O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

N.º 43

SESSÃO DE 18 DE DEZEMBRO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Lida a correspondencia, o sr. João Arroyo apresenta uma representação sobre modificações em artigos da pauta. - O sr. Manuel de Arriaga, depois de agradecer o voto de sentimento pela morte do sr. Latino Coelho, faz uma declaração do interpellação ao governo sobre a marcha reaccionaria que vae tomando a direcção do estado, e discursando sobre outros assumptos termina por mandar para a mesa diversos requerimentos.- O sr. José Julio Rodrigues manda para a mesa, para serem depositados na secretaria da camara, diversos documentos.- O sr. Luciano Cordeiro apresenta duas representações de proprietarios de officinas de sedagem de linho.- O sr. Miguel Dantas justifica as suas faltas.- O sr. Fuschini apresenta um documento do capitão Francisco de Paula Botelho; queixa-se de lhe não serem remettidos diversos documentos, e discursa censurando varias providencias do sr. ministro da fazenda.
Na ordem do dia continua a interpellação do sr. José Julio Rodrigues ao sr. ministro das obras publicas, concluindo o interpellante o seu discurso.- Principia a responder-lhe o sr. ministro das obras publicas.- O sr. ministro da fazenda apresenta, antes de fechar a sessão uma proposta de lei sobre a avença com as fabricas productoras de alcool.- O sr. Francisco Machado queixa-se da exoneração do administrador de Moimenta da Beira, e chama a attenção do sr. ministro da justiça para a inspecção de todos os actos religiosos que o imperante tem com o direito de circa sacra.- Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 44 srs. deputados. São os seguintes:- Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio do Azevedo Castello Branco, Antonio Maria Cardoso, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Maria Fuschini, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco José Machado, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, João Alves Bebiano, João Eduardo Sotto Maior de Lencastre e Menezes, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu de Couto Amorim Novaes, José Antonio de Almeida, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Simões Dias, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs,:- Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Jalles, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Elvino José de Sousa e Brito, Feliciano Gabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, João de Barros Mimoso, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José de Azevedo Castello Branco, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Paulo Monteiro Cancella, José de Sampaio Torres Fevereiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Pinheiro Chagas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Tito Augusto de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio José Pereira Borges, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Maximo de Almeida Costa e Silva, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Aristides Moreira da Mota, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Correia Arouca, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Lobo de Santiago Gouveia, João de Sousa Machado, Joaquim Alves Matheus, Joaquim Antonio Gonçalves, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Domingos Ruivo

51

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Godinho, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro de Lencastre (D.), Roberto Alves de Sousa Ferreira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo copias da representação dos officiaes de diligencias do concelho de Vinhaes, e da informação do governador civil do districto de Bragança, a que se referiu o requerimento do sr. deputado Eduardo José Coelho na sessão de 2 do corrente.
Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, remettendo copias dos contratos, pedidos pelo sr. deputado Elvino de Brito na sessão de 2 do corrente.
Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Dias Costa, copia da consulta dirigida ao governo pelo conselho escolar do instituto de agronomia e veterinaria sobre a reforma do dito estabelecimento, decretada em outubro findo, e a copia, annexa á referida consulta, de um officio do lente do 5.ª cadeira.
Para a secretaria.

Do ministerio da instrucção publica, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, copia das actas das sessões do conselho da escola polytechnica de Lisboa, desde l de janeiro ultimo até ao presente.
Para a secretaria,

Foram presentes as contas da gerencia da junta administrativa, durante o periodo decorrido de 9 de julho a 30 de novembro do corrente anno.
Enviadas á commissão administrativa.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Peço a v. ex.ª mande depositar na secretaria da camara dos senhores deputados, e ali conservar até ao fim da presente sessão legislativa, os documentos abaixo designados, que eu peço fiquem patentes ao exame de quantos pretenderem aprecial-os:
l.° Nota das minhas faltas de frequencia ao instituto industrial de Lisboa, copia ou fac-simile de outra identica, que, sem meu conhecimento, aviso ou informação previa, para qualquer necessaria justificação, correcção ou emenda, foi solicitada pelo ministerio das obras publicas, para fins que me não proponho apreciar.
2.° Vários extractos de sessão do conselho escolar d'aquelle instituto, em que se contêem diversas apreciações sobre os serviços, meritos ou demeritos do professor supra indicado.
3.° Um relatorio do penultimo director do instituto, em que se aprecia o valor pedagogico da sala organisada pelo supradito funccionario para serviço da sua cadeira.
4.° Varias photographias d'esta sala.
5.° Exposição feita pelo digno secretario do lyceu de Lisboa, relativamente ao serviço do alludido professor n'aquelle lyceu.
6.° Nota summaria da despeza feita pelo ministerio das obras publicas, com a reconstrucção do laboratorio de chimica mineral da escola polytechnica de Lisboa. = José Julio Rodrigues, deputado pelo Funchal.

Offereço tambem para a bibliotheca da camara dos senhores deputados um exemplar das conferencias do exmo. sr. Manuel Rodrigues Miranda Junior, intitulado A reforma do ensino industrial. = José Julio Rodrigues, deputado pelo Funchal.

Roqueiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, me sejam remettidos com urgencia os seguintes documentos:
Copia do requerimento feito pelo conego de Evora, Joaquim Augusto da Fonseca, pedindo para ser alliviado da obrigação canonica de ensino, e do respectivo despacho exarado pelo ex-ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça o exmo. sr. conselheiro Brandão, e do mais que constar a seu respeito, taes como documentos que o acompanham, informação do respectivo prelado, etc.
Idem do despacho do referido conego, precedendo concurso, com obrigação canonica do ensino no seminario de Evora.
Idem do despacho do referido conego para a vaga deixada pela promoção á dignidade de chantre do conego Abel Martins, sem a referida obrigação de ensino, e da proposta do respectivo prelado a que se refere o mesmo despacho.
Certidão do que constar sobre a resignação do referido conego do canonicato com obrigação de ensino, e do seu encarte no canonicato sem esses onus, e se o primeiro está ou não vago, e se foi posto a concurso. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.
Mandaram-se expedir.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Declaro que pretendo interpellar o governo, na pessoa do sr. presidente do conselho de ministros ou na do sr. ministro do reino, sobre a marcha reaccionaria que vae tomando a direcção do estado, violando e pondo em risco as instituições liberaes e com ellas a independencia da nação, e sobre os abusos e irregularidades que se têem praticado com alguns dos presos politicos envolvidos nos ultimos acontecimentos. = O deputado por Lisboa, Manuel de Arriaga.
Mandou-se expedir.

DECLARAÇÃO

Peço se declare na acta de hoje que me não é possivel desempenhar-me, por motivos que a camara facilmente apreciara, da commissão para que a mesma camara se dignou escolher-me, na sua sessão de quarta feira passada, escusa que teria logo apresentado, se não tivesse tido conhecimento d'aquelle facto só depois de encerrados os trabalhos da sessão supra referida.
Sala das sessões, 18 de dezembro de 1891. = José Julio Rodrigues.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que tenho faltado a algumas sessões por incommodo de saude. = Miguel Dantas.

Declaro que o sr. deputado Manuel Thomás Pimenta de Castro tem faltado ás sessões por falta de saude como prova com o attestado junto, = Miguel Dantas.
Para a secretaria.

Página 3

SESSÃO N.º 43 DE 18 DE DEZEMBRO DE 1891 3

O sr. Arroyo: - Mando para a mesa uma representação de direcções de fabricas de tecidos de grossarias, pedindo alteração de alguns artigos constantes da proposta governamental sobre pautas aduaneiras.
Peço que esta representação seja remettida com toda a brevidade á commissão respectiva para ser tomada na devida consideração
Foi enviada á commissão das pautas.
O sr. Manuel de Arriaga: - Disse que prescindiria do uso da palavra em vista da ausencia do governo, a quem tem de dirigir as considerações que vae expor, mas que o não faz, não só por ser já a terceira vez que pede a palavra sem que ella lhe chegue, mas porque não póde pautar a sua norma de proceder pela do governo, que se furta ao cumprimento das suas obrigações.
Deixando consignadas as suas reclamações, o governo lhe dará mais tarde as devidas respostas, de que não prescinde
Que antes de começar consignaria no seio da representação nacional a homenagem de vivo reconhecimento da familia de Latino Coelho, e a pedido d'esta, pelo voto de sentimento que fôra dado ao passamento d'aquelle illustre mestre das letras patrias e da democracia portugueza, de cuja missão honrosa, elle orador, fôra encarregado.
Entrando na ordem de considerações que desejava fazer, começava por mandar para a mesa a seguinte nota de interpellação:
"Declaro que pretendo interpellar o governo na pessoa do sr. presidente do conselho de ministros ou na do sr. ministro do reino sobre a marcha reaccionaria que vae tomando a direcção do estado, violando e pondo em risco as instituições liberaes e com ella a independencia da nação, e sobre os abusos e irregularidades que se têem praticado com alguns dos presos politicos envolvidos nos ultimos acontecimentos."
Quando fôra dos acontecimentos de Inglaterra, dissera que se ia entrar em uma epocha difficil em que os srs. deputados contrahiriam obrigações bem differentes d'aquellas que até ali tinham tido, pois teriam de olhar a serio e com todo o desvelo pelos interesses e honra do paiz e mudar de rumo. Mas procedêra, porventura, a camara assim ? Não, deixára-se ficar onde estava, e só era certo que o estrondo terrivel produzido por aquelle conflicto internacional não fôra ainda bastante para abrir os olhos dos que os tinham cerrados!...
Pelo que se estava passando nas duas casas do parlamento, via-se que o que a todos preoccupava n'este momento era a questão financeira; mas de remontar ás suas origens, ás suas causas, o que era necessario, absolutamente indispensavel, é que ninguém cuidava!
Assim ficava tudo na mesma!
A questão financeira não dava solução alguma immediata.
Nem que viesse o partido republicano a resolveria n'este momento. A questão principal a resolver não é propriamente a do dinheiro: é a do credito da nação, e como tal é, acima de tudo, um problema moral.
O conflicto que se dava agora não era já entre os partidos da monarchia, nem mesmo entre os partidos monarchicos e o republicano, mas entre Portugal e as outras nações.
Já não havia no seu paiz partido algum que podesse hoje garantir lá fóra o credito em nome da nação sem que a nação primeiro se pronunciasse. A nação portugueza tem em si todos os elementos para merecer e garantir o bom conceito no concerto das mais nações; já não assim os governos que, dentro da monarchia, a tem explorado e ferido nos seus brios e na sua honra!
Mas como obter esse voto da nação, que deve ser unanime para que lá fóra o nosso credito seja restabelecido por completo com a assignatura da nação portugueza? Como levar a nação a apresentar perante o conselho europeu o arrependimento profundo e radical dos erros até agora commettidos? Como se havia de provar que se ia entrar em um caminho novo, com gente nova, com processos novos e ideaes novos?
Dentro da monarchia não havia já meio de o conseguir.
A transformação a operar tem de ser tão completa e radical que nada fique de pé e subsistente de quanto constituiu até agora o objectivo, a preoccupação e a gloria da monarchia, cuja structura é preciso eliminar.
É preciso acabar com a gloriosa lenda, hoje cheia de ridicula vaidade, de soberano de aquém e alem mar, em Africa senhor de Guiné e da conquista, navegação, commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc., e entrar n'um regimen, sobrio, positivo e honrado, como elle, orador, por mais de uma vez tem reclamado perante o parlamento.
Como testemunho bem eloquente dos nossos sonhos infundados de grandeza e de vaidade levantavam-se aos olhos de nacionaes e estrangeiros os nossos principaes monumentos, começando no palacio real de Ajuda e acabando nas capellas imperfeitas da Batalha.
Tudo ficára por concluir, porque se mirava a um imperio de grandeza que, embora legitimo e justificado em certo momento historico, não souberamos manter e garantir ás gerações presentes e futuras, substituindo as virtudes e o valor dos nossos maiores, pela falta de ideal que hoje se nota em tudo e em todos, cujas consequencias fataes são os males que vem denunciando.
Quando o actual governo se apresentou no parlamento, dissera elle, orador, que aquelle era a conjugação de todas as facções da monarchia, e como tal o seu legitimo representante: fraco, abatido e desacreditado dentro e fora do paiz. Reuniram-se n'um só poder para ainda terem força, mas morriam de inanição perante o descredito geral: não era a culpa d'elles, era a fatalidade das cousas contra a qual não podiam remar...
A Europa atravessava uma crise que não era mais que a conclusão definitiva de uma synthese historica: a eliminação dos ultimos vestigios do regimen catholico feudal com o completo desapparecimento do chamado direito divino e do seu delegado o poder real.
Esta crise começou a liquidar-se em Portugal primeiro do que na Hespanha e Italia; d'ahi os nossos embaraços politicos, a falta de estabilidade nos governos, a desorientação nos politicos.
Extinctas as crenças, apagado o ideal politico, confundidos os partidos, deluidos os caracteres, só impera o mais desenfreado mercantilismo, organisando-se sob as fórmas de syndicatos para devorarem os reditos, a honra e o credito da nação!...
Isto está escripto nos livros, e ninguem melhor do que o sr. Oliveira Martins, que se assenta na bancada da opposição progressista, o poderia demonstrar, se quizesse ser sincero e coherente com as doutrinas que tem espalhado. Isto é dito e repetido nos comicios; isto entrou no dominio publico; estas verdades transpozeram as fronteiras e foram archivadas no espirito d'aquelles que no estrangeiro se arvoram hoje em juizes severos dos nossos erros como credores implacaveis dos nossos desvarios.
Os syndicatos que nos tem devorado ultimamente são como as larvas sepulchraes que corroem os cadaveres para estes entrarem mais rapidamente na circulação da vida universal. São os vermes roedores das instituições já mortas, em cujo trabalho não podem nem devem cooperar os que como elle, orador, seguem honrada e convictamente o ideal de uma nova justiça.
N'este balanço final liquidem os monarchicos as responsabilidades comsigo proprios; não envolvam os herdeiros n'essas responsabilidades; o que ficar depois da abertura da herança é que ha de constituir o escasso mas honrado patrimonio do proximo governo da republica. Compromissos antes d'isso o partido republicano não os toma...

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quando fôra da questão ingleza dissera que havia um só caminho a seguir, era Alargar as liberdades para se unir toda a familia portugueza sob uma mesma bandeira e integrar o caracter e a honra nacionaes, inicio seguro da regeneração da patria; mas, em vez de se fazer isso, fizeram-se umas odiosas leis de excepção. E porque existem essas leis? Porque a monarchia tem medo, e quem tem medo não póde inspirar confiança.
Entrando na justificação do pensamento que inspirára a sua nota de interpellação, protestou contra o facto de ainda até hoje não ter sido satisfeito o seu requerimento pedindo pelo ministerio do reino esclarecimentos relativos ás associações religiosas em Portugal, o que era uma demonstração de que, ou os governos não zelavam o cumprimento das leis e a defeza da liberdade e ignoravam o que se estava urdindo contra ella dentro das fronteiras, ou tinham conhecimento d'esses factos e tornavam-se assim conniventes com elles, acobertando-os e protegendo-os.
Para elle, orador, era caracteristica da decadencia dos costumes politicos e do enfraquecimento das crenças liberaes do paiz, o silencio systematico que se tinha feito em volta d'elle desde que ha mais de seis annos, em 1884 se não se engana, annunciou no parlamento a sua interpellaçao sobre a reacção ultramontana em Portugal, e pediu ás secretarias d'estado os esclarecimentos precisos para julgar da profundidade e grandeza d'este cancro social. Então como hoje viu-se só!
Na sessão passada revivêra este assumpto; appellára de novo para os documentos pedidos e fizera revelações que deviam ter callado no espirito publico se este ainda só interesasse por esta questão capital do seculo que vae a findar.
Elle, orador, appellára para a cooperação da imprensa liberal no descobrimento das malhas da grande rede que a reacção vae astuta e tenazmente lançando pelo paiz, mas viu se sósinho, repetia-o.
Nenhum orgão da imprensa, nem mesmo da mais avançada, ao menos pelo que elle sabe, o acompanhou nos seus protestos feitos dentro do parlamento contra a teimosia dos governos em não lhe dar os documentos pedidos, e na necessidade em que se via de recorrer a informações menos officiaes para com ellas realisar a sua interpellação.
A sua voz ficou por mais de uma vez perdida no recinto do parlamento, não echoando lá fóra!...
Que outro tanto talvez se não tivesse dado se houvesse um poucochinho de escandalo a explorar na curiosidade do publico...
Que como por mais de uma vez e sobre o mesmo assumpto, elle, orador, tinha observado n'aquella casa, toda a Europa liberal assentava no direito revolucionario e carecia de beber n'elle toda a sua força e toda a sua auctoridade.
Que esse direito revolucionario consubstanciando-se na liberdade, igualdade e fraternidade, impunha ás monarchias liberaes o imperioso dever de salvar a fracção de liberdade em que assentavam e de que viviam, não podendo e não devendo a tal respeito existir a menor discrepancia entre monarchicos e republicanos nos conflictos d'ella com a reacção.
Que a monarchia constitucional não póde arvorar-se contra a idéa mãe, a idéa commum que a precedeu, a democracia pura, tomando para seu escudo a liberdade para a falsear, e fazendo-o, ha de armar contra si os legitimos representantes da democracia para a desarmar e vencer.
Sois uma fracção da liberdade, exclama o orador, sem a qual não tendes rasão de existir, e sois tão cegos que conspiraes ainda contra ella para apressardes a vossa quéda!...
É no entanto fatal: é a liquidação de uma instituição que findou!
Que d'esta falta de solidariedade da familia liberal, monarchicos e republicanos, em defenderem-se do inimigo commum, o clericalismo, resultou o incremento e o império que este vá tendo no paiz a ponto de sobresaltar os puros e os sinceros que ainda crêem nos sagrados principios!...
Que elle, orador, pela sua parte, embora na sua consciencia tivesse liquidado na questão ingleza e na de Lunda as suas responsabilidades com o actual parlamento, não desejaria sair d'elle sem interpellar o governo sobre a marcha reaccionaria em que se tem deixado arrastar e que prescindindo para isso dos documentos pedidos e negados, realisaria a sua interpellação, para que envidava a intervenção da presidencia.
Alem do que se tem passado com elle, orador, e dos acontecimentos que ha pouco sobresaltaram o paiz inteiro com os abusos e os crimes commettidos nos novos conventos, dois factos bastariam para demonstrar o caracter reaccionario que se está imprimindo na direcção do estado: referia-se á perseguição tenaz e implacavel que o ultimo governo e o actual votaram ás agremiações democraticas dissolvendo-as, negando até ao povo o direito primordial de reunião; e a impunidade com que, em sentido contrario, se estava inçando o paiz de focos de reacção e de beaterio, não só permittindo, mas até protegendo, contra as leis expressas da monarchia, as associações religiosas; e a plenissima liberdade até agora concedida a synhedrios e a concilios de bispos, como o de Braga e o de S. Vicente em Lisboa, sem que se saiba com exactidão o que ali se planeia e se machina!
É sabido de todos que o direito moderno não só não assenta nas mesmas bases do direito antigo, mas é lhe substancialmente contrario e adverso.
É tambem sabido de todos que a igreja não abdicou ainda perante a civilisação trimphante, das suas seculares prerogativas e que conspira, ora em plena luz ora nas sombras, conforme as circumstancias, contra a actual ordem de cousas.
Ella conspira para derrubar ao menos as leis contrarias ás associações religiosas porque almeja; ella conspira a todo o transe, recorrendo a todos os expedientes, para pelo menos desacreditar e annullar o casamento civil.
Perguntarei agora, continúa o orador, o que se terá combinado n'um ou n'outro sentido n'aquelles dois congressos de bispos.
Sabe-o o governo?
Precaveu-se contra as suas machinações?
Se o fez elle, orador, ignora-o e quando realisar a sua interpellação o governo lhe dará uma resposta clara como o assumpto o reclama.
Como prova de que o governo actual cede ás influencias do alto clero, vae citar o seguinte escandalo praticado pelo actual ministro da justiça o sr. Moraes de Carvalho.
Tendo sido provido, mediante concurso, n'um canonicato de Evora com a obrigação de ensino por doze annos, o presbytero Joaquim Augusto da Fonseca: porque este seja valido, e, alem de valido, secretario do actual arcebispo d'aquella diocese, com tão valiosa protecção, aventurou-se a requerer a exoneração do encargo canonico do ensino por dez annos, que tanto faltavam para dar-se cumprimento á lei!
Todas as solicitações n'este sentido ficaram frustradas na primeira investida, porque o então ministro da justiça o exmo. sr. Brandão as repelliu o n'esse sentido indeferiu o requerimento que lhe fôra feito como, segundo lhe informam, consta do respectivo livro.
Uma tão audaz como insolita pertensão equivalia nada menos do que a postergaçao de duas leis liberaes que regulam o assumpto, os decretos de 26 de agosto de 1859 e de 2 de janeiro de 1862, o primeiro referendado pelo sr. Mártens Ferrão e o segundo pelo sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho, illustre pae do actual ministro que usa do mesmo nome, mas pelo que se vê já este não segue a mesma doutrina! Que era já pela terceira vez, se se não enganava, que elle, orador, amante fervoroso da liberdade,

Página 5

SESSÃO N.° 43 DE 18 DE DEZEMBRO DE 1891 5

recorria ás leis referendadas pelos outr'ora denominados reaccionarios, como ao sr. Costa Cabral, para á sombra d'essas leis defender a liberdade ultrajada e offendida pelos ultimos governos!
Recorre agora ao sr. Mártens Ferrão, conservador da agua mais pura, para com o decreto de 1859 medir quanto têem baixado no sentido liberal e subido no sentido reaccionario os homens que se assentam nas bancadas do governo!
A leitura dos relatorios que precedem os dois citades decretos e as suas sabias disposições demonstram á evidencia que ambos elles representam uma salutar e indispensavel reacção contra os abusos do alto clero e uma solida garantia a favor das prerogativas da coroa, aliás sem menoscabo das dignidades eclesiasticas, cujas funcções têem de ser mantidas dentro da orbita das leis vigentes, sob pena das liberdades publicas serem illudidas e ludibriadas
Estes dois decretos completam-se, e na sua solidaridade são ainda um dos poucos documentos, que estão de pé fazendo frente á reacção ultramontana. Porque assim é, foram ambos inutilisados com uma pennada do sr. ministro!
Segundo a letra expressa dos artigos 1.°, 2.º e 3.º do decreto de 26 de agosto de 1859, em todas as cathedraes do reino e ilhas adjacentes seriam providos os canonicatos tendo annexa a obrigação canonica do onus de ensaio por doze annos, e este provimento seria feito com a declaração expressa de que o provido se havia de sujeitar áquelle onus durante o referido periodo, e n'esse sentido seriam passadas as respectivas cartas.
Ha tambem canonicatos a que não é imposto o onus de ensino, mas que são providos como os outros por meio de concurso; e o são como uma justa compensanção de serviços relevantes prestados á igreja e ao estado e o reconhecimento de merecimentos literarios e moraes, especificados nas mesmas leis.
O decreto de 2 de janeiro de 1862, que alterou e completou o primeiro, é como a sua parte regulamentar, mantendo em tudo a doutrina liberal d'aquelle.
Foi n'elle expressamente determinado que os canonicato, quer com onus de ensino, quer sem elle, seriam sempre providos por meio de concurso.
Tinha o illustre prelado de Evora, alem d'estes dois decretos, que consignavam a verdadeira doutrina liberal, o douto despacho do digno ex-ministro da justiça o sr. Brandão, que, mantendo-o, como era do decoro do estado, repelliam por igual a sua audaciosa pretensão de exonerar o seu secretario e valido do onus de ensino, e não obstante, como a politica da igreja é persistir, illudir e vencer, usou de taes influencias junto do actual ministro, encontrou-o tão maleavel ás suas reclamações, que, desprezando as proprias tradições honradas do seu pae: fez tudo quanto o illustre prelado d'elle reclamara, e não só desonerou o referido conego da obrigação canonica de ensino, contra a letra expressa do artigo 2.° do decreto de 1859 e do artigo 11.° e outros do decreto de 1862, mas proveu-o a ura novo canonicato sem o onus de ensino, e, caso estupendo, proveu-o sem concurso, por livre arbitrio do illustre prelado, que tudo ali mandou ao que parece, e na folha official appareceu a sua promoção, Diario do governo de 14 de agosto ultimo, dizendo-se que fôra collocado sol proposta do respectivo prelado, e d'esta fórma se desprezou a letra expressa do artigo 3.° e outros do decreto de 1859 e artigo 1.° e outros do decreto de 1862, que exigem sempre em taes casos o provimento por meio de concurso!
Foram não só violadas as leis, mas as tradições que essas mesmas leis mantinham, e aberta uma porta larga á reacção do alto clero, se o parlamento lhe não pozer um termo!
D'esta violação da lei resulta um grande numero de irregularidades, taes como a falta de resignação do primeiro canonicato, a falta de encarte do segundo, e como consequencia a não vagatura do mesmo que aliás é posto a concurso pelo actual ministro, e outras que apresentará quando realisar a sua interpellação.
Para esclarecer o comprovar estes pontos envia tambem para a mesa os seguintes requerimentos:
"Requeiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, me sejam remettidos com urgencia os seguintes documentos :
"Copia do requerimento feito pelo conego de Evora, Joaquim Augusto da Fonseca, pedindo para ser alliviado da obrigação canonica de ensino, e do respectivo despacho exarado pelo ex. ministro e secretario d'estado dos negocios eclesiasticos e de justiça o ex.mo sr. conselheiro Brandão, e do mais que constar a seu respeito, taes como documentos que o acompanham, informação do respectivo prelado, etc.
"Idem do despacho do referido conego, precedendo concurso, com obrigação canonica do ensino no seminario de Evora.
"Idem do despacho do referido conego para a vaga deixada pela promoção á dignidade de chantre do conego Abel Martins, sem a referida obrigação de ensino, e da proposta do respectivo prelado a que se refere o mesmo despacho.
"Certidão do que constar sobre a resignação do referido conego do canonicato com obrigação de ensino, e do seu encarte no canonicato sem esse onus; e se o primeiro está ou não vago, e se foi posto a concurso".
Ao concluir, o orador lembrou que emquanto estas complacencias, offensivas das lei vigentes, eram empregadas para com aquelles que genuinamente representam os direitos e privilegios da igreja, inimiga irreconciliavel da liberdade, os ardentes e sinceros propugnadores d'essa liberdade eram perseguidos, condemnados e expulsos da patria, que elles amavam e estremeciam, obrigados uns ao o exilio, outros mandados para o degredo, e outros ainda para a cadeia!
Sob o modo por que o governo estava procedendo a este respeito, sem a menor attenção para com a mocidade crente e generosa que surgia como uma esperança para a futura regeneração ,da patria, esperança que uma cidade gloriosa pelas mas tradições liberaes, o Porto, saudara na entrada do novo anno, reservava-se tambem para quando a sua interpellação se realisasse, envidando de novo a presidencia da camara para que o fosse o mais breve possivel.
O sr. Fuschini: - (O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. ex.ª restituir as notas tachygraplicas.)
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, e continúa com a palavra, que lhe ficou reservada, o sr. José Julio Rodrigues.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do sr. José Julio Rodrigues ao sr. ministro das obras publicas

O sr. José Julio Rodrigues: - Continuando o seu discurso, agradeceu á camara o ter-lhe permittido que ficasse com a palavra reservada.
Não terminára na sessão anterior, como tencionava, porque é impossivel tratar em pouco tempo um assumpto tão vasto, e assim respondia aos que dizem que elle, orador, não se tem occupado de algumas questões.
Continuava a referi-se á grande desigualdade que se nota na distribuição das escolas industriaes pelo paiz.
Se por alguns motivos não podia fallar n'este ponto antes da reforma, fazia-o agora, porque a reforma se propunha a reorganisar e a melhorar o ensino.
Para se ver que fôra a phantasia que levara o sr. ministro das obras publicas a fazer a distribuição que decretou, bastava notar-se que no districto do Porto havia uma escola por 764 kilometros quadrados, no de Braga uma escola por 1:369 kilometros quadrados, no de Vianna do Castello uma escola por 2:243 kilometros quadrados, no de

51

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Villa Real uma escola por 4:440 kilometros quadrados, no de Portalegre uma escola por 6:421 kilometros quadrados e no de Bragança uma escola por 6:669 kilometros quadrados; havendo ao mesmo tempo districtos que não toem escola alguma.
Em relação á população davam-se as mesmas desigualdades.
Sem escolas havia districtos que tinham uma area de mais de um terço da area total do paiz, e uma população de cerca de um quarto da população do Portugal.
Não era em moldes d'esta natureza que se podia levantar o ensino technico no nosso paiz.
A par d'isto via que o sr. ministro se occupava de futilidades, como era, por exemplo, a das denominações das escolas.
Como tinha havido troca de nomes, o que lhe parecia que se devia fazer era dar-se á escola da Madeira o nome de Sua Magestade a Rainha D. Amelia, porque Sua Majestade ultimamente tinha manifestado o proposito firmo do proteger os polires d'aquella ilha.
Na questão da economia s. ex.ª fôra de uma grande infelicidade.
Ao passo quo pelo ministerio da fazenda se propôs uma pauta muito proteccionista, pauta que vae cercear os rendimentos do thesouro durante alguns annos, e a diminuição de receita equivale a creação do despeza, s. ex.ª hesitava em gastar 20:000$000 ou 30:000$000 réis nas escolas que constituem o elemento mais importante que ha de collaborar no renascimento dus industrias.
S. ex.ª e o sr. ministro da fazenda pensavam de modo diverso.
E quanto ás escolas, s. ex.ª suprimira a de Angra, mas depois resuscitára-a.
Porque era que não tinha empregado os mesmos meios em relação ás outras escolas que supprimira? Porque era que não tratara de ver se as juntas geraes e as camaras municipaes lhe davam casas de graça o recursos para outras despezas?
Dissera s. ex.ª que supprimira, por exemplo, a escola da Figueira, porque o ensino ministrado a cada alumno saía muito caro.
E a proposito da escola da Figueira, mandava para a mesa duas representações de juntas de parochias d'aquella cidade, pedindo que esta escola continuo a existir.
Porque não tratara s. ex.ª de ver se a junta geral e a camara municipal lhe ministravam recursos?
Não sabia qual fôra o criterio que guiára o sr. ministro na suppressão de escolas.
Fôra a despeza? Mas via que se tinham supprimido escolas que custavam menos do que outras que foram conservadas.
Fôra a frequencia? Mas via que se tinham supprimido escolas das mais frequentadas.
As consequencias da reforma eram estas: no instituto de Lisboa tinham entrado quatro alumnos para o primeiro anno, e no do Porto tinha entrado apenas um; e nas escolas industriaes dava-se uma enorme diminuição na frequencia.
Notava que na cidade do Braga, ando ha pouco tempo fôra aberta uma exposição industrial, organisada rapidamente, exposição que s. ex.ª julgara tão importante que a mandara estudar por um funccionario do seu ministerio, se dera o seguinte facto: s. ex.ª respondêra, a todo este trabalho, cerceando a escola industrial que ali existia, e limitando o ensino á carpintaria e serralharia. Isto parecia uma irrisão, uma jocosidade.
Em Thomar, onde existem importantes fabricas, dera-se igual facto.
Parecia que a carpinteria e a serralheria eram a ultima palavra do fomento do paiz.
Para si a suppressão de algumas escolas não foi economia, e sim desperdicio, do mesmo modo que a suppressão de algumas cadeiras em diversas escolas fôra um desacerto.
Desejaria muito saber qual foi o criterio que o governo teve para fazer a distribuição das cadeiras pelas diversas escolas, porque via n'essa distribuição um desacerto quanto aos fins para que essas escolas servem e ás localidades em que estão collocadas.
A população do paiz precisava ser educada debaixo do ponto de vista technico, e a aprendizagem era hoje quasi uma obrigação por parto do estado.
Era preciso dar o ensino necessário ás classes operarias para que ellas podessem melhorar de meios e de fortuna.
Era facto que o paiz não se tem importado muito com isto, mas o paiz de hoje não era o do hontem.
Os que lhe dizem que perde o seu tempo, os que têem collocado o paiz no estado de abatimento em que elle esta, hão de reconhecer quo elle, orador, é que está em bom terreno; o quanto maiores os doestos que lhe dirijam, mais ha de erguer n cabeça para mostrar que é necessario levantar a nação do abatimento em que ella jaz.
Tem ouvido fallar' muitas vezes no grande numero do empregados publicos e no que com elles se despende, ou no que elles devoram A nação. Pois a este respeito podia dizer que Portugal era o paiz que tinha menos empregados públicos, sendo ao mesmo tempo os mais mal remunerados. Citou, para exemplo, a França, que despendia grossas sommas com a classe do funcionalismo.
Os empregados publicos em Portugal, comparativamente com outras nações, eram em numero pequeno.
Para as nossas circumstancias eram muitos, isto porque em regra entravam por compadrio e não pelo seu merito, fazendo com que lavrasse o descredito que por elles ha no paiz.
Se todos os ramos da administração publica tivessem montadas as engrenagens que ha nos outros povos civilisados, o numero dos empregados publicos seria muito mais pequeno.
Sabia que não alcançava popularidade dizendo isto, mas dizia o porque era a verdade.
Depois a procura de um emprego explicava-se. Qual era a carreira que podia seguir um rapaz que entra na vida com vontade de trabalhar e de ser util ao paiz? Que havia de fazer esse indivíduo? Se elles não podiam entregar-se á agricultura, que não havia, nem na industria, que quasi não existia, onde haviam do ser empregados?
Era quasi injustiça dizer que no paiz havia a emprego-mania. Abrissem só fabricas, arroteassem-se os campos, adoptassem-se medidas rasgadas de fomento, e os rapazes procurariam ahi um modo de vida; emquanto isto se não fizesse não se podia dizer que em Portugal havia a emprego-mania.
Fez ainda muitas outras considerações sobre diversos pontos do ensino, terminando por dizer que confiava muito que ao poder moderador coubesse a missão do fomento e do ensino industrial, em vista da resposta dada por Sua Magestade a uma allocução que lhe foi dirigida na cidade de Braga.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, guando s. ex.ª o restituir.)
O sr. Presidente: - Faltam apenas alguns minutos para dar a hora, e estão inscriptos os srs. ministro da fazenda e Francisco Machado para antes de se fechar a sessão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Franco Castello Branco): - Em vista da advertencia que v. ex.ª acaba de me fazer, é bem evidente que não posso sequer entrar na explanação do que tenho a dizer em minha defeza ás accusações que me dirigiu o illustre deputado, especialmente a defeza que devo tomar do decreto de que s. ex.ª disse muito mal, mas que analysou muitissimo pouco. (Apoiados.)
O illustre deputado pareceu, por algumas referencias

Página 7

SESSÃO N.° 43 DE 18 DE DEZEMBRO DE 1891 7

feitas ainda hoje, não de certo á discussão parlamentar sobre esto assumpto, porque s. ex.ª foi o primeiro no uso da palavra, mas supponho que a quaesquer artigos de jornaes ou outras quaesquer demonstrações de critica e de apreço sobre as palavras por s. ex.ª pronunciadas n'esta camara, pareceu, digo, amotinar se por lhe chamarem conferente, por darem o apreço de uma conferencia ao discurso da opposição que s. ex.ª me esteve dirigindo. É que s. ex.ª mais uma vez foi um conferente, mais uma vez a sua palavra foi brilhante, eloquente, pittoresca, viva e espirituosa, porque todos este adjectivos merecem a fórma litteraria com que s. ex.ª revestiu a exposição das suas idéas. S. ex.ª mais uma véu foi effectivamente um conferente pela maneira ligeira e facil por que percorreu todos os assumptos a que se referia, não só ao ensino profissional, mas ao ensino em geral, não chegando a fazer um discurso parlamentar a analyse do documento que estava em discussão; porque, como lhe hei de demonstrar, s. ex.ª revelou inclusivamente o completo desconhecimento do assumpto o das disposições que o decreto contém.
O illustre deputado vê pela maneira como eu começo a dirigir-me a s. ex.ª que não estou absolutamente nada irritado, impressionado por quaesquer invectivas e apreciações que s. ex.ª entendeu dever dirigir-me. Eu esqueço absolutamente n'esta camara todas e quaesquer polemicas absolutamente alheias a ella. Ponho inteiramente de parte quaesquer criticas ou referencias mais ou menos amaveis, lisonjeiras ou não, que me sejam dirigidas, e não me preoccupo senão, unica e simplesmente, com a defeza das cousas em que tenho responsabilidade e com a resposta aos argumentos que contra ellas são dirigidas. Por isso, na exposição que hei de ter a honra de fazer â camara, porei inteiramente de parte todas as allusões, todas as referencias com que s. ex.ª semeou por vezes o seu discurso.
Ha factos que nada têem com a discussão parlamentar, e dos quaes vejo s. ex.ª conserva uma memoria muito viva e muito dolorosa. Eu pela minha parte não conservo memoria absolutamente nenhuma. Vae mal para os homens publicos, para aquelles que querem fazer carreira pela politica, o maguarem-se extraordinariamente nas luctas em que se envolvem e não terem o espirito bastante generoso e largo para esquecerem, terminada essa lucta, qualquer golpe que lhes é dirigido, qualquer mágua que esse golpe porventura lhes produzisse.
O illustre deputado por mais de uma vez parecia dirigir-se a actos meus n'essas referencias com que semeou o seu discurso.
Eu, respondendo, não farei a mais pequena allusão, que, no uso legitimo da minha defeza, podia perfeitamente fazer, como réplica ás que s. ex.ª me dirigiu.
Vou unica e simplesmente occupar-me de tres pontos, e com isso fica terminado o que hei de dizer n'esta sessão.
Em primeiro logar, s. ex.ª é um professor erudito, como disse, dedicou dois mezes e em cada dia doze horas a cate assumpto; e estudando tudo que havia de organisação do ensino lá fóra, demonstrou que effectivamente o assumpto é de si tão vasto, extenso o profundo, que lia ainda immensas cousas, que s. ex.ª ignora e algumas bem fundamentaes, para a educação do ensino professional, como s. ex.ª disse.
Hei de provar em segundo logar que s. ex.ª ignora, ou não teve presentes á sua memoria e ao seu espirito, muitas das disposições que o compõem.
E em terceiro logar hei de demonstrar que s. ex.ª, que levou três dias a discutir o meu decreto, que effectivamente pôde não ter merecimento de valor absolutamente algum, póde não concorrer, como aliás é minha intenção, para o desenvolvimento do ensino commercial e do ensino profissional em Portugal, n'esses tres dias não apresentou um plano de organisação de ensino, que podesse substituir este trabalho, e apenas borboleteou - este é o termo - sobre todos os ramos de instrucção, quer profissional, quer geral, quer de toda, a ordem e natureza, fatiando era escolas de cozinha o em escolas do governo domestico, perguntando por que motivo faço economias, para a breve trecho dizer que se estava a poucos passos da reducção dos juros da divida e da revolução!
Em todo o caso a unica preoccupação que teve foi do se mostrar competente sobre este assumpto.
Em terceiro logar preoccupou-se em demonstrar me que eu tinha sido injusto n'uma accusação que lhe fôra dirigida, mas que o illustre deputado não ouviu da minha bôca.
O illustre deputado e a camara comprehendeu que evidentemente chegando me a palavra poucos minutos antes de terminar a sessão, eu não posso entrar em explanações d'esse assumpto; parece-me muito melhor reservar-me para a sessão de amanhã, em que usarei da palavra o menos tempo que seja possivel e unicamente o necessario para demonstrar a v. ex.ª estas differentes noções que apresentei.
S. ex.ª póde ter a certeza que n'essa suppressão de escolas procedi com criterio e ordem.
O primeiro ponto a attender é que não é preciso ter muitas escolas, o que é preciso é ter boas escolas.
Importa muito pouco ter uma frequencia escolar de 20:000 alumnos, quando a maior parte d'elles perdem o anno, e poucos ou quasi nenhum aproveita realmente do ensino profissional; em segundo logar, um outro principio a que obedeci e que mais vale haver poucos focos de instrucção bem organisados, productivos, porque essa deve ser a sua principal qualidade, do que a alluvião de escolas disseminadas por differentes pontos do paiz, organisadas por tal fórma que pelos factos se apurou que eram imperfeitas e até inuteis.
Era esta exposição que eu queria fazer.
No discurso que ámanhã farei á camara, e desde já annuncio, a estes pontos me hei de restringir e demonstrarei que, apesar de não ter a competencia, tacto e estudo tão aturado como a do illustre deputado que me precedeu, não procedi de leve n'este decreto. Se contra elle não só podem encontrar outros defeitos senão os que aqui foram apontados pelo illustre deputado, eu julgar-me-hei muito feliz por ter ligado o meu nome a este decreto.
Devo ainda dizer quo, se o professorado não empregar a sua boa vontade, se andar de má fé na interpretação d'estas determinações, a reforma tornar-se ha a peior de todas, mas então a responsabilidade não pertence ao ministro, mas aquelles que, tendo não só por obrigação civica o dever oficial de subordinar-se ás ordens e determinações que provém, não de um homem, mas da lei, antepõem a isso quaesquer outras considerações, não cumprindo os deveres do seu cargo.
São estes pontos que eu hei de tratar no meu discurso de ámanhã.
(S. ex.ª não reviu.}
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.}
(Vae publicada no fim da sessão.)
O sr. Francisco José Machado: - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, porque recebi um telegramma de Moimenta da Beira, em que se diz o seguinte:
(Leu.}
Este telegramma indica os nomes dos individuos que foram intimados e que não leio á camara. Não faço considerações nenhumas e limito-me a pedir ao governo a que dê instrucções para manter a liberdade de todos e para que esta eleição corra o mais pacificamente possivel.
Preciso ainda referir-me a outro assumpto, que é á fiscalisação sobre os actos religiosos. Sabem todos que os bispos portuguezes estiveram reunidos em S. Vicente de

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Fóra e tomaram deliberações que eu e o paiz ignorâmos quaes, sejam.
Eu desejava chamar a attenção do governo e especialmente do sr. ministro da justiça, para que me venha dizer e ao paiz quaes foram os assumptos que se trataram n'aquellas reuniões e quaes as deliberações que ali se tomaram.
Não faço mais considerações sobre este ponto porque não quero tomar de assalto este assumpto. Desejava que o sr. ministro da justiça viesse ámanhã á camara para me responder precisamente ás perguntas que acabo de formular.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Communicarei ao meu collega do reino as observações feitas pelo illustre deputado sobre factos participados em telegramma de Moimenta da Beira.
Sei apenas que o illustre magistrado que preside ao districto de Vizeu é um homem moderadissimo, que não exerce politica partidaria, que eu saiba, que tem no districto mantido a paz e a concordia entre os partidos, e seria para tuim muito para admirar que elle consentisse um administrador que praticasse actos irregulares. Em todo o caso levarei o facto ao conhecimento do sr. ministro do reino.
Quanto ao outro tambem prevenirei o sr. ministro da justiça para que s. ex.ª venha responder ao illustre deputado sobre factos passados em conversações, ou não sei o que, em S. Vicente de Fóra.
(S. ex.ª não reviu.}
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram mais de seis horas da tarde.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda

N.º 32-E

Senhores. - Todas as tentativas anteriormente feitas para tributar a producção do alcool industrial têem sido de incompletos resultados.
A resistencia opposta pelos fabricantes a uma severa fiscalisação e a manifesta impossibilidade de pagamento dos impostos, até hoje decretados, por parte do alguns industriaes determinaram, mais de uma vez, os governos a suspender a applicação da lei. Mas, para que não escasseasse de todo uma receita que, pelo producto sobre que incidia o imposto, deveria suppor-se muito importante, teve de substituir-se o regimen de avença ao da fiscalisação directa.
Esse processo tinha a vantagem de assegurar algum rendimento, e não aggravava a situação de alguns industriaes que pelo excessivo preço das suas materias primas, já, dificilmente podiam concorrer com a industria similar dos. Açores.
É, manifesto, porém, que um tal regimen não produziria nunca para o thesouro quanto seria legitimo esperar do importantíssimo consumo de álcool industrial. Para obviar a esse inconveniente pensou o governo em recorrer á adjudicação, em hasta publica, do monopolio da producção e rectificação dos alcoois industriaes, n'este sentido foi feito o pedido de auctorisação. Difficuldades de ordem superior tornaram impossível o uso da auctorisação concedida na ultima lei de meios.
As reclamações doa povos açorianos e as difficuldades inherentes ao levantamento de capitães, indispensaveis para a expropriação das fabricas, convenceram o governo da inopportunidade do uso da auctorisação que lhe foi dada pelo parlamento, sendo mais que provável que, ainda quando d'ella usasse, ficaria deserto o concurso, vistas as condições dos mercados monetarios.
N'estas circumstancias, pensou o governo em substituir o regimen do monopolio por outro que, assegurando ao estado indispensaveis receitas novas, desse á industria da producção do alcool vantagens que garantissem o cumprimento de qualquer contrato. Depois de longos estudos, por parte do governo e dos interessados, parece definitivamente resolvido esse assumpto, se ás cortes merecer approvação a proposta de lei que tenho a honra de submetter-lhes
Pela redacção das bases annexas podereis ver que se trata de um simples contrato de avença para o pagamento do imposto de 50 réis por litro de alcool produzido e vendido para o consumo, garantindo as fabricas agremiadas um minimum de 400:000$000 réis em cada anno.
Para ver quanto isto é importante, bastará recordar que a taxa maxima de imposto, até hoje decretada, tem sido de 20 réis, e que nunca se logrou receber por inteiro por motivos de muitas e diversas ordens. O novo imposto de 50 réis, proposto pelas fabricas, levantaria maiores difficuldades para a sua cobrança, sem o conjunto do condições que vão expressas nas bases annexas e que são indispensaveis para assegurar a annuencia dos industriaes.
Não podia o governo dispensar-se de acautelar os legitimos interesses da nossa principal industria vinicola, assim como os dos productores de aguas ardentes de pequena graduação, e n'este sentido vão expressas nas bases as condições que pareceram necessarias para um tal effeito. Do mesmo modo parece estarem assegurados todos os interesses dos povos açorianos, assim como os dos industriaes do archipelago da Madeira.
Por estas e outres rasões que o criterio das camaras facilmente descobre, tenho a honra de apresentar-vos a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a fazer com as fabricas productoras de alcool do continente o ilhas adjacentes um contrato de avença para o pagamento do imposto de producção nos termos das bases annexas.
Arrt. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 18 de dezembro 1891. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Bases do contrato difinitivo para o pagamento do Imposto de producção do alcool

Artigo 1.° As fabricas productoras de alcool representadas n'este contrato, constituídas em gremio para o pagamento do imposto de producção, garantem annualmente ao estado, pelo exercicio de sua industria, a quantia mínima de 400:000$000 réis, em prestações trimestraes.
§ 1.° Se, porém, n'um dado anno, o consumo de álcool do continente for superior a 8.000:000 e inferior a 9.000:000 o grémio elevará n'esse anno a sua unidade a 450:000$000 réis. Sendo o consumo superior a 9.000:000 e inferior a 10.000:000, a annuidade d'esse anno será elevada a réis 480:000$000. Sendo o consumo de 10.000:000 a annuidade d'esse anno será de 500:000$000 réis, e por cada litro a mais de 10.000:000, que for vendido para o consumo, o estado receberá o imposto de 50 réis do gremio.
§ 2.° A annuidade será paga em quatro prestações: as tres primeiras do 100:000$000 réis cada uma, e a ultima pelo saldo devido pelo consumo que se verificar ter havido n'esse anno, não podendo a ultima, em caso algum, ser inferior a 100:000$000 réis.
Art. 2.° Por este encargo o estado concede ao gremio:
1.° A prohibição do montagem de novas fabricas e da ampliação das actualmente existentes, sem consentimento unanime do gremio;
2.° A manutenção dos direitos de importação do álcool estrangeiro, estabelecidos na ultima lei de meios. No caso de augmento do drawback estrangeiro, o governo elevará os direitos sobre a importação do alcool proporcionalmente a esse augmento;

Página 9

SESSÃO N.° 43 DE 18 DE DEZEMBRO DE 1891 9

3.° A entrada, livre de direitos, do alcool estrangeiro de que o gremio carecer para o consumo publico, depois do esgotado o stock do alcool nacional;
4.° A manutenção dos actuaes direitos, como maximos, que incidem sobre machinas, utensilios, materias primas e drogas precisas para a industria da distillação do alcool.
Art. 3.° Fica livre o fabrico de álcool de vinho, borras e bagaço.
§ unico. É igualmente permittida a distillação em alambiques, legalmente habilitados á data d'este contrato, o que distillem fructos de producção nacional, não podendo a graduação da aguardente que produzirem ser superior a 20° Cartier.
Art. 4.° Qualquer fabrica de alcool que não esteja representada n'este contrato, terá o direito de ser admittida no gremio, comtanto que assim o declare, dentro do praso de trinta dias, a contar da approvação d'este contrato, e se conforme com todas as condições com que as fabricas resolveram constituir-se em gremio.
§ 1.° A fabrica que não quizer agremiar-se poderá continuar no livre exercicio da sua industria, mas o alcool que produzir pagará ao estado 100 réis de imposto por litro.
§ 2.° Qualquer fabrica que, ha mais de um anno tenha cessado a sua laboração e não tenha pago imposto de producção no ultimo anno, poderá exercer a sua industria mas só entrará, querendo, para o gremio depois de produzir alcool em dois annos successivos, pagando durante esse periodo o respectivo imposto de 100 réis por litro.
§ 3.° A importancia do imposto estabelecido nos paragraphos antecedentes, cobrado pelo estado, será deduzida da annuidade do gremio.
§ 4.° Será igualmente descontada da annuidade do gremio a quantia de 100 réis por cada litro de alcool que for importado do estrangeiro por outra entidade que não seja o gremio.
§ 5.° Alem da fiscalisação obrigatoria do estado, o gremio fica com o direito de exercer vigilancia sobre a producção das fabricas não agremiadas e alambiques, nos termos da lei de ...
Art. 5.° É mantido o regimen actual do liberdade para as fabricas de alcool do archipelago da Madeira, com as restricções seguintes:
1.° Todo o alcool que der entrada no continente procedente do archipelago da Madeira pagará 100 réis, como se proviesse de fabricas não agremiadas, e esse imposto será igualmente deduzido da annuidade do gremio;
2.° Todo o alcool que importarem e que não seja propriedade do gremio, pagará direitos como se fosse estrangeiro;
3.° São mantidos para o melaço os actuaes direitos da pauta das alfandegas.
Art. 6.° O alcool que o gremio expozer á venda será puro e de boa natureza; a transgressão ó punível nos termos das leis e regulamentos em vigor.
Art. 7.° É reservada para a industria dos Açores a producção de 70 por cento do álcool necessario para o consumo, e os restantes 30 por cento para as fabricas do continente.
§ 1.° A distribuição pelas fabricas dos Açores é feita do modo seguinte: 58 por cento para as fabricas da ilha de S. Miguel e 12 por cento para a da ilha Terceira.
§ 2.° O deficit da producção continental será repartido proporcionalmente e na conformidade do paragrapho anterior, pelas fabricas dos Açores, não podendo o gremio vender alcool estrangeiro emquanto houver alcool de producção nacional e que pertença as fabricas agremiadas. No caso de transgressão pagará o gremio a multa de 200 réis por litro de alcool que tiver vendido.
Art. 8.° As fabricas dos Açores que pertencerem ao gremio são obrigadas a comprar aos cultivadores, no primeiro anno da vigencia d'este contrato, toda a batata lhes for offerecida e que esteja em condições de ser utilisada para a industria.
§ 1.° Na ilha de S. Miguel o consumo da batata será repartido pelas fabricas existentes, proporcionalmente com a, producção de cada uma.
§ 2.° Quando 58 por cento de todo o consumo de alcool no paiz for inferior á producção de alcool de batata na ilha de S. Miguel, o excedente será levado em conta no anno seguinte para a compra da batata, devendo previamente, no mez de fevereiro, serem os cultivadores aviados por meio de annuncios publicos. A mesma disposição é applicavel á fabrica da ilha Terceira, quando 12 por cento de todo o consumo do paiz for inferior á sua producção de alcool de batata.
§ 3.° Nos annos em que as fabricas esgotarem os seus depositos, serão obrigados a comprar novamente toda a batata que se lhes offereça
§ 4.° A batata será paga aos cultivadores pelo preço mais elevado pôr que tenha sido contratada a sua venda em algum dos tres ultimos annos.
§ 5.° Fica expressamente prohibido ás fabricas dos Açores distillar outro qualquer producto, ainda que seja nacional, emquanto no mercado houver batata e o seu preço não for superior a 20 por cento acima do preço maximo Los últimos tres annos.
Art. 9.° E livre ás fabricas e alambiques dos Açores a producção de alcool e aguardente para o consumo do archipelago. Se porém o alcool ali produzido entrar no continente ou na Madeira e não for de fabrica agremiada e consignado ao gremio, pagará 100 réis por litro. Esta quantia será igualmente deduzida da annuidade do gremio.
Art. 10.º Para fiscalisar as relações entre as fabricas e os cultivadores de batata, bem como para resolver quaesquer duvidas que se suscitem na divisão proporcional da batata pelas fabricas, nos termos dos artigos 7.° e 8.°, haverá em cada ilha dos Açores uma commissão de nove membros; quatro de nomeação das fabricas, quatro representantes da agricultura e de nomeação do governo, sob proposta do chefe do districto, e o nono de desempate, será o juiz presidente do tribunal do commercio.
Art. 11.° A fabrica do Algarve será obrigada a comprar annualmente aos agricultores a quantidade maxima de figo e alfarroba que tenha comprado em qualquer dos tres ultimos annos, e a pagal-os até ao preço maximo de 200 réis cada quinze kilogrammas de alfarroba e 300 réis por igual quantidade de figo.
Art. 12.º Ficam assegurados para o alcool do gremio, como maximos, os actuaes impostos de consumo, seja de que ordem for, e real de agua, e não poderão ser creados impostos ou taxas novas que incidam sobre os productos do gremio.
§ unico. Dos impostos actualmente existentes e que incidem sobre alcools ou aguardentes, o gremio não poderá pagar taxas superiores aos que paguem os álcoois ou aguardentes de outra natureza ou procedencia.
Art. 13.° O gremio dará ao estado a quantia do réis 2:000$000 para fiscalisação, por cada uma das fabricas do continente que estiver em laboração. Igual quantia será entregue para a fiscalisação de cada um dos dois depositos de vendas estabelecidos em Lisboa e Porto.
Art. 14.° O preço do alcool vendido pelo gremio não poderá ser superior a 200 réis cada litro de alcool de 95° centesimaes, excluidos os impostos de consumo e real de agua.
§ 1.° O alcool estrangeiro não póde ser vendido pelo gremio por preço inferior a 250 réis cada litro.
§ 2.° Quando por qualquer circumstancia, o custo do alcool estrangeiro for para o gremio superior a 100 réis cada litro, poderá o seu preço maximo de venda ser augmentado, tanto quanto for o excesso de custo.
Art. 15.° Este contrato vigorará pelo espaço de quinze annos, podando, todavia, por mutuo accordo, ser revisto e alterado de cinco, em cinco annos.

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 16.° Este contrato será rescindido pelo estado, com perda de deposito, quando o gremio faltar ao pagamento de duas prestações successivas.
Art. 17.° É o governo auctorisado a reconhecer para todos os effeitos juridicos, e legaes e nos termos em que for constituido pelas fabricas de alcool do continente do reino e ilhas dos Açores, aqui representadas, o gremio para pagamento do imposto do producção, o cuja séde será em Lisboa com a denominação de «gremio dos fabricantes de alcool.»
§ unico. As fabricas que o constituem e estiverem em laboração, continuarão pagando as actuaes contribuições, ficando por esse facto o gremio isento de contribuição industrial.
Art. 18.° Para garantia d'este contrato o gremio depositará na caixa geral de depositos a quantia de 100:000$000 róis em dinheiro ou titulos de divida publica portugueza.

Disposições transitorias

1.° A primeira prestação do gremio começará a contares desde o dia 30 de junho do proximo anno de 1892.
2.° Dentro do praso de cinco dias, a contar da assignatura do contrato definitivo, o governo mandará proceder a um varejo nas fabricas de alcool e seus depositos, para verificar as quantidades existentes. Todo o alcool que não for manifestado pelas fabricas será apprehendido e o seu possuidor punido nos termos da lei.
O alcool, cuja existencia se verificar, pagará ao estado o actual imposto de producção.
Todo o alcool que for produzido posteriormente á data do varejo e vendido para o consumo até 30 de junto, pagará 50 reis por litro, de imposto de producção, se for propriedade das fabricas agremiadas.
O alcool que as fabricas não agremiadas produzirem desde a data do varejo em diante e que for vendido para o consumo, pagará 100 réis de imposto de producção para o estado até 30 de junho e só d'ahi em diante começará o imposto a ser deduzido da annuidade do gremio.
Lisboa, 18 de dezembro de 1891. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

O redactor = Barbosa Colen.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×