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N.° 19.

SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO.

1854.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada — Presentes 72 srs. deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio. dia.

Acta — Approvada.

Entraram durante a sessão os srs. Alves Martins. Archer, Corrêa Caldeira, Louzada, D. Antonio de Mello Saldanha, Breyner, Antonio Pereira de Menezes, Castro Guedes, Dias e Sousa, Carlos Bento, Cunha Pessoa, Pegado, Teixeira de Sampaio, Pessanha (João), Soares de Albergaria, Lobo d'Avila, José Xavier de Moraes Pinto.

Faltaram com causa os srs. Affonso Botelho, Vasconcellos e Sá, Castro e Abreu, Mello o Carvalho, Cesar de Vasconcellos, Antonio Emilio, Lage, Camarate, Pitta, Fontes Pereira de Mello, Basilio Alberto, Pinto Basto (Eugenio), D. Francisco d'Almeida, Cazado, Silva Pereira (Frederico), Palma, Soares de Azevedo, Pessanha (José), José Estevão, Pestana, Ferreira de Castro, Baldy, Silva Pereira, Moniz, Paredes, Cardozo Castello Blanco, Emauz, Miguel do Canto, Placido de Abreu, Moraes Soares, Nogueira Soares, Pinto da Fiança, Simão da Luz, Northon, Torcato Maximo, Visconde de Castro e Silva.

Faltaram sem causa conhecida os srs. Adrião Accacio, Calheiros, Gomes Corrêa, Lopes de Mendonça, Fonseca Moniz, Conde de Saldanha, Custodio Gomes, Forjaz, D. Diogo de Sousa, Bivar, Carneiro, Joaquim Guedes, Honorato Ferreira, Magalhães Coutinho, Passos (Manoel), Visconde da Junqueira.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1.ª Do sr. Rodrigues Sampaio, de que o sr. José Estevão ainda não pode assistir á sessão de hoje, nem poderá assistir a mais algumas por incommodo de saude. — Inteirada.

2.ª Do sr. J. M. d'Andrade, de que o sr. Casado não póde assistir á sessão de hoje, nem poderá assistir a mais algumas, por motivo de molestia. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Miguel do Canto, participando que, por justo impedimento, não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

2.° Do sr. Felicianno Antonio Marques Pereira, deputado eleito pelo circulo de Gôa, em resposta a um officio que se lhe dirigiu, declarando que acceita o convite de vir á barra da camara defender a sua eleição. — Inteirada

3.° Do ministerio da guerra, devolvendo, com, as informações que lhe foram pedidas, o requerimento em que o major reformado, Domingos Vieira da Silva, solicita melhoramento de refórma. — Á commissão de guerra.

4.° Do ministerio da justiça, acompanhando a relação dos bachareis despachados pelo decreto de 18 de janeiro findo, para delegados do procurador regio, com as declarações que se offerecem a respeito de cada um delles, a fim de serem melhor conhecidas suas habilitações; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Corrêa Caldeira. — Para a secretaria.

5.° Do mesmo ministerio, acompanhando relações dos actuaes delegados do procurador regio nas differentes comarcas do reino, assim como dos que foram nomeados juizes de direito por decreto de 18 de janeiro findo, com as declarações que lhes são respectivas: e tambem as relações que já chegaram áquelle ministerio dos sub-delegados nos districtos judiciaes das relações de Lisboa e Porto, que são bachareis formados em direito; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Corrêa Caldeira — Para a secretaria.

6.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando os documentos, que foram pedidos em um requerimento do sr. Soares d'Albergaria, relativos ás occorrencias que tiveram logar em Pernambuco com o patacho Arrogante. = Para a secretaria.

7.° Do ministerio da marinha e ultramar, acompanhando, por cópia, o paragrafo de um officio do visconde do Pinheiro, governador geral de Angola, respectivo aos colonos madeirenses, que no vapôr Duque de Saldanha foram transportados para Mossamedes; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Silvestre Ribeiro. — Para a secretaria.

Representação: — 1.ª Da camara municipal da Guarda, expondo o mau estado em que se acha o porto e barra da Figueira, a pedir que se examine, e faça cumprir o contracto celebrado com a empreza daquellas obras. — Á commissão de legislação, ouvida a de administração pública.

2.ª Da camara municipal de Pena Cova a pedir providencias que melhorem o estado do porto e barra da Figueira. — Á commissão de obras publicas.

3.ª Dos habitantes do concelho de Santa Martha do Bouro, pedindo a revogação, do decreto de 31 de dezembro ultimo, na parte em que extinguiu este concelho. — Á commissão de estatistica.

4.ª Da camara municipal da Villa da Praia dá ilha de Sant-Lago de Cabo Verde, pedindo ser dispensada de pagar a, terça do concelho, a fim de ser applicada a obras de utilidade pública. — Á commissão de ultramar.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte

Requerimento: — Requeiro, que pelo ministerio da marinha e ultramar, seja remettida a esta camara, uma relação nominal dos guardas-marinhas, que, para subirem ao posto de segundo tenente da armada, se habilitaram posteriormente aos guardas-marinhas Francisco José da Pina Rolo, e Bernardo de Carvalho Ribeiro até á época em que estes ultimos forão promovidos ao posto de segundo tenente da armada. = Castro Guedes.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Em uma das sessões, passadas foi apresentado pelo sr. José

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Estevão um requerimento; mas como este sr. deputado participou hoje que não podia comparecer ás sessões por motivo de molestia, talvez a camara queira resolver sobre o requerimento, dispensando a presença do seu auctor. (Apoiados)

É o seguinte.

1.° Requerimento: — Requeiro que o governo mande levantar a planta e fazer o orçamento:

1.° De uma estrada que vá de Ovar pela villa da Feira entroncar-se na estrada real do Porto em Grijó.

2.° De uma estrada que vá de Aveiro entroncar-se na estrada real de Lisboa em Mogoforco.

3.° Que neste trabalho se comparem as duas directrizes a de Malhapão, Portouro, e Povoa da Palmeira, e a de Modeiro, Oian, e Oliveira de Bairro. — José Estevão.

Foi admittido.

O sr. Santos Monteiro: — Eu approvo o requerimento, mas não approvo a sua redacção para ser coherente com a resolução que se aqui tomou na sessão passada. Pela fórma imperativa como está concebido o requerimento, não tem logar nenhum: que o governo seja convidado afazer o que nelle se pede, não tenho dúvida alguma; mas o que é mais regular é guardar a discussão desse requerimento para quando estiver presente o ministro competente. (Apoiados).

Alguns srs. deputados pediram a palavra.

O sr. Presidente: — Visto que ha discussão sobre o requerimento, sobrestá-se nella até que esteja presente o illustre deputado auctor do requerimento. (Apoiados)

2.° Requerimento. — Requeiro que os papeis que remetto para a mesa, ácerca do Reguengo de Guimarães, sejam remettidos á commissão de legislação, para que esta quanto antes dê o seu parecer ácerca da arrematação mandada fazer pelo governo, dos forros do dito. = Cunha Souto Maior.

Foi addmittido — E logo approvado.

3.° Requerimento: — Considerando a communicação entre Téjo e Sado pela canalisação do rio das Enguias e ribeira de Marateca e terreno intermedio, e o enxugamento dos terrenos alagados pelo dicto rio e ribeira, como obras das mais uteis para o paiz, e de grandes vantagens para a provincia do Alemtejo e capital do reino, requeiro:

1.° Que para o estudo de taes obras o governo mande quanto antes levantar uma planta exacta assim dos mencionados rio e ribeira, como do terreno que as separa.

2.° Que a feitura desta planta, se o governo assim o julgar conveniente, seja incumbida a quem em concurso publico se preste a faze-lo em melhores termos de sciencia, brevidade e economia. = D. Garcia Peres.

Foi admittido.

O sr. Santos Monteiro: — Parece-me que este requerimento está nas mesmas circumstancias daquelle que ha pouco se fez do sr. José Estevão; portanto seria melhor adiar tambem a sua discussão para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, e fazer-lhe por essa occasião esta especie de convite. Creio que o seu auctor não deixará de concordar nisto.

O sr. Garcia Peres: — Não me opponho a que se adie o meu requerimento até que esteja presente o sr. ministro das obras publicas.

Ficou assim adiado.

4.° Requerimento: — Proponho que haja uma commissão especial de foraes que seja composta de 5 membros, e nomeada pela mesa. = B. d'Almeirim.

O sr. Santos Monteiro: — Eu approvo o requerimento no sentido de ser revista a legislação sobre foraes; mas não o approvo no sentido de se nomear uma commissão especial para esse fim; eu digo a razão, e aproveito a occasião para responder ao sr. Vellez Caldeira, digno presidente da commissão de legislação, creio eu. Quando se tractou nesta camara de eleger a commissão de legislação, propuz que ella fosse composta de 14 membros, para a mesma commissão, se tanto o julgasse necessario, dividir-se em secções: effectivamente foram eleitos 14 srs. deputados, e com a acquisição do sr. Mello e Carvalho, tem a commissão de legislação 15 membros; e estou bem persuadido que nella se acham, senão todas, muitas das capacidades legislativas desta camara, que seriam aquellas que teriamos a escolher para a commissão especial.

A questão de foraes creio que já tem sido tractada na commissão de legislação, e que, sendo ella convidada a encarregar-se desta materia, nós alcançavamos alguma cousa melhor; e até escolhendo aquella commissão do seu seio uma secção que fosse especial para este fim, escusavamos de eleger ou nomear uma commissão especial; porque não sei se dividindo-se os deputados por muitas commissões, e por commissões especiaes, poderão trabalhar mais do que n'uma commissão geral. Eu não combato a idéa, antes a apoio, não obstante ter soado, que um jurisconsulto distincto desta camara suppõe desnecessaria uma medida legislativa, porque intende que na legislação actual está tudo prevenido. Entretanto eu intendo que se deve tractar da questão no seio da illustre commissão de legislação, ou antes em commissão plena, ou por uma secção desta commissão. Não pedi tanto a palavra para apresentar estas idéas, como para me justificar do facto de ter sido eu quem propoz que a commissão de legislação fosse composta de 14 membros, com o fim de se poder dividir em secções, para se occupar dos differentes assumptos; e esta é a occasião della formar do seu seio uma secção para o fim especial de tractar dos foraes.

Não faço, pois, questão, mas parece-me bem desnecessaria a eleição de uma commissão especial, quando temos uma composta de 15 jurisconsultos distinctos, e que podem occupar-se da questão dos foraes.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, eu pouco tenho a accrescentar; o objecto é muito interessante e muito importante; mas por isso mesmo parece-me que no seio da illustre commissão de legislação ha muitos cavalheiros competentissimos para tractar delle; e se aquella commissão é composta de 14 ou 15 membros, não sei aonde se hão de ir buscar mais para formar uma commissão especial, a não eleger aquelles mesmos. Portanto, intendo que a commissão de legislação póde dividir-se em secções e tractar deste objecto, e que não necessitamos eleger uma commissão especial, porque naquella commissão estão pessoas competentissimas para tractar não só deste objecto, mas de todos os que deste ramo se apresentarem.

O sr. Barão d'Almeirim: — Conheço todas as razões que acabei de ouvir em relação á minha proposta, mas insisto nella porque intendo que essas ra-

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zões, são contra producentem. Que exista uma commissão de legislação composta de 14 membros, que hoje está elevada ao numero de lá, e que nesta commissão estão os mais abalisados, jurisconsultos que nós temos, estou perfeitamente de accôrdo; mas, sr. presidente, o que eu desejo, é que exista, uma commissão que tracte especial e unicamente deste objecto; (Apoiados) a commissão de legislação tem muitos objectos a tractar, e todos elles são muito transcendentes e muito importantes. (Apoiados) Por consequencia, embora ella seja composta de maior numero de membros do que ordinariamente tem as commissões, todos os membros dessa commissão tem bastante que fazer, e bastantes negocios de que occupar-se; e este é um negocio, de importancia tal que por si só depende da attenção de uma commissão expecial. Além de que, apesar da illustre commissão ser composta de 15 membros, nós sabemos que faltam 3 actualmente, e por consequencia já esse numero está reduzido; e as commissões nem por serem muito numerosas trabalham mais, ou os seus trabalhos são mais promptos.

Por estes motivos eu intendo que a camara daria um passo muito conveniente nomeando esta commissão especial, para tractar deste negocio exclusivamente. Este negocio, sr. presidente, ninguem poderá negar que seja, talvez, o de maior importancia para a prosperidade em geral do paiz, e que é reclamado por todas as provincias; ainda não houve uma sessão legislativa em que não apparecessem muitas e differentes reclamações sobre objecto desta natureza; os tribunaes todos estão atulhados de autos procedentes de questões nascidas desta legislação. Por consequencia, eu intendo que o maior beneficio que nós, podiamos fazer a este paiz, era tira-lo do estado em que se acha, do pélago de demandas e questões em que está envolvida toda a propriedade, em consequencia da legislação vigente; o esta camara, decerto, bem merecia do paiz, se por uma vez désse um passo á frente na liberdade da terra, o que eu intendo só poder-se obter por uma legislação clara sobre este objecto. Não acho, pois, razão alguma pela qual a minha proposta deixe de ser approvada pela camara.

O sr. Cunha Sotto Maior: — Eu, sr. presidente, se v. ex, e a camara querem que eu diga a verdade, não me opponho a que se nomeie a commissão, nem reprovo o requerimento do illustre deputado, porque o acho bastante sensato. S. ex.ª fez aquelle requerimento em consequencia de um facto; e qual é este facto, sr. presidente? É o que eu tenho notado á camara por mais de uma vez: ha fóros cuja abolição está na letra e no espirito da lei, e o governo, apesar da determinação expressa e clara da lei, manda proceder á arrematação destes fóros. Os foreiros vem perante a camara requerer que o governo sobresteja em tal arrematação, e o governo vem aqui e diz: — Eu indaguei o que ha ácerca dos fóros do Reguengo de Guimarães, e vim no conhecimento de que esses fóros não são dos abolidos, por consequencia insisto na sua arrematação. — Ora, sr. presidente, collocada a questão neste caso, eu não achava, seriamente fallando, pleonasmo, como lá se diz, a nomeação de uma commissão especial. Tenho ouvido dizer, que a interpretação da lei pertence aos tribunaes, e que a camara dos deputados não tem nada com esta questão. Eu sinto dissentir da questão dos illustres deputados que fallam assim. Na minha humilde opinião ha duas qualidades de interpretações; ha a interpretação doutrinal, e ha a interpretação authentica, e legal. A interpretação doutrinal pertence, não ha a menor duvida, nos tribunaes mas a interpretação authentica, e legal, é do exclusivo dominio das côrtes.

Ora muito bem; se os fócos que o governo manda arrematar, são, dos abolidas, ha decididamente uma violação de lei, e se o governo viola a lei, o governo é responsavel para com o corpo legislativo. E não vale dizer que os lesados vão aos tribunaes: Porque é, sr. presidente, que nós havemos de ir suscitar e auctorisar com o nosso, juiso uma demanda que v. ex.ª sabe muito, bem é sempre morosa e despendiosa, e obrigar um pobre foreiro a que, ainda, além de debulhado, gaste o seu muito ou pouco dinheiro n'uma demanda que neste paiz leva mezes e annos?

Isto não é resolver a questão. Eu queria que a questão se resolvesse, e para que ella se resolvesse, e para que ella se resolva, parecia-me que se devia proceder deste modo; isto é, que ou á commissão de legislação que já existe, ou á commissão especial que propõe o meu amigo o sr. barão d'Almeirim, sejam remettidos os papeis que eu mandei para a mesa. A commissão de legislação ou a commissão especial verá por esses papeis que houve um processo, que houve uma sentença, combinará esse processo e essa sentença com a disposição dura e terminante da lei, e se intender que ha violação da lei, que os foros que o governo manda arrematar não são comprehendidos na disposição da lei, a commissão faz as suas observações ao governo, observações que não hão de ter caracter nenhum de opposição nem de reprehensão, e o governo depois de ouvir a commissão composta de jurisconsultos que hão de explicar o texto de lei, manda sustar na arrematação do foros, e deste modo resolve-se a questão sem ser necessario obrigar os pobres foreiros a sustentarem no foro judicial tuna demanda. Que a necessidade ha disto? A questão é clara. A commissão, naturalmente composta de jurisconsultos, examina o facto, vê se aquelles foros estão ou não comprehendidos na lei; se acaso estão comprehendidos na lei, a arrematação continúa; se não estão comprehendidos na lei, o governo, docil ás reflexões da commissão, manda suster a arrematação. Parece-me, sr. presidente, que assim podemos conseguir um resultado. Eu não fiz este requerimento com espirito de opposição. Tenho já declarado, e declarado sinceramente á camara, por mais de uma vez, que tenho bastante para fazer opposição, tenho talvez de mais; por consequencia não venho procurar estes pequenos incidentes para aggravar a minha situação para com o governo. Eu o que quero, é que o governo faça justiça. Se acaso aquelles foros devem ser arrematados, sejam arrematados; mas decida-se isto, e não se remetta a solução da questão para os tribunaes, porque isto não é resolver a questão, é aggravar a situação já ruinosa e embaraçosa dos foreiros. (Apoiados).

V. ex.ª, sr. presidente, e a camara creio que terão intendido o meu pensamento. O meu pensamento é o seguinte: — A commissão de legislação ou a commissão especial em consequencia da approvação que a camara deu ao meu requerimento, examina o facto e depois de o ter examinado vem á camara, e diz: — os foros do Reguengo de Guimarães estão ou não

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comprehendidos no espirito da lei; — ser estão comprehendidos, a arrematação desses, foros continúa; senão estão comprehendidos o governo, docil, ao parecer da commissão, manda sustar a arrematação. Não sei se consegui fazer-me intender. Eu nisto sou guiado por um sentimento de compaixão, por assim dizer, para com aquelles povo, porque v. ex.ª conhece, e o paiz sabe, quanto os povos são victimas, dos tribunaes; basta a tabella dos emolumentos judiciaes para arruinar solidas fortunas; (Apoiados) basta, isto, sr. presidente, e querer obrigar um pobre lavrador de uma aldêa do Minho a vir sustentar perante os tribunaes, uma questão insignificante, é barbaro. (Apoiados — algum rumor.)

Eu sei muito bem que não posso fallar de maneira que contente a todos. Eu defendendo aposição dos pobres, não hei-de estar defendendo a dos opulentos fallando contra os tribunaes, por força hei de suscitar um tal ou qual sentimento de pouca sympathia da parte dos juizes que estão aqui; mas isto não é censurar, não é condemnar, não é incriminar os respeitaveis magistrados que tem assento na camara; é censurar, é condemnar, incriminar um facto, que está na nossa legislação.... (Uma voz: — E que é preciso emendar) e que é preciso emendar; mas por que não se emenda? Não sei.

Eu, sr. presidente, desde o primeiro anno que tomei assento na camara, tenho ouvido constantemente um clamor, um alando, um queixume contra as tabellas dos emolumentos judiciaes; tem-se nomeado commissões sobre commissões para reformar estas tabellas, e nenhuma refórma se tem feito. V. ex.ª é presidente ha uns poucos de annos, muitos dos cavalheiros que aqui estão, tem tido assentos nas outras camaras, digam, sou inexacto no que digo? Porque é que não se reformam as tabellas dos emolumentos judiciaes? (Uma voz — Tem-se reformado tres ou quatro vezes) Pois vejam que tal a coisa é, que apezar, de ter sido reformada quatro vezes ainda se continúa a gritar contra ella!... (Respondendo a um áparte que não se percebeu) Essa é outra questão, os advogados e os juizes lá se intendem.

Eu peço á camara que attenda ao que eu proponho, se a camara me quizer fazer este favor muito que bem; se não quizer, eu já estou acostumado a ver rejeitada a maior parte das minhas propostas; por consequencia hei de resignar-me.

O que eu peço, é que ou a commissão de legislação, ou a commissão especial que propõe o sr. Barão d'Almeirim, examine o meu requerimento e, que dê definitivamente um parecer ácerca da questão; mas quanto antes, para que aquelles povos não continuem neste, estado de afflição. Basta a difficuldade que o pobre lavrador encontra no amanho, cultura e arroteação das suas terras, basta isto, e não vamos com duvidas artificiaes aggravar a sua posição já bastante embaraçada. (Apoiados).

O sr. Presidente: — O que a camara resolver ácêrca do requerimento, do sr. barão de Almeirim, não tem nada com o requerimento do sr. Cunha. O requerimento do sr. Cunha está approvado pela camara para ser remettido á commissão de legislação, e segurar mente a commissão de legislação não deixará de dar um parecer, sobre elle; mas para que seja remettido á commissão que o sr. barão d'Almeirim propõe que se nomeie, é preciso uma nova resolução da camara.

O sr. Pinto d'Almeida: — Sr. presidente, eu pedi a palavra para sustentar a proposta do sr. barão de Almeirim, e sustento-a porque o anno passado na sessão de 22 de fevereiro, fiz uma proposta identica a esta, conforme com todos os precedentes das camaras transactas. Eu, sr. presidente, não quero demorar muito tempo a camara sobre este objecto, mas direi sempre, que já ha muitas representações, e alguns collegas meus têem apresentado algumas, como são as dos concelhos de Ruivães e Guimarães, pedindo que se explique a lei de 22 de junho de 1846. Essa lei foi feita para explicar o decreto de 13 de agosto de 1832, e, eu intendo, com o meu fraco intendimento, que ella, tractou de confundir aquelle decreto, porque se até alli existiam nos tribunaes, tres ou quatro demandas, hoje existem milhares dellas, e de ordinario as victimas dessas demandas não são os senhorios e sim os enfytheutas. A lei de 22 junho de 1846 foi feita de proposito (perdoem-me seus auctores), para beneficiar os senhorios e illudir os enfytheutas, e tão mal feita é ella, que eu tenho visto nos tribunaes a mesma secção decidir por differente modo causas identicas; e póde-se dizer que alguns juizes têem decidido causas em identicas circumstancias de differente maneira! O resultado qual tem sido? O resultado tem sido, por exemplo, que no concelho, de Coimbra conheci eu um enfytheuta que teve uma demanda com o senhorio directo aqui em Lisboa; e sabe v. ex.ª o que aconteceu? É que esse homem, o qual tinha uma pequena fortuna quando começou a demanda, ficou pobre, porque querendo tirar um documento que lhe era necessario da repartição aonde estava, pediram-lhe 850$000 réis, e o pobre homem que precisava deste documento e não tinha este dinheiro para dar, quiz arranja-lo, e começou a deixar-se ir, como se costuma dizer, pela agoa abaixo, e ficou reduzido á fome, e o senhorio com o dominio directo e com o util.

É por isso que eu insisto em que seja nomeada uma commissão especial, que apresente o seu parecer sobre o decreto de 22 de junho de 1846, porque este é o maior beneficio que se póde fazer ao paiz. E esta camara que tem nomeado commissões para tudo, por que não ha de tambem resolver que do seu seio onde estão os principaes jurisconsultos do paiz, se nomeie uma commissão especial, e que esta apresente um projecto de lei sobre este negocio?

O sr. Barão d'Almeirim: — Sr. presidente eu pedi a palavra, para dar uma explicação ao meu nobre amigo o sr. deputado Cunha, quando pediu que os papeis, por s. ex.ª apresentados nesta casa, fossem enviadas a esta commisão especial, quando fosse approvada a minha proposta, e que esta fosse a encarregada de examinar os mesmos papeis.

Quando hontem, apresentei essa proposta, fiz logo um requerimento para que fosse nomeada uma commissão especial, e que, todos os papeis relativos ao negocio de foraes, lhe fossem remettidos para os tomar em consideração.

Aproveito a palavra para responder ao que disse ha pouco o sr. Santos Monteiro, fallando sobre a minha proposta que, não approvaria, a nomeação de uma commissão especial, senão quando se marcasse a legislação que devesse ser revista... (O sr. Santos Monteiro — Não disse tal) Ou que a approvaria se fosse para rever a legislação a este respeito; foi isto o que me pareceu, ter ouvido ao sr. deputado. (O sr. Santos Monteiro — Nem uma, nem outra cousa) Por

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consequencia intendo que esta reflexão não devia ser tida em consideração, porque é essencialmente para rever a legislação existente que deve ser nomeada a commissão; porque agora não se tracta de fazer uma nova legislação, mas sim para rever aquella que agora existe, e poder adoptar-se alguma providencia que faça cessar o mal que os povos estão soffrendo pela interpretação variada que se tem dado a toda a legislação actual, sobre o assumpto.

Insisto pois na minha proposta.

O sr. Bordallo: — Sr. presidente, pedi a palavra para declarar em primeiro logar, que não me opponho a que se nomeie uma commissão de foraes, antes me parece justa a nomeação dessa commissão; entretanto não me parece que haja rasão no que disse o nobre deputado o sr. Cunha, quando pediu que a camara declarasse, se certos bens eram ou não da corôa, porque de duas, uma — ou se quer tractar de reformar a legislação de foraes, e é neste caso que é justa a nomeação de uma commissão para tractar desse objecto, ou se quer tractar da applicação da lei actual sobre foraes; porque se se tracta da applicação da lei, isso pertence aos tribunaes, a camara não se deve occupar de examinar, se uma sentença foi ou não proferida conforme a lei, porque isso e um acto do poder judicial, sobre que não tem nada o poder legislativo. É necessario respeitar a divisão e independencia dos poderes politicos.

Agora, se se quer reformar a lei de foraes, se se quer voltar ao decreto de 13 de agosto, se se quer acabar com a distincção que fez a lei de 22 de junho de 1846, de accôrdo, e desde já declaro que heide votar pela maxima liberdade da terra, porque é isso de necessidade para o paiz.

Mas, repito, se se quer que a camara resolva, se são ou não da corôa certos bens, que é o que pedem as representações de que se tracta, isso não nos pertence.

Agora direi duas palavras, sobre o que disse um sr. deputado, relativamente á refórma das tabellas judiciaes. É certo que por vezes se tem aqui clamado contra a exorbitancia das tabellas judiciaes; é certo que se tem nomeado em todas as sessões legislativas uma commissão permanente para tractar da refórma deste objecto, e apesar disso é certo tambem que nada se tem feito a este respeito, e permitta-me a camara que eu diga, que nada se póde fazer.

As tabellas judiciaes não são exaggeradas; se ha um ou outro acto em que o sallario ou os emolumentos são um pouco mais elevados, é muito raro. Não se diga que a administração de justiça em Portugal é muito cara. As partes podem pagar muito, mas não se segue daqui que os empregados de justiça levem sallarios e emolumentos exaggerados. Eu espero que os magistrados que tem assento na camara, hão de concordar no que acabo de dizer. Os sallarios ou emolumentos judiciaes não são exaggerados. Se as partes dispendem muito, não é com os empregados judiciaes, é com quem dirige ou solicita as suas causas; é um grande mal, mas para isso e necessario outro remedio — não é o da refórma da tabella judicial.

O sr. Antonio Feio: — Sr. presidente, eu pedi a palavra para asseverar á camara que é certo haver grandes duvidas sobre a legislação actual ácêrca de foraes. Não entro agora na questão — se precisamos ou não de uma nova legislação a este respeito — mas é innegavel, que na relação ha grandes duvidas para decidir sobre causas desta natureza; depende isso das secções a que são distribuidas, porque umas decidem de uma maneira, e outras de outra. (Apoiados)

Ora, o que eu quero, o que todos nós devemos querer, é um direito fixo e determinado, é um juizo que decida da mesma maneira em todas estas questões, porque não ha esse juizo, e isto prova a duvida em que estão as relações a este respeito.

Por consequencia eu votava que houvesse uma commissão ad hoc, não porque a commissão de legislação não seja composta das maiores illustrações desta camara, ao menos no ramo judicial; mas porque ella tem muitos objectos de que se occupar, e com effeito trabalha muito. A questão e portanto, qual dellas deve ter preferencia. Eu intendo que um é este (Apoiado) e por consequencia parece-me que deve nomear-se uma commissão especial para este fim, ou então dividir-se a commissão de legislação em duas secções, e uma dellas ser encarregada desta refórma.

O sr. Presidente: — Vou propôr o requerimento á discussão em tres partes, e consultarei a camara sobre cada uma dellas.

1.ª Parte — Se ha de haver uma commissão de foraes? — Decidiu-se affirmativamente.

2.ª Parte - Se ha de ser composta de 5 membros? — Decidiu-se que sim

3.ª Parte — Se ha de ser nomeada pela mesa? — Affirmativamente.

O sr. Rivara: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Ficou para se tomar opportunamente em conta.

O sr. J. M. d'Abreu: — Mando para a mesa um parecer da commissão de petições.

Para opportunamente se tomar em conta.

O sr. F. F. Maya: — Sr. presidente, em agosto do anno passado, a meu pedido, resolveu a camara que fossem remettidos ao governo, pelo ministerio da fazenda, todos os documentos aqui existentes sobre o imposto das pescarias, e sua irregular, oppressiva, e talvez illegal cobrança, a fim de que o governo, dentro das suas attribuições, podesse tomar aquellas providencias que julgasse opportunas para allivio dos pescadores.

Clama-se por toda a parte a favor dos interesses materiaes do paiz, mas esquece-se, e abandona-se, ou antes, opprime-se e embaraça-se a mais laboriosa de todas as industrias! É tempo de acudir aos males que soffrem os pescadores; e eu confio que em voltando os ditos documentos, e sendo mandados á illustre commissão de fazenda, ella nesta mesma sessão, como é urgente, apresentará um projecto de lei para definitivamente resolver este importantissimo negocio.

Mando para a mesa um requerimento.

(Continuando) Mando tambem para a mesa uma representação de alguns possuidores de papel-moeda da cidade do Porto, em que pedem a resolução de outras representações que têem dirigido a esta camara, e que se attenda a esta divida sagrada. Os proprietarios desta moeda estão ha 16 annos privados daquillo que solemnemente se prometteu pagar-se-lhes; parte delles são algumas corporações de beneficencia, alguns estabelecimentos pios da cidade do Porto que são credores desta moeda em avultadas quantias: todos esses possuidores de papel-moeda acham-se privados das quantias de que são credores, apezar da

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solemnissima promessa de que seriam pagos os seus creditos pelo seu valor nominal, a qual mão foi cumprida. Não tracto agora de se houve ou não embaraços e difficuldades invenciveis, que obstaram a isso; mas intendo que é tempo e mais que tempo de tomar em consideração este negocio, para o qual peço a attenção da camara.

Ficou para ter o seguimento regular.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Themudo; mas devo dizer, que a respeito do que tractou o sr. Maya, não póde haver agora discussão, nem e costume havel-a nestes casos.

O sr. Themudo: — Era para declarar que tomava áquelle requerimento do sr. Maya tambem como meu; e ao mesmo tempo para pedir a v. ex.ª que marcasse dia para a interpellação que eu tinha pedido fazer ao sr. ministro da fazenda sobre este mesmo objecto.

O sr. Presidente: — Não o tenho marcado pela rasão que o sr. deputado sabe: em o ministerio podendo comparecer na camara marcal-o-hei.

O sr. Santos Monteiro: — Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos, e aproveitando a occasião, para declarar que hontem quando o meu amigo e collega o sr. Maya, com aquelle zêlo que tanto o distingue, chamou a attenção da commissão especial de pautas nomeada por esta camara, eu não disse nada, por quanto o sr. Oliveira Pimentel, tomando a palavra, disse o mais que podia dizer — que tinha havido até agora impossibilidade da reunião da commissão: a mim mesmo parece-me que o anno passado, na época em que foi nomeada a commissão, ainda ella não estava, nem podia estar habilitada para fazer um juizo seguro sobre qualquer alteração que deva fazer-se na mesma pauta; nem até onde podiam ser justas ou injustas, fundadas Ou não fundadas as reclamações que se faziam por parte da industria e por parte do commercio; mas agora, que tem decorrido já 13 mezes de experiencia, estamos habilitados para esse fim, ou pelo menos estamos mais habilitados; cada um estará a seu modo, eu estou a meu modo, e os outros estarão a seu modo: para que o estejamos da maneira possivel, remetto para ames a este requerimento. Não sei, porque nunca vi, os papeis que lia nesta casa; mas sei que ha nas repartições publicas muitos esclarecimentos que podem ser apreciados pelos membros da commissão, da qual eu, me honro muito de fazer parte. (Leu)

Ainda não são todos, já hontem principiei a pedir alguns esclarecimentos, hoje continúo, e prometto continuar, porque esta questão todos aqui a chamam grave; para mim ella é gravissima, não só porque as industrias se queixam com mais ou menos rasão, mas porque effectivamente os rendimentos publicos teem-se resentido, e é necessario saber se isso é devido ou não devido ás pautas. Eu por ora não sei formar o meu juizo, ainda não sei: mas o que é certo é que a pauta feita por cavalheiros muito illustrados, e estando no methodo em relação ás antigas pautas muito melhor incomparavelmente, tem defeitos, e tem defeitos que cumpre remediar; e tem para mim o maior de todos os defeitos, que é em todos aquelles artigos em que se acharam embaraçados para marcar o direito, resolverem-se pelo peior de todos os expedientes que eu conheço, que é o direito ad valorem, methodo que tem sido banido de toda a parte, e que foi ultimamente banido não na Europa, que a illustração não está na Europa só, nos Estados-Unidos, onde ha um governo illustrado; e illustrado tambem a meu modo, porque não crê só nos impostos directos crê muito e muitissimo nos impostos indirectos. (Apoiados) A questão não vem para aqui.

Este requerimento tende a pedir alguns esclarecimentos em additamento ao que já fiz hontem, e continuarei a averiguar os mais que nos são necessarios: asseverando que sendo todas as questões que os illustres deputados aqui trazem ao parlamento, muito importantes, esta questão é importantissima; porque ao mesmo tempo prende com os interesses do commercio, com os interesses da industria e com os interesses da nação inteira, que são os interesses ficaes. (Leu)

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um outro requerimento pedindo uns esclarecimentos do ministerio da guerra, cuja urgencia proporia, e que hão de ser necessarios para duas differentes occasiões nesta camara.(Leu)

Ficaram para se lhes dar o conveniente destino.

O sr. Tavares de Macedo: — Há de haver um mez que os professores de instrucção primaria apresentaram aqui um requerimento pedindo alguns beneficios, a alguns dos quaes me parece que elles têem muito direito, é outros poderão talvez ser de muita conveniencia pública. Como brevemente espero que v. ex.ª dê para ordem do dia o projecto sobre organisação da instrucção primaria, seria conveniente, e muito para desejar, que á commissão de instrucção publica tivesse já então dado o seu parecer sobre aquelle requerimento, por que havia de illustrar muitos pontos da discussão. É por isso que eu desejava que v. ex.ª convidasse a illustre commissão a que, quanto antes, apresentasse aqui o seu parecer a respeito daquelle objecto.

Conclúo pedindo a v. ex.ª que me inscreva para apresentar um projecto de lei.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pede á commissão de instrucção publica, que dê o seu parecer sobre uma representação que lhe foi ha pouco tempo enviada; e diz que conviria que esse parecer apparecesse antes de se discutir o projecto sobre a instrucção primaria.

O sr. Teixeira de Queiroz: — Não sei qual é o requerimento a que se refere o sr. Tavares de Macedo.

O sr. Tavares de Macedo: — E um requerimento de professores de instrucção primaria apresentado já nesta sessão.

O sr. Teixeira de Queiroz: — Ha-os apresentados nesta sessão, e outros que passaram para estada sessão anterior. Não sei quaes são os professores que se queixam, a que o sr. deputado se refere. A commissão, logo que possa, apresentará a sua opinião.

O sr. Tavares de Macedo: — Se os requerimentos que ha na commissão, são todos sobre objectos que ella julga importantes, peço parecer sobre todos: se ella julgar que os outros não são importantes, não dê parecer sobre elles: mas talvez seja, melhor o parecer sobre todos, porque talvez possa isso ser conveniente para illustrar uma questão tão importante como a da instrucção primaria.

O sr. Teixeira de Queiroz: — A commissão toma em consideração as observações do sr. deputado.

O sr. Barão d Almeirim: — Sr. presidente, antigamente existia n'uma povoação do concelho de Santarem uma cadeira de instrucção primaria, e esta cadeira foi tirada dalli não sei com que fundamento: o certo é que a povoação é de bastante importancia

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e bastantemente numerosa para dever possuir esta cadeira; por isso seria muito conveniente que ella tornasse outra vez a ser estabelecida naquelle ponto, e para este fim mando para a mesa um requerimento para em vista das informações que vierem do governo, eu seguir aquelle caminho que me parecer mais conveniente. (Leu)

Ficou para se lhe dar o competente destino.

O sr. Arrobas: — Uso da palavra para pedir a v. ex.ª se dava para ordem do dia, logo que seja possivel, a nomeação daquella commissão de inquerito que ficou votada para o ministerio da marinha. Do anno passado passou para este anno, e no primeiro dia de sessão, v. ex.ª demorou essa eleição com toda a rasão; circumstancias se apresentaram que a isso o obrigavam; mas agora parece-me que essas circumstancias tem desapparecido. Pedia pois a v. ex.ª, se na primeira occasião que houvesse, a dava para ordem do dia.

O sr. Cazal Ribeiro: — Pedi a palavra para fazer um requerimento similhante ao que o illustre deputado, que acaba de fallar, apresentou. V. ex.ª e a camara estarão certos que o anno passado, por occasião da discussão do orçamento, propuz, com alguns dos meus collegas da commissão de fazenda, que se nomeasse uma commissão para examinar a liquidação da divida á companhia das obras publicas de Portugal, visto ser no orçamento que o anno passado se discutiu, a primeira vez que se apresentava uma verba para pagamento dos juros dessa divida. A camara votou que se nomeasse a commissão encarregada de examinar essa liquidação: por tanto peço a v. ex.ª, que, quando o intender opportuno, dê para ordem do dia a eleição da commissão.

O sr. Presidente: — Digo aos srs. deputados, que aproveitarei a primeira occasião para dar para ordem do dia a eleição dessas commissões.

O sr. Fonseca Coutinho: — Mando para a mesa uma representação da misericordia de Portalegre, em que requer contra o decreto de 31 de dezembro de 1852, que sujeita á contribuição predial os bens das misericordias. Sendo muito justas as rasões em que aquella misericordia se funda, pedia a attenção da illustre commissão para ellas, não se esquecendo de que estes estabelecimentos são ornais seguro e unico refugio da humanidade desvalida, e que por isso precisam todo o auxilio.

Ficou para ter o seguimento regular.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — O meu fim e pedir á commissão nomeada na sessão do anno passado para inquerir o estado do banco, que nos traga aqui o seu relatorio, porque v. ex.ª sabe muito bem, e a camara estará lembrada da urgencia com que foi reputada a nomeação daquella commissão. Esta commissão, sr. presidente, parecia-me que nos tinha promettido salvar o paiz, e fazer entrar o banco nas devidas regras que competem áquelle estabelecimento, e a commissão parecia-me tanto empenhada na investigação dos factos que podessem ou accusar ou absolver o banco, que no penultimo dia da sessão do anno passado pediu para ser auctorisada a trabalhar no intervallo das sessões. Parece-me que uma commissão nomeada ha um anno deve vir informar a camara do que tem feito, ou do que não tem feito; se alguma cousa fez, traga isso que tem feito; e se nada fez, diga-o tambem; devemos acabar uma vez por todas com isto, (a que eu não sei que expressão deva dar, ou se acaso sei, recuo diante della com esta cousa que não posso classificar, de se nomearem commissões para nada fazerem, e os cavalheiros, para ella nomeados, arrogarem a si o credito de salvarem a não do estado, e no fim de contas não fazem nada..,

Peço tambem á commissão a quem foi remettida a lista dos deputados que receberam do governo graças, mercês, condecorações e empregos, que dê quanto antes o seu parecer a este respeito, porque as commissões são para trabalharem e fazerem alguma cousa; ha já 10 dias que este negocio lhe foi remettido; e tendo a mesma commissão sido tão prompta em dar a sua opinião sobre o requerimento do sr. Faria de Carvalho, se elle devia perder, ou não, o seu logar de deputado, agora parece que receia dar o seu parecer sobre o negocio que lhe está commettido, por julgar talvez que póde estar incurso na mesma pena um cavalheiro que é membro desta casa, e irmão do sr. ministro do justiça.

E pedi que a commissão nomeada no anno passado para inquerir o estado do banco, traga á camara o resultado deste inquerito; porque se acha alguma cousa, diga o que achou; e se não achou cousa alguma, diga francamente que nada achou; mas fechar-se a camara em meio do anno passado, e a commissão ter pedido auctorisação para trabalhar no intervallo das sessões, estarmos em fevereiro, e a camara não saber nada do que tem acontecido a respeito do inquerito para com o banco, acho isto bem pouco parlamentar.

Com estas pequenas observações que acabo de fazer, não pretendo irrogar a menor censura aos membros que compõem as differentes commissões a quem me derigi; o que desejo, é saber o estado em que estão os negocios — que lhes foram commettidos, e que venham dizer á camara alguma cousa a este respeito.

O sr. Roussado Gorjão: — Sr. presidente, ha circumstancias parlamentares que de algum modo se apresentam n'uma situação um pouco critica; esta é uma dellas, e por uma razão muito simples, que vem a ser, — que apparece este assumpto quando ninguem o podia esperar — já se vê que o que vou dizer em resposta ás observações do illustre deputado, meu visinho, e como individuo, e como presidente da commissão a que elle se referiu, e não por parte da commissão. O que posso dizer ao illustre deputado, é que esta commissão, tendo sido eleita pela camara, e tendo recebido o seu diploma, alguns dias depois estava instalada, e tinha começado os seus trabalhos, e este principio teve logar no dia 28 de abril do anno passado. A commissão adoptou um plano para seguir nos seus trabalhos; e esse plano foi, que não podia verdadeiramente entrar naquillo que era inquerito, sem ter as bases que lhe servissem de ponto de partida para tudo quanto tinha a fazer.

Ha, porém, dois pontos em que tocou o illustre deputado, a respeito dos quaes eu peço licença para lhe dizer, que está enganado; nenhum membro da commissão, nem a commissão, fez promessa nenhuma; ninguem veiu aqui dizer que havia de salvar o paiz; (Apoiados) a commissão não disse, nem podia dizer cousa alguma a este respeito: a commissão nada dirá em quanto não tiver completado o apuramento dos factos, e vier apresentar o resultado á camara, porque a commissão não tem outra cousa a fazer senão promptificar estes documentos, e estabelecer a base

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para a camara ser informada cabalmente do que ha a este respeito, para podér depois avaliar o assumpto, e pronunciar a sua deliberação; a commissão sentiria grandes remorsos se não tractasse, por todos os modos, de corresponder á confiança que a camara depositou nella.

A respeito do outro ponto que o illustre deputado está enganado, vem a ser: que a commissão não quiz ser auctorisada para trabalhar durante o intervallo das sessões; o que se estabeleceu na commissão, foi que sendo adiadas as côrtes em agosto, para se abrirem em dezembro, e tendo a commissão em seu podér papeis de grande importancia, como a camara terá occasião de ver, a commissão intendeu que era necessario solicitar da camara uma resolução, para saber se devia ou não continuar no inquerito, durante o intervallo das sessões, e então, segundo a resolução que a camara tomasse, era necessario que aquelles papeis fossem archivados aonde a camara determinasse que o fossem.

Parece-me, pois, que não se póde dizer que houvesse aqui empenho algum, e mesmo quando houvesse, não podia ser interpretado senão de uma maneira muito honrosa para a commissão; porque creio que ninguem poderá dizer, que a commissão tivesse outro empenho senão terminar honrosamente os trabalhos de que foi incumbida. Portanto, quando a commissão apresentar o resultado dos seus trabalhos, estou certo que o illustre deputado lhe ha de fazer justiça, e então reconhecerá que não havia motivo nenhum para lhe dirigir uma censura; a incumbencia de que a commissão está encarregada, é uma operação que tem muito mais difficuldade do que fazer um discurso, tem certamente maior difficuldade do que fazer uma censura e uma arguição; (Apoiados) espero que o meu illustre collega que de certo modo quiz censurar a commissão, dizendo que ella se tem mostrado indolente, ha de ser o primeiro a fazer justiça á commissão quando ella apresentar os seus trabalhos, na certeza de que aquillo que ella deixou de fazer, é porque não estava na sua mão faze-lo.

O sr. Presidente: — A hora de se entrar na ordem do dia já chegou. Acham-se inscriptos sobre este assumpto tres srs. deputados; como não sei até onde nos levará este incidente, por isso fica pendente para ámanhã; e por agora vamos passar á ordem do dia que é o parecer n.° 14, sobre as eleições de Gôa.

É agora occasião de franquear a entrada na camara aos srs. deputados eleitos, e por isso convido os srs. Tavares de Macedo, e Fonseca Osorio a introduzirem na sala os srs. Xavier da Silva, e Marques Pereira.

Entraram os referidos srs. deputados eleitos.

ORDEM DO DIA.

Discussão do parecer n.° 14.

É o seguinte:

Projecto de lei (n.° 14): — A commissão de verificação de poderes vem hoje dar-vos conta dos seus trabalhos, no escrupuloso exame das actas e mais papeis do circulo eleitoral de Gôa.

Os estados de Gôa, compostos dos concelhos das Ilhas, Bardez, Salsete e Novas Conquistas, formaram um circulo eleitoral, dividido em 49 assembléas, para darem 3 deputados. A mesa do apuramento definitivo começou os seus trabalhos no dia 2 de outubro de 1853, que só acabaram no dia 8, depois de umas porfiada disputa, entre os que compunham a maioria da mesa, e a maioria da assembléa, composta dos portadores das actas, que pretendiam annullar alguns processos eleitoraes.

A contagem da mesa, apurando todos os votos, deu o seguinte resultado:

Caetano Francisco Pereira Garcez, com 13:160 votos.

Feliciano Augusto Marques Pereira.... 12:668 »

Augusto Xavier da Silva.............. 12:568 »

Sendo os immediatos menos votados:

Estevão Jeremias Mascarenhas......... 12:089 »

Joaquim Manoel de Mello Mendonça..... 11:558 »

José Maximiano Falcão de Carvalho.... 10:690 »

e foram eleitos deputados os tres primeiros, a quem por isso a mesa conferiu os diplomas de deputados, em quanto os portadores das actas, assumindo a faculdade de annullar algumas eleições, se julgaram tambem com direito de passar diplomas de deputados aos tres ultimos menos votados.

Na presença dos encontrados pareceres das commissões da assembléa do apuramento, em que todas se dividiram em maioria e minoria, a vossa commissão julgou dever descer a um minucioso exame das actas parciaes das assembléas, onde só por excepção deixaram de apparecer os protestos, aproveitando systematicamente as mais pequenas irregularidades, lendo por isso a commissão de consumir immenso tempo na leitura destes papeis, para discriminar nelles o que poderia merecer attenção, e que fosse digno de trazer-se á consideração da camara; e isto além de um protesto documentado, e de outros documentos externos, que a commissão teve de examinar, ouvindo ao mesmo tempo os interessados com escrupulosa attenção, o que tudo servirá de desculpar a demora que a commissão tem tido, em não ter dado mais cedo o seu parecer sobre tão importante assumpto.

Pondo, pois, de parte questões e duvidas de pequena monta, que os partidos agitam sempre neste momento tão solemne, a commissão só tractará de expôr-vos os factos mais importantes da eleição, e que possam habilitar a camara a decidir com mais conhecimento de causa o assumpto que se ventila.

CONCELHO DAS ILHAS.

Das 9 assembléas que tiveram logar nas Ilhas, a commissão só achou digno de notar-se o que acontecêra nas assembléas de Mandur e Taleigão.

Em Mandur as descargas nos cadernos do recenseamento foram feitas pelos secretarios, contra o disposto no artigo 65.° do decreto eleitoral; e não podendo concluir-se a eleição no mesmo dia, foram as listas rubricadas pelos escrutinadores, contra o que dispõe o § 1.° do artigo 74.° do citado decreto, os quaes tambem guardaram a chave do cofre; o que déra occasião aos protestos que se acham a fl. 7 e 8 da acta do apuramento, fazendo-se valer ainda a circumstancia de se ter chamado para substituir a falta dos parochos e regedores um individuo não ecenceado — o gentio Seurama Sinay Seridão — de quem se diz que parece incrivel que elle podesse reconhecer todos os eleitores de freguezias tão remotas.

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Na assembléa de Taleigão tambem vem a acta acompanhada de um protesto sobre a illegalidade da nomeação da commissão recenseadora do concelho; por quanto o presidente da commissão, tendo sido a sua proposta rejeitada por 23 maiores contribuintes contra 6, ordenou que estes elegessem os 3 membros da commissão, e os outros, 4; não consentindo que se dividissem em direita e esquerda como parecia permittir-lhes a letra do artigo 24.° §2.° e 3º. do decreto eleitoral.

Protesta-se além disso pelos actos practicados pela mesma commissão do recenseamento, porque tendo-se reunido esta em numero de 6 de seus membros, no dia 14 de agosto, designado pelas instrucções do governador geral da India para a divisão das assembléas eleitoraes, consultaram o mesmo governador sobre se podiam funccionar com 6 membros, e se o presidente devia ter voto de desempate; e recebendo-se resposta affirmativa, não concordando 3 delles com os outros na divisão das assembléas, tomaram o expediente de se retirarem, deixando só o presidente com mais 2 membros, que com approvação do governador geral passou a fazer a divisão das assembléas; porém no dia 17, época designada para se transmittirem os editaes para as differentes assembléas, appareceram não só os 3 membros, que se tinham ausentado, mas o outro que não tinha comparecido, pertendendo fazer de novo a divisão das assembléas, o que os outros repelliram com o fundamento de que o dia 14 era só o designado para aquelle objecto. Este facto deu occasião a uma pequena desordem, de que resultou levantar-se o presidente com os seus, em quanto os 4 restantes fizeram uma nova divisão de assembléas, que remetteram aos seus destinos, e que não teve seguimento por ter apparecido a outra no boletim official do governo, apesar de que em algumas freguezias chegaram a ser affixados os editaes assignados pelos dissidentes.

SALSETE.

Nas 19 assembléas de Salsete, entre algumas irregularidades, avulta na assembléa de Carmona o fallarem na acta original as rubricas de todos os mesarios, que exige o artigo 76.° do decreto eleitoral, o que aconteceu igualmente em S. Thomé, tanto na acta original como nas cópias. Na assembléa de Raia apparece um protesto do cidadão João Christovão Accurso de Quadros, assignado pelo substituto do regedor, porque tendo elle cintado o cofre, em que estava arrecadada a uma, foi aberto antes das 9 horas, e se lhe negou o exame do caderno das descargas. A mesa contesta o facto de ser aberto o cofre antes das 9 horas, accrescentando que o fôra na presença dos mesarios, delegado do administrador, do parocho, e dos mais eleitores, e que não duvidavam mostrar-lhe o caderno das descargas, com tanto que alli o examinasse, e não se levasse para fóra, como pertendia.

O que ha porém de mais notavel nestas assembléas, é a falta reconhecida na assembléa do apuramento, pelos cidadãos Victor Anastacio, e Vicente Salvador Vaz de Goes, de não apparecer nos cadernos do recenceamento a casa para nella se designar o imposto da liberdade do consumo do tabaco de folha, condição indispensavel para todo o eleitor, e que havia sido exigida pelo governador geral da India em conselho no seu officio de 9 de junho, nos termos do artigo 1.° do decreto de 12 de janeiro de 1853, que regulou as especialidades das eleições da India; e por estas faltas concluem aquelles 2 cidadãos pela nullidade da eleição.

BARDEZ.

Das 14 assembléas de Bardez, só ha que referir o seguinte. Em Callengut o presidente nomeado, Luiz Antonio Maria Leitão, propoz á assembléa a formação da mesa, que lhe não foi approvada, e tendo»a minoria eleito os 3 membros que neste caso lhe pertencia nomear, levantou o presidente um tal alvoroço, requisitando a força armada, que os membros nomeados se viram obrigados a retirar, continuando o presidente a compôr a mesa como quiz.

Ás 4 horas da tarde do mesmo dia appareceu o cidadão Euzebio Marianno Lourenço de Goes com uma nomeação do presidente da mesa do recenceamento para começar os trabalhos eleitoraes, a que resistiu o presidente Luiz Antonio Maria Leitão; de que resultou que tendo-lhe arrancado uns cadernos, o novo presidente Euzebio Marianno, compoz uma mesa, começando a funccionar, e fazendo cada uma das mesas as suas actas, em resultado das quaes apparece um numero de 57 votantes de excesso, além do numero dos recenceados. Este facto deu occasião a outras irregularidades, consequencia do mesmo, de que nos não occuparemos, por ser manifesta a nullidade desta eleição.

NOVAS CONQUISTAS.

Nas sete assembléas das Novas Conquistas são as mais notaveis as seguintes irregularidades. Em Canacona as descargas não vem em portuguez, mas acham-se em letra asiática uns caracteres, que os interpretes asseveram serem descargas, em contravenção do artigo 5.° das disposições geraes do decreto de 12 de janeiro de 1853, que manda sejam escriptas em portuguez as actas e mais actos da mesa: e o mesmo aconteceu na assembléa de Rivou e Mardó, e isto além da falta das listas do apuramento dos votos, e da não assistencia dos parochos para reconhecerem a identidade dos christãos, o que igualmente teve logar na assembléa de Queulá, onde tambem apparecem as descargas postas em letra asiática.

Nas actas e mais papeis da assembléa eleitoral de Bicholim se nota a falta de não terem termo de encerramento o caderno das actas e o das cópias.

Sobretudo na assembléa de Pernem avultam irregularidades, senão defeitos insanaveis, que viciam aquella eleição. Os cadernos do recenseamento, que o § 1.° do artigo 44.° do decreto eleitoral ordena que sejam fielmente trasladados do recenseamento definitivo, apparecem sem as indicações exigidas pelo § 1.° do artigo 29. do mesmo decreto, reduzidos apenas a uma lista de nomes, e tão imperfeita, que muitos delles contêem sómente o primeiro nome sem appellido, ou outra qualquer designação para evitar que votassem os que não estivessem habilitados. Esta falla foi tão reconhecida pelos vogaes da mesa, que na assembléa dó apuramento definitivo apparece uni attestado da mesma mesa, declarando que no acto do apuramento dos votos haviam tirado o edital do recenseamento, e por elle tinham verificado a identidade dos cidadãos, que se achavam nos

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cadernos do recenseamento, o que ainda assim não era bastante para sanar o defeito dos recenseamentos. É, porém, notavel que tendo a mesa praticado este facto para desculpar o vicio do recenseamento, não fizesse menção delle nas actas, e só se lembrasse de o expôr de officio á mesa do apuramento, que, não querendo admittir nem receber papeis alguns para serem presentes á camara dos srs. deputados, só se lembrasse de receber aquelle.

Apparecem, além disto, nos referidos cadernos nomes de christãos, escriptos em letra aziatica, contra o disposto no artigo 5.° do já citado decreto de 12 de janeiro; e por ultimo uma votação de 5:903 eleitores (de 6:199 recenseados) apuradas em parte de um dia sómente 800 listas, e no dia subsequente 5:103 — além das actas e dos editaes, que nesse mesmo dia se escreveram e assignaram, o que se torna incrivel, e parece resistir a tudo quanto até agora se tem praticado neste objecto.

Accresce, que comparados os eleitores recenseados em Pernem com a estatistica geral daquella povoação, mandada fazer em 1851 pelo visconde de Ourem, actual governador daquelle estado, acha-se que o numero dos recenseados é superior ao dos cidadãos da idade de 21 annos para cima, sem ainda descontar os proletarios, os criados de servir, e aquelles que não têem a qualidade censitica, os quaes em outra estatistica publicada em 1848 são em numero de 1:283. E se se quizer ainda comparar este recenseamento com todos os anteriores que têem havido em Pernem, acha-se uma desproporção tamanha, que não admitte comparação, tornando-se aos olhos de todos inverosímil um tal recenceamento.

Demais, mostra-se de uma justificação, que foi presente á commissão, que dois cidadãos se dirigiram a Pernem para examinar o livro do recenseamento, que o presidente arteiramente lhe recusára, sendo obrigados a retirarem-se daquelles sitios sem que o podessem examinar. Vê-se mais, que com quanto o governador geral da India providenciasse para se darem as certidões dos impostos, que se lhe pediram de Pernem, é comtudo certo, que este trabalho se não pôde effectuar a tempo, e isto serve de fundamento á falta de reclamações com que se argumenta.

Do conjuncto de todas estas illegalidades e vicios, que affectam gravemente a eleição de Pernem, e dos que ficam apontados quanto á assembléa eleitoral de Calangute, não é possivel deixar de concluir pela nullidade da eleição destas assembléas, cujos votos, sendo despresados, alteram o resultado geral da eleição deste circulo, sem ainda apreciar por agora os defeitos que deixamos referidos em muitas assembléas eleitoraes, e sem mesmo attender a todos os que fantasiou alli o espirito de opposição.

Em vista de todo o referido, a commissão é de parecer, que se devem julgar nullas as eleições a que se procedêra nos estados da India, no circulo eleitoral de Nova Gôa, para se mandar procedera outras.

Sala da commissão, 16 de fevereiro de 1854. = Elias da Cunha Pessoa = Justino Antonio de Freitas = Vicente Ferreira Novaes = José Maria do Cazal Ribeiro = Francisco de Paula Castro e Lemos.

O sr. Xavier da Silva (Deputado eleito): — Começarei, sr. presidente, por fazer um requerimento, e para mais facilmente o sr. secretario poder mandar satisfazer, determinando a entrega dos documentos que peço, o reduzi a escripto, e é o seguinte. (Leu)

Requerimento: — Requeiro que me seja confiado durante a discussão da eleição pelo circulo de Gôa:

1.° A acta original da mesa de apuramento do circulo eleitoral de Gôa.

2.° As duas actas da assembléa de Calangute.

3.° A acta da assembléa de Pernem.

4.° O caderno dos eleitores da assembléa de Pernem.

5.° A acta da assembléa de Mandur.

6.° O officio do ministerio da marinha de 30 de dezembro de 1853, e os documentos a que se refere.

7.° O officio do ministerio da marinha de 10 de fevereiro de 1851, e os documentos a que se refere.

8.° Um protesto assignado por 8 cidadãos, datado de Gôa, com 23 documentos, relativo á eleição de Gôa.

O sr. Presidente: —. Mandam-se buscar todos os documentos referidos no requerimento, e logo que cheguem serão entregues ao illustre deputado eleito.

O Orador: — Sr. presidente, confio, que a camara dos srs. deputados reconhecera, que a minha comparencia á barra não é um acto de audacia, mas unicamente o cumprimento de um dever. A camara me fará a justiça de acreditar — que tenho para mim que a disposição do regimento desta casa, quando permitte que o deputado eleito venha á barra defender a sua eleição, quando fôr contestada, não é uma pura e méra formula, é o respeito devido ás garantias que têem os cidadãos portuguezes de trazerem a este recinto os seus representantes, e que esta camara sabe respeitar tão justa determinação. Os motivos da disposição e para dar logar á defeza que o eleito tem para sustentar o seu direito, e para pela discussão se convencer a nação, que a não admissão do eleito não é um despreso dos direitos dos cidadãos que o elegeram, mas o resultado dos vicios do processo eleitoral.

As camaras legislativas são as primeiras a quem compele velar na guarda da constituição, na boa execução das leis — são as primeiras mantenedoras das leis, e das garantias do cidadão — e precisam plenamente demonstrar que attendem ao direito eleitoral que exerceram os povos que respeitam ao circulo da eleição contestada.

Sr. presidente, a minha comparencia nesta casa colloca-me n'uma situação difficil, tendo de impugnar um parecer assignado por cavalheiros tão distinctos, sendo os seus nomes por si só bastante garantia para se julgar que a decisão que tomaram nesta questão, não foi dictada nem por odio nem por amor; mas unicamente pelo espirito de justiça que caracterisa cada um dos membros da illustre commissão de poderes.

Ha tambem a circumstancia, pouco agradavel de muitos considerarem que a posição do que vem á barra, se assimilha á de um réo, quando em paizes mui civilisados, não se lhe dá similhante intelligencia, como acontece na Inglaterra, que tantas vezes tem chamado á barra — cidadãos respeitaveis para serem inqueridos em presença do parlamento — bem como o general mais distincto para ser elogiado, pelos seus extraordinarios feitos militares, e nem por isso se julga alli, como espero não se julgará aqui, que o vir á barra é uma situação humilhante e pouco agradavel.

Desejo ser breve, e fal-o-hei do modo que me seja possivel; mas a camara me desculpará se me demo-

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rar em qualquer, demonstração em uma questão que de si e complicada, e que se refere a factos, sendo necessario expol-os para se conhecer a verdade, e qual o direito que lhes deve ser applicado.

Preciso entrar muito analyticamente no exame desses factos, como o fez a illustre commissão, a fim da camara, como grande jury nesta questão, pronunciar o seu veredictum, proprio do seu caracter e da imparcialidade com que deve dirigir-se em todos os seus actos.

Não é por interesse pessoal que vou justificar, ou defender a eleição de Gôa, que desgraçadamente tem sido tão injustamente avaliada até aqui; defendo os actos eleitoraes executados no circulo eleitoral de Gôa, para satisfazer ao dever de pugnar pelo direito eleitoral dos que me elegeram.

Aproveitarei esta occasião solemne para agradecer aos povos de Gôa a honra que me fizeram elegendo-me seu representante, e para lhes significar em meu nome, e de todos os portuguezes europeos, que elles devem despir-se de toda e qualquer prevenção que por ventura se lhes queira apresentar a respeito dos seus irmãos europeus, porque todos são tão seus amigos, e tão leaes como os naturaes da sua terra. E um erro, é um erro gravissimo entre nós, procurar desconceituar taes homens perante os povos, quando se tracta de eleições, sem se lembrar, quem assim procede, que pouco póde durar a eleição, porque o tempo, e os factos vem depois destruir essas asserções que, sem fundamento, se propalam para fazer impressão de momento, e para pela illusão obterem seus fins. Mas os portuguezes nascidos ou naturaes dos dominios de Portugal, não têem rasão de terem rivalidades, e muito menos para se queixarem de seus irmãos europeus.

Portugal é uma excepção da maior parte dos governos da Europa. Não tenho idéa de que no parlamento inglez, no parlamento francez, ou no parlamento hespanhol sejam admittidos representantes das possessões ultramarinas, e que aos filhos das suas possessões se lhes dê tanta consideração como acontece entre nós, apesar de tão bem apreciarem os direitos dos cidadãos, e da Inglaterra ser considerada o typo dos governos constitucionaes.

Portugal, com muita justiça, não faz distincção entre os filhos da Europa ou de qualquer das suas possessões ultramarinas; felizmente os europeus que constituem a maioria dos parlamentos, e de todos os poderes do estado, tem dado a maior prova de consideração e estima aos portuguezes, aos nossos irmãos do ultramar, que amamos como os da Europa. Se alguem sustenta o contrario, para imbuir os povos, e para indispor, sobejas rasões têem elles para não acreditar tão inexactas asserções, e já é tempo de desapparecerem de uma vez para sempre quaesquer prevenções, porque não tem motivo para as acreditar. Os europeus os tractam sempre com a maior amisade e lealdade possivel, e pela minha parte declaro que tenho por todos a maior consideração e sympathia.

Aproveito tambem a occasião para dizer, que me maravilhou em extremo ver a maneira sizuda com que se tem comportado a imprensa de Portugal sobre esta questão das eleições de Gôa, que sendo importante e dando largas para os jornaes dizerem alguma cousa, não o têem feito, e por intender que não podia, nem devia dar o seu juiso ácêrca desta eleição, em quanto não se conhecesse devidamente de todos os factos, e em quanto, o tribunal competente não pronunciasse o seu juiso, afim deste não dar lugar a, dizer-se, que se pretendia excitar prevenções. Preferiram reservar-se para dar o seu juiso depois de convenientemente examinado o processo eleitoral, e este louvavel o imparcial procedimento, me obriga a tributar-lhe o devido respeito e agradecimento em nome dos povos de Gôa.

Sr. presidente, farei diligencia por examinar, em primeiro logar, o modo porque tem corrido o processo eleitoral em Gôa desde 1836: passarei depois a analysar com escrupulo cada uma das asserções e factos, a que se refere a illustre commissão no seu parecer; — e se a camara me permittir, pela liberdade que sempre tem sido dada áquelles que têem de se defender, farei um comparativo entre o processo eleitoral de Gôa, com outros, ou de Gôa, ou de qualquer possessão ultramarina, e mesmo do continente. Confio que hei de responder cabalmente a cada uma das asserções que serviram de motivo para se exarar este parecer; e que do comparativo desta, como de outras, que tem sido approvadas por esta casa (e quando digo esta casa não me refiro nem a esta, nem aquella legislatura) tirarei argumentos bastantes a favor desta eleição. Por ultimo, já que, a sorte me deparou que um parecer fosse dado tambem em seguida a este, sobre uma parte da eleição de Gôa, mas por um circulo differente, farei a diligencia por demonstrar que, por identidade de razão, se deve applicar á eleição de Gôa o mesmo direito, que por ventura a commissão intendeu dever applicar-se á de Damão. A camara permittirá que expresse a minha opinião, adquirida a vista do processo, e vem a ser, que em uma e outra eleição convém relevar defeitos, não vicios, porque os não tem, e só irregularidades que acontecem todas as vezes que ha eleições em Portugal, e que são constantes em todas as eleições do ultramar.

Peço á camara que attenda ao exame a que me proponho, e que desculpe a maneira porque o fizer, avaliando não as palavras de que possa usar, mas o sentido das expressões e das rasões que produzir, e parece-me que ha de adquirir a convicção que tenho, de que a eleição de Gôa é de justiça ser approvada.

Sr. presidente, as duvidas que se apresentam sobre a eleição de Gôa, não podem admirar: ellas são constantes desde os processos eleitoraes de 1836, data em que começou a lucta entre os povos das Velhas Conquistas com os das Novas Conquistas.

No anno de 1836 mandou-se proceder ás eleições no continente e em todas as nossas possessões ultramarinas; mas aconteceu que em Gôa votaram os povos das Novas Conquistas, apesar da reluctancia e da opposição que lhes fizeram os povos de Salsete e de Bardez. Aconteceu que o governador de Gôa se tinha visto na necessidade de se retirar, e os povos de Salsete, empenhados pelo governador, que me parece, era nativo, quizeram fazer opposição á eleição, que era dirigida pelo governo provisorio, para fazer persuadir o governo da metropoli, que o governador que dalli tinha saído, era homem que tinha sympathias, e que o governo provisional que o havia substituido, era malquisto de todos, e por isso as eleições não tinham podido corresponder ao sentido em que as tinha dirigido o mesmo governo provisorio; por

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quanto no ultramar, bem como no continente, os povos esforçam-se sempre em mostrar a confiança que lhes merecem os chefes administrativos, pelo resultado dos actos eleitoraes; porque, por mais que se queira dizer, que as auctoridades administrativas não influem, nem devem influir nas eleições, todos conhecem que ellas tomam directa ou indirectamente uma parte nesses actos; nem podiam deixar de a tomar; e se por ventura esse direito tem sido contestado, e pelo systema de todas as opposições quererem negar ao poder qualquer direito neste caso, sem se lembrarem, de que sendo poder, não hão de gostar que se lhes faça o mesmo.

Perdôe a camara se me separo um pouco da questão, querendo ser minucioso nisto, mas o negocio eleitoral que está em discussão, está tão ligado com a questão a que me refiro, que não podia deixar de narrar todas as suas circumstancias.

Como os povos das Novas Conquistas concorreram á eleição, uma parte dos de Salsete e Bardez que não podiam competir, nem tirar o partido que desejavam, tomaram a resolução de não concorrerem á eleição, e protestando, e questionando palmo a palmo todo o processo: porque, não se diga que em Gôa não se conhecem os tramites regulares de uma eleição: lá, como aqui, ha quem conheça este negocio com muita proficiencia, e alguem até com mais conhecimento do que muitos na Europa. Apesar de tudo veio a eleição no sentido em que foi dirigida pelo governo provisorio, sendo votados os srs. Sebastião Xavier Botelho, e Manoel Duarte Leitão; mas ella era tal, o processo eleitoral estava de tal fórma embaraçoso, que a camara intendeu por melhor não o approvar, mas usando dos poderes constituintes de que se achava revestida, mandou admittir os cidadãos votados. A camara não approvou a eleição, mas não duvidou acceitar no seu seio os individuos que tinham sido eleitos, e funccionaram como deputados. E pensa a camara que este procedimento teve logar porque eram votados nessa occasião o sr. Duarte Leitão, e o sr. Xavier Botelho com 27 votos cada um? Não foi, não, senhor: faço justiça á camara que assim resolveu, e a todas as camaras que se lhe seguiram nas resoluções que tem tomado sobre questões eleitoraes, convencido que são dictadas com a mira no bem publico. A camara de então convenceu-se que no estado de lucta em que se achava aquelle paiz, seria uma grande desgraça se mandassem preceder a nova eleição, e desejando que concorresse aos seus trabalhos quem podesse informar a camara das necessidades dos povos de Gôa, e tambem por motivos de tolerancia politica, foi por este motivo que, sem approvar as eleições, determinou que funccionassem os dois srs. deputados eleitos. No anno de 1838, depois da morte do sr. Barão de Sabroza, constituiu-se novamente um governo provisorio em Gôa, com as auctoridades que a lei marca na falta do governador, e de tal arte usaram aquelles que estavam empenhados em que os povos das Novas Conquistas não gozassem dos mesmos direitos, que elles gosavam, e de que devem gosar todos os cidadãos portuguezes, que por assento do governo de 31 de janeiro de 1833 conseguiu-se que o conselho do governo determinasse que os povos das Novas Conquistas não poderiam votar, e quando lá chegou a lei de 7 de abril de 1838, para se mandar proceder as eleições geraes, o governador, querendo executar a lei, achou tantas difficuldades, e tanta opposição de uma parte dos povos das Velhas Conquistas, que se prevaleceu da circumstancia, que o assento de 1838 não tinha sido derogado na lei eleitoral, e que o conselho do governo intendia que não devia proceder ás eleições, em quanto o governo não tomasse uma resolução a este respeito; e com esta evasiva deixou de fazer-se a eleição.

Sendo ministro da marinha o sr. visconde de Sá da Bandeira, expediu-se uma portaria na data de 7 de novembro de 1833, não só para Gôa, mas tambem para Moçambique, onde havia um assento de 18 de junho de 1834 do mesmo theor do de Gôa, e determinou que os mouros ou gentios que fossem residentes, ou nascidos nos territorios de Asia e Africa, gosassem dos mesmos direitos que a constituição garante a todos os portuguezes, tornando responsaveis as auctoridades locaes que lhe não dessem inteiro cumprimento. E quando se expediu a lei para se proceder a novas eleições no continente, e no ultramar, pela dissolução da camara de 1840, era ministro da marinha o sr. Conde de Bomfim, que informado desta opposição de uma parte dos povos de Gôa, para que não gosassem do direito eleitoral os povos das Novas Conquistas, determinou positivamente pela portaria de 30 da março de 1840, que os povos das Novas Conquistas fossem admittidos a votar e a serem votados como todos os cidadãos portuguezes.

O governador interino tractou de mandar fazer os recenseamentos para as eleições, e por um regulamento feito em conselho subordinaram as camaras das Novas Conquistas ás camaras de Salsete, Ilhas e Bardez, desconhecendo-se que tanto direito tinham estas camaras para representar no processo como as das Novas Conquistas, apesar da sua organisação especial garantida com os seus usos e costumes pela carta regia de 15 de janeiro de 1774; pelo que se evidenceia, que os povos das Novas Conquistas administram-se por leis especiaes que os senhores réis destes reinos têem sempre respeitado, como um acto proprio de ajustes ou accôrdo quando se subordinaram ao governo de Portugal.

Mas, sr. presidente, o modo especial de serem regidos administrativamente, não lhes tirou o direito de serem considerados como cidadãos portuguezes para gosarem de todos os direitos e de todas as regalias e fóros que têem os demais cidadãos, por isso que elles concorrem com todos os tributos geraes e com os de sangue. Queixaram-se as camaras das Novas Conquistas da injuria que se lhes tinha feito querendo-as sujeitar ás camaras de Salsete, Ilhas e Bardez, como se fossem juntas de parochia, até que a final o governador mandou que se fizessem os recenseamentos das camaras das Velhas Conquistas, isto é, de Salsete, Ilhas, e Bardez, suspendendo o das Novas Conquistas...

O sr. Jeremias: — E Damão e Diu?

Vozes: — Não interrompa.

O Orador: — Não me faz mal a interrupção; este negocio ha de ser decidido pela camara com a dignidade que lhe é propria, e não ha de ser pelo peior ou melhor modo de me exprimir que a camara dos srs. deputados ha de deixar de fazer justiça aos povos que me concederam a sua procuração e de que sou representante como deputado eleito.

Estou certo que ninguem abusará da minha posição em estar á barra, e sentado nestas cadeiras em

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que não goso dos mesmos direitos que são permittidos aos illustres deputados; pelo contrario, será isto mais um motivo para que a camara se conserve com a seriedade e dignidade que lhe é propria em um acto tão solemne, apesar das interrupções do sr. deputado, porque, pela minha parte, hei de sempre conduzir- me com o respeito devido a camara dos srs. deputados.

Continuando, sr. presidente, neste enfadonho relatorio, que vem prender na questão principal, tambem não se fizeram as eleições em 1840, porque o governador deu conta do que occorreu, e não houve resolução. Mandou-se proceder ás eleições pelo decreto de 5 de março de 1842, e os povos das Novas Conquistas ainda não votaram com o pretexto que não estava este negocio resolvido, e que estando affectas a camara dos srs. deputados differentes representações não tinha logar a eleição nas Novas Conquistas.

Vieram as eleições com algumas irregularidades, não lendo concorrido os povos das Novas Conquistas, e sendo votados os srs. Peres, Passos (Manoel), Pacheco, e Celestino Soares. Travou-se larga discussão nesta casa, e os que impugnavam a eleição, eram de opinião que se annullasse, por isso que faltava na concorrencia da votação a terça parte da população, o que podia fazer mudar a eleição, porque a camara sabe que as Novas Conquistas representam a terça parte da população de Goa, e as duas terças partes restantes são representadas pelas tres comarcas, Ilhas, Bardez e Salsete que formam as Velhas Conquistas.

Nessa discussão o sr. José Estevão tomou a palavra e defendeu, pela maneira que elle e capaz, a eleição de Goa; e do mesmo modo o fez o sr. José Maria Grande, que era então o redactor da commissão de verificação de poderes; e a despeito de todos os argumentos, de calculos, e de todas as razões que produziram os que a combaliam com a falta da concorrencia d'uma parte da população, com as irregularidades do processo, a camara intendeu que se deviam relevar todas essas fallas, e que a eleição devia ser approvada pelos mesmos fundamentos de 1836, isto é, poupar aos povos a repetição da lucta eleitoral; mas o sr. José Estevão disse, que intendia que a eleição estava boa, mas ainda que o não estivesse, a camara devia desculpar algumas irregularidades, visto que um dos eleitos era o sr. Passos (Manoel), que era uma respeitabilidade a quem se devia prestar homenagem. A eleição pois foi approvada, e approvada por uma grande maioria, se o não foi unanimemente.

No anno de 1845 mandou-se proceder a novas eleições, segundo o decreto de 5 de março de 1842, e instrucções de 1845, a que concorreram as Novas Conquistas; o processo trouxe algumas irregularidades, sendo votados os srs. José Antonio Maria de Sousa Azevedo, hoje visconde d'Algés, e os srs. bispo de Malaca, Lopes de Lima, e Cancio de Lima. A eleição soffreu grande discussão nesta casa, sendo impugnada pelo sr. deputado Joaquim Antonio d'Aguiar, e outros, com o fundamento, se bem me lembro, de que tendo o governo dado conta ás côrtes das occorrencias que tinham tido logar nas eleições anteriores, para que os povos das Novas Conquistas não votassem, intendia que não cabia na orbita das attribuições do poder executivo, mandar que os povos das Novas Conquistas não concorressem á eleição, em quanto sobre este assumpto não houvesse uma lei especial, mas afinal a eleição foi approvada, apesar das suas irregularidades, por intender a camara que devia poupar aos povos de Gôa uma nova eleição. A camara de então conhecia, como conhecem todos os srs. deputados, que é uma grande desgraça repetir nos povos do ultramar, assim como no continente, uma eleição politica.

Vieram depois as eleições de 1848, e votaram as Novas Conquistas; a commissão a que tive a honra de pertencer, foi de opinião que a eleição era valida, apesar de muitas irregularidades que nella se encerravam, e eu, sr. presidente, fui de opinião que a eleição se approvasse, mas que dous dos srs. deputados que então eram eleitos, não fossem proclamados por não terem reunido a maioria da totalidade dos votos que o collegio podia ter, se outra fosse a convocação dos seus eleitores, e por esse motivo intendia que não estavam bem eleitos. Houve grande discussão, fui o proprio que propuz e que obtive que os dous srs. deputados eleitos o sr. Jeremias, e o sr. Corrêa, se sentassem neste logar aonde estou agora, apesar do parecer da commissão lhes não ser contrario, mas unicamente por haver um membro da commissão que impugnava a eleição dos dous ultimos votados.

Eis uma prova de respeito pelos deputados eleitos que representavam aquella parte da monarchia.

Sr. presidente, do feliz ingresso, á barra, dos srs. deputados, e das rasões que apresentaram, os meus argumentos caducaram, e o resultado fui approvar-se a eleição de todos os candidatos. Não me demorarei pois neste ponto para não ser mais fastidioso, mas se fôr necessario virei ao desenvolvimento da questão, tal como se passou nessa época, e mostrarei a camara que sou coherente hoje com o que fiz em 1848, quando impugnava a eleição de dous dos srs. deputados; e ninguem podia attribuir-me que as minhas duvidas proviessem, nem por odio aos eleitos que não conhecia, nem pelo empenho pessoal, para me conservar na cadeira que occupava pela provincia da Estremadura.

Tenho feito uma rapida resenha, tanto quanto posso, dos differentes processos eleitoraes que têem aqui vindo por Gôa, e das razões de alta conveniencia publica, porque todos os parlamentos os tem approvado. E qual será ella? Está estabelecida na carta, bem como nos codigos politicos de todas as nações, quando determina que deve passar um certo numero de annos para se proceder a eleições politicas. Por ventura, não se estabeleceu tambem que deve passar dous annos, para se proceder ás eleições das camaras municipaes? E qual será a rasão do legislador? Será por não se convencer que seria melhor que todos os dias, se fosse possivel, os povos tractassem de escolher os seus representantes ou administradores, e de fazer retirar a procuração áquelles em quem já não tem confiança? E uma rasão de estado: — porque as eleições provocam uma grande lucta; — as eleições dão logar a muitas intrigas, ainda mesmo depois de acabadas; — convém pois arredar dos povos este mal que é inevitavel, e inherente á natureza das eleições, e para obviar a este mal, os cidadãos tem consentido, que o direito eleitoral seja exercido com certos intervallos.

Não me demorarei neste ponto, que a camara apreciará na sua eleição; porque a eleição, bem como a discussão, é a base do systema representativo; e commetteria um grande erro politico, se tendo-me assen-

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tado nestas cadeiras perto de doze annos, viesse dizer hoje que as eleições pela maior parte, são viciosas. Acredito que não o tem sido, nem o poderiam ser; mas lembre-se a camara dos srs. deputados, que os corpos legislativos têem uma alta missão; devem ter sempre a mira no bem publico, e como juizes deste respeitavel jury nacional, com as grandes attribuições que competem á junta preparatoria ou á camara dos srs. deputados, quando se tracta de eleições, tem o direito de usar da sua omnipotencia parlamentar nas questões de eleição, escolhendo de entre todos os males que se possam apresentar, o que tiver menos inconvenientes.

Se a eleição do circulo eleitoral de Goa for rejeitada, o que veremos nós? A repetição de todos esses actos que se practicaram com tanto azedume durante esta eleição, porque a experiencia lhe aconselha que delles podem tirar proveito. E espera a camara que a eleição que aqui vier, virá mais pura, e com menos irregularidades? Não o espere, nem o acredite; porque depois dos esforços que practicou o actual governador de Gôa, dando-se ao trabalho insano de dirigir passo a passo os povos de Gôa por meio de regulamentos e resoluções successivas para que apresentassem uma eleição regular, que trouxessem ao parlamento um processo que merecesse a sua approvação, — não será facil que, depois de tanto trabalho, que em algumas partes foi baldado, se possa conseguir melhor resultado.

A camara permittiu que me fossem confiados estes officios que fazem um volume. Quando os vi, magoou-me extremamente vêr, que ainda ha quem não avalie um governador — que tem um coração portuguez — que deseja o bem do seu paiz — que tem por elle tantas vezes sacrificado a sua vida — que ha deligenciado para que os povos de Gôa possam ser felizes, melhorando todos os ramos de administração publica —, que tem feito respeitar alli o nome portuguez, aonde desgraçadamente se apresenta uma lucta poderosa bem conhecida da camara, e que não se poupa a diligencias para que os direitos da corôa portugueza sejam mantidos com muita dignidade.

Sr. presidente, o actual governador dos estados da India é um bom portuguez, que tem a peito o bem do seu paiz e a despeito da opposição que se lhe faz preza-se de ser respeitado por todos os homens de bem; e faz diligencia de cumprir os seus deveres, pelo que tem merecido a confiança e louvores do governo. E para provar isto basta vêr os documentos officiaes, e recorrer á resposta que deu ajunta geral do districto á consulta nesta sua ultima sessão de 24 de novembro de 1853, publicada no Diario do Governo em resposta ao discurso que lhe dirigiu na occasião da abertura com a tenção de ser o ultimo documento desta ordem que dirigia aos povos da India, porque estava a findar o seu governo. Os elogios daquella junta geral são de grande valia, por serem feitos por tão respeitavel corporação, como se disse nesta casa quando se fez certa proposta, que era lembrada, e aconselhada por aquella junta, e se as suas opiniões são de muito peso para outras questões, parece-me que neste objecto deve igualmente ser acreditada.

Mas, sr. presidente, apesar de todas as diligencias que empregaram as auctoridades, para bem condusir os povos, não se pôde evitar que houvesse uma ou outra irregularidade, e que se fizesse uma guerra acintosa, a tudo quanto se mandava sobre actos, eleitoraes. E seria grande o numero dos que se oppunham? Não, senhor eram poucos; mas, poucos, em actos eleitoraes fazem muito; e em Gôa mais do que aqui; porque alli ha poderosos que dispõem de muitos, que lhes estão sujeitos; e se o governador tem a força da auctoridade de que não quiz nem, deve abusar, de que não póde mal usar, e que seria reprehensivel se mal usasse, os outros têem a liberdade de fazer o que lhes parece porque não tem, responsabilidade legal e só a moral.

O governador tinha tanto desejo de que bem se andasse no processo eleitoral, quando lhe foi enviada a lei de 20 de junho de 1851, que não procedeu á eleição. E porque seria, sr. presidente? Seria porque o governador não quizesse cumprir a lei! Não, senhor, faça-se-lhe justiça, foi porque viu, que a lei ou decreta de 20 de junho de 1851, continha disposições inexequiveis nos estados de Gôa, e para não se abalançar a por aquelles povos em movimento eleitoral, e vir depois um processo que se reputasse nullo, por isso que nelle podiam concorrer as entidades que deviam exercer differentes attribuições como eram, supponhamos nós, os juizes de direito, que não estavam nas suas comarcas, e os juizes das relações de que não havia o numero determinado, consultou o governo e pondo as duvidas, e remetteu um, projecto de regulamento, confeccionado pelo conselho do governo, indicando as alterações indispensaveis para a lei eleitoral se poder executar. O governo consultou o conselho ultramarino, e fez uma proposta a esta camara, mas sendo dissolvida caducou, a proposta.

Mandou-se proceder a novas eleições pelo decreto de 30 de setembro de 1852, que tem a maior parte das disposições do decreto de 20 de junho de 1851, e o governo fez um regulamento para as eleições de Gôa, que é o decreto de 12 de janeiro de 1853, unico que se expediu para as provincias ultramarinas, apesar das suas circumstancias serem especiaes, como é conhecido de todos; e com a publicação do referido decreto, sobre consulta do conselho ultramarino, desculpou a demora na expedição das ordens para se proceder ás eleições de Gôa. O governador geral demorou a execução da lei, até que se decidissem as duvidas que se tinham suscitado sobre a approvação das eleições municipaes de Salcete, que tinham acabado de fazer-se, estando o seu processo affecto ao conselho de districto, por intender ser melhor deixar constituir as camaras municipaes para depois começar o processo eleitora!; por isso que ás camaras municipaes, segunda a lei, incumbe a proposta para a formação das commissões de recenseamento, que deve ser submettida aos maiores contribuintes, e o governador não queria (ainda que uma camara funcciona até que outra a substitua) por escrupulo seu, era quanto as camaras eleitas, ou que fôsse necessario eleger para o corrente biennio não tivessem ingerencia na escolha das commissões, para não acontecer, que viesse aqui dizer-se, que o negocio estava nullo desde a origem, que a nullidade tinha começado pela escolha das commissões, e por consequencia que não devia vigorar a eleição. Constituidas as novas camaras municipaes começou o processo eleitoral, e o governador fez o regulamento de 31 de de março para dar execução á lei. Não contente com isso, a cada passo e todos os dias, deu instrucções, e não poucas, para que o processo eleitoral fosse executado com a regu-

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laridade possivel em vista da lei e das circumstancias especiaes dos nossos povos do ultramar, porque por mais que queiramos, as leis para o continente não podem alli ser executadas em todas as suas disposições, e aquelles que alli tem estado, não desconhecem esta verdade.

É preciso avaliar as circumstancias especiaes e costumes daquelles povos, e accommodar-lhe a legislação continental, sem o que muitas vezes se ha de enganar o legislador, assim como lhe ha de acontecer o mesmo, se ouvir unicamente certos interessados, porque elles podem, com muito boa razão, sustentar uma ou outra medida, que não é a mais util ao seu paiz em geral, e sómente áquelles a quem querem attender, ou porque disso estão convencidos, ou para satisfazer ás exigencias dos que concorreram, ou podem concorrer para sustentar as suas eleições Convém haver todo o cuidado na adopção de uma ou outra medida a respeito de qualquer possessão, ainda que seja pedida por um filho dessa possessão. Estes inconvenientes tambem se podem dar com relação ao continente, e não acredite o illustre deputado (o sr. Jeremias) que eu lhe faço injuria dizendo isto; pelo contrario, o illustre deputado tem sido um constante defensor (pela maneira por que intende) dos interesses de Gôa, e tem desempenhado a sua missão com a dignidade que lhe é propria.

O parecer da commissão allude a differentes irregularidades que se encerram no processo, umas de mais vulto, e outras cujo exame até se podia dispensar; e a illustre commissão mesmo, entre as muitas que encontrou, apenas indica aquellas de que lhe pareceu devia fazer menção. Quaes são essas irregularidades? Entremos nesse exame. É a eleição de Mandur, é a eleição em duas mesas dentro da mesma assembléa em Calangute, é a eleição de Pernem, e aqui fez a illustre commissão o ponto principal para regular a sua votação. Examinada cada uma destas irregularidades de per si, parece que não podem importar vicio ou nullidade bastante que dê em resultado a rejeição da eleição; mas pelo conjuncto destas irregularidades, diz a commissão, e é de parecer que a eleição não póde ser approvada. Perdôem-me os illustres membros da commissão, cujas luzes respeito, e com a amizade dos quaes ha muitos annos me honro. S. ex.ª como encarregados especiaes desta camara para examinarem o processo, cumpriram á risca a sua missão, e intenderam que, sendo de ordinario costume, que quando se submette os negocios a uma commissão tão respeitavel como é esta, muitos não se dão ao trabalho de os examinarem, e confiam no relatorio da commissão e no seu exame, limitando-se a confronta-lo com a discussão e com as provas que nelle se apresentam. A commissão intendeu que devia ser minuciosa e que devia proceder segundo o rigor dos principios, cumprindo depois á camara avaliar este rigor, e decidir como intender. Porque, sr. presidente, sejamos francos, se se intende como nunca se intendeu, que o parecer de uma commissão imporia uma resolução da camara, seria o mesmo que dizer, que os deputados da nação portugueza no momento em que nomeam uma commissão para tractar de qualquer negocio, lhe dão authorisação para o decidir, e que abdicam dos seus direitos; mas isso não podia ser, nunca se intendem assim, e os factos da historia parlamentar demonstram milhares de exemplos em que os pareceres de commissões não são approvados; e que muitas vezes, pela discussão, os membros das commissões mudam de opinião, porque como elles tem, e devem ter sempre, o desejo de acertar, sempre que se apresentem rasões em contrario que lhes façam peso, devem modificar suas opiniões, por isso que não são tenazes, nem querem faltar ao cumprimento dos seus deveres, sustentando por capricho uma opinião, que a discussão mostrou não ser a melhor. Por consequencia, não se pense que o parecer da commissão importa uma decisão, porque se a camara assim o intende, inutil seria todo este trabalho, e a garantia constitucional da discussão era uma pura decepção, não valia nada: cinco individuos em cada gabinete formavam as leis e resolviam todas as questões; e a camara não póde admittir semilhante absurdo constitucional. O empenho com que deseja ouvir e examinar tudo, é a mais evidente prova do respeito que tem pelos direitos que os povos lhe outorgaram.

O que aconteceu na eleição de Mandur? Eu digo, sr. presidente: constituiu-se a mesa, começou o processo eleitoral, e quando já estava bastante adiantado, apresentou-se um cidadão, o presidente da camara das Ilhas, o sr. Falcão. Perdôe-me a camara se eu digo nomes, mas elles não são indifferentes nesta questão, e se podesse prescindir de os repetir, de certo o faria, para não se persuadir alguem que quando enuncio o nome de algum cidadão, é pelo desejo de menoscabar a sua reputação. Estou convencido que este cidadão fez o que intendeu que devia fazer, usou do seu direito pelo modo por que julgou mais conveniente; mas nesta occasião compete-me avaliar o seu acto para o enunciar, e a camara pode tê-lo na devida consideração.

Este cidadão apresentou um papel que lhe quizeram chamar protesto — e seja protesto, porque o nome não vem nada para o caso, assignado por uns poucos de cidadãos, que assignaram de cruz; dizendo que se tinham feito prepotencias, que não havia liberdade, e que os cidadãos não podiam votar, havendo irregularidades no processo, e protestaram contra a eleição. O presidente da assembléa e a mesa intendeu que o allegado do cidadão não procedia, e assim o refere na acta que mandou lavrar. Vieram depois ali outros cidadãos queixar-se de que o referido cidadão que se tinha apresentado, e que havia protestado, prevalecendo-se da qualidade de presidente da camara municipal das Ilhas, e da qualidade de official maior da misericordia daquella terra, tinha-se apresentado em uma das terras sujeita á misericordia, e ahi exigira que os povos que tinham de pagar rendas, foros, ou outros quaesquer rendimentos á misericordia, votassem no seu nome e no dos outros candidatos que se queria que vencessem na eleição, ameaçando-os de que se o não fizessem, seriam lançados fóra da Ilha de Dougrin com os seus gados, viveres e pessoas.

Não contente com isto, tendo obrigado os povos dessa ilha a acceitarem as listas que lhes eram fornecidas por um sinal da misericordia, que alli serve de fiscalisar aquellas terras sujeitas á misericordia, a quem deu ordens expressas para os acompanhar e seguir até ao acto eleitoral; e que aproveitando-se da qualidade de presidente da camara, diligenciou com os sipaes submetter os povos que mais directa ou indirectamente tinham dependencias da camara, para que votassem no seu nome, e dos outros candidatos da lista que impunha; que mandára postar cafres

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em pontos que serviam de passagem para a assemblea eleitoral, para nessa occasião conhecer se esses cidadãos levavam as listas que lhes tinha dado o presidente da camara, ou o official maior da misericordia. Os referidos cidadãos que se dirigiram á mesa, pediram providenciai, e immediatamente o presidente deu as suas ordens para que a liberdade fosse mantida a esses povo, que desejando votar ou concorrer à eleição, se pretendia impedir que concorressem á uma, coegindo-os a acceitar uma certa lista, não lhes deixando a liberdade de votar nas pessoas de sua escolha, o que se conseguiu pelas providencias que tomou a auctoridade administrativa. E determinou mais o presidente da mesa, que o requerimento desses cidadãos fosse remettido no juiz competente para proceder ás averiguações que intendesse necessarias, a fim de se conhecer da verdade do allegado, e se proceder contra os que assim attentavam contra os direitos do cidadão. Mas note a camara que esta queixa, que não sei até que ponto se póde julgar exacta, é contra um presidente da camara municipal, o candidato da lista que ficou em minoria, e que desde o começo do processo figurou em todas as questões que se suscitaram, chegando a prevalecer-se dos mesmos actos que practicou para allegar nullidades do processo!

Não contente ainda este cidadão com os seus protestos, e com os meios de que lançou mão, porque viu que na sua correria que andava fazendo nas differentes assembléas, não conseguia tudo quanto desejava, porque na sua ausencia muitos cidadãos que havia atemorisado e ameaçado, íam votando como intendiam, e muitos deitavam de votar, voltou no dia immediato ao sitio da eleição, e sabendo que as suas ameaças tinham sido na maior parte infructiferas, apresentou esse papel com assignaturas de cruz, chamando-lhe protesto.

Sr. presidente, eis-aqui o facto, e referirei tambem, se for necessario, a maneira como se extorquiram essas assignaturas de cruz, e o terror que se incutiu áquelles que assignaram, bem como a paga que se deu depois de assignarem.

Um secretario da mesa — o sr. Leitão — ou por prudencia, ou por outra qualquer razão, que não tenho motivo bastante para explicar, tomou por melhor no dia 25 sair da mesa, e no dia 26 mandou uma participação de que o seu estado de saude não lhe permittia continuar com o exercicio do logar de secretario da mesa. A lei previne essa hypothese e o presidente determinou que um dos revesadores ficasse servindo de secretario, como tinha já estado no dia antecedente, e como acontece muitas vezes em todas as eleições, ou por necessidade, ou por outro qualquer motivo; e v. ex.ª sabe que quando um, ou outro dos mesarios é obrigado a sair, ou retirar-se temporariamente, por muito, ou pouco tempo, diga-o a camara, digam todos os que tem precenciado actos eleitoraes, o logar é desempenhado por um revesador, ou outro dos vogaes da mesa, e esta continúa a funccionar mesmo com o numero de 3, que é a sua maioria, como é expresso no artigo 52.° do decreto eleitoral.

Por consequencia para explicar este facto direi, que por uma melhor intelligencia da lei, ou por serem mais habeis, ou por outro qualquer motivo de que não sei dar a razão, aconteceu que os secretarios muitas vezes fizeram as funcções dos escrutinadores, assim como estes as daquelles, e este acto innocente que se dá em todas as eleições, quando foi apresentado na assembléa do apuramento serviu de motivo para a commissão, encarregada de examinar as actas, e de as conferir com as copias, que deviam ter sido remettidas pelas assembléas eleitoraes do circulo, por intervenção da auctoridade administrativa, ou pelo presidente da assemblea fechadas e lacradas, disse a commissão — esta acta não era boa, laborava em vicio, não se tinha cumprido a lei; apresentando-se um protesto assignado por um dos escrutinadores, e portadores de acta, com o fundamento que duvidava da sinceridade de eleição. O erro da troca do serviço tinha sido praticado pelo proprio escrutinador protestante, e era O mesario e claviculario do cofre, que duvidava de seus, proprios actos!!

Diz-se — ha tambem um protesto que se apresentou nessa assembléa, de que aqui está recibo da parte do sr. Leitão, cesse protesto não se menciona na acta. Pois houve protesto, sr. presidente? O que houve foi uma participação daquelle cidadão, dizendo que não podia continuar com os trabalhos da mesa, mas que elle declarava que não seria responsavel perante a lei pelos actos que se practicassem depois da sua ausencia, o que se menciona na acta. Quem não tem direito para dizer isto! Isto é protesto contra a eleição? Isto é a prevenção que o cidadão faz, de não ser responsavel pelos actos que um terceiro practicar, muito mais em vista das penas impostas na lei.

Vou seguindo assim as questões, trazendo-as das assembléas eleitoraes para a do apuramento, porque me parece que será o melhor modo da camara fazer um juizo sobre cada um dos actos que se practicaram.

Na assembléa do apuramento um dos escrutinadores, como já disse, o sr. Eufeminiano, trouxe á mesa um protesto, no qual dizia que elle duvidava da veracidade da urna, quer dizer, presumia que a eleição que se tinha feito em Mandur, tinha sido viciada; e se não se explicou assim, ao menos quiz assim fazer persuadir. Se o sr. Eufeminiano foi levado a fazer esta declaração por convicção propria, ou por outra qualquer razão, não me cumpre a mim agora aqui examinar; mas o que é verdade é que compulsando o processo... (não está aqui, apesar de a haver pedido, a acta de Mandur, assim como as duas de Calangute; estimaria que m'as mandassem: entretanto irei dizendo as cousas como sei, e os srs. deputados é a illustre commissão, onde me enganar, farão o favor de me advertir, porque não tenho desejo de informar inexactamente a camara, e póde acontecer que na ligeireza do meu exame me escapasse uma ou outra cousa.)

O sr. Justino de Freitas: — Se dá licença... Queira v. ex.ª, sr. presidente, mandar procurar á commissão; eu mandei os papeis que lá estavam, mas podem estar alguns ainda na commissão, que talvez não viessem, ou póde ser que estejam confundidos com os outros, a commissão não tem interesse nenhum em que não venham todos.

O Orador: — Se a commissão contestar este facto, virá a acta para vermos. Apresento o facto, a commissão tambem o examinou; se o seu digno relator vir inexactidão, queira rectificar, e se houver duvida virá aqui o processo para se vêr. Apresento o facto com toda a singeleza; não tenho neste negocio senão o empenho da verdade, e no fim direi e farei vêr á camara que o que me traz aqui, nem é o desejo pés-

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soal de occupar uma cadeira, nem outra qualquer ambição; ambições tenho dado provas bastantes em toda a minha vida que as não tenho; fui deputado perto de 12 annos, e em tão largo espaço de tempo podia te-las manifestado; aqui estão muitos que foram meus collegas, muitos que têem sido ministros, e elles dirão quaes as minhas ambições, estimarei que as publiquem, e que os srs. ministros lhes ponham o indeferimento. Venho aqui, sr. presidente, por honra da eleição, em defeza dos povos que me elegeram, como já expuz, hei de cumprir esse dever, e fazer convencer a camara, se é preciso, mas parece-me que não, que o actual governador do Gôa, o sr. visconde de Ourem, por este processo eleitoral deu as provas mais evidentes de que elle tem sempre a peito o bem do seu paiz, que fez tudo quanto humanamente era possivel para que a eleição corresse o mais pura e regular, e que estou firmemente persuadido de que não será possivel, nem é facil conseguir-se que melhor eleição aqui venha, a não acontecer, o que succede muitas vezes, que é quando as eleições não são debatidas, e que um partido está é em scena, ninguem lh'as contesta, póde fazer o que quizer, manda para cá tudo, e tudo é approvado.

Vamos á eleição de Mandur. Para explicar o que teve logar na assembléa do apuramento de Gôa, preciso fazer uma pequena historia dos motivos porque aconteceu que se apresentou naquella assembléa uma parte tão poderosa ou numerosa de opposição.

Os povos das Novas Conquistas representaram ao governador, que não tinham gente bastante habil no processo eleitoral, para poderem fazer tantas mesas de assembléas, quantas a lei exigia pela sua população; e não foi só alli onde estas exigencias se fizeram, tambem se fizeram em Damão, e tambem se fizeram em muitas partes; e o governador, ouvindo o conselho do governo, assim lhes concedeu. Porque é necessario que a camara saiba que não se practicou acto algum em Gôa por ordem do governador a respeito do processo eleitoral, que não fosse ouvido o conselho do governo, o qual sempre foi unanime em suas decisões, e estão aqui os documentos que o comprovam; não foi acto seu; se errou, o erro é tambem do conselho todo, pois o governador não fez mais que dai-lhe execução: e se algumas vezes houve difficuldades, em que o governador providenciou, logo consultou o conselho do governo com os juizes de primeira e segunda instancia, e os pro-curadores da corôa e da fazenda. Tanto era o desejo que tinha de acertar.

O governo de Gôa consentiu que houvesse menos assembléas eleitoraes nas Novas Conquistas, do que as que a lei determinava, e em consequencia disso vieram a assembléa de apuramento muito poucos escrutinadores, isto é, parece-me que 14 portadores das 7 assembléas daquellas provincias, com quanto trouxeram actas de muitos votos, porque aquellas 4 provincias tem uma grande população. Das Ilhas vieram 18, e de Salsete concorrem 28, com os 4 das 2 assembléas de Calangute e de Bardez eram 38; o que perfaz 98 portadores. Nas assembléas das Velhas Conquistas as eleições foram muito disputadas, e em algumas houve grande maioria, já a respeito das listas a favor ou contra a do governador, como se vê do respectivo mappa. (Explicar-me-hei aqui pela denominação de listas do governador, ou contra a do governador, para melhor conhecimento da camara, bem como aqui se diz listas do ministerio e lista da opposição) Aconteceu, que a maioria dos portadores eram da opposição da lista chamada do governador, e conhecendo-se que apesar de seus manejo, a lista havia obtido vencer, pois já era constante o resultado da eleição, os que trabalhavam na eleição mudaram de direcção no modo de obter o que pretendiam. Aconteceu que as commissões que foram encarregadas de rever as actas e compara-las com os diplomas, foram tiradas destas duas fracções de que a assembléa se compunha, e aquella fracção da opposição que era maioria na assembléa, pretendeu prevalecer-se do seu numero para impugnar e annullar uma parte da eleição parcial dos que tinham obtido maioria de votos, e assim tornar mais votados os que tinham ficado em minoria, proclamando-os deputados. Este plano conhece-se em todos os seus actos practicados na assembléa de apuramento, e na acta e diplomas que depois fizeram tão illegalmente.

A fracção da assembléa que era maioria, e que queria impugnar a eleição da lista que havia vencido, lançou mão de um meio que já tem sido aproveitado pelas opposições. Confiando no seu numero a maioria da assembléa do apuramento, sem lhe importar se excedia as attribuições que a lei lhes dá, assumiram os poderes que só competem á junta preparatoria ou á camara dos srs. deputados, usando do direito de annullar actas e votações de assembléas, quando esse direito pertence unicamente a esta casa.

E para que se poz na lei esta disposição? E porque a experiencia do passado já tinha ensinado, que era preciso evitar os abusos que muitas vezes praticavam as assembléas do apuramento, prevalecendo-se do seu numero que nem sempre, como nesta occasião, está em harmonia com a expressão da votação. Os portadores da opposição, ou constituindo toda a commissão ou uma parte della, deram o seu parecer para se annullar as actas de certas assembléas, apesar de saberem que a lei no artigo 87 manda apurar os votos de todas, excepto no caso da acta não ser authentica; sendo as funcções da commissão fazer a comparação das actas apresentadas pelos portadores, com as cópias officialmente remettidas á mesa de apuramento, apresentar a somma dos votos dessas assembléas, e mencionar nos seus pareceres as irregularidades que encontrarem, para de tudo se fazer menção na acta de apuramento geral, a fim de a camara dos srs. deputados, ou a junta preparatoria, avaliar as occorrencias que tiveram logar em uma ou outra assembléa, e decidir se a sua votação deve ou não subsistir, e se esta ou aquella eleição deve ou não vigorar. Por consequencia estas importantes attribuições, de maneira alguma podiam ser exercidas pela assembléa dos portadores das netas do circulo eleitoral de Gôa, que não é collegio eleitoral, e ainda mesmo quando o fosse, esse direito se o tivesse, ficava subordinado ás resoluções e attribuições da camara dos srs. deputado.

Foi com o proposito que já referi, que uma parte dos cidadãos que compunham a commissão que examinou a acta de Mandur, foram de opinião que esta eleição não devia vigorar; porem similhante parecer, assim como muitos outros, não podiam ser executados, nem produzir effeito em vista da lei, que á mesa cumpria fazer executar.

Apresentou-se então o protesto da cidadão Eufeminiano, escrutinador da assembléa de Mandur. Mas

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que rasões teve aquelle cidadão, para duvidar da legalidade desta eleição? Parece-me que sendo o escrutinador que tinha assignado a acta, o mesmo que poz a duvida, convinha examinar o motivo disto; mas não podemos bem avaliar o seu fundamento, porque a mesa do apuramento resolveu que não se recebesse papel algum que não fosse official, ou com relação aos trabalhos da mesa de apuramento (no que me parece que não andou bem, porque, fosse qualquer que fosse a importancia dos documentos apresentados, seria bom que viessem juntos ao processo, a fim de que a junta preparatoria os podesse avaliar) é por isso, que este protesto não apparece junto da acta, mas consta dos pareceres que houve a este respeito.

Porém como póde ser acreditado o protesto do escrutinador de Mandur, que diz não sei o que, porque o não li, mas que me parece que allegava duvidar da pureza e legalidade da eleição; porém note a camara que tendo havido tanto cuidado em remetter os mais insignificantes papeis, não veiu o referido protesto, o que faz bem vêr a sua importancia. Porém examinando a acta de Mandur, vejo as assignaturas sem declaração alguma do mesmo escrutinador, e não ha quem duvide de legalidade da eleição? Seja-me permittido dizer, que esse escrutinador errou, assignando sem declaração um protesto, servindo de instrumento contra os seus proprios actos.

O outro escrutinador, o sr. Mascarenhas, que tambem era portador de acta, vendo que o seu companheiro tinha apresentado um documento de que resultava suspeita para o procedimento da mesa daquella assemblea eleitoral, fez um novo protesto; mas como a mesa de apuramento tinha resolvido não se receber o primeiro protesto, teve cuidado de m'o remetter para delle fazer o uso conveniente, e aqui o apresento, e o enviarei para a mesa se for necessario, para que a illustre commissão de verificação de poderes o possa examinar, bem como todos aquelles srs. Deputados que quizerem certificar-se da verdade. Aquelle cidadão faz ver neste papel, com razões muito concludentes, que não podia haver fundamento algum da parte do outro cidadão, para apresentar qualquer protesto, pois que tendo visto e presenciado todos os trabalhos da mesa não encontrou irregularidades; por isso havia assignado em declaração as actas em todos os dias que durou a eleição.

É verdade que a lei manda no artigo 74 que os secretarios rubricarão nas costas as listas que ficaram por escrutinar; mas como nesta assembléa de Mandur faltou por impedido um dos secretarios, o dito escrutinador fez de secretario, foi elle mesmo que assignou as listas que se guardaram, foi elle que ficou com as chaves da urna, e com as chaves da casa onde a urna se guardou, por a lei determinar no mesmo artigo 74 que seja o presidente juntamente com os escrutinadores que fiquem com estas chaves; e se podesse merecer credito o que diz o protesto, seria o mesmo que dar logar para se pensar que o dito escrutinador protestante era o culpado de se terem viciado as listas, por ser necessario que no dia seguinte as listas apparecessem com o seu nome.

Sr. presidente, o protesto não existe no processo e não posso avaliar o que se diz que elle continha, mas se existiu como se allega, não é vicio da urna que o motivou, mas outras rasões que não posso descobrir; talvez o dito escrutinador fosse obrigado afazer aquella declaração, como se fizeram as assignaturas de cruz, e que n'essas circumstancias se sujeitasse a fazer similhante declaração, porque todos conhecem que lá, e cá, e em toda a parte, muitos se tem visto na necessidade de praticar actos que não devem fazer, mas que as suas dependencias com homens poderosos, que por costume abusam do seu poder e auctoridade, os põem na necessidade de os praticar; actos que executam para não perder a sua subsistencia; porque nem todos têem meios para poderem ser superiores a essas exigencias injustas, a ponto de que pelo facto de não accederem ao que delles exigem, perderem a sua subsistencia, e a de suas familias.

Tenho dó desses desgraçados, e sem desculpar a falta de consideração a que se sujeitam, direi que alguns chefes de familia ás vezes se sacrificam por ella a ponto de fazer o que nunca praticariam sendo a isso obrigados, se o mal que resultasse da sua negativa reflectisse sómente sobre elles proprios; mas lembrando-se que a sua resistencia vai recair sobre sua mulher e seus filhos, sacrificam-se á vontade daquellas pessoas ou auctoridades de quem vivem na dependencia; desses superiores ou homens tyrannos que para conseguirem seus fins, abusam de tão desgraçadas circumstancias. Talvez isto acontecesse ao dito protestante, e só lamento o papel de ridiculo que executou.

Sr. presidente, vamos á eleição de Calangute, comarca de Bardez. Appareceu no dia proprio (25 de setembro) o cidadão Luiz Antonio Maria Leitão, que tinha sido nomeado pela commissão do recenseamento para presidir áquella assembléa eleitoral, o qual não era membro da commissão do recenseamento; mas na carencia de pessoa para exercer estas funcções, foi encarregado o referido cidadão de presidir a dita assembléa de Calangute. Apresentou-se, como presidente da mesa, fez á assembléa a proposta da formação da mesa, que não foi approvada por tres quartos dos eleitores presentes. E o que aconteceu? Ficou fazendo parte da mesa, segundo o art. 47.°, $ 3.° o 1.° escrutinador Pedro Antonio da Silva, o 1.° secretario Caetano Maria Fernandes, e o 1.° e 2.° revezador Barnabé Lobo, e Augusto Mariano de Sousa, como propostos pela maioria dos eleitores que approvaram; porém o cidadão Goes que pertencia á minoria, propoz, e foram approvados, para completar a mesa, 2.os escrutinadores José Antonio Pinto, e Luciano Silverio Pinto, e 3.° e 4.° revezadores Constantino de Sousa e Antonio Manoel de Sousa, mas depois da escolha e approvação dos ultimos quatro propostos. O presidente não quiz funccionar com a mesa; fez um tal tumulto, um tal motim, apoiado por cidadãos que não eram recenseados, e até pelos rapazes, que tudo foi desordem; em fim aconteceu quanto póde haver de máo e de improprio em actos desta natureza, tocando-se a rebate, e fizeram quanto lhes approuve para transtornar a ordem publica, e para que a eleição não tivesse logar. Porém a auctoridade deu parte de tudo, e os cidadãos nomeados para a mesa pediram providencias.

O presidente da commissão do recenseamento mandou outra nomeação de presidente ao cidadão Goes, que tinha feito parte da maioria, que havia proposto os quatro ultimos para compôr a mesa. Este cidadão apresentou-se no mesmo dia 25 ás 4 horas da tarde, para funccionar com a mesa que tinha sido constituida, e apresentando os officios do presidente da

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commissão do recenseamento, um para o dito Leitão, e outro nomeando o portador presidente daquella assemblea primaria, o qual pedia ao dito Leitão, como os officios ordenaram, a entrega de todos os documentos que eram necessarios para poder ter logar o processo eleitoral. Elle negou-se ao cumprimento de tudo, dando logar a novas desordens, tocando-se o sino a rebate, o que obrigou o segundo presidente a pedir o auxilio da força armada para restabelecer a ordem, como se conseguiu, e tendo-se perguntado ao parocho o motivo do toque dos sinos, respondeu que o povo é que mandou, e que pessoas do povo é que tocaram! Mas depois de algum trabalho, retirou-se a força militar, ficando a ordem publica restabelecida, e o segundo presidente nomeado pelo presidente da commissão do recenseamento, instalou a mesa com os oito cidadãos que anteriormente tinham sido propostos pelo mesmo cidadão Luiz Antonio Maria Leitão, e por elle Goes, e tendo obtido com custo uma parte dos duplicados década caderno do recenseamento remettidos ás mesas eleitoraes, de modo que cada um dos presidentes ficou com um dos duplicados cadernos de recenseamento, e ambos procederam á eleição por esses cadernos; mas sendo tarde, a mesa de Goes encerrou os trabalhos, e não houve votação nesse dia.

No dia seguinte apresentou-se, e com a mesa constituida, continuou na igreja a fazer a chamada e mais processo; porém o primeiro presidente Leitão foi instalar a sua mesa no claustro da igreja. Eis-aqui como em Calangute houve duas mesas na mesma assembléa.

A mesa que funccionou com o presidente Goes, foi acompanhada desde o começo até ao fim pelo administrador do concelho, pelo regedor da parochia, e por todas as auctoridades que, segundo a lei, devem estar presentes para fiscalisar aquelles actos; excepto os parochos que com receio do que tinha acontecido no dia anterior, não compareceram; porém a mesa eleitoral, aproveitando a disposição do artigo 53 § 1.° da lei, nomeou pessoas que pareceram habilitadas para conhecer da identidade dos cidadãos que alli vinham votar, e a mesa da presidencia de Leitão, a qual foi composta por outros cidadãos differentes dos que primeiro propusera, funccionou só e sem a presença das auctoridades. Aconteceu porém com estas duas assembléas, não sei se por acuso ou se de proposito, um facto que é preciso não escapar; peço a attenção da camara e da commissão — Desejo que se saiba o que consta do processo. Repito: os actos praticados pela mesa presidida pelo cidadão Goes, foram acompanhados por todas as auctoridades administrativas, nos dias de votação houve o maior socego; as 468 listas recebidas conferiram com as descargas feitas no caderno do recenseamento, e os 1404 votos dados aos cidadãos votados conferiram exactamente com o numero de votos que deviam pertencer áquellas listas. As actas todas desta mesa apresentam-se com o caracter da maior legalidade possivel, vem acompanhadas de differentes documentos, e com exactidão referem as desordens que precederam o acto eleitoral. Entre tanto não insisto pela sua validade, e os seus votos não influem no resultado da eleição. Porém, examinando a outra acta, começa por não contar o facto como alli se passara, e quem não tiver noticia do que occorreu, e que refere aquella acta de Goes, por esta (2.ª — Leitão) parece que não houve nada!

Mas qual o resultado destas duas assembléas! É que o numero dos votantes em uma e outra assembléa excede ao dos recenseados; não quero nem devo acreditar que os cidadãos votaram promiscuamente nas duas mesas, porque ninguem póde votar duas vezes; não posso tambem nem devo suppor que na mesa de Leitão maliciosamente se pozessem no caderno do recenseamento descargas nos nomes dos que tinham ido votar a outra mesa, para de proposito inutilisar o trabalho que tinha feito, por mais regular que fosse.

Vieram as actas destas duas mesas, em uma assembléa eleitoral, á assembléa do apuramento e a commissão que as examinou, foi de opinião, que parecia-lhe deter annullarem-se por não se poder conhecer com verdade qual a eleição mais legal, e o numero dos votos exceder a totalidade dos recenseados. Note-se uma opinião, que sendo apresentada isoladamente, não lhe daria a importancia que hoje lhe dou; mas é de parecer que este negocio se deveria submetter ao conhecimento das côrtes, ficando suspenso todo o processo, o que foi approvado pela maioria da assembléa.

É preciso, que a camara se convença, e a commissão confessa, que houve um manejo, desde o começo desta eleição, ardilosamente empregado para levar por diante os seus fins, de vencer ou protestar e embaraçar, com intento de conseguir a annullação e a demora do processo eleitoral. Eis-aqui a razão por que espero que a camara me faça a justiça de acreditar que, como deputado eleito por aquelles povos, era indispensavel examinar o processo, e nesses poucos dias que decorreram depois da apresentação do parecer, dei-me ao trabalho de vêr todas as actas, e os documentos a que se referem. A convicção que adquiri, é que em vista do estado do processo, e comparadas as duas actas, se poderia tirar uma conclusão differente da que vem no parecer da commissão.

A mesa de apuramento não fez obra pela opinião da commissão e da maioria dos portadores, e fundando-se no artigo 87.° da lei, apurou os votos que estão nas duas actas da assembléa de Calangute, e como já disse se podem despresar sem que alterem o resultado da ordem, em que ficavam os deputados eleitos.

Passarei a examinar a eleição de Pernem, que é considerada o ponto capital da questão. A commissão da assembléa do apuramento, encarregada do exame da acta de Pernem, dividiu-se, e uma parte foi de opinião que a eleição devia ser annullada por suspeitar que naquella assembléa não houveram tantos votos — e quer fundar a sua suspeita no recenseamento que tem por exaggerado, relativamente a população daquella provincia, e por intender que não era possivel, que o processo se concluisse dentro em 4 dias, pelo modo que refere a acta. E dizendo que não julga reaes esses votos, como muito observadora da lei, propõe que esses votos não sejam apurados, muito mais porque julga que a acta de Pernem não tem a genuidade requerida na lei.

O motivo apresentado era aquelle, ainda que subsistente em vista do artigo 87.°; porém o fim era annullar aquella eleição para ter maioria, porque estavam em minoria! (Apoiados) E esta uma daquellas taticas eleitoraes, de que muitos tem lançado mão, e de que usa, quem gosta, ou quer usar de similhantes meios, mas este parecer foi perfeitamente destruido porque

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deu a outra parte da commissão, que não cançarei a camara com a sua leitura, e que está junto á acta.

Aqui, sr. presidente, se referem, com as mais convenientes rasões, os motivos justos para não se duvidar de similhante eleição, e se a rasão de duvida foi acceita pela assemblea, é porque pela annullação da acta de Pernem as cousas se encaminhavam ao fim a que se propunha a maioria da assemblea; e tanto era isto um plano da maioria dos portadores, que não contente em dar o seu parecer, e approva-lo contra as disposições da lei, vendo a resolução da mesa para se conformar com a lei e apurar todos os votos, arrogou a si attribuições que a lei não confere, nem assembléa dos portadores nem á mesa de apuramento, e fizeram um apuramento seu, apesar de a mesa haver mencionado com o maior escrupulo em duas extensas actas, todas as occorrencias, juntando lhes os pareceres que deram os membros de todas as commissões. Fiseram um apuramento, constituiram uma mesa sua de apuramento, e tendo querido mostrar-se religioso observadores da lei, calcaram a lei pelo modo por que procederam e as attribuições desta casa, que usurparam, annullando actas; e querendo as attribuições da mesa expediram diplomas, mas não podendo remette-los, ou não tendo coragem para o fazer com um caracter official, enviando-os á auctoridade competente para poderem ser presentes á junta preparatoria, não sei porque arte, nem o posso descobrir como as actas appareceram na secretaria de marinha, sem officio de remessa, nem documento, que as acompanhasse, no mesmo dia, em que a commissão de poderes pedia que se lhe mandassem os officios do governador relativos ao procedimento da contadoria na entrega dos documentos exigidos para se basearem as reclamações. E quer a camara saber, como todos esses papeis cá vieram. Veja-se o officio de 10 de fevereiro, que satisfazendo ao pedido da commissão, accrescenta que tambem remette uns papeis que naquelle dia foram entregues na secretaria sem officio, dizendo o sobrescripto ser da mesa de apuramento do circulo de Gôa. (Leu)

É o sr. ministro da marinha que diz isto á camara.

Oh, sr. presidente, seria preciso que esses cidadãos clandestinamente se reunissem, e que fizessem essa acta! Não lhes bastava, o que já estava mencionado nas actas da mesa! Julgavam elles que esta camara não tomaria conhecimento, ou não examinaria o processo, como devia, se esses illegaes documentos cá não viessem? Não bastava a acta para dar motivo para se examinar tudo? E se isso não era sufficiente, não conheciam esses cidadãos, que na carta constitucional está estabelecido o direito de petição? Que elles podiam representar ao parlamento tudo que intendessem a bem de sua justiça contra a eleição? Era necessario, que se reunissem, sem se poderem reunir, — que fizessem apuramento sem poder exercer essas attribuições — que annullassem actas e passassem diplomas, sem os poderem passar; e que passassem envia-los da maneira por que os entregaram nas repartições publicas! Que quer isto dizer? É o fecho dos manejos que se premeditaram e tem sido executados desde o dia em que se começou o recenseamento, e como não se pôde conseguir demorar e intorpecer o processo, para no caso de perda se conseguir a sua annullação, mandou se expedir esse diploma, julgando que a camara dos srs. deputados se deixaria levar destes estratagemas, ou que se elles não viessem, não seria capaz de examinar o processo. A camara não precisava desses illegaes diplomas para cumprir os seus deveres, não precisava ter tanto trabalho a maioria dos portadores: o processo está sufficientemente instruido para que a camara tractasse de examinar a verdade; e quando isso não fosse sufficiente, cá estava bom procurador. (Apoiados)

Sr. presidente, como não tenciono analysar esse documento, só terei de notar uma pequena cousa, e vem a ser, que a mesa do apuramento de Gôa esteve reunida uns poucos de dias, e o apuramento teve logar no dia 8, porém as improvisadas actas dos portadores são lavradas no dia 2, quando ainda não havia apuramento da mesa!

Vamos ao fundamento da eleição de Pernem. Votaram 5:903 cidadãos, apresentou-se um caderno de recenseamento com 6:199 cidadãos inscriptos, duvidou-se do caderno, duvidou-se do processo, duvidou-se que tantas listas entrassem na urna; e qual é a rasão para tudo isto! Porque, diz-se: este recenseamento com esta quantidade de cidadãos, está muito além do que as estatisticas dão; porque não era possivel que, dizendo a acta que no primeiro dia se tinham apurando 300 listas, fosse acreditavel que no dia seguinte se apurasse o resto, e porque nesse mesmo dia se fez todo o resto do processo. Não sei se era ou não possivel recensear tamanho numero de cidadãos, mas esta foi a rasão porque uma parte da commissão dos portadores condemnou esta eleição: e o seu parecer acha-se junto ao processo. Diz-se nelle que a mesa da assembléa de Pernem constituiu-se no dia 25, ás 9 horas, e fechou os seus trabalhos ás tantas horas: no dia immediato e nos dois seguintes começou e acabou ás mesmas horas do primeiro dia; e accrescenta: durante estes 4 dias funccionou tantas horas, que são as horas uteis que podiam decorrer naquelle espaço de tempo.

Depois continúa — Seria possivel que nestas horas votassem tantos cidadãos? Parece-me que não. — Seria possivel que se escrutinassem tantas listas? Parece-me que não. Será crivel que se pozessem tantas notas de descarga no caderno respectivo? Parece-me que não! Será acreditavel que se rubricassem 5:103 listas? Parece-me que não! Porque, tantas horas haviam de gastar-se neste serviço, tantas para fazer a acta, tantas para se fazer a chamada, tantas de espera; e quantas horas ficam para o apuramento das listas! Parece-me, porém, que não é licito duvidar por este modo da validade de uma eleição. As mesas constituidas n'uma assembléa, têem segundo a lei um caracter official: os actos que ellas practicam, devem ser acreditados, em quanto se não apresentar prova em contrario, que demonstre com toda a evidencia que houve erro ou vicio. Junto desta mesa, sr. presidente, esteve uma auctoridade administrativa local, e os mais empregados que a lei determina; e se nós quizermos persuadiremos que houve vicio ou erro no modo por que se fez este processo, seria o mesmo que duvidar da authenticidade da acta, e da validade que ella induz, sendo confeccionada pelas pessoas competentes, e na presença da auctoridade competente. Se estes cidadãos não cumpriram todos o seu dever; se alguem tem provas que possa apresentar para provar essa falsidade, venha a querella, venham os documentos ou as testimu-

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nhas, porque de outro modo, não é licito a ninguem duvidar, sequer, desses mesmos actos. E qual é o argumento que se apresenta contra? E o tempo que se gastou com o apuramento das listas no segundo dia.

Sr. presidente, tenho merecido a honra por mais de uma vez, assim como tambem ha de ter acontecido o mesmo á maioria, e a todos os illustres membros desta casa, de presidir, ou de fazer parte das mesas eleitoraes: todos nós sabemos qual é a maneira por que estes processos se executam quando ha reciproca confiança entre todos os que estão funccionando e os eleitores presentes. Acontece muitas vezes que na urna se encontram listas sabidas, destes ou daquelles individuos, e que contêem estes e aquelles nomes, e vezes sem numero tem acontecido que as mesas para apressarem os trabalhos a seu cargo, separam as listas na occasião da contagem em que ha alguma duvida, ou que têem nomes diversos; e contadas as listas, que são conhecidas como chapa, escrevam-se tantos votos quantos são os das listas que estão contadas, que têem nomes examinados pela mesa e pelas pessoas que a cercam. Isto é sem questão uma irregularidade, porque a lei manda que as listas se escrutinem uma por uma, mas eu não sei, nem a camara póde saber se na assembléa de Pernem isto aconteceu: mas podia dar-se, que no primeiro dia se escrutinassem as 800 listas em que havia variações de votos, e no segundo dia, as listas em que não havia mudança de nomes. O facto é que ninguem duvidou dellas, nem ninguem protestou, e apenas se enumeraram depois os nomes de cada um dos eleitos e os votos que obteve; e desta maneira se tem feito muitas eleições em muita parte, e ainda ninguem duvidou destas eleições.

Mas diz-se: a acta é falsa, porque a acta diz que se escrutinou uma a uma; a acta está escripta segundo as expressões da lei, mas o facto podia dar-se como o referi ou de outro modo; entretanto não consta da acta que alguem protestasse sobre este ou outro ponto, e por supposições não póde a commissão e muito menos a camara fazer obra. Não duvido nada que isto tenha acontecido como eu disse, e que a acta para evitar contestações dissesse que tinham sido escrutinadas uma a uma. Mas pergunto: será isto bastante para se annullar uma eleição? Não se poderá este methodo de escrutinar, se elle se executar, ser desculpado, depois de um trabalho de quatro dias, o que é extremamente incommodo para os votantes, e para as mesas? Mas argumentam que o recenseamento não está exacto com a população; e por consequencia, se nós já temos suspeitas do processo, mais teremos por causa do recenseamento. Diz a commissão, que segundo a estatistica publicada em 1851, pelo actual governador Visconde de Villa Nova de Ourem, temos que os varões de 15 a 25 annos que existem, ou que se suppõe existir, são 2:627; que os varões de 25 a 50 são 3:785, e de 50 a 100 são 1:121, deduzindo desta totalidade 9:533, o numero de cidadãos que se deve suppôr que não tem illude legal, para que possam ser recenseados quero dizer menos do 21 annos, achámos uma cifra, que está abaixo do recenseamento, o effectivamente tomando-se destes 2:627 unicamente dous quintos, como pertende a commissão, leremos a diminuir da totalidade 1:575, e restam 5:958, quantidade inferior ao numero dos recenseados. (Vozes: — Deu a hora)

O Orador: — Eu não poderei talvez acabar hoje, mas não sei se a camara quer que eu fique com a palavra reservada. (Vozes: — Fique, fique) Se a camara quer ter a paciencia de me ouvir, continúo, e se não quer, ámanhã concluirei. (Apoiados e vozes: — Amanhã)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje, a continuação da discussão deste parecer. Está levantada a sessão — Eram quatro horas da tarde.

O 1.° REDACTOR

J. B. Gastão.

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