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N.º 41
SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1902
Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim de Sousa Cavalheiro (Vice-Presidente)
Secretarios - os Exmos. Srs.
Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal
SUMMARIO
Lida e approvada a acta, deu-se conta de um telegramma dos povos da comarca de Santa Cruz da Madeira e teve segunda leitura um projecto de lei do Sr. Magalhães Ramalho, sobre pensionistas do Estado no Real Collegio Militar. - O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques) responde a um aviso previo anteriormente feito pelo Sr. Montenegro. - O Sr. Augusto Ricca, tendo a palavra para um negocio urgente, chama a attenção do Governo para o estado da valia que liga Salvaterra com o Tejo -- Toma nota das observações o Sr. Ministro da Justiça. - E nomeada a deputação para ir ao Paço, no anniverasrio de Sua Alteza o Principe Real. -Varios Srs. Deputados apresentam requerimentos, e o Sr. Visconde da Torre um projecto de lei sobre fundos de viação da Camara de Bastos.
Na ordem do dia (continuação da discussão do mappa n.º 2, da despesa do Ministerio da Guerra, no Orçamento Geral do Estado) falam, successivamente, os Srs. Costa Ornellas, Dias Ferreira, Ministro da Guerra (Pimentel Pinto) e Francisco José Machado. Esgotada a inscripção, vota-se o orçamento do Ministerio da Guerra.
Abertura da sessão - Ás 11 horas e 50 minutos da manhã.
Presentes - 54 Senhores Deputados.
São os seguintes: - Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Caetano Rebello, Josó Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz e Rodolpho Augusto de Sequeira.
Entraram durante a sessão os Srs.; - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Penha Garcia, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.
Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Augusto Ferreira, Custodio Miguel de Borja, Eduardo Burnay, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Francisco José Patricio, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique Matheus dos Santos, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Monteiro Vieira de Castro, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo,
Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).
Acta - Approvada.
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
EXPEDIENTE
Telegramma
Santa Cruz, 20, 10,10 m.
Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Deputados - Lisboa.
Era nome dos povos da comarca de Santa Cruz da Madeira imploro a protecção de V. Exa. para que não seja snpprimida esta comarca.- Presidente Camara, Guilherme Vieira Rodrigues.
Para a secretaria.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - O decreto com força de lei de 11 de dezembro de 1851 fixou em 12 annos o limite maximo de idade para admissão dos alumnos no Real Colkegio Militar.
Em 21 de fevereiro proximo passado falleceu o capitão de artilharia Antonio Maria Souto Cervantes, deixando filhos e entre estes um que, completando 12 annos em junho do corrente anno, fica, portanto, inhibido de ser admittido naquelle estabelecimento de instrucção, se uma providencia legislativa especial não abrir uma excepção em seu favor.
De sobejo justificam tal providencia os reconhecidos bons serviços de tão prestimoso official e o zelo com que elle se desempenhou das variadas commisaões em que deixou assignalado o seu nome.
Mas quando mesmo, por uma imperdoavel injustiça, não quisessemos remomorar e encarecer aquelles serviços bastariam as precarias circumstancias a que, por seu fallecimento, ficou reduzida a familia, que elle tanto estremecia, para confiadamente appellar para os vossos sentimentos humanitarios em favor de uma pretenção que tão instantemente se recommenda e tanto mais quanto é certo que da sua conversão em lei não advirá encargo algum para o Thesouro.
Demais não é esta a primeira vez que semelhante providencia tem sido solicitada ao Parlamento, visto como já por este foram sanccinadas, em diversas datas, outras concessões da mesma natureza.
Entre estas citaremos, por exemplo, as que constam das cartas de lei de 21 de junho de 1880 e de 80 de junho de 1898 nas quaes se permittiu a entrada no Real Collegio Militar a dois filhos de officiaes em circumstancias identicas ás d'aquelle que recommendamos á vossa benevolencia.
Taes foram as principaes razões em que se inspirou a pretenção que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, traduzindo a no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É o Governo auctorisado a admittir, no anno lectivo de 1902 a 1903, como pensionista do Estado, no 2.º ou 3.º anno do Real Collegio Militar, conforme as habilitações litterarias com que se apresentar, a Francisco Maria de Vasconcellos Cruz Sobral Cervantes, filho do fallecido capitão de artilharia Antonio Maria Souto Cervantes, não obstante exceder o limite maximo da idade fixado no decreto com força de lei de 11 de dezembro de q851.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 18 de março de 1902. = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Deputado por Lamego.
Foi admittido e enviado á commissão de guerra.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Eu vinha para responder ao illustre Deputado, o Sr. Arthur Montenegro, que sinto não ver presente, mas, Sr. Presidente, eu venho responder mais por attenção pessoal para com S. Exa., e por cortesia parlamentar, do que por necessidade de defender o decreto que S. Exa. combateu.
Sinto profundamente que S. Exa. não esteja presente, mas como no que tenho a dizer não lhe serei desagradavel, porque o faço apenas no cumprimento do meu dever e para esclarecimento da Camara e do país, darei a resposta a S. Exa. mesmo na sua ausencia.
Antes d'isso, porem, desde já devo consignar um facto da mais alta importancia e significação.
V. Exa. e a Camara estão certos de que sempre que se levanta um Deputado opposicionista e com a maior vehemencia accusa o Governo pelas reformas que publicou durante o interregno parlamentar, elles dizem que esses decreto» não foram determinados pela opportunidade, não tiveram por fim melhorar o serviço publico ou dar satisfação a necessidades urgentes, mas que o seu fim exclusivo era augmentar o numero de logares para beneficiar os amigos, para augmentar a clientela.
Cousa notavel, porem, sempre tambem que passam do campo das divagações para o do exame dos decretos, são elles proprios os que se encarregam de demonstrar que isso não é assim.
Quando, por exemplo, o Sr. Queiroz Ribeiro tratou de apreciar o decreto relativo aos officios de justiça, tirou varias illações, mas houve uma cousa que S. Exa. não póde dizer, e que, antes pelo contrario, foi obrigado a confessar: foi que não houve um ceitil de augmento de desposa, que não se criou um só logar.
Mas ha mais: quando o Sr. Montenegro realizou o seu aviso previo sobre a reforma do Ministerio Publico, descendo ás mais insignificantes minuciosidades, aos mais pequenos detalhes, houve uma cousa que não se atreveu a dizer: foi que em toda essa reforma se criasse um unico logar que pudesse beneficiar um amigo, servir os interesses dos meus correligionarios; e, comtudo, essa reforma era uma das mais vastas que se podia fazer pelo Ministerio da Justiça.
Esta reforma, que diz respeito a numerosissimos funccionarios, refere-se a logares que todos sabem como são cubicados. Todos sabem como se pretende um logar de contador, como se solicita um logar de delegado, e numa reforma tão vasta, que tanto interessa a uma classe importante de funccionarios, não se augmentou nem num ceitil a despesa publica, não se criou um logar - o que a opposição é forçada a reconhecer e confessar quando realiza os seus avisos previos, e quando descendo das divagações passam, excepcionalmente, a avaliar um certo e determinado diploma.
Eu não posso deixar de consignar esse facto, e reivindicar para o Governo e para mim a vantagem que resulta de um procedimento tão correcto, tão digno e tão conforme com os verdadeiros interesses do país.
Mas não é só isto: ha ainda um outro ponto que quero consignar. As reformas são todas inopportunas; mas quando tratam do as apreciar, como fez o Sr. Queiroz Ribeiro e o Sr. Montenegro, reconhecem que essas reformas eram necessarias, e até, cousa notavel, o Sr. Montenegro sentiu que eu não levasse mais longo a minha reforma.
Mas, continuando, eu vou esmiuçar, ponto por ponto, o discurso do Sr. Montenegro.
S. Exa. está de acordo em todos os principios em que assenta a reforma, e até naquelles em que parece haver divergencia S. Exa. está, no fundo, perfeitamente de acordo. E senão, vejamos:
S. Exa. começou por dizer que o decreto não dá todas as garantias que podia dar aos magistrados do Ministerio Publico; queria mais. Eu não vou fazer uma dissertação, nem este é o logar mais proprio para fazer dissertações para se saber se os magistrados do Ministerio Pu-
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blico devem ser amoviveis ou inamoviveis. Ha escriptores que sustentam uma e outra opinião, mas a verdade é que na legislação de todos os povos cultos não se encontra um unico codigo em que se estabeleça a inamobilidade.
Mas ha mais: a magistratura do Ministerio Publico no nosso país é antiquissima, remonta ao seculo XIV, tem prestado optimos serviços, mas nunca entre nós foi inamovivel.
Estas razões, - não só da tradição da nossa nação, mas de que em nenhum povo culto existia a inamobilidade para os magistrados do Ministerio Publico, - eram imperiosas para que não se concedesse uma excepção, que se tinha absolutamente julgado dispensavel em toda a parte.
Reformar, não é destruir, alterar nas suas bases o que se encontra estabelecido, é, pelo contrario, modificar, aperfeiçoar, conservar aquillo que a tradição, as nossas leis e costumes teem mostrado ser bom.
Mas ha mais, desde que eu não podia deixar de consignar como caracteristico da magistratura do Ministerio, Publico a amovibilidade, por isso que ella representa o poder executivo perante os tribunaes de justiça, é o seu órgão, o por consequencia deve ser inamovivel, porque os membros d'essa magistratura são empregados da confiança do Governo. Como se deve exercer essa confiança? É a confiança que resulta da communhão das idéas politicas de um individuo militar num partido ? Não. É a confiança de que o funccionario deve cumprir o seu dever.
Por consequencia, era preciso estabelecer que sem tirar ao Governo a faculdade da inamovibilidade se dessem aos funccionarios do Ministerio Publico garantias sufficientes para que essa faculdade não se convertesse em vingança e perseguição, para que elles não fossem victimas, ainda mais do que da vingança dos Governos, da vingança dos influentes da localidade, cujos interesses muitas vezes o magistrado do Ministerio Publico se vê obrigado a contrariar no cumprimento exacto dos seus deveres.
Portanto, deram-se as garantias precisas estabelecendo a inamovibilidade e não, se podendo dar transferencias senão dentro da mesma classe e a demissão senão em casos taxativamente marcados na lei com audiencia do interessado e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, com obrigação rigorosa de ser publicado qual o motivo que tenha determinado a applicação da pena.
Creia S. Exa. que se não podia proceder com maior isenção e mais em conformidade com os interesses, com os direitos e com as regalias que pertencem a essa nobre classe.
Mas, cousa notavel!
O illustre Deputado para achar um pequeno ponto de divergencia, - porque elle concorda com o principio das garantias concedidas á magistratura do Ministerio Publico, - foi-lhe preciso renegar o credo do seu proprio partido, - porque nem o Sr. Beirão na sua proposta de reforma, nem a Camara em 1888, pela voz auctorizada dos seus Deputados mais illustres, conservava a inamovibilidade, - não foi tão longe, ficou muito aquem d'aquillo que estabeleci, por que nem sequer exigia para a demissão a audiencia do conselho superior da magistratura judicial.
Ha um ponto em que S. Exa. chegou a ser contradictorio: foi quando S. Exa. disse que o logar de procurador geral da Coroa devia ser amovivel, fazendo, todavia uma excepção para o Sr. Antonio Candido, que pela excellencia das suas qualidades e pelos primores da sua illustração não podia deixar de merecer a confiança de todos os Governos. Perfeitamente. Com respeito ás qualidades e aos primores da illustração do S. Exa. ninguem mais do que eu as aprecia; mas antes do Sr. Antonio Candido, o Sr. Martens Ferrão, o Sr. Adriano Machado e tantos outros, sem distincção de partidos já mereceram absoluta confiança do Governo.
Isto que tem acontecido até hoje, ha de necessariamente acontecer de futuro, e porque? Porque a escolha do Procurador Geral da Coroa, attenta a importancia das funcções que exerce, recae sempre em um homem que mereça confiança de todos os Governos. Mas quando assim não fosse, quando por excepção, que não quero acreditar, houvesse um que procedesse de forma a não merecer a confiança do Governo, então é que praticava actos muito graves, que caem na alçada da lei.
Para casos extraordinarios, medidas extraordinarias. Por consequencia S. Exa. mais uma vez com o desejo de mostrar uma contradição minha, e de me fazer uma accusação, produziu um argumento contrapruducente. Mas ha mais:
S. Exa. disse tambem: concordo em que os delegados sejam promovidos da 3.ª classe para a 2. e da 2.aª para a l.ª classe por antiguidade, mas o Ministro da Justiça estabeleceu como norma a antiguidade e a distincção, e eu receio que isto dê um grande arbitrio ao Ministro.
Ora até hoje os funccionarios eram nomeados a arbitrio do Governo e promovidos por antiguidade, da 3.ª classe para a 2.ª e da 2.ª para a l.ª classe, e agora temos effectivamente a antiguidade e a distincção. É necessario que não se esqueça o merecimento, mas que se attenda a antiguidade, quer dizer que se prefiram dos mais antigos os mais distinctos.
S. Exa. queria antes e unicamente a antigüidade!
Mas o principio da antiguidade para os magistrados judiciaes, para aquelles que já deram provas da sua competencia, admitte-se; mas com relação a delegados, que pertencem á mesma classe, campo aonde se vão recrutar, não se podia admittir só antiguidade!
Portanto, eu tambem nesta questão entendi, que não devia alterar as tradições do nosso país.
Mas ha mais. É que é ainda nesta divergencia unica, que S. Exa. procurou encontrar fundamento para emfim, fazer o seu aviso previo sobre materia tão importante.
S. Exa. afastou-se absolutamente, renegou a doutrina do partido, em que milita, e em que é muito considerado. Porque a verdade, é que nem na reforma do Sr. Beirão, nem no parecer da commissão de legislação civil, dado por membros d'esse partido, sobre essa proposta havia semelhante cousa!
O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Sinto profundamente. Tinha ainda muito que dizer, mas os 5 minutos que ainda faltam, são sufficientes para tocar num ponto, a que não posso deixar de me referir.
A reforma effectivamente obedece a outros principios.
(Interrupção).
Não foi feita no Parlamento, mas sim revista no Conselho Penitenciario, que é composto de juizes, magistrados distinctos da magistratura portuguesa. (Apoiados).
E foi revista cuidadosamente.
E estou convencido, tenho a certeza de que essa revisão foi mais proficua e util do que a que seria feita no Parlamento; não porque o Parlamento não seja uma auctoridade, e os nobres Deputados da opposição não tenham auctoridade, mas porque nesta casa predomina o espirito de facciosismo partidario, que desvaira os espiritos mais esclarecidos, e perverte as intenções mais dedicadas!
Pois o Sr. Medeiros, representante do partido progressista, não me accusava do ter nomeado um agronomo para a Escola Villa Fernando!
Mas no decreto do Sr. Alpoim, de julho de 1900, foram nomeados doze conegos! (Muitos apoiados).
E até me accusou de ter nomeado um medico para a Escola Villa Fernando, que está longe da povoação e que tem 300 rapazes!... Pois uma escola que está nestas condições, não na de ter um medico?!... (Apoiados).
Mas ha mais. Um outro Sr. Deputado que falou tambem no orçamento, accusou-me de um facto gravissimo, que, disse elle, era uma immoralidade, que denunciava uma
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administração inteira; esse facto Sr. Presidente, foi ter aborto a Penitenciaria do Coimbra... e ter mandado para lá os presos.
Ora francamente, que fiz eu que represente um acto do immoralidade?
Quando tomei conta da pasta da justiça, encontrei a Penitenciaria de Coimbra sem poder funccionar, porque lhe faltava o indispensavel para corresponder ao seu fim, mas já com os funccionarios nomeados. Como sou defensor do regime penitenciario, apesar dos seus defeitos, suspendi logo os respectivos vencimentos, conservei a verba no orçamento, e consegui que ali se fizessem as obras necessarias.
Apenas tive conhecimento de que a Penitenciaria de Coimbra catava já nos casos de receber presos, mandei abvida, e remetter para lá reclusos, já lá estão 20. E é isto um acto de immoralidade?
Foi isto que eu fiz.
Com relação á Penitenciaria de Coimbra, accrescentou ainda S. Exa.: que isto foi um facto de tal ordem, que em Coimbra até se dizia que os individuos mandados para ali são eram reclusos, mas contratados para fingirem de presos.
Custa a acreditar que isto fosse dito pelo illustre Deputado, que é juiz de direito, que devia saber, e sabe com certeza, que para a Penitenciaria só vão os réus definitivamente condemnados: que não vão para ali senão depois do voto do Conselho Penitenciario. Isto é mais uma prova a confirmar o que eu ha pouco disse: que o espirito do partidarismo obscurece muitas vezes os espiritos mais lucidos.
Com toda a franqueza digo: não sou um vaidoso; na minha consciencia entendo que valho pouco, e muito pouco, mau sou um trabalhador honesto, que procuro desempenhar com todo o cuidado o meu dever, e quando vejo accusações d'esta ordem, adquiro a convicção de que alguma couta tenho feito em proveito do país. (Apoiados).
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. Exa. não reviu estas notas).
O Sr. Claro dá, Ricca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para um negocio urgente, para tratar de factos que se relaccionam com o circulo que tenho a honra de representar nesta casa, e que se me afigura merecerem do Governo uma immediata e urgentissima acção.
Salvaterra de Magos estava, desde ha muito tempo, ligada com o Tejo por uma larga valia. Esta valia desempenhava uma dupla missão, porque, não só permittia a ligação fluvial d'aquella importante localidade com o Tejo, mas tambem pela sua natureza exercia uma continua o constante drenagem nos campos por ella atravessados.
Com as ultimas cheias, que causaram tão desastrosas consequencias no districto de Santarem, essa valla ficou quasi completamente obstruida, e agora, com as recentes marés de grande amplitude, a obstrucção fez-se por completo.
D'este facto resultam dois inconvenientes gravissimos: em primeiro logar, a valla deixou de ser navegavel, e por consequencia deixou do fazer-se a communicaçâo fluvial entre Salvaterra e o Rio Tejo, estando, portanto, interrompido esse economico transporte dos productos agricolas d'aquella importante região; em segundo logar, com a obstrução completa da valia deixou de fazer-se a drenagem que até então se fazia de todos os campos atravessados por ella; e sem essa drenagem, aquelles campos, naturalmente humidos, são improprios para a cultura e por ia inuteis sob o seu aspecto cultural.
Escuso de encarecer os inconvenientes que advirão obstrucção. É este o ponto para que queria chamar a attenção do Governo.
Há ainda outro ponto de natureza analoga, da mesma origem, que tambem me moveu a pedir a palavra sobre negocio urgente. É o seguinte: na ultima situação progressista, depois de instantes pedidos, foi construida uma estrada-dique, proximo de Salvaterra, entre a Palhota e Escaropim. Esta estrada não só estabelecia a viação ordinaria para os productos agricolas d'aquella região, como tambem pela sua cota elevada estabelecia dique a todas as marés vivas do Tejo, porque este rio, sem carecer de cheias, quando as marés estão na sua maior amplitude, invadem os terrenos marginaes, inutilizando as sementeiras. Com as ultimas cheias ficou destruida na extensão de 75 metros, e isto dá em resultado, primeiro, estar interrompida a viação ordinaria naquella região; segundo, o Tejo amanhã, apenas com as marés vivas, inundar aquelles campos e causar prejuizos mais graves dos que até aqui tem produzido.
O que eu peço ao Governo, é que mande proceder á reconstrucção immediata e urgente da parte destruida da estrada-dique, que vae da Palhota ao pinhal do Escaropim e á desobstrucção immediata da valia que liga Salvaterra ao Rio Tejo, restabelecendo assim não só a communicação fluvial entre Salvaterra e o Rio Tejo, como promovendo a drenagem indispensavel ao aproveitamento agricola d'aquelles campos, que são por natureza excessivamente humidos.
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo illustre Deputado, sobre assumptos que são realmente urgentes, e communicá-las-hei ao meu collega das Obras Publicas, e estou certo de que elle, com a solicitude com que costuma tratar todos os negocios que correm pela sua pasta, ha de procurar, quanto possivel, acudir de prompto a esse mal provendo-lhe de remedio.
O Sr. Presidente: - A deputação que, com a mesa, ha de ir amanhã ao Paço cumprimentar Suas Majestades pelo anniversario de Sua Alteza o Principe Real, é composta dos seguintes Srs. Deputados:
Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral.
Alexandre José Sarsfield.
Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho.
Antonio Rodrigues Ribeiro.
Belchior José Machado.
Conde de Paçô-Vieira.
Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca.
Hypacio Frederico Bryon.
Jayme Arthur da Costa Pinto.
José Coelho da Motta Prego.
José de Mattos Sobral Cid.
Manuel Joaquim Fratel.
Manuel de Sousa Avides.
Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira.
Julio Petra Vianna.
Clemente Joaquim dos Santos Pinto.
Para a acta.
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.
O Sr. Visconde da Torre: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorizando a Camara Municipal de Cabeceiras de Basto a levantar todas as quantias que tiver do fundo de viação e applicá-las ás suas despesas geraes.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. João Augusto Pereira: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, seja enviada a esta Camara, com urgencia, copia de quaesquer requerimentos dirigidos ao mesmo Ministerio, pedindo concessão de terrenos no sitio da Praia Formosa, ao oeste do Fun-
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chal, devendo essa copia ser acompanhada da das condições ou vantagens offerecidas pelos peticionarios. = João Augusto Pereira.
Mandou-se expedir.
O Sr. Francisco Ravasco: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, com urgencia, pelo Ministerio do Reino, copia da acta da sessão da Camara Municipal de Moura, celebrada em 20 de fevereiro ultimo. = Franzino Ravasco.
Mandou-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do mappa n.° 2, na parte relativa á despesa do Ministerio da Guerra, do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado
O Sr. Costa Ornellas (sobre a ordem): - Em harmonia com o Regimento, mando para a mesa a seguinte moção:
«A Camara, convencida de que no Orçamento do Ministerio da Guerra não ha desperdicios dos dinheiros publicos, e todas as verbas de despesas estão conformes com a legislação que as auctoriza, passa á ordem do dia. = Ernesto Nunes da Costa e Ornellas».
Sr. Presidente: na minha qualidade de relator do orçamento do Ministerio da Guerra, vou refutar o discurso do illustre Deputado, o Sr. Oliveira Mattos que muita pena tenho de não ver presente, porque queria cumprimentar S. Exa. pela bella oração que proferiu nesta casa do Parlamento na sessão nocturna de ante-hontem.
Primeiro do que tudo devo declarar a V. Exa. é á Camara que entro nesta discussão muito bem impressionado, sob a influencia do magnifico discurso do Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, discurso que é um modelo de forma, de correcção e de erudição (Apoiados geraes), e tambem porque para mim é muito honroso ter de responder a um illustre Deputado, como é o Sr. Oliveira Mattos, distincto homem de Parlamento. Assim S. Exa. fosse, para o effeito d'esta discussão, um profissional consciencioso, como é um parlamentar destemido.
Na verdade, ser Deputado da minoria, ter a necessidade politica de atacar o orçamento do Ministerio da Guerra, quem não conhece as necessidades do exercito, não podendo comprehender muito da engrenagem complexa e scientifica d'esta instituição, parece-me tarefa difficil, situação embaraçosa, e, para se sair d'ella, airosamente, é preciso ter bellos recursos oratorios, como o Sr. Oliveira Mattos, e, mais do que isso, é preciso ter a coragem aventureira de um parlamentar destemido.
Para tudo ha homens corajosos: ha homens corajosos para tudo: para andar em balão, para voar nos trapezios, e para fazer um discurso brilhante sobre assumpto que se não conheça. Tudo é gymnastica, a final, e isto longo de ser um defeito é uma bella qualidade, para quem gosta.
Sempre ouvi dizer que Deus Nosso Senhor tudo quanto faz é bem feito, e, dogmaticamente assim deve ser. Mas, a respeito do Sr. Oliveira Mattos não sei bem como isso foi. (Riso). S. Exa. tem uma clara intelligencia, um espirito lucido, um talento acima do vulgar, mas tudo isto mal aproveitado.
Dou a razão do meu dito:
É preciso orientarmos as nossas qualidades intellectuaes numa cousa unica. Mas S. Exa. trata mal a sua intelligenciar pela razão de querer ser encyclopedico, uma das cousas mais difficeis, dada a vastidão dos conhecimentos. O Sr. Oliveira Mattos não se contenta com a especialidade. A sua especialidade é a generalidade. (Riso).
Não estou nas condições, nem tenho auctoridade para dar conselhos ao Sr. Oliveira Mattos, que não está presente. Por isso ainda mesmo que estivesse não os dava. Mas estou no meu direito de o apreciar como homem publico. (Apoiados).
É por isso que digo que se S. Exa. orientasse melhor a sua intelligencia e se se decicasse a um ramo de administração publica, á Fazenda por exemplo, conselho que já lhe foi dado pelo meu illustre amigo e camarada, o Sr. Mendes Leal, á Fazenda por ser aquelle que todos estamos de acordo que é o que mais se coaduna com as tendencias naturaes do Sr. Oliveira Mattos, pelo seu amor ás economias e pelo seu odio de morte aos esbanjamentos.
Se S. Exa. seguisse este caminho, principalmente quando está na opposição, S. Exa. dava um bom Ministro da Fazenda, um bom financeiro, tanto mais que ha pouca gente habilitada para essa especialidade, e os Ministros da Fazenda entre nós gastam-se muito facilmente. Com isto lucrava o país, o partido progressista a que S. Exa. pertence, e o Parlamento, porque tinhamos, aqui entre nós uma auctoridade para nos esclarecer nos meandros d'esta emmaranhada sciencia das finanças.
S. Exa. tem uma bella intelligencia, não lh'a nego, mas com a preoccupação de ser encyclopedico, succede o que succede a toda gente: falta-lhe a bagagem, mobilia e utensilios para toda a capacidade.
É por isso que todos os grandes talentos encyclopedicos se parecem um pouco com os buracos: quanto maiores são maior é o vazio. (Riso).
Por outro lado, estou em dizer que esta discussão dos orçamentos é uma valvula adoravel posta no cimo da caldeira parlamentar para dar expansão á oratoria politica, em variados sentidos.
Assim é que, a proposito da discussão do orçamento, ouvi o anno passado nesta Camara falar na Maria Antonieta, no Luiz XVI, no Delfim e nos tormentos que aquella sobre gente devia ter passado no Templo.
Dm outro Sr. Deputado da opposição, cavalheiro para mim muito sympathico, muito intelligente e estudioso, tambem nesta casa do Parlamento, e a proposito do orçamento das Obras Publicas, nos deu o anno passado um nagnifico discurso, cheio de brilho e de erudição, no qual nos mostrou, em bellos mappas demonstrativos, a maior e menor facilidade da morte dos cães e dos coelhos, conforme se lhes injetca nas veias cognac, ou aguardente vulgar, ou alcool industrial!
Abençoado orçamento, serve para tudo!
Até para revelar talentos! Se não fosse uma necessidade constitucional, era, pelo menos, uma utilidade parlamentar.
Isto faz-me lembrar a historia d'aquelle caloiro celebre que foi apanhado a deshoras na baixa, em Coimbra, e foi levado á alta para no tribunal da troça receber o grau de doutor.
Essa instituição já não existe.
Fui caloiro de Coimbra, e nunca lá me fizeram mal. Mas fazia-se noutros tempos.
No tribunal a que me estou referindo tomou a presidencia o Sr. Anthero de Quental, e a sentença por elle dada ao pobre rapaz, entre estrepitosas gargalhadas, era subir para um mocho e fazer ali, de improviso, um discurso pomposo cuja these fosse a influencia do christianismo no ranço da manteiga.
O que é certo é que o caloiro de tal maneira se houve, tão bem andou, que a breve trecho conquistou a sympathia do tribunal, teve uma ovação, alcançou um triumpho. E porque? Porque tinha talento, e já ali se manifestava.
Este homem foi o que mais tarde se chamou o poeta João Penha.
Exactamente como o Sr. Oliveira Mattos, e mais S. Exa. não é caloiro, mas tambem tem talento.
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Foi por isso que S. Exa., a proposito do orçamento de Guerra, fez um discurso brilhante, mas que tem tanta relação com o orçamento como o christianismo com o ranço da manteiga. (Riso).
Ora Sr. Presidente, do discurso do illustre Deputado, o Sr. Oliveira Mattos, resultou uma impressão geral, e é essa impressão que eu tomo para these do meu discurso.
S. Exa. disee que a verba aliás grande de 6.429:000$000 réis destinada ás despesas ordinarias do Ministerio da Guerra, era mal administrada, e que se podia fazer mais a melhor dentro dos limites do orçamento. Isto que S. Exa. disse causou certa impressão do desagrado e de espanto, porque aquelles que não são militares, e não conheceu ao cousas do exercito não deixam de receber uma impressão extraordinaria quando se lhe diz, á queima roupa, que ao gastam com o exercito tantos contos de réis.
Ora eu acho conveniente desfazer essa má impressão, e até provar que essa verba é insufficiente, e só se justifica pelas condições do Thesouro, que não são boas, e por isso não permittem dar ao exercito e á armada a dotação que estas duas corporações precisam e merecem, para bem se desempenharem da sua alta missão. (Apoiados).
Note V. Exa., o exercito é do país, não é uma empresa particular; o exercito é do país, é uma instituição nacional, muito necessaria e prestavel, emquanto não for uma realidade o sonho, a utopia da perpetua paz universal. Note tambem V. Exa. que por toda a parte o exercito e a marinha são duas grandes industrias que se desenvolvem todos os dias, com os subsidios que lhes dão a mechanica a physica e a chimica, e estes melhoramentos custam muito caro por toda a banda.
Note mais V. Exa. que ainda os nações de maiores tendencias pacificas teem augmentada ss suas despesas militares. A Inglaterra, que ninguem dirá que é uma nação de indole guerreira, e só faz a guerra uma ou outra vez, é sempre com intuitos imminentemente praticos, viu-se na necessidade de augmentar as suas despesas no exercito e na marinha em 130 por cento nos annos que vão de 1835 a 1869, e em 50 por cento nos annos que vão desde 1869 a 1897. Isto faz a pacifica Inglaterra, que tem a defendê-la o melhor parapeito que a natureza lhe podia dar, que é o mar do Norte e o mar da Mancha.
Por maioria de razões as outras nações continentaes foram na esteira, e teem augmentado extraordinariamente as suas despesas militares; assim a França triplicou essas despesas, guerra o marinha, nos 68 annos que vão de 1830 a 1898.
Nesse mesmo espaço de tempo, em Portugal as receitas e despesas geraes do Estado quadruplicaram, mas com a differença de que a proporção do augmento das despesas não é igual para todos os Ministerios, porque no Ministerio da Guerra apenas as despesas duplicaram.
Eu não quero reproduzir os bellos argumentos do Sr. Ministro da Guerra, mas sempre direi que em que em todas as nações da Europa a relação entre as despesas geraes do Estado e as do Ministerio da Guerra é de 1/5 a 1/6. Na propria Suissa essa relação é de 1/3 a l/4. Na Belgica é de 1/8, e em Portugal é 1/9.
Alem d'isso, uma circumstancia que muito faz avolumar o nosso ornamento da Guerra, é sem duvida a despesa dos reformados, 921:000$000 réis, que em alguns paises abonada pelo Ministerio da Fazenda.
E ainda outra circumstancia que se deve ter em vista quando se estuda o orçamento militar, é que nós podemos é certo, reduzir 30:000 a 20:000 praças, por meio de li cerceamento em todas as armas, mas não podemos reduzir os quadros graduados, nem eliminar as instituições militares parciaes, que são dispendiosas e do custeio permanente.
E não podemos, nem devemos, reduzir os quadros graduados, porque elles não se improvisam para a passagem ao pé de guerra, e os que temos graduados chegam, quando muito para 2/3 da mobilização.
Sr. Presidente: eu não quero ler numeros, tenho pouco tempo e não posso ser tão expansivo como desejava; mas não resisto á tentação de ler á Camara o seguinte quadro, que vem a ser o orçamento da Guerra de todas as potencias militares da Europa, para o anno findo, 1901, calculado dando ao franco o valor minimo de 200 réis.
Peço a attenção da Camara:
Contos
Gran-Bretanha.......................... 439:575
Russia................................. 259:219
Allemanha.............................. 139:353
França................................ 126:430
Austria-Hungria......................... 94:440
Italia.................................. 51:605
Hespanha.............................. 32:926
Belgica................................ 9:841
Suecia................................. 9:457
Paises-Baixos ......................... 9:064
Roumania............................... 7:527
Suissa................................. 6:214
Portugal............................... 6:132
Bulgaria............................... 4:154
Servia................................. 3:995
Grécia................................. 3:617
Noruega.....,......................... 3:373
Dinamarca............................. 2:864
Total................................. 1.209:836
Os orçamentos de todas as potencias militares estrangeiras, no anno de 1901, sommam 1.209.836:000$000 réis.
Não faço idéa de quanto é! A minha pobre intelligencia não abrange, em conjunto, esta verba, como não comprehende as grandezas astronomicas; quer dizer a distancia da posição relativa de um astro a outro, distancia expressa em milhões de myriametros...
A propria Suissa, de que tantas vezes ouvimos falar, a respeito da sua parcimonia nas despesas militares, e pela sua bella organização defensiva, tem orçamento igual ou superior a Portugal e não tem exercito permanente; contenta-se com o regime das milicias, aliás muito boas milicias, e muito bem organizadas.
Ora, Sr. Presidente: para abreviar, digo eu que me parece, que a melhor orientação a seguir na discussão dos orçamentos, seja qual for, é aquella que visa a indagar, se ha desperdicios ou gastos inuteis, e quaes os augmentos ou reducções a fazer nos differentes capitulos, artigos e secções; tudo em conformidade com a legislação que dá origem ás differentes verbas orçamentaes.
Se estivesse presente o Sr. Oliveira Mattos e S. Exa. me quisesse dar a honra, íamos, de braço dado, dor um passeio pelo orçamento á procura dos desperdicios.
Onde estarão elles!... Estarão na verba da alimentação do exercito, 1.256:672$290 réis?!...
(Áparte que não se ouviu).
Os capitulos são 14 e eu lá vou.
Na alimentação do exercito não pode haver desperdicios. O soldado entre nós como duas vezes por dia, almoça e janta, e apesar de hoje estar soffrivelmente alimentado, e, a meu ver, mas bem alimentado do que devia estar, comparando com a alimentação que tinha na classe civil o volta a ter quando for despedido do serviço, ainda assim, posso assegurar a V. Exa. que o soldado não tem indigestões. (Riso).
Alem d'isso, não podiamos estar a alimentar o soldado á moda antiga. Eu ainda não sou velho, mas ainda sou do tempo em que o rancho era constituido por um magro caldo escuro com bem poucos feijões encarnados, especie de parodia ao naufragio a que se refere o bom Virgilio no verso Apparent rari nantes in gurgite vasto. (Riso).
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Os soldados velhos d'aquelle tempo, os contratados, os substitutos, quando recebiam a lata do rancho perguntavam se havia alguem que quisesse embarcar para Cacilhas. (Riso). Era uma graçola tarimbeira para alludir á muita agua que tinha o caldo. (Riso). V. Exa. comprehende que não podemos estar a alimentar o soldado, d'esta maneira; se o fisessemos era um crime de lesa-estomago. (Riso).
Effectivamente, desde o Sr. Fontes para cá, todos os Ministros da Guerra se teem occupado da alimentação do soldado. O Sr. Fontes, quando Ministro da Guerra, concedeu auxilio para rancho que, sommado com a quantia descontada ás praças, dava a somma necessaria para a sua melhor alimentação. Primeiro, foi de 15 réis, com o nome de subvenção, e subindo snccessivamente até hoje, que é de oitenta e tantos réis.
Ora, Sr. Presidente, alimentar um soldado com um pão que custa 33 réis, e mais 80 réis para almoço e jantar, prova que não ha desperdicio neste ramo de administração, e em parte nenhuma se fazia mais barato.
Mas o que eu queria era saber onde estão os desperdicios.
Será no capitulo do fardamento, 222:000$000 de réis?
Tambem posso garantir a V. Exa. que neste ramo de administração não ha prejuizo para a Fazenda Nacional. São caros os fardamentos para os soldados, e caros, carissimos os uniformes dos officiaes. Estes vestem á sua custa, e para as praças de pret não é facil resolver o problema no sentido de uma solução mais economica. Todos os Governos se teem occupado e preoccupado com a questão do fardamento, e não teem tido meio de o baratear, porque o Estado não é fabricante de lanificios e forçosamente tem de lançar mão dos intermediarios.
É certo que o soldado para se fardar gasta muito dinheiro, e mais notado se torna quando o comparamos com um individuo da classe civil. Um individuo da classe civil veste-se de estamenha e saragoça a 1$200 réis o metro, e no exercito com mescla para calças a 2$640 réis, mescla para capotes a 2$875 réis e panno para jaquetas a 3$000 réis, não pode o fardamento sair barato, e quem se veste de ruim panno, veste-se duas vezes por anno.
Ao homem do campo um fato de saragoça custa-lhe pouco e dura-lhe muito, porque não se servindo d'elle, poupa-o, guarda-o na arca dos folares, e só se serve d'elle aos domingos e quando vae á confissão.
O soldado não pode fazer isso, e por muito bom que seja o uniforme não pode resistir por muito tempo.
O homem do campo trabalha quasi sempre, parte do tempo em ceroulas e camisa, carapuço na cabeça e com os sapatos naturaes que tem desde que nasceu. (Riso). O soldado não pode usar aquella toillette paradisiaca, e precisa andar sempre bem fardado, como convem a um homem ao serviço de El-Rei. (Apoiados).
O soldado, ao entrar para o serviço, gasta logo approximadamente, sendo praça montada, 36$000 réis o minimo, e sendo praça apeada, 26$000 réis. Nas botas 2$600 réis, no calção 3$060 réis, na jaqueta 4$025 réis, no capacete 1$650 réis, nas polainas 2$000 réis, no capote 7$200 ou 12$150 réis, emfim, 26$000 réis para uma praça montada e 20$000 réis para uma praça apeada, não falando na roupa branca, lençoes, fronhas, marmita, caixa e pequeno equipamento, que tudo importa em 10$000 réis approximadamente. Compare-se isto com a classe civil, em que se pode adquirir um fato completo por 4$500 réis (Riso).
O fardamento do soldado é caro porque não pode ser mais barato. E note a Camara que isto tudo faz-se debaixo de uma rigorosa administração. Eu sou official de fileira, creio mesmo que não sei fazer outra cousa, e conheço toda a vida da fileira, desde a cozinha onde se quebra um prato, até á secretaria onde se respira ar civilizado. Não ha desperdicios, não ha má administração no exercito, e se não digam-me onde estão, que eu quero rebatê-lo. (Apoiados).
Mas haverá desperdicios nos vencimentos, nessa verba grande, volumosa, que enche o orçamento do Ministerio da Guerra? Oh! Sr. Presidente! Sabe V. Exa. sabe a Camara e o país não ignora, quanto são exiguos os vencimentos no exercito. Que menos se lhe ha de pagar? O soldado tem 75 réis em pé de paz e 95 réis no pé de guerra. Mais um vintem por dia!
Que bello funccionario! Arrisca a vida, derrama o sangue no campo da honra, por mais um vintem por dia!
E note V. Exa. que elle ainda não recebe estes 75 réis. Desconta 45 réis para rancho, um tanto para fardamento, concerta e remenda a roupa á sua custa e compra a graxa...
Veja V. Exa. a que ficam reduzidos aquelles elesticos 75 réis!
Quando está em maximo desconto, recebe 10 réis por dia. Quer dizer, precisa tres dias de pret para escrever uma carta á familia. (Riso).
Oh! Sr. Presidente, o soldado é uma entidade altamente sympathica! (Apoiados).
Lembre-se V. Exa. que o soldado é o unico empregado publico que o é sem o querer ser, e que não metteu empenhos para o ser. (Riso).
E quanto ganha um primeiro sargento? 315 réis em pé de paz e 345 réis em pé de guerra.
E pode ter mais 240 réis ao fim de doze annos de posto, correspondentes a quatro periodos de readmissão. Pode ter 500 réis por dia ao fim de quinze annos de bom serviço, este funccionario que é um escravo da vida regimental. (Apoiados).
Qualquer continuo de secretaria recebe 600 réis desde o dia do feliz despacho, que pode ser só dependente de um empenho politico, ou não politico.
Ora, Sr. Presidente, são muito illustrados todos os Srs. continuos, são muito bons os seus serviços, mas nem a sua illustração, nem os seus serviços se podem comparar com os de um primeiro sargento de uma bateria ou de uma companhia. (Apoiados).
Não falando no quanto custa a uma praça de pret ir de soldado até primeiro sargento, e quanto tino e boa conducta são necessarios para não ser castigado e não lhe ser tolhida a sua promoção, castigo que depende ás vezes de um simples caso fortuito: faltar 30 segundos a uma formatura. (Apoiados).
Na melhor hypothese e melhor fortuna, este funccionario pode receber, liquidos, 500 réis por dia ao fim de quinze annos de bom e effectivo serviço. Amargurados 5 tostões!
O Sr. Carlos Pessanha: - É por isso que eu digo que o Sr! Ministro da Guerra, ao legislar sobre recrutamento, se esqueceu dos vencimentos dos quadros inferiores.
O Orador: - Mas que tem o recrutamento com os vencimentos? Não vem nada a proposito.
O Sr. Ministro da Guerra podia ter vontade de attender isto, mas recrutamento e vencimentos não se ligam.
O Sr. Carlos Pessanha: - Uma das cousas que mais interessam á instrucção militar são os quadros inferiores, que foram absolutamente esquecidos na lei do recrutamento.
O Orador: - V. Exa. acha que o orçamento ainda é pequeno e deve ser maior; sou tambem d'essa opinião. Mas se fosse maior, mais censuras tinha o nobre Ministro da Guerra.
Continuo.
Um alferes quanto ganha? Um alferes que sae da Escola ganha 35$000 réis theoricos; porque tem de descontar um dia de vencimento por mês para o Montepio, compensações para a reforma, addicionaes, imposto de rendimento, sêllo e mais alcavalas, ficando com 33$000 réis
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escassos, com que se ha de sustentar o fardar. Se for casado e tiver dois filhos os 33$000 réis são o sufficiente para morrer de fome.
E assim successivamente.
Em todos os graus da hierarchia militar os vencimentos são insignificantes e estão em confronto frisante com os dos individuos da classe civil.
Estabelece-se o confronto com os individuos da classe civil, mas o exercito não se queixa do modo algum; magoa-se, porem, quando lhe dizem lá fora, impensadamente, que é elle o sorvedouro dos dinheiros publicos; não se queixa, porque está sempre prompto para todos os sacrificios que lhe exigem, mas magoa-se quando lhe dizem que o Sr. Ministro da Guerra é o perdulario dos dinheiros publicos, porque S. Exa. tem um pouco de boa vontade para levantar esta sympatica instituição.
Não façamos o confronto, porque são sempre cousas irritantes.
Digam-me, aqui á puridade, que paridade ha entre 400 réis diarios de subsidio de marcha, a um alferes ou tenente, 500 réis sendo capitão, para ir, destacado ou em diligencia, policiar feiras, policiar arraiaes, ao sol, á chuva, calcando a lama das estradas, ao passo que se dão 2$000 e 3$000 réis por dia como ajudas de custo a inspectores de varias cousas, que vão viajar, com toda a commodidade, de carruagem ou em coupé-leito...
Uma voz: - Como os fiscaes do sêllo.
O Orador: - Se tivessemos tempo haviamos de falar nos fiscaes do sêllo...
O exercito não se queixa nunca, porque é uma instituição fidalga, mas de uma fidalguia especial, toda baseada na noção do pundonor e de cumprimento do dever.
Sr. Presidente: se ha vida e instuição em que o brio e a honra sejam considerados como uma verdadeira religião, até com lithurgia propria, é a vida, ou instituição militar! (Apoiados).
Onde estão os desperdicios?
Ha aqui uma outra verba que é a destinada aos estabelecimentos de saude do exercito, dizendo o Sr. Oliveira Mattos que ahi é que estava a mais.
Sr. Presidente: se ha serviço mais miseravelmente dotado é o dos estabelecimentos de saude do exercito, e appello para a competencia profissional dos membros de um e de outro lado da Camara.
Haverá desperdicios na verba de instrucção? Não vamos para esse campo, porque vamos mal, ou por outra, eu para esse campo tambem vou bem.
Note V. Exa., Sr. Presidente, campos de instrucção, carreiras de tiro, polygonos, tudo isto se impele hoje mais do que nunca pelas modernas exigencias da sciencia da guerra, pela necessidade absoluta da instrucção dos quadros, e das tropas na pratica do tiro de guerra, e nas manobras das tres armas combinadas.
E tal a importancia que por toda a parte se dá á instrucção militar, que em todos os paises se consignam grandes verbas para este fim.
A França o anno passado consignou no orçamento da guerra um credito de 6 milhões de francos para campos de instrucção, que nunca devem ter menos de 6 ou 7 mil hectares de terreno.
É muito dinheiro, são 1:000 e tantos contos de réis. Em questões militares ha dois pontos primordiaes e principaes, sobre que estão de acordo todos os technicos militares de todos os paises. Esses dois pontos são exactamente a instrucção e o arsenal.
Eu sou de opinião que se possam eliminar ou adiar algumas pequenas verbas em differentes pontos, mas para a instrucção e para o arsenal não façamos questão do dinheiro, nem façamos questão politica, a não ser que queiramos pôr de parte o sentimento de patriotismo que a todos nós deve animar.
Não venho para aqui relatar as façanhas gloriosas do nosso soldado na Catalunha, Russilhão, na guerra da Peninsula, nem os valorosos esforços dos defensores da liberdade no Porto e Ilha Terceira, e outros muitos factos da nossa historia militar antiga e moderna.
Supponho que não é necessario isso, porque até fica mal, entre nós portugueses, e no Parlamento português, lembrar o que vale o nosso soldado, e o que se pode esperar do nosso exercito, quando elle for disciplinado como está, e armado e instruido como devia estar.
Quem for curioso o for ver o orçamento de 1885, da referenda do Sr. Fontes Pereira de Mello, conhecerá a verba das carreiras de tiro e da instrucção das tropas activas e de reserva.
Eram 25:000$000 réis. Na proposta ministerial actual estavam 15:000$000 réis, o a parte militar da commissão do orçamento pediu ao nobre Ministro da Guerra licença para augmentar esta verba, com o que S. Exa. concordou plenamente, e elevou-a a 25:000$000 réis, ainda inferior ao que era necessario, mesmo em 1880; e, portanto, ainda mais superior ao que é necessario hoje; e porque o Sr. Ministro da Guerra actual fez, no anno passado, as manobras de instrucção complementar, aqui d'el-rei que é mau, porque tem simplesmente uma boa orientação.
Eu em questões de instrucção militar quero o mais possivel, e neste ponto vou referir-me ao Sr. Oliveira Mattos, e fica assim respondido o que S. Exa. disse, a respeito de escolas regimentaes.
Eu desejo, e chamo a attenção do Sr. Ministro da Guerra para este ponto, ver acabada, resolvida de uma vez a questão do analphabetiamo no exercito.
As escolas regimentaes como foram e como são não podem produzir mais.
O padre capellão não é bastante para ensinar a ler o regimento.
O problema precisa de mais radical solução; assim como a instrucção militar está a cargo das companhias ou baterias, e da responsabilidade do capitão, assim devia ser a instrucção das primeiras letras.
Assim se faz na Allemanha e na Italia. E na Italia aonde se faz mais: depois da instrucção militar, dão-se aos soldados noções de agricultura pratica. Já não pretendo tanto, contentava-me com a instrucção das primeiras letras.
Este assumpto tem sido proficientemente tratado entre nós ainda ha pouco tempo, com artigos publicados no jornal As Novidades, devidos á penna dos Srs. Xavier Machado e Homem Christo, duas illustrações do exercito, dois officiaes distinctissimos. (Apoiados).
Não pareça a V. Exa., Sr. Presidente, que a questão é do pequena monta. Neste país, em que a percentagem dos analphabetos, entre varões e femeas, é de 85 por cento, não é para desprezar um desbaste annual de muitos milhares de leigos, saindo todos os annos das fileiras sabendo ler, escrever e contar, já não digo correctamente, mas pelo menos correntemente.
O Ministro da Guerra que resolvesse o problema do analphabetismo no exercito, enchia-se de gloria. V. Exa. não necessita, porque tem já o seu nome vinculado a muito altos serviços de toda a ordem, trazidos ao exercito pelo benefico influxo da sua rasgada iniciativa.
Mas peço-lhe muito, peço-lhe apaixonadamente, que resolva mais este problema; ponha mais esta perola na sua já bem guarnecida coroa de gloria, como Ministro. - (Vozes: - Muito bem).
Oh! Sr. Presidente: nunca tive tanta pena de ser pequeno e insignificante, como nesta occasião!... Eu desejava neste momento ser muito grande, ter muita auctoridade, não para me impor á Camara, que é muito illustrada e muito altiva e não recebia imposições de ninguem, mas para pedir á maioria, á minoria e á imprensa do meu pais, que me auxiliassem na resolução d'este problema,
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que é um relevante serviço prestado ao exercito, um relevantissimo serviço prestado ao país. (Apoiados}.
Pois não! Fazer do exercito uma grande escola, onde se aprendesse a ler, escrever e contar, por gosto, sem o rigor do pedagogo! Tinha muito bom cabimento na lei organica sobre recrutamento militar, ali aonde se diz algures: «Praça alguma poderá ter baixa do serviço, sem ter 6 meses de praça».
V. Exa. incluia: «Praça alguma poderá ser licenceada para a reserva, sem saber ler, escrever e contar». Estava o problema inteiramente resolvido, mas ainda tem bom remedio, e V. Exa. o pode dar muito facilmente, com uma penada, determinando em Ordem do Exercito: «Assim como a instrucção militar está a cargo dos capitães, assim tambem o serviço das escolas regimentaes do 1.º grau». Condição essencial: na concessão de licenças de toda a especie teem preferencia as praças que mostraram aproveitamento na instrucção de primeiras letras.
Mas, dir-me-ha S. Exa., não tenho verba no orçamento. Ora! Ora! Um ABC, barata cousa é! São mais uns milhares de cartilhas, a cuja despesa se pode occorrer com uma verba supplementar, e até o Sr. Oliveira Mattos assignava essa emenda se cá estivesse.
Sr. Presidente: eu disse ha houco que os pontos capitães e primordiaes do exercito eram a instrucção e o arsenal.
Quero falar um pouco sobre o arsenal. Não sei se está presente o Sr. Mathias Nunes, meu collega nesta casa, meu camarada e meu superior.
(Pausa).
Como S. Exa. está presente, peço a sua benevola attenção, porque o Sr. Mathias Nunes é em todos os assumptos militares uma auctoridade incontestavel e incontestada, mas especialmente no que diz respeito á arma de artilharia, S. Exa. é um competente sem rival. (Apoiados}.
Arsenal do exercito.
No orçamento de 1900 a 1901, da referenda do Sr. Sebastião Telles, verifica-se a verba de 218:000$000 réis; no orçamento de 1901 a 1902 da refenda do Sr. Pimentel Pinto, augmentou-se essa verba 130:000$000 réis, ficando em 368:000$000 réis. No orçamento em questão, 1902 a 1903, houve ainda um augmento sobre o do anno passado de 137:000$000 réis; sommam os dois augmentos do Sr Pimentel Pinto em 268:000$000 réis, quer dizer, o nobre Ministro da Guerra dobrou em dois annos a verba do Sr Sebastião Telles, e ainda lhe accrescentou mais 30:000$000 réis. Pois ainda não é bastante, e sabe-o muito bem o nosso collega Sr. Mathias Nunes, porque a media da laboração no Arsenal do Exercito é de 500 e tantos contos, faltando portanto ainda cento e tantos contos de réis. Não é demais porque ainda não chega para as necessidades do Arsenal com amanuenses e com polvora, porque para aquelles que não forem peritos, é conveniente dizer-se, que ha ahi duas verbas que não são do Arsenal; é a verba dos amanuenses que foram mandadas pagar pela secção do Arsenal por decreto do Sr. Sebastião Telles, e cujos vencimentos ascendem a 13:000$000 réis, pertencem ao corpo do secretariado militar, e ainda fazem carga á nossa secção do Arsenal.
Temos tido até aqui os 12:000$000 réis de polvora fornecida ao exercito, contra a qual se insurgiu o Sr. Mathias Nunes o anno passado, na sessão de 9 de maio, e, a meu ver, muito bem, porque era uma verba escripturada de maneira irracional, figurava na receita, depois figurava na despesa, contrabalançava-se. Eu quis estudar a origem d'essa verba de 12:000$000 réis de polvora, e foi descobrir que é filha de um orneio de 15 de setembro de 1853 emanado do Ministerio da Fazenda, de que era então Ministro o Sr. Fontes Pereira de Mello, que, pedia ao seu collega da Guerra, o sr. Duque de Saldanha, para que o orçamento do Ministerio da Guerra eacripturasse na receita e na despesa os 12::000$000 réis da polvora para exercito. Aquella verba nasceu em 1853, viveu durante 48 annos nos orçamentos e morreu neste orçamento. Que terra lhe seja leve.
Ha aqui uma cousa que me fez impressão, é que sendo a verba tão velha, escripturada sempre pela mesma forma, é o anno passado o Sr. Mathias Nunes se lembrasse de não gostar da maneira como estava escripturada, e a proposito d'isso chamou solérte ao Sr. Ministro da Fazenda, quer dizer industrioso, caviloso, de artimanhas. Mus sendo esta verba tão antiga, e tendo S. Exa. assento nesta casa, não achou que o Sr. Espregueira fosse solérte, nem o Sr. Sebastião Telles.
O Sr. Mathias Nunes: - Eu quando fiz essa referencia não era ao Sr. Ministro da Fazenda,, era ao orçamento, porque os orçamentos não são sempre organizados pelos Ministros, e V. Exa. que estudou bem a origem d'essa verba, vê bem que ella representa um artificio de escripturação.
O Orador: - Eu estava a dar razão a V. Exa. Simplesmente o que estranhei é que só no anno passado S. Exa. se insurgisse contra esta verba, tendo ha mais tempo logar nesta Camara.
O Sr. Mathias Nunes: - Eu não entrei na discussão dos outros orçamentos. Se tivesse obtido a palavra, este anno teria muita cousa a dizer.
O Orador: - Não ha incoherencia da parte do Sr. Mathias Nunes. S. Exa. é um espirito bem definido, bem orientado, não tem nada de incoherente. A explicação dou-a eu de outro modo, e vem a ser: quando se está na minoria todos tem a boca e os olhos abertos, e quando se está na maioria os olhos estarão abertos, mas a boca está calada. (Riso}.
A secção do Arsenal tem, de ha muitos annos, uma alluvião de amanuenses que as exigencias politicas e de occasião obrigam os gabinetes a admittir.
Ha amanuenses de toda a especie: effectivos, supplentes, supranumerarios, addidos, fora do quadro, etc. São 38, não falando nos do quadro do Commando Geral de Artilharia, que são 60, o onde agora ha 2 vagas.
No anno findo figuraram no orçamento 40 amanuenses. Este anno são 38. Portanto, a tendencia do Governo é para diminuir.
38 amanuenses por 13:000$000 réis, vê-se bem que ganham pouco, mas como tambem pouco fazem... tal serviço, tal paga. Confere. (Riso).
Mas, ia eu dizendo que tudo quanto se dê ao Arsenal do Exercito é bem applicado e é pouco.
O Arsenal tem agora produzido muitos artigos necessarios para o nosso consumo que d'antes vinham do estrangeiro.
Agora com a fabrica de Chellas já temos tudo preparado para o fabrico do cartuchame para as nossas espingardas de 8 millimetros e de 6,5 e para os revolvers
Já podemos fabricar, portas a dentro? 5 a 6:000 cartuchos completos, por dia, com a polvora Barreto, ou 10:000 nas mesmas condições se apenas fabricarmos de um só typo, para a de 8 millimetros, por exemplo.
Temos no Arsenal 40:000 armas que precisam de beneficiamento.
Chamo a attenção da Camara para este ponto.
As 40:000 Kropatschek precisam de beneficiamento geral e ao mesmo tempo de se prepararem para carregar com a polvora Barreto. (Apoiados}.
Esta beneficiação e regulação da arma consiste na modificação da alça, e num protector de madeira por causa do excessivo calor que se desenvolve até ao ponto de queimar a madeira, e o atirador não poder supportar a arma na mão na occasião de apontar. Por isso precisa d'esse protector, que é uma meia cana, ou calha de madeira, interposta ao cano e ao fuste.
As armas custaram cada uma 20$000 réis e são 40:000.
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Importaram, portanto, em 800:000$000 réis. A beneficiação custa 80:000$000 réis.
Ora, com 80:000$000 réis salvar 800:000$000 réis, parece-me que é muito bom. (Apoiados).
E, pois, uma necessidade que estas 40:000 armas sejam beneficiadas (Apoiados), assim como ia se beneficiaram 6 ou 7:000.
Ainda nos faltam barracas de campanha, correame, munições e material de serviço.
Tudo isto já se tem feito e continua a fazer no Arsenal e tudo são verbas importantes que levam muito dinheiro. (Apoiados).
Ficou demonstrado que tambem não é nesta verba de material de guerra que ha desperdicio; antes, pelo contrario, é uma necessidade gastar para aproveitar.
Mas, se não ha, a meu ver, desperdicio em todas as verbas do Orçamento, porque é que tão valiosa é a verba de 6:000 e tantos contos de réis para o exercito?
É porque o exercito é, por toda a parte, uma collectividade numerosa, dispendiosa, e os meios de que se serve são extraordinariamente caros.
Por exemplo: quanto custa um tiro na infantaria? Custa 30 réis.
Para desenvolver a instrucção do tiro nacional o Governo fornece para esse fim cartuchos a 20 réis; mas, no exercito esse tiro custa 30 réis.
O tiro de peça de campanha, 9 centimetros, material Krupp, custa 7$663 réis, e a peça custa 758$520 réis. A peça de 15 centimetros, de costa, tiro rapido, custa 19:000$000 réis. A peça de 75 millimetros, de tiro rapido, custa 3:367:500 réis. O tiro da peça do 15 centimetros de praça, material Krupp, carregando com 6,5 kilogrammas de polvora, custa 20$211 réis. A peça de 15 centimetros, de costa, material Krupp, custa 3:120$000 réis, e o seu tiro custa 26$986 réis, carregando com 8 kilogrammas de polvora, a 500 réis cada kilogramma. A peça de 28 centimetros, de costa, Krupp, custa 28:000$000 réis, e o seu tiro, repare bem a Camara, custa 120$000 réis!
É um bonito tiro feito com 45 kilogrammas de polvora, pesando a granada 223 kilogrammas de aço, valendo 94$800 réis.
É caro?
Não, é um ovo por um real; porque pode muito bem succeder que só um tiro d'esta natureza, faça a gloria de uma bandeira, a autonomia de uma nação.
Se o almirante Cervera, no gargalo de Santiago de Cuba, tivesse tido a sorte de acertar em cheio, à piem fouet, meia duzia de tiros d'estes, o desastre para a pobre Hespanha não teria sido o que foi.
Parece-me, pois, que, do discurso do Sr. Oliveira Mattos, a algumas cousas tenho respondido; mas, outras ha a que não posso responder.
Falou S. Exa. nas carteiras quebradas pelo Sr. Deputado Arroyo. Não sendo d'esse tempo, nada tenho com isso.
Quanto ao orçamento, eu garanto a S. Exa. que, ao contrario do que S. Exa. disse, nelle não ha embrulhada.
Se S. Exa. fosse um profissional, um technico, teria a confirmação. d'isto.
Ha, pelo contrario, uma boa orientação que, oxalá, perdure, para o futuro, na confecção de todos os orçamentos da guerra.
Não tenho tempo para o demonstrar minuciosamente, mas posso assegurar que o Orçamento foi confeccionado com todo o rigor, e nelle não ha nem mystificações nem embrulhadas.
Disse S. Exa. ter-lhe custado muito encontrar o que desejava, no orçamento.
Me admira, porque não é profissional.
Alem d'isso, como a primeira proposta d'este orçamento estava ordenada em relação a 31 de outubro, como devia ser, necessario foi refundi-la, quasi completamente, porque os decretos da remodelação dos serviços do Ministerio da Guerra são de data posterior áquella.
Assim, por exemplo, antigamente havia 8 regimentos de cavallaria, hoje são 10 com organização differente.
Diz o Sr. Oliveira Mattos que a commissão augmentou a proposta inicial; assim é, com relação, por exemplo, á verba da instrucção das tropas activas e l.ª reserva, do Arsenal, e outras; mas, ainda assim, esse augmento não chega para as necessidades do serviço, sendo só para lamentar que o Thesouro não permitta maior expansão.
O illustre Deputado tambem prevê que, no futuro, ha de haver um credito especial, para adquirir as crias, como S. Exa. pittorescamente chama ás unidades a constituir, mas essa acquisição ha de ir fazendo se, á medida que as circumstancias do Thesouro o forem permittindo, como determina o respectivo decreto.
Tambem S. Exa. se referiu á impertinente base 17.ª, e disse que ella lhe matou o bicho do ouvido.
Nada tenho com isso.
Referiu se igualmente S. Exa., ao nosso collega Sr. Margarida e pediu a S. Exa. que dissesse aos homens da sua terra ler ouvido um Deputado, neste deserto do Parlamento, bradar contra as corujas que no exercito bebem o azeite.
É um bello trecho de rhetorica que em si mesmo, tem a resposta.
Depois de se ter dirigido ao Sr. Ministro da Fazenda, a proposito da Guarda Fiscal, falou S. Exa. de um certo funccionario aposentado, que foi nomeado administrador do concelho. Sobre isso não respondo a S. Exa. Não sei quem é, não conheço o assumpto nem o funccionario, e alem d'isso não costumo metter-me na vida alheia. (Riso).
Quanto ás escolas regimentaes, estou plenamente de acordo com o que S. Exa. disse.
Relativamente aos serviços de saude, já demonstrei que elles são insufficientemente dotados.
Falou, depois, o Sr. Oliveira Mattos nas luzes, illuminação á giorno, azeite e petroleo. Ora, a esse respeito, devo dizer a S. Exa., em primeiro logar, que a illuminação nos quarteis não se faz a azeite, a não ser nas fachadas dos quarteis, em occasião de festa nacional, e de gala.
De resto, a illuminação é a gaz e a petroleo.
O gaz encareceu; e está presente o Sr. Centeno, que pode explicar o motivo por que o gaz é peor e mais caro. Consta-me que S. Exa. é um dos directores da Companhia do Gaz, e por isso pode S. Exa. explicar o facto de estar mais caro o gaz, e todos dizem que não é bom.
Diz o Sr. Oliveira Mattos que a verba da illuminação nos quarteis é exhorbitante: uma das causas d'isso é o gaz ter encarecido, por ter encarecido o carvão, o agio do ouro, a mão de obra, etc.
O Sr. Antonio Centeno: - V. Exa. dá-me licença? Eu aqui, sou Deputado da nação, não sou director da Companhia do Gaz.
O Orador: - Perfeitamente de acordo; eu cito apenas um facto, e faço a interrogação: porque está hoje o gaz mais caro?
Aqui está, portanto, uma das origens do encarecimento da illuminação dos quarteis.
Alem d'isso, o petroleo encareceu tambem. Todos sabem que este producto ha poucos annos só vendia a 90 réis, e hoje está a 100 e tantos réis.
Mas, Sr. Presidente, a verba de illuminação, nos quartéis, não é só de gaz, petroleo e azeite. Ha muitas outras cousas que d'ella fazem parte; torcidas, concertos nos candeeiros, bocaes, vidros, etc.: e tudo isto faz parte da verba -illuminação, e consta das respectivas livranças, devidamente documentadas. Se bem se fiscalizar esta verba, ver-se-ha que não ha desperdicio, e ha, até, umas pequenas sobras que o coronel do regimento, como boa
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ménagère, aproveita, para mandar fazer pequenos concertos necessarios, vidros em janellas, evitando assim troca de correspondencia a solicitar orçamento, verba, etc., que tudo é moroso e ficava mais caro ao Estado.
É isto esbanjar? Não; é administrar bem.
Nisto não ha fraude, isto é administrar bem. (Apoiados}.
O Sr. Presidente: - Passou a hora regimental V. Exa. tem um quarto de hora para terminar as suas considerações.
O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. Vou já terminar.
Vamos agora á questão dos pombaes.
O Sr. Oliveira Mattos tirou effeitos rhetoricos d'este assumpto e disse que se gastava 1:000$000 réis em milho
Não é assim.
A verba que está no orçamento não é só para milho é para tudo que se refere aos pombaes militares, é para treinamento dos pombos correios, transporte de gaiolas expediente dos pombaes, ninhos, cuidados hygienicos, em fim, é para tudo que pode dizer respeito a este ramo de serviço.
Devo dizer tambem que esta verba é nova no orçamento, o que mostra que tambem neste ponto elle é mais aperfeiçoado que tem vindo ao Parlamento.
Ha vinte annos que temos pombaes militares, institui dos pelo venerando general João Chrysostomo de Abreu Sousa.
Nos orçamentos anteriores não havia verba para pombaes militares, e não sei de onde saia essa despesa annual.
Entre gastar certas quantias a occultas e dizer a verdade, eu vou por dizer a verdade. (Apoiados}.
É nova a verba, mas é bom que tudo seja escripturado no orçamento.
Sr. Presidente: eu estou fatigado, e, por isso, vou ter minar as minhas considerações, mas antes, permitta-me Camara que eu faça uma declaração.
Se me encarreguei do estudo e defesa do orçamento do Ministerio da Guerra, foi não só para corresponder muita amabilidade e honra do Sr. Ministro da Guerra, convidando-me para o fazer, mas tambem porque já previamente sabia que este orçamento se podia defender, com calor o convicção, sem sophisma nem mentir. (Apoiados}.
Sou politico, estimo muito o meu partido, muito estimo os meu correligionarios, mas não sou tão fanatico pela politica, porque não preciso d'ella para nada, e sem a qual muito bem passo, para ir até ao ponto de me enxovalhar, mentindo por causa d'ella.
Faço sempre a diligencia de só dizer o que sei, e saber o que digo, e quando não sei, ou não estou convencido, prefiro a commoda situação de estar calado.
Se defendo o nobre Ministro da Guerra é porque sou seu admirador, embora o mais humilde, e porque conheço ha muito tempo os altos serviços que S. Exa. tem prestado á instituição a que tenho a honra de pertencer. (Apoiados}.
Muitos Ministros da Guerra teem havido, muitos titulares teem passado por aquella pasta, e todos elles teem prestado serviços relevantes ao exercito, mas entre tantos, tres ha que se distinguem de maneira notavel, verdadeiramente perduravel.
São elles: Fontes Pereira de Mello, Conde do S. Januario e Pimentel Pinto.
A demonstração d'esta these dava materia substanciosa para muitos discursos, e todos sinceros e justos de fio a pavio.
Sr. Presidente: é que os grandes homens, os homens de rasgada iniciativa, numa cousa acho ou que se parecem com as estatuas; isto é, para serem verdadeiramente admirados, devem occupar o seu logar. Ora, o logar do Sr. Pimentel Pinto, na politica e no chefe do exercito, é aquelle; é o Ministro da Coroa, é o exercito.
Está no seu logar!
Logar que lhe compete por direito de merito e por direito de conquista partidaria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado}.
A moção foi admittida.
O Sr. Dias Ferreira: - Não deseja discutir, precisamente, o orçamento do Ministerio da Guerra, embora se julgue com direito a fazê-lo, porque, reputa todos os membros da Camara habilitados a entrar nesta discussão, com quanto não sejam da especialidade. Não pode, por isso, concordar com as palavras do Sr: Ornellas, quando alludiu ao facto de ter o Sr. Oliveira Mattos intervindo neste debate, não tendo pratica dos negocios militares.
Para elle, orador, quem tem talento e estuda, pode caminhar mais depressa ou devagar, mas pode entrar em todas as questões. Tanto assim é que ha militares, que são distinctos em negocios civis, e ha civis que são distinctissimos em negocios militares.
Portanto, para que estar-se a averbar incompetencia a uns e a outros? Basta citar, em contrario da opinião do Sr. Ornellas, a França, nação militar, que teve, como Ministro da Guerra, durante muito tempo, Freycinet, que não era militar.
Em Portugal, mesmo, Vieira de Castro foi um dos melhores Ministros, que nós tivemos, e, no entanto era padre.
Se amanhã for necessario pôr todas as cousas nos seus eixos, ha de ser um engenheiro quem ponha a direito o Ministerio das Obras Publicas? Certamente que não, porque não teria coragem para isso.
Portanto, a questão toda é de ter bom senso, talento, patriotismo e mais ou menos consciencia, porque hoje, nikil novum sub solo est.
O seu fim, pedindo a palavra, é dirigir algumas considerações ao Sr. Ministro da Guerra, com o intuito de ver se é possivel, uma vez que se trata de attender a todas as classes, attender, tambem, ao povo.
Se não parecesse mal, elle orador, pediria tambem alguma cousa para este, supplicando que não o opprimam, não o vexem, que lhe saquem, embora, o que elle tem, mas, ao menos, com humanidade.
Em seguida refere-se o orador ao decreto de 1895, e respectivo regulamento, sobre direitos de servidão, apontando os defeitos que essa lei traz na pratica.
Abstrahindo de todas as considerações que sobre o assumpto podem ser feitas, fazendo mesmo aos Ministros que teem occupado a pasta da guerra a justiça de acreditar que elles, no meio de tanta papelada que assignaram, não teem conhecimento de grande numero de exigencias que se fazem em virtude d'aquelle regulamento; o que pede ao Sr. Ministro da Guerra, é que se dispensem os proprietarios que cabem sob a alçada do mesmo regulamento, dos innumeros vexames, altamente dispendiosos a que estão sujeitos.
Mantenha-se muito embora a prohibição dos 3 kilometros, que não discute agora é ou não constitucional, comquanto lhe pareça que não é; mas faça-se isto que é inteiramente justo.
É isto o que tinha a dizer, e o que pede ao Sr. Ministro da Guerra, que certamente não vem preparado para responder sobre este ponto, é que diga á Camara se consente em tornar menos vexatorios e menos dispendiosas as exigencias a que se refere.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Vou fazer a diligencia de responder, precisamente, á pergunta que o illustre Deputado, Sr. Dias Ferreira, me fez; mas
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antes, devo disser que estou, perfeitamente, de acordo com S. Exa. na affirmação de que, quem tem talento e estuda, pode entrar em todas as questões e discutir todos os assumptos.
D'isso mesmo deu S. Exa. a prova discutindo uma questão militar com toda a proficiencia.
Disse o illustre Deputado que apesar do que se gastava com o exercito, os officiaes da fileira estavam mal remunerados. (Apoiados).
O que S. Exa. disse representa o meu pensamento, e agradeço ao illustre Deputado, o Sr. Dias Ferreira, a sua animação, com a qual estou perfeitamente de acordo.
Repito, a affirmação de S. Exa. tem uma grande importancia, por ser feita por quem tem uma tão alta posição na nossa politica e por ser da maior justiça. Por estes motivos, muito estimo que tal affirmação fique nos annaes parlamentares.
Dito isto, entrou S. Exa. propriamente no assumpto para que pedira a palavra, e esse assumpto é a lei de servidão e o sou regulamento, publicado para regular essa lei.
A lei de servidão, que foi promulgada por decreto de 1895, é realmente muitissimo rigorosa e muitissimo exigente e ainda assim os rigores e exigencias d'essa lei são muito inferiores áquella que serviu de base a essa lei.
A nossa lei não é copia, mas é imitação da lei allemã que regula o assumpto.
D'essa lei allemã houve muito, porem, que cortar e que diminuir e as suas exigencias foram reduzidas a metade.
S. Exa. tem razão dizendo que essa lei tem pesados encargos para o proprietario e que é uma lei muito dura.
O regulamento a que se referiu o illustre Deputado não é da responsabilidade do partido regenerador, foi publicado por um meu antecessor, o Sr. Francisco Maria da Cunha.
Dizendo, como acabo de dizer, que o decreto de 1895 tem exigencias severas, de mais me corria a obrigação de trilar á Camara qualquer proposta modificando o decreto de 1895.
Foi isso que fiz no anno passado, trazendo á Camara uma proposta de lei, e renovando já este anno a iniciativa d'essa proposta.
Se o Sr. Dias Ferreira tivesse apresentado idéas para melhorar e modificar a lei, mereceriam tambem a approvação da Camara, ou não tinha chegado a apresentar-se á Camara e tinha sido modificada.
S. Exa. encolheu a discussão do orçamento para tratar d'este assumpto, no que tinha todo o direito.
O que pouso affirmar a S. Exa. é que, se não tomei qualquer resolução sobre a proposta de lei que apresentei á Camara o anno passado, foi porque esperava uma resolução da Camara a este respeito.
A proposta, cuja iniciativa renovei este anno, já foi discutida na commissão de guerra e em breve será mandado para a mesa o parecer da commissão sobre essa proposta, que foi modificada e melhorada, fazendo se o onus de servidão, como está estabelecido na lei vigente, que é de 1895.
Em relação ao regulamento o illustre Deputado comprehendo que não é da minha responsabilidade, e não estou preparado hoje para vir dizer se esse regulamento pode ou não, deve ou não ser modificado.
A maior parte das exigencias do regulamento, a que S. Exa. se referiu, são exigencias que se fazem tambem em relação aos caminhos de ferro, nas zonas de servidão, e estão perfeitamente em harmonia com as exigencias que ha um outras estações.
Por exemplo, na Camara Municipal não se pode pedir uma licença para construir, sem se fazer acompanhar de uma planta dos terrenos onde se quer edificar.
Tambem na Conservatoria, para a inscripção de um predio, é necessaria uma planta.
Agora só a planta é em duplicado, se ó ou não caro o processo, e se são precisos dois traslados da escriptura, sempre que de nenhum modo sejam prejudicados os interesses do Estado, farei o que puder nessa orientação.
Creio ter respondido ao illustre Deputado o Sr. Dias Ferreira (Apoiados), fazendo a promessa formal, não de resolver o assumpto, mas de o estudar, a fim de poder resolvê-lo do modo a conciliar os interesses do Estado com os dos proprietarios.
Agora não posso deixar de referir-me a algumas palavras proferidas pelo Sr. Relator do orçamento do Ministerio da Guerra.
S. Exa. mandou-me um memorial pedindo-me que pensasse na instrucção elementar das praças de pret, conferindo-a aos com mandantes das companhias, merecendo estas palavras muitos applausos da Camara.
O memorial vem tarde, por isso que tendo o Sr. Capitão Homem Christo tirado resultados verdadeiramente extraordinarios, o anno passado, da instrucção por elle ministrada ás praças de pret, eu não ordenei, mas convidei todos os commandantes das companhias a seguirem esse caminho.
Tenho pago todas as despesas que me teem sido pedidas para o desenvolvimento da instrucção, podendo affirmar que um grande numero de companhias imitaram o exemplo do Sr. Homem Christo, com o que muito se tem aproveitado.
Antes do terminar quero ainda referir-me a outro ponto.
O illustre Deputado o Sr. Pessanha, interrompendo o illustre relator da commissão, disse que eu me tinha esquecido de melhorar as condições dos quadros dos officiaes inferiores do exercito.
É certo que nada fiz, e nada devia fazer, porque quando entrei para o Ministerio tinha sido votada uma lei de readmissão, em que se tinham estabelecido condições que julgo justas e razoaveis.
Não é quando apenas tem decorrido dois annos depois que foi votada essa lei, que ella devia ser alterada. No entanto, estou de acordo com S. Exa. o estimo poder dizer que, logo que o possa fazer, não descurarei esse assumpto, que julgo importantissimo para o desenvolvimento das nossas instituições militares.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(S. Exa. não reviu}.
O Sr. Francisco José Machado: - O sen fim ao pedir a palavra, é fazer algumas observações com relação ao orçamento do Ministerio da Guerra, e responder a alguns dos argumentos apresentados pelo Sr. Costa Ornellas, a quem felicita sinceramente e com quem está de accordo em muitos pontos, como demonstrou já, acompanhando o discurso de S. Exa. com alguns apoiados.
A discussão tem corrido serenamente e com toda a placidez; tanto basta para se reconhecer quanta razão teve, quando protestou contra a lei eleitoral de 1895, que pôs fora do Parlamento os officiaes do exercito, sob o falso pretexto de que a disciplina podia ser affectada com a permanencia d'esse elemento na Camara.
É opinião sua, e bastantes vezes a tem defendido, que não se deve fazer politica com o exercito, porque o exercito não é d'este ou d'aquelle partido, mas de toda a nação.
Nestes termos, pode entrar afoutamente na discussão do orçamento da Guerra.
Entende que o Sr. Ministro da Guerra se apressou de mais em reformar a obra do Sr. Sebastião Telles. Parece-lhe que foi cedo para só avaliar dos effeitos d'essa obra, mesmo porque, era assumptos militares, não é conveniente reformar muito a meudo.
Já assim pensava Fontes Pereira de Mello, que é auctoridade que se pode citar em assumptos militares.
É certo que o deficit resulta, em grande parte, das des-
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pesas com o exercito; no entanto, é bom que o país saiba que não se gasta ainda tanto quanto é preciso gastar-se, para que o nosso exercito possa acompanhar os progressos das outras nações.
Podia, talvez, gastar-se com mais economia. É por isso que discorda de algumas das reformas do Sr. Ministro da Guerra. Certamente que não se gastaria tanto, se antes de se pensar em fortificações se pensasse em dotar o exercito de armamento apropriado, visto que o que elle possue está já antiquado e muito gasto.
Muitas considerações desejaria fazer sobre este assumpto, mas o Regimento não lhe permitte divagações e por isso vae, o mais rapidamente possivel, responder a alguns dos argumentos apresentados pelo Sr. Costa Ornellas.
Começa por declarar que não concorda com a estranheza que a S. Exa. causou o facto de ter entrado na discussão do orçamento da guerra o illustre Deputado, Sr. Oliveira Mattos, porque não só S. Exa. não apreciou technicamente a questão, mas ainda porque, por exemplo, nas reformas militares de Fontes em 1884 os mais notaveis oradores que sobre ellas se pronunciaram não eram militares.
Basta pegar no orçamento em discussão para se ver que o Sr. Ministro da Guerra augmentou a despesa e era inevitavel que a augmentasse, desde que pensou em fazer a sua reforma; crê, porem, que S. Exa. não faria tal se os seus collegas lhe não dessem constantemente o exemplo de taes augmentos.
O calculo feito pelo Sr. Ministro, porque a commissão apenas eleva algumas verbas, deve andar muito proximo da verdade; entretanto ha verbas que são muito exiguas e que evidentemente não chegam para os serviços a que se destinam.
Uma d'ellas é a verba de 60 contos para quarteis.
Neste ponto deve até dizer que não recusaria o seu voto ao Sr. Ministro da Guerra se S. Exa. pusesse em execução a lei que o auctoriza a contrahir um emprestimo destinado á construcção de quarteis.
Muito tem ainda que dizer, mas não quer a responsabilidade de demorar a votação do orçamento que se discute, e por isso, e para terminar, trata da questão, para elle, orador, magna, a questão do limite de idade.
E não quer dizer que o Sr. Ministro da Guerra não fizesse bem em promulgá-la, porque o exercito está contente, a promoção faz-se mais rapida e os que estão mais em baixo esfregam as mãos de contentes quando algum seu collega é attingido por este limite.
O país tambem não acha mau, porque paga e não se queixa, de maneira que só o que se prejudica é o prestigio da instituição, porque essa disposição dá logar ao extraordinario egoismo que se está revelando no exercito.
O orador faz ainda largas considerações sobre este assumpto, e lê depois a seguinte
Proposta
Proponho que nos limites de idade estabelecidos pela carta de lei de 13 de maio de 1896, se faça a seguinte alteração:
Generaes de divisão, 70 annos.
Generaes de brigada, 67 annos.
Officiaes superiores, 64 annos.
Alferes, tenentes e capitães, 60 annos. = F. J. Machado.
Esta emenda, accrescenta o orador, é a unica que apresenta. Acceitando-a o Sr. Ministro, ficará salva muita gente.
Como se vê, a emenda mantem o limite maximo, mas modifica os outros.
Faz votos, em nome dos officiaes que em breve vão ser attingidos pela lei de 1896, para que S. Exa., com o seu grande coração, se condoa da situação d'estes officiaes.
Lida na mesa, foi a proposta admittida e enviada á commissão.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as respectivas notas tachygraphicas).
O Sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto.
Leu-se na mesa a moção ao Sr. Ornellas, e foi approvada.
O Sr. Presidente: - Vae ler-se o orçamento do Ministerio da Guerra para ser votado.
Leu-se e foi approvado.
O Sr. Presidente: - A proxima sessão é hoje, á noite, devendo a primeira chamada ser feita ás 8 horas, e a segunda ás 8 horas e meia. A ordem da noite é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram 2 horas e 20 minutos da tarde.
Documentos mandados para a mesa nesta sessão
Representações
Dos empregados da secretaria do Governo Civil do districto de Evora, pedindo melhoria de vencimento.
Apresentada pelo Sr. Deputado Reis Torgal, e enviada com urgencia á commissão do orçamento.
Dos officiaes de diligencias das administrações de diversos bairros e concelhos do reino, pedindo melhoria de situação no seu vencimento.
Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara José Joaquim de Sousa Cavalheiro, enviada ás commissões de administração publica, ouvida a de fazenda, e mandada publicar no Diario do Governo.
Dos distribuidores supranumerarios do concelho de Faro, pedindo que lhes seja mantido o direito a serem promovidos a terceiros distribuidores.
Apresentada pelo Sr. Deputado Agostinho Lucio e enviada á commissão de obras publicas.
Dos amanuenses da secretaria da Penitenciaria Central de Lisboa, pedindo melhoria nos seus vencimentos.
Apresentada pelo Sr. Deputado Agostinho Lucio e enviada á commissão do orçamento.
Declarações
Declaro que deitei na caixa um requerimento em que o tenente-coronel reformado José Joaquim Ferreira pede que lhe seja concedida melhoria de reforma no posto de coronel. - Mario Monteiro.
Para a acta.
Tenho a honra de communicar a V. Exa. que lancei na caixa de petições quarenta e oito requerimentos individuaes dos escreventes de 1.ª e 2.ª classe do Arsenal da Marinha, solicitando melhoria de vencimentos. - O deputado, Augusto Claro da Ricca.
Para a acta.
O redactor - Barbosa Colen.
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APPENDICE Á SESSÃO N.° 41 DE 20 DE MARÇO DE 1902 15
Discurso proferido pelo Sr. Deputado José Dias Ferreira, que devia ler-se a pag. 11 da sessão n.° 41 de 20 de março de 1902
O Sr. José Dias Ferreira: - Não discuto, decerto, nem a competencia dos paisanos para apreciar as causas do Ministerio da Guerra, nem a competencia dos militares para o exame das questões civis, pois que officialmente nesta casa todos são iguaes sob qual quer ponto do vista politico.
Quando ha pouco eu entrava nesta sala, a palavra nitida e fluente do illustre Deputado, que acaba de falar, metteu-me nos ouvidos a declaração de que o orador que o precedera, se atirara, largamente ao orçamento do Ministerio da Guerra, não sendo aliás militar.
Ora para entrar nas questões não são precisas habilitações especiaes. Basta talento e criterio; e o orador que me precedeu é exemplo vivo de quanto podem ser distinctos os militares na discussão de assumptos civis.
E a quantos paisanos tenho eu ouvido discutir com a maior proficiencia o orçamento do Ministerio da Guerra!
A França, ainda ha poucos annos, teve um Ministro da Guerra distincto, Mr. Freycinet, que não era militar.
Entre nós, é quasi sempre um bacharel que vae para a pasta da marinha, e do Padre Vieira de Castro conta-se que foi um dos melhores Ministros da Marinha.
O que é preciso, é ter talento e tino, quer para discutir quer para gerir os negocios. O bom senso prevalece muitas vezes sobre os conhecimentos technicos.
Mas eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para fazer algumas considerações relativas ao Ministerio da Guerra, contando com a devida attenção do Sr. Ministro.
Quero referir-me á servidão estabelecida pelo Ministerio da Guerra em 1895 em toda a região marginal do Tejo, desde o forte de Sacavem até á Torre de S. Julião, e do Oceano Atlantico desde a Torre de S. Julião até Cascaes, como ao sul na região banhada pelo Oceano Atlantico, desde a Trafaria até á Costa como em todos os pontos do país nas proximidades de fortificações militares.
Decretou o Ministerio da Guerra ditatorialmente uma servidão sobre terrenos, particulares, até 3:000 metros que não podia ser constituida sem auctorização ou indemnização dos donos dos predios.
Não venho agora pedir que se respeite o dominio privado que será isso perder o meu tempo. Venho apenas reclamar humanidade no exercicio d'essa espoliação. (Apoiados).
A lei geral de expropriações de 23 de julho de 1850, que veiu regular o artigo da carta que não permitte tocar nos direitos de propriedade, senão em caso de manifesta utilidade publica e mediante indemnização previa, deixou para decreto especial a forma de proceder nas expropriações necessarias para occorrer aos perigos imminentes por occasião de incendio, naufragio, inundações, obras de fortificações, ou defesa de mar e terra, e mais casos semelhantes, que não admittam demora; e nestes casos semelhantes, apesar de não especificado, deve incontestavelmente comprehender-se o de salubridade publica.
Nas circumstancias geographicas, e politicas, e nas condições internacionaes da actualidade, não seria decerto pelas fronteiras de mar que nós correriamos o risco de ser invadidos.
Foi pelas fronteiras de terra que sempre vieram os nossos inimigos armados a quem poderiamos oppor resistencia.
Mas desde que em Portugal o executivo é o senhor do país, eu já não pugno, porque seria inutil, pelos direitos de propriedade, e contentava-me com que ao proprietario fosse permittido construir sem as mil difficuldades e sem os onerosos vexames a que hoje, está sujeito, ainda que se tratasse só da construcção de uma barraca para guardar um cão ou da construcção de uma nora para tirar agua de um poço.
Precisamente nos pontos em que as edificações poderiam desenvolver-se com mais proveito para a riqueza publica e particular é que pesam os interdictos do Ministerio da Guerra.
E estes interdictos não poderão levantar-se tão depressa em presença das aspirações guerreiras que ultimamente teem surgido.
De sacrificios desnecessarios é que poderiam ser dispensados os contribuintes. E é só isso que eu peço.
Hoje nos tres kilometros adjacentes ás fortificações não pode o proprietario construir nem uma pequena casa para um cão de guarda, ou para recolher gallinhas, sem licença do Ministerio da Guerra.
Mas mais vexatorio que a licença são as exigencias para a concessão da licença.
Chega a ser phantastico o que o Ministerio da Guerra exige para dar licença ao proprietario para a mais ligeira construcção dentro da sua propriedade.
O Ministerio da Guerra assumiu uma opposição superior á constituição e ás leis.
Todos os poderes politicos do Estado estão á mercê d'aquella repartição.
Pouco importa para os effeitos praticos que votemos aqui um caminho de ferro com determinada directriz, que a nossa deliberação seja confirmada pela outra casa do Parlamento, sanccionada pelo Rei, e publicada na Folha Official. Se o Ministerio da Guerra não der o seu beneplacito, o caminho de ferro não se fará, ou não se fará com a directriz approvada por lei.
Ahi vão as exigencias a que estão sujeitos os proprietarios que quiserem fazer alguma construcção ou um simples movimento de terra nos predios de que o Ministerio da Guerra se declarou dono taes como se encontram na portaria de 5 de abril de 1898.
Para conseguir a licença será preciso nalguns casos gastar meses ou annos e despender centos de mil réis, quando com um pouco de boa vontade, e alguma contemplação com os direitos e commodidades do povo, tudo o que o Governo quer se poderia fazer com menos de 1$000 réis e dentro de 48 horas.
Já não me atrevo a pedir, repito, ao Governo que restitua ao proprietario a propriedade de que se lhe apossou. Peço apenas caridade e não direitos para o proprietario a quem quiserem dar licença para uma construcção no que é seu.
Se o Ministerio da Guerra quer um testemunho solemne e publico da sua auctoridade sobre a propriedade alheia, imponha-lhe um tributo, ou sob a forma de contribuição predial ou sob a forma de sêllo ou por qualquer outro modo.
Mas não o sujeite a formalidades tão vexatorias como inuteis.
Começa assim a portaria:
«1.º Os documentos que devem acompanhar os requerimentos de licença para obras, nas zonas da servidão militar das fortificações, são:
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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
a) Planta geral, era escala não inferior a 1/1000, indicando a situação da obra em relação ao predio em que ella se projecta, e, sendo necessario, aos predios vizinhos, planta que deverá indicar os nomes do concelho, freguesia o logar, e a direcção do meridiano magnetico;
b) Planta e alçado da construcção em escala, não inferior a 1/2000, indicando a natureza dos materiaes de construcção, a espessura das paredes, a altura dos soccos de alvenaria, havendo-os, e bem assim do espigão da cobertura;
c) Certidão do que constar da matriz predial acêrca do predio;
d) Certidão da descripção o inscripção do predio na conservatoria privativa do registo predial, ou do que o predio, se não acha descripto na dita conservatoria».
É com esta planta a primeira despesa a fazer, despesa que é tão escusada, como pode ser avultada.
Tem de formar-se um processo que custa dinheiro como outro qualquer e que mal poderá organizar-se sem a intervenção de advogado ou de solicitador.
Nem as edificações por mais grandiosas que sejam impedirão os fortes portugueses de metter no fundo do mar os couraçados ingleses ou americanos.
Para que será necessario certidão do que consta da matriz predial acêrca do predio?
Para que quererá o Ministerio da Guerra saber o rendimento dos predios?
Como pode o rendimento da propriedade influir nas condições de defesa do país?
É uma certidão que obriga a despesas com sellos e com emolumentos alem das inevitaveis demoras no nosso serviço official.
Não é uma exigencia para utilidade dos fortes. E uma exigencia para vexame e onus do contribuinte.
A certidão da descripção e da inscripção é tambem para vexar o proprietario. No mesmo caso estão os desenhos que hão de ser apresentados em triplicado, senão um exemplar, pelo menos, em papel tela, e todos com o sêllo que a lei exige!
São tambem para vexar e para aggravar as despesas as seguintes exigencias:
«Poderá exigir-se ao requerente a apresentação dos titulos da propriedade, quando os documentos juntos ao requerimento não sejam julgados sufficientes, especialmente quando não tenha apresentado a certidão da descripção e inscripção na matriz predial, e a licença haja de ser concedida sob condições que obriguem o proprietario
«Quando a licença seja requerida pelo usufructuario ou pelo arrendatario de um predio exigir-se-ha documento comprovativo da annuencia do proprietario, o qual terá de intervir no titulo da licença, quando esta seja concedida, sob clausulas que possam obrigá-lo».
Mas depois de tudo isto vem ainda, para obrigar o proprietario a grandes desembolsos, as seguintes inutilidades com relação aos interesses da propriedade:
«Nas escripturas publicas de concessão de licença far-se-ha menção: do documento pelo qual tiver sido nomeado, para intervir nesse acto, o official de engenharia, como delegado do respectivo inspector; do documento em que se acharem exaradas as clausulas da concessão; e bem assim dos desenhos a que se referem as disposições precedentes, quando os haja, declarando que o exemplar em papel tela, depois de assignado pelas partes, vae ser archivado na 3.ª repartição do commando geral de engenharia, para d'elle se extrahirem as copias que de futuro forem necessarias.
«Este exemplar dos desenhos depois de assignado pelas partes em cada uma das suas folhas, será remettido em acto continuo á inspecção de engenharia respectiva pelo official seu delegado e remettido em seguida pela dita inspecção ao commando geral de engenharia.
«Os concessionarios são obrigados a entregar ao governador ou commandante militar que tiver autorgado nella, dois traslados da escriptura publica de concessão dentro do prazo de um mês, a contar da data da mesma escriptura. Este governador ou commandante enviará desde logo um dos traslados ao commandante geral de engenharia, e, depois de ter archivado uma copia do outro, remettê-lo-ha ao commando da respectiva divisão militar, acompanhado de um exemplar dos desenhos apresentados anteriormente com o seu requerimento pelo concessionario.
«Se o governador ou commandante que tiver outorgado na escriptura de licença for subordinado ao governador de outra fortificação, será remettido o segundo traslado a este ultimo que, depois de ter archivado uma copia d'elle, remetterá em traslado ao commando da respectiva divisão militar.
«Quando a licença haja de ser concedida por meio de auto publico, lavrado na secretaria do Governo ou commando de uma fortificação, far-se-hão as referencias ao documento e desenho acima especificados, devendo ficar appensas copias authenticas d'esses documentos.
«Quando se tratar de obras ou alterações permanentes, o auto será lavrado em duplicado, e ambos os exemplares, com os respectivos appensos, serão sellados nos termos da lei.
«O governador ou commandante que outorgar no auto, remetterá desde logo ao commando geral do engenharia o exemplar que tiver os desenhos em papel em tela, e, depois de archivar a competente copia, enviará o outro exemplar ao commando da respectiva divisão militar.
«Se o governador ou commandante estiver subordinado a outro governador, proceder-se-ha pelo que respeita a este ultimo exemplar e suas copias, pelo modo indicado no § unico da disposição 6.ª
«Quando se tratar de obras ou alterações de caracter transitorio, taes como abarracamentos para feiras annuaes, excavações para concerto de encanamentos existentes, depositos temporarios de materiaes, installação de machinas moveis para trabalhos de pequena duração, etc., lavrar-se-ha um só exemplar original do auto de concessão da licença e proceder-se-ha, em seguida pelo modo indicado nos paragraphos precedentes, remettendo-se, porem, ao commando da divisão militar, em vez do exemplar original, uma copia do auto, devidamente authenticada pelo governador ou commandante da fortificação.
«Correrão por conta do concessionario as despesas com escripturas, traslados e sellos a que se referem as disposições precedentes».
Não venho, como já disse, discutir o ponto constitucional se o Governo podia ou não fazer o que fez.
Eu limito-me a perguntar ao Sr. Ministro da Guerra se está na resolução de manter a disposição draconiana da servidão dos 3:000 metros, em volta dos fortes e sobretudo de conservar o processo vexatorio e dispendioso a que o contribuinte tem de sujeitar-se para usar do seu direito de propriedade.
Não me preoccupa a circumstancia de haver analoga disposição em legislação estrangeira, pois que havemos de regular-nos pelas leis do país.
Repito que em todo o caso não é esta a occasião propria para falar na restauração das liberdades do povo, e por isto não tomo mais tempo á Camara.
Desejo apenas saber, se o Sr. Ministro da Guerra está disposto a ter caridade com o proprietario, e a alliviá-lo de encargos que teem tanto de vexatorio para o contribuinte, como de inuteis para o Estado.