.

Eu sei que o illustre deputado que acabou de fallar tratou estas questões com certo desenvolvimento, como as ti-

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nha tratado o sr. Saraiva de Carvalho, a quem já respondi n'uma das sessões passadas; isto é, o exame de cada uma das verbas e rasões que, na opinião do illustre deputado, militam para que ellas não sejam approvadas.

Reconheço que, em regra, o augmento da taxa do direito não póde corresponder ao producto mathematico d'esse augmento; mas é preciso que se prove em sentido contrario qual é a extensão que deve assumir a diminuição do consumo, e qual o augmento do contrabando.

Quando os géneros sobem de valor, o consume diminue. Mas qual é essa extensão é que eu não posso prever, nem o illustre deputado.

Mas é certo que diminue o producto.

Diminue muito diversamente, conforme é a natureza do genero, conforme a sua importancia, conforme o seu uso, mais ou menos geral, conforme a necessidade impreterivel, maior ou menor do mesmo genero.

Se o genero é de geral consumo, se não é exclusivo das classes inferiores, dos mais desprotegidos da fortuna, então essa diminuição é insignificantissima, é extremamente pequena.

Os generos, a respeito dos quaes apresentei a proposta para ser augmentado o imposto, quasi todos são de geral consumo; de absoluta necessidade de alimentação não ha nenhum, rigorosamente fallando.

E, portanto, creio que a diminuição do consumo póde ser alguma cousa, o contrabando póde ser alguma cousa, mas tudo isto não póde alterar de uma maneira sensivel, efficaz e apreciavel o computo dos calculos do governo.

A proposito de contrabando, para que me não falte a memoria, peço ao illustre deputado que fez referencia a um tabaco que fora apprehendido, que era destinado a ser introduzido por contrabando e que vinha no cahique Luz do dia, licença para lhe dizer, que tenho dado as ordens mais positivas para se proseguir na indagação dos criminosos e no castigo d'elles.

Este negocio está entregue á alfandega, á policia e ao poder judicial. Ha de haver o escrupulo indispensavel para que se não ponha pedra em cima d'elle, como já ouvi dizer.

Asseguro á camara que tenho empregado todos os meios para que se castiguem todos os criminosos, quem quer que sejam.

E, ainda a proposito, o illustre deputado que fez allusão, porque não quero empregar outra palavra, a um empregado que se mancommunou com o contrabandista, ou com o denunciante, para evitar a apprehensão do contrabando, ha de permittir-me que lhe diga que ignoro esse facto. Mas, desde que s. exa. o insinua e manifesta, peco-lhe que diga, não em publico, mas em particular, quem é o culpado, e póde ficar certo de que eu hei de fazer cair todo o rigor da lei sobre quem quer que seja. (Apoiados.)

O sr. A. M. de Carvalho: - A pessoa que me contou o caso disse-me que lhe constava pela participação que tinha ido para o director.

O Orador: - Está presente o sr. director geral das alfandegas, e eu declaro que não tenho conhecimento de similhante cousa.

O sr. Antonio José Teixeira: - Nem eu.

O Orador: - E quando se annuncia um facto d'esta gravidade...

O sr. Pinheiro Chagas: - É o meio de o saber.

O Orador: - O que eu estou pedindo é que me digam quem é...

O sr. A. M. de Carvalho: - Eu sube o facto por um empregado das alfandegas, mas não tenho o costumo de vir denunciar o nome de ninguem.

O Orador: - O illustre deputado não denunciou ninguém, referindo um facto, e estava no seu direito; mas o que eu lhe pedi foi que se não mo queria dizer em publico, ao menos me dissesse em particular, para eu proceder.

Desde que m'o não diga, a minha consciencia fica tranquilla. Eu empregarei os meios ao meu alcance para o saber.

Mas não me façam um crime d'este facto. Parecia que o governo tinha sido connivente com um acto d'essa natureza, que eu seria o primeiro a castigar em virtude do meu dever.

A legislação penal sobre o tabaco não é da minha iniciativa, nem da minha responsabilidade. Não fui em quem fez essa legislação. Achei-a feita.

Em tempo em que eu presidia, como agora, ao gabinete que estava á frente dos negocios publicos, nomeou-se uma commissão para examinar esse assumpto, e fazer-lhe as alterações necessarias.

Quando veiu outro governo, chamado progressista, o sr. Barros Gomes, tratando do mesmo assumpto, acrescentou os membros d'essa commissão, e encarregou-a de apresentar um trabalho a esse respeito.

Portanto, esse negocio não está descurado. Eu não tenho ainda esse trabalho. A commissão não apresentou ainda o seu parecer. Quando o apresentar, se eu julgar convenientes as alterações que ella propozer, trarei ao parlamento as medidas necessarias para só alterar a legislação do tabaco.

E, quando digo isto, digo-o em honra d'esse ministerio e do ministro que está ausente. Se tivesse alguma cousa que dizer que não fosse n'este sentido, calaria a minha voz, desde que elle não podia responder. Mas não tenho senão a louval-o.

Devo ainda responder a algumas observações apresentadas pelo illustre deputado, observações a que já respondi na sessão passada.

A experiencia tem-me mostrado que é inutil responder: não digo inutil, em relação á praxe parlamentar; mas quanto ao resultado da discussão, porque se responde a uma observação, e ella volta no dia seguinte.

Já outro dia expuz, em resposta a um illustre deputado que se senta nos bancos superiores, qual o meio que o governo tencionava empregar, não para salvar as fabricas e prejudicar os proprietarios de vinhas que se queixavam, mas para que o rendimento que provém do imposto da aguardente não diminua; já disse que era necessario, e eu tenho faculdade para o fazer, regulamentar o imposto industrial que pagam as fabricas, para ficarem na situação em que se encontram agora.

(Interrupção ao sr. Mariano de Carvalho, que não se percebeu na mesa dos tachygraphos.)

Não o posso dizer n'este momento. Essa questão não está estudada. Encarreguei do estudo d'ella o director das contribuições directas, a cujos conhecimentos e capacidade a camara faz a devida justiça. E se elle, apesar de ser pessoa muitissimo competente, não pôde responder-me, como posso eu responder ao nobre deputado?

O sr. Mariano de Carvalho: - Póde estar informado.

O Orador: - O illustre deputado sabe isto perfeitamente, como sabe tudo.

O illustre deputado sabe que, segundo os regulamentos, o imposto sobre esta industria é calculado, não pelo numero de dias em que as fabricas de aguardente funccionam, mas na hypothese de trinta dias de trabalho em cada anno.

Todos sabem que isto não é exacto; mas esta formula que se encontra é puramente administrativa para se chegar a um resultado.

Se se applicasse às fabricas de aguardente o principio rigoroso, obrigando-as a pagar por todos os dias de trabalho, aniquilava-se essa industria.

Por consequencia, é necessario achar um termo medio, uma proporção, um limite dentro do qual se possa elevar o direito sem ferir a industria, e ao mesmo tempo garantindo o imposto. O problema é este.

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A respeito do assucar, fui accusado, e digo a verdade, com pouca generosidade da parte do alguns membros da opposição, de ter errado um calculo que fiz e que vem inserto n'estas propostas. E não posso queixar-me de que os meus illustres adversarios, em nome da franqueza com que elles costumam justificar os epithetos que me dirigem, usem de umas phrases ou de outras; eu é que não uso d'ellas, talvez por effeito de organisação ou de syatema.

Fui accusado de ter feito um calculo errado; é o facto reduz-se ao que vou dizer.

Na repartição competente havia um mappa, que mandei que me apresentassem, sobre a taxa que paga o assucar. N'esse mappa vinha calculada em 80 réis. Examinando depois o mappa, vi que estes 85 réis eram o termo medio estatistico e não a taxa effectiva. Por isso, no relatorio declarei expressamente - que é um termo medio estatistico de 85 réis e não exactamente a taxa estabelecida. Em virtude d'isso, note bem a camara, calculando eu em 5 réis o augmento do imposto, esta circumstancia não altera, em nada o meu calculo, porque eu não calculo senão exactamente 5 réis de - 85 a 90.

Responde-se-me - que o calculo era de 85 réis; e a receita, o producto de 5 réis no kilogramma de assucar!

Se está errado, é o mappa... Errado verdadeiramente não está; induziu-me em erro.

E se não apresentei em logar de 5 réis, 10 réis, explico-o em poucas palavras.

Com franqueza o posso dizer, appellando mesmo para a illustre commissão de fazenda, para que apresente a rasão por que se deixou passar um imposto de 90 e não de 85 réis, como seria preciso para, ficarem as cousas no estado em que deviam ficar, augmentando 5 réis, segundo os meus calculos.

A commissão de fazenda entendeu, depois de ter examinado e discutido, o imposto, sobre o sal, apresentado por mim, e de accordo com o governo, que se devia reduzir em 2 réis a taxa d'aquelle imposto, e por consequencia, passar de 10 a 8 réis; e combinou e assentou em que ás excepções que eu apresentava, que eram a exportação do sal e a do peixe salgado para exportação, se accrescentassem mais duas excepções: o peixe salgado para consumo, e as carnes para exportação.

Feito isto, é claro que diminuia a receita proveniente d'aquelle imposto. E para compensar essa diminuição, julgou-se que era necessario elevar a 90 réis o imposto sobre o assucar.

A rasão que se apresentou na commissão, e que me pareceu plausivel, foi que, provendo-se geralmente de pequena quantidade as classes menos abastadas, se acaso ficasse em 85 réis a taxa, os 5 réis íam para a algibeira do intermediario, em vez de virem beneficiar o thesouro; porque, desde que não se compre um kilogramma, ou um numero multiplo de um kilogramma, é claro que o augmento do imposto de 5 réis, que é cobrado pelo vendedor, não entra todo na receita publica, e fica parte na algibeira do intermediario.

Para evitar este prejuizo para o thesouro, entendeu-se que devia fixar-se em 90 réis o imposto sobre o assucar, alargando-se as excepções do imposto sobre o sal.

Aqui estão as rasões do meu erro. E o erro é tal, que a tabella, se for approvada a proposta da commissão, ha de ficar tal qual está proposta por mim.

Agora a respeito do chá, permitta-me a camara que lhe diga, que não me fizeram muito peso as considerações apresentadas pelos illustres deputados que me censuraram, porque me parece que o imposto...

(Sussurro.)

Não, sei se os illustres deputados querem ouvir-me, ou se querem fallar para não ouvir a resposta. D'esse modo, tambem se póde discutir.

O imposto sobre o chá é de 600 réis, e accusa-se o augmento do imposto por contribuir para o augmento do contrabando.

Dizem os illustres deputados, que sendo de 360 réis o imposto que na Hespanha se estabeleceu sobre o chá, e sendo agora em Portugal quasi o dobro, esta differença ha de contribuir para o augmento do contrabando; contrabando que não creio que se faça por Hespanha.

Não era preciso que se duplicasse o imposto, bastava que se augmentasse em certa escala, para que o contrabando crescesse, se não tivesse outras difficuldades para atravessar a Hespanha a fim de vir para Portugal.

Quando em 1870, não sendo eu ministro, se elevou o imposto do chá de 450 a 600 réis, já podiamos accusar o ministro que o fez, de ter favorecido o contrabando; mas o contrabando não veiu, que eu saiba, o chá, continuou a introduzir-se pelos portos de mar, e se ha contrabando, é por ahi que se faz, mas não creio que o haja.

Portanto, as rasões que se apresentam a respeito d'este assumpto são de certo muito dignas de ser tomadas em consideração, não só por ellas em si, mas tambem pelas pessoas que as proferem e expõem; mas não creio que possam alterar sensivelmente o projecto que tive a honra de apresentar a esta camara.

Desejava tratar esta questão fóra da politica. Pensei que podesse conseguir da illustre opposição parlamentar, que na questão dos impostos, que não é d'este partido nem d'aquelle, mas que interessa a todo o paiz, se não fizesse politica; tive essa esperança.

Mas infelizmente confesso que a vou perdendo, ainda que não de todo; vou-a perdendo ao ver, não digo todos, mas alguns dos discursos que têem sido proferidos pelos illustres deputados da opposição.

Estas questões não se resolvem desde o momento em que a paixão partidaria possa ter n'ellas entrada. Nesse caso as paixões populares levantam-se com as paixões partidarias, as questões tomam uma feição irritante e irritavel, que prevalece sobre a discussão pausada e tranquilla dos negocios publicos.

E aquillo que póde ser santo e justo, fica sendo errado, criminoso e impossivel. (Apoiados.)

Quando a França, a braços com a maior crise por que uma nação tem passado, careceu de recorrer aos contribuintes, para lhes pedir mais de 700.000:000$000 de receita; quando um homem eminente, que então estava á frente dos negocios publicos, sem se importar com os preceitos da sciencia economica, e indo unicamente ao fim que tinha em vista, que era acabar com o deficit monstruoso que existia n'aquelle paiz, e que impedia o andamento dos negocios publicos, embora accusado pelos economistas, pelos homens de sciencia, por muitos deputados e senadores, insistia nos direitos sobre as materias primas nos direitos sobre os primeiros generos de consumo; quando fazia isto, praticava um grandiosissimo serviço.

E não era por que não podesse ser largamente atacada e com boa rasão, á luz da sciencia, uma grande parte dos impostos que a assembléa nacional votou por proposta d'aquelle illustre homem d'estado.

Mas houve então um grande accordo entre os homens de todas as procedencias politicas, julgando-se que era necessario acabar com o deficit, que lá era muito grande, e cá é pequeno; mas as cousas comparam-se entre si, quando são da mesma natureza.

Ali o deficit era grande, e era preciso o concurso de todos os homens, de todos os partidos para o debellar.

Aqui o deficit é pequeno, mas apesar d'isso resiste obstinadamente a todos os ministerios que tem havido em Portugal.

O que fizeram então em França é o que eu esperava que fizessem aqui.

Todos os homens publicos pozeram de parte, as suas paixões e os seus intuitos partidarios, e foram, no altar da pátria, sacrificar em favor de um grande principio.

Sessão de 6 de março de 1882.

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602 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu podia ler a introducção do um livro ultimamente publicado em França, ácerca da questão financeira, durante o tempo que tem decorrido desde a campanha franco-prussiana até agora, publicado por um homem que foi ministro da fazenda, e que tem a auctoridade da sua competencia. Diz elle que todos os partidos se reuniram, sem se importarem com os interesses partidários, para discutir placidamente, debaixo do ponto de vista economico e financeiro, as medidas de fazenda que o governo lhes apresentava.

Este grande exemplo desejava eu ver seguido em Portugal, no interesse de todos, e não no interesse meu proprio, nem no do meu partido, porque a minha carreira publica está a findar, e nada tenho a esperar.

Bem ou mal deixo... não deixo nada. É o que dizem os illustres deputados. Mas vou, quando me retirar para casa, ou quando Deus me chamar á sua divina presença, com a consciencia tranquilla de que sempre tenho procurado servir bem o meu paiz e cumprir religiosamente o meu dever.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.}

(S. exa. não costuma rever as notas tachygraphicas dos seus discursos, nem reviu estas.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

E N.° 23

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Abrantes, fiel interprete dos interesses dos seus municipes, deliberou representar respeitosamente a v. exas. ácerca do assumpto que passa a expor.

Existe ao norte, e a pequena distancia da muralha da praça de Abrantes, uma fonte publica, chamada dos Frades, donde se abastece uma grande parte dos habitantes da villa; esta fonte está em terrenos da praça que medem uns 10:000 metros quadrados approximadamente, e tem ella minas e encanamentos subterraneos, que chegam até á muralha, os quaes terrenos eram antigamente cerca do extincto convento dos frades de Santo Antonio, de que a praça tomou posse em 1834.

Acontece, porém, que estes terrenos são dados de arrendamento, todos os annos, por uma insignificante quantia, e os rendeiros, com a lavoura das terras, deterioram consideravelmente os encanamentos ou aqueductos, já porque tocam com os arados na parte superior d'elles, e já porque, revolvendo a terra, causam prejudiciaes infiltrações nos encanamentos.

D'aqui vem que a camara tem feito, e continuará a fazer, despezas importantes na sua reparação; e para que não continue este estado de cousas, vem respeitosamente - P. a v. exas. a concessão dos referidos terrenos, muito embora essa concessão fique sujeita á reversão d'elles para a praça, se mais tarde isso se julgar necessario por motivos de sua defeza. - E. R. Mce.

Abrantes, 2 de março de 1882. - (Seguem-se as assignaturas.)

E N.° 81

Senhores deputados da nação portugueza. - Os abaixo assignados, industriaes portuguezes, julgando prejudicados altamente os sou interesses com a proposta de lei apresentada ao parlamento pelo sr. ministro da fazenda, e que faz recair um só direito sobre todo o assucar importado; vem com a franqueza e lealdade de que são capazes, apresentar aos representantes da nação as rasões em que se baseiam para solicitar a modificação d'aquella proposta, de modo que sejam salvaguardados os interesses da industria nacional da areiação do assucar.

A camara comprehende perfeitamente não ser justo; nem conforme aos principios da equidade tributaria, que o assucar considerado materia prima para a industria da areiação seja considerada, para os effeitos do imposto, em perfeita igualdade de circumstancias ao que é importado era estado de ser immediatamente exposto ao consumo. É tão intuitivo este argumento, que por si só bastaria para justificar a pretensão dos reclamantes se não houvesse mais.

E não são exclusivamente os industriaes da areiação do assucar os prejudicados com a nova medida do sr. ministro da fazenda. Sabe a camara, de corto, que em Portugal se importam grandes carregamentos de assucar do Brazil para ser empregado no fabrico de assucar areiado, que é o que mais acceitação tem no mercado pelas suas qualidades economicas.

E poderá esta industria continuar desafogadamente retirando-se-lhe repentinamente toda a protecção, que tem tido até hoje, sem prejuizo do consumidor?

A industria da areiação do assucar em Portugal tem sido sempre attendida por todos os governos, porque ella representa interesses importantes, capitães avultados, e que desta vez ficará inevitavelmente inutilisada, porque se até aqui a importação do assucar refinado era limitada, por ser preferido no mercado o assucar areiado, d'aqui por diante facil será emprehender a industria estrangeira o nosso fabrico da areiação com vantagem, visto que em Inglaterra o assucar é livre, em Franca o governo até concede pelo drobak premio á sua exportação, emquanto que aqui os industriaes tem que pagar um forte direito, não só pelo assucar, mas pelas impuridades que elle contém, especialmente nas qualidades mascavadas.

Os abaixo assignados, convencidos de que a camara dos senhores deputados tem o maximo empenho em fazer justiça e em velar pelos interesses da industria nacional, vem pedir á camara a protecção que entender ser rasoavel, devendo notar-se que até aqui tem tido esta industria cerca de 55 por cento de protecção, entendendo os supplicantes que se ella for reduzida a 30 a consideram rasoavel.

O assucar, pois, areiado ou assimilhado a este, importado em Portugal deverá pagar mais 30 por cento ou 120 réis por kilogramma.

Confiando em que o sr. ministro da fazenda comprehenderá bem a justiça desta reclamação baseada em rasões de facillima intuição e de manifestavel equidade, os abaixo assignados deixam á camara dos senhores deputados da nação a salvaguarda de todos os seus interesses compromettidos, porque são elles os seus legitimos representantes, e porque o seu mandato envolve a responsabilidade inalienavel de velar incessantemente pelo bem estar dos seus representados.

Não ha direitos sem deveres. Se o governo tem o direito de propor e a camara de votar impostos, governo e camara têem o dever de respeitar os interesses particulares do trabalho, que é a alma da nação. - (Seguem-se as assignaturas.)

E N.° 82

Senhores deputados da nação portugueza. - Os empregados do governo civil do districto de Aveiro, juntando a sua voz á dos seus collegas dos outros districtos, vem de novo e mui respeitosamente solicitar da camara electiva as providencias indispensaveis para que sejam, emfim, attendidas e melhoradas as suas precarias condições, fixando-se definitivamente o vencimento do pessoal das secretarias dos governos civis, que foi estabelecido interinamente pelo decreto de 25 de outubro de 1836, n'uma epocha em que as exigencias sociaes eram evidentemente menores, de ne-

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nhuma fórma comparaveis com as da actualidade, e em que os caminhos impervios traçavam aos empregados de provincia uma vida menos ostensiva, subtrahindo-os a confrontações desairosas para a sua dignidade.

O codigo administrativo, pelo seu artigo 356.°, prometteu uma nova tabella de emolumentos, ao mesmo tempo que reservou para os administradores de concelho uma das nossas principaes fontes de receita, qual era a concessão de licenças de porte de arma.

A portaria de 13 de janeiro de 1874, permittindo aos emigrantes que, com notável prejuizo nosso, e vantagem de Lisboa e Porto, tirem passaporte nas cidades onde embarcam, e por outro lado a facilidade da saida na raia secca, aggravada pelas communicações rápidas com a cidade de Vigo, que hoje se acha estreitamente ligada ás provincias do norte, tudo isto contribuiu para alimentar a emigração clandestina d'este e de outros districtos, como os relatorios dos agentes consulares têem por vezes demonstrado; e, exhauridos por isso os recursos de que nos sustentávamos, arcâmos hoje com repetidas difficuldades financeiras, que não devem deixar de merecer a vossa illustrada consideração.

Senhores deputados da nação portugueza, um official de diligencias de qualquer comarca de primeira ordem, quasi analphabeto, vence tanto, ou mais, do que um segundo official da repartição dos governos civis!...

Este unico facto advoga e proclama sufficientemente a justiça que nos assiste.

Confiâmos, portanto, em que na presente sessão velareis pela nossa causa, elevando os nossos vencimentos de modo a minorarem as difficuldades que acabâmos de expor succintamente.

Aveiro, 2 de março de 1882. - (Seguem-se as assignaturas.)

Sessão de 6 de março de 1882.

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