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SESSÃO DE 5 DE DEZEMBRO DE 1870

Presidência do exmo. sr. Alberto Carlos Cerqueira de Faria, vice-presidente

Secretários - os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado
Domingos Pinheiro Borges

Chamada - presentes 37 srs. deputados.
Presentes á primeira chamada, ao meio dia e um quarto - Os srs.: Adriano Machado, Alberto Carlos, Soares de Moraes, António Cabral de Sá Nogueira, Freire Falcão, Coutinho de Macedo, Falcão da Fonseca, Domingos Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Van-Zeller, Palma, Zuzarte, C. de Moraes, Barros e Cunha, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Rodrigues de Freitas Júnior, Leandro J. da Costa, Luiz de Campos, Marques Pires, e Pedro Franco.
Presentes á segunda chamada, aos três quartos depois do meio dia - Os srs.: A. de Ornellas, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Carlos Bento da Silva, Pereira Brandão, Francisco de Albuquerque, Coelho do Amaral, Pinto Bessa, Barros Gomes, Alves Matheus, Mexia Salema, Lopo de Mello, Affonseca, Mariano de Carvalho, e D. Miguel Pereira Coutinho.
Entraram durante a sessão - Os srs.: Osório de Vasconcellos, Braamcamp, A. Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Arrobas, António Pequito, Sousa de Menezes, António Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Pereira do Lago, Francisco Costa, Freitas e Oliveira, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, J. A. da Silva, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Rodrigues de Carvalho, Mendes Leal, Moraes Sarmento, José Tiberio, Camará Leme, Paes Villas Boas, Manuel Thomás Lisboa, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, e Visconde dos Olivaes.
Não compareceram - Os srs.: Villaça, Antunes Guerreiro, A. Pedroso dos Santos, Santos Viegas, Barão do Rio Zezere, Ferreira de Andrade, F. M. da Cunha, G. Quintino de Macedo, Silveira da Mota, Ulrich, J. J. de Alcântara, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Figueiredo de Faria, Teixeira de Queiroz, Latino Coelho, J. M. dos Santos, Pedro António Nogueira, Júlio do Carvalhal, Júlio Rainha, Luiz Pimentel, Visconde de Valmór, e Visconde de Villa Nova da Rainha.
Abertura - Aos três quartos depois do meio dia.
Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.º Do ministerio do reino, remettendo o officio do governador civil da Horta, ácerca dos direitos sanitários actualmente exigidos naquelle districto nos barcos costeiros.
Á secretaria.
2.° Do ministerio da justiça, declarando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Júlio do Carvalhal de Sousa Telles, que por informações recebidas naquelle ministerio consta haver 177 fogos na freguesia de S. Pedro do Bragado, concelho de Villa Pouca de Aguiar.
A secretaria.
3.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento dos srs. deputados Alberto Osório de Vasconcellos, e Domingos Pinheiro Borgas, diversas informações ácerca da situação a que no exercito do Portugal pertence o alferes do mesmo exercito em com missão em Timor, António da Silva Ribeiro.
A secretaria.
4.° Do director da alfândega de Lisboa, remettendo um exemplar da estatística do rendimento da extincta alfândega municipal da mesma cidade, relativa ao anno de 1869-1870.
A secretaria.
O sr. Presidente (Alberto Carlos): - Está nos corredores da camara o sr. dr. Lisboa que hontem foi proclamado deputado; convido os srs. Bernardino Pinheiro e Osório de Vasconcellos a introduzi-lo na sala, a fim de prestar juramento.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Manuel Thomás Lisboa.
O sr. Presidente: - Hontem o sr. presidente desta camara tinha declarado que logo depois da correspondência se entraria na ordem do dia, mas como muitos srs. deputados pediram a palavra, a camara decidirá se quer já entrar no ordem do dia, como estava determinado, ou se é melhor conceder-se a palavra aos senhores que a pediram para antes da ordem do dia. Já passa da uma hora, e não resta muito tempo para se discutir o projecto que está dado para discussão.
Vozes:- Ordem do dia, ordem do dia. O sr. Ornellas: - Tinha pedido a palavra para fazer uma declaração urgente, mas se v. ex.ª permitte que a faça por escripto, não tenho duvida.
O sr. Vasconcellos Coutinho: - Consta-me que hontem quando saí da camara na occasião das explicações que se deram, se fez referencia á minha pessoa.
Peço a v. exa. que consulte se consente que eu use da palavra para dar explicações necessárias.
O sr. Presidente: - Primeiro é preciso saber se a camara quer entrar já na ordem do dia.
O sr. Mariano de Carvalho: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer passar já á ordem do dia, podendo entretanto os sr. deputados, que têem papeis a mandar para a mesa, remette-los como se tivessem usado da palavra.
O sr. Coelho do Amaral: - Cedo da palavra. Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a camara se quer entrar já na ordem do dia, podendo os srs. deputados mandar para a mesa os papeis a ella destinados.
Sala das sessões, em 15 de dezembro de 1870. = O deputado, Mariano Cyrillo de Carvalho.
O sr. Falcão da Fonseca:- Desejava que o sr. Mariano de Carvalho desse licença que eu fizesse um pequeno additamento ao seu requerimento; isto é, para que os srs. deputados que tiverem pedido a palavra para explicações antes da ordem do dia, lhe seja concedida, mas em prorogação de sessão.
Vozes: - Apoiado, apoiado.
O sr. Vasconcellos Coutinho: - Eu ia mandar para a mesa um requerimento nesse sentido.
O sr. Presidente:- Vou propor á camara o requerimento do sr. Mariano de Carvalho, para que os srs. deputados que quizerem mandar papeis para a mesa o possam fazer, ficando com a palavra para explicações em hora de prorogacão os senhores que a tivessem pedido (apoiados).
Consultada a camará, foi approvado o requerimento e em seguida alguns sr. deputados mandaram para a mesa differentes papeis.
Tomou a presidência o sr. António Cabral de Sá Nogueira.

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O sr. Presidente: - Passa-se á

ORDEM no DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO no PROJECTO DR LEI N.° 14

O sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem o sr. Luiz de Campos.
O sr. Luiz de Campos: - Seguindo as prescripções do regimento, vou ler é mandar para a mesa a minha moção, que é a seguinte (leu).
Não preciso fazer profissão de fé, sou francamente ministerial ; conhecido desde que entrei em política como não tendo pertencido a outro partido, não posso comtudo, por muito ministerial que seja, fazer transacções com a minha consciência. Se a questão fosse meramente política levaria a minha condescendência até onde póde e deve ir um partidário, mas em uma questão de fazenda, em que me parece vão prejudicar se altamente os interesses da província que tenho a honra de representar, não posso deixar de levantar a minha voz, e esforçar me por convencer a camara que o projecto em discussão é injusto.
Reconhecendo o principio do imposto, aceito-o, não direi simplesmente como expediente, mas em these. E este um imposto que tem por si já a sancção de muitos annos; simplesmente discordo do quantitativo.
Eu não venho fazer um discurso, porque a rethorica morre diante da inflexibilidade das cifras, por consequência, munindo-me quanto poder das cifras constantes das nossas estatísticas, firmarei sobre estas os meus argumentos.
A questão de economia política e dos principios mais verdadeiros que mandam olhar devidamente para o imposto estabelecendo regras para a sua applicação, não terei a ousadia de trata-la depois da maneira como o fez o meu amigo e collega Lopo Vaz.
Eu concordo plenamente com a opinião de s. exa., fazendo-a minha, porque quero restringir me às cifras.
Mas antes disso seja-me permittido fazer algumas considerações.
A Beira Alta é um paiz essencialmente productor de vinho; póde dizer-se que a sua maior riqueza consiste na abundância deste producto.
A Beira Alta é uma longa vinha desde a Bairrada até ao Douro (apoiados). As baixas dos terrenos desta província essencialmente accidentada prestam se ao desenvolvimento cerealífero, e as altas encostas são povoadas de florestas, ou de vinhas. Ha ainda um producto, em alguns pontos abundante, que é o azeite; mas este é muito contingente (apoiados).
A Beira Alta produz portanto vinhos em grande quantidade; mas vejamos em que condições se acham as suas vinhas. Em primeiro logar, como os terrenos em que ellas são plantadas se, na sua generalidade, muito estéreis e fracos, quasi todos formados de detritos graníticos muito magros e insusceptíveis de outra cultura, a vinha produz pouco e a cultura é caríssima; e, ao mesmo tempo a extracção é insignificante. Ha uma grande estagnação deste producto, já pela falta de procura nas localidades, já pela falta de estradas que facilitem este género a ir buscar os mercados ordinários para o consumo, e já, principalmente, pela falta que tem havido, falta indesculpável de todos os nossos governos (e nisto não vae censura a ninguém em fazer alguns tratados, que nos ponham em circumstancias de podermos competir com as nações estrangeiras que nos estilo tirando o passo (apoiados).
Desde que fallei neste ponto, preciso dizer que o sr. Lobo d'Avila, que creio não está presente, disse hontem que nós não sabemos o que podemos tirar dos nossos vinhos, porque temos tido grande incúria em procurar os verdadeiros mercados (O sr. Affonseca: - Apoiado.) Nós pouco sabemos do vinificação; esta é a verdade; mas o que resta saber é se a incúria em que nos faliam é nossa ou é dos governos.
Uma voz: É de todos.
O Orador: - De accordo. Mas em matéria desta ordem a iniciativa do governo seria muito para louvar, e honra seja nesse assumpto ao ministerio do sr. duque de Loulé, em cuja ultima administração o sr. Mendes Leal começou a colher, com bastante proveito para o paiz, informações importantíssimas.
8. ex.º lembrou-se de officiar a todos os cônsules portuguezes, principalmente os residentes nos paizes mais vinhateiros, onde os bons processos são mais conhecidos, e distribuiu pelas camarás municipaes um folheto contendo esclarecimentos muito preciosos, esclarecimentos que principiam já, em muitas partes, a corresponder aos intuitos de s. exa., porquanto a vinificação começa a tomar um caracter novo no nosso paiz.
Isto não basta, mas foi um passo dado em o nosso paiz, e estou convencido que s. exa. iria mais longe se tivesse continuado nos conselhos da coroa.
Eu assim como censuro, segundo a minha consciência, os actos que entendo dever censurar, não tenho duvida alguma em dar testemunho de louvor áquelles que o merecera.
Mas o que é facto é que dos governos não tem havido o maior cuidado em fazer com que possam ser transportados os nossos productos vinicolas, aperfeiçoados os methodos de fabricação por preços baixos e commodos aos mercados estrangeiros, e é para notar-se que em todos os relatórios dos cônsules como meio efficaz para que os nossos vinhos tenham grande consumo no estrangeiro, se lê - fabricar bem e barato.
Ora, fabricar bem, todos sabem o atrazo em que nos achamos; e fabricar barato é impossivel, porque basta ver que todos os dias estamos a encarecer o producto, exigindo-lhe novos impostos por forma tal, que por assim dizer viremos a matar o capital e a industria (apoiados).
Todos os dias estamos a fallar em descentralisação; grassa a idéa de mandar para os municípios diversos encargos, como as estradas, a instrucção primaria e secundaria, e estou certo que quando os municípios já não tenham cousa alguma de que lançar mão, virá essa descentralisação.
Ha municípios que fazem pagar aos contribuintes 80, 90 e às vezes 100 por cento da contribuição predial.
Pôde dizer se que o governo, ao mesmo tempo que os obriga a certos encargos, tambem lhes poderá dar certas vantagens, mas como na actualidade estamos a discutir uma medida de fazenda que se diz de caracter provisório, vamos tambem legislar para o estado excepcional em que se encontra o nosso paiz, pelo menos a Beira Alta, porque não conheço as outras províncias vinhateiras.
Sr. presidente, quando nesta camara se falia em medidas provisória?, tremo. São estas as medidas que me assustam, porque o provisório não acaba nunca, ou acaba muito tarde.
Estou lembrado das palavras que o sr. ministro da fazenda aqui proferiu na sessão passada. Disse s. exa. que = as medidas provisórias eram sempre definitivas =. (Apoiados).
Eu quero o imposto, nada receio a impopularidade que dahi me possa resultar. Comprehendo que é preciso que se pague, e estou prompto a votar o imposto, mas quero-o justo e equitativo, e desde que apparece o imposto de consumo e se tributam uns certos productos, deixando outros de fora, é preciso ser cauteloso e não sobrecarregar uns em favor de outros. Eu explico portanto a rasão por que não voto o projecto do governo tal qual está.
Vejamos o que se pede, e se a província da Beira Alta está nas circumstancias de poder pagar este imposto.
Como já disse a v. exa., as plantações de vinha são quasi todas em encostas saibrentas, que só produziriam mato se não fosse esta cultura, que é extremamente cara pela pouca produção e muito amanho.
Posso dizer a v. exa. e á camara, que nos terrenos desta

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natureza cada almude de vinho custa ao proprietário 340 réis approximadamente, não falando na plantação juros de capitães empatados oito eu dez annos (apoiados).
Ora, a pipa de vinho da Beira regula por 21 1/2 almudes, que aqui correspondem a 30.
Os 21 1/2 almudes andam por 530 litros, que custarão ao proprietário, segundo os dados que estabeleci, 7$510 réis. A percentagem media nos últimos annos na Beira, em contribuição predial, tem sido de 47 réis por almude, o que dá em cada pipa 1$010 réis, suppondo a municipal em 50 por cento, temos mais 505 réis, não fallando já na côngrua, em outros muitos tributos que opprimem o contribuinte e recaem sobre as suas rendas, como são o pessoal, o sêllo, etc. Mostrei que na Beira a cultura do vinho é cara, e alem disso a falta de estradas e estacionamento em que elle se acha por falta de tratados com as nações estrangeiras; vejamos agora os preços da venda.
O almude de vinho vende-se por 700 réis, preço alto e exagerado em condições normaes, resulta vender-se cada pipa por 15$050 réis. Se deduzirmos destes 15$050 réis os 10$150 réis constantes das despezas e tributos indicados ha pouco, já incluídos os 2 1/2 réis por litro, como proponho, resta ao productor 4$900 réis em pipa.
Portanto, fica ao proprietário livre para compensar os seus esforços e trabalhos e rir cos da industria, uma quantia que não é bastante para o animar a progredir nesta arriscada cultura.
Note v. exa. que o proprietário que poder tirar da sua propriedade 100 pipas de vinho, é já um grande proprietário na nossa província, e todavia póde calcular-se que tira apenas a renda de 490$000 réis, isto é, o ordenado de um simples amanuense.
Ora, isto aggravando-se mais com exagerado imposto, levar-nos-ha á convicção de que o proprietário não póde tirar resultado vantajoso do seu trabalho, e a consequência terá deixar crescer o feto e o inato, de que não tira proveito algum nem o proprietário nem o thesouro. E nestas circunstancias o imposto que for sobrecarregar demasiadamente o vinho, longe de melhorar o estado do thesouro, desprotegendo a industriei, vae mata la, vae ser a ruina do proprietário, e concorrer poderosamente para o augmento do déficit, por isso que o estado deixa de receber rendimentos que podia auferir, pela improductibilidade de terrenos, e são elles muitos, que não se prestam a outra industria agrícola (apoiados).
Argumenta-se aqui dizendo-se que é uma lei provisória, e que, apesar do quaesquer regulamentos que se façam para tornar effectiva a sua execução, o contribuinte foge á acção do fisco.
Ora, este argumento não procede e desauthora os parlamentos, porque desde que vimos representar o paiz, é para fazer leis, e para que ellas tenham execução existe o poder executivo (apoiados).
Se estamos aqui para fazer leis, que não hão de ser executadas, então é inútil o parlamento (apoiados).
O paiz não lucra com estas leis, que trazem a impunidade para quem rouba, o vexame para o honesto, nenhuma vantagem para o estado, e que ao mesmo tempo servem para assustar os povos que têem a boa fé de acreditar que ao parlamento mandam elles deputados para fazer leis justas, equitativas e sabias, leis que hão de ser com igual justiça executadas (apoiados).
O sr. Burros e Cunha: - São as leis de fundo falso.
O Orador: - Essas leis não as quero eu. Quero leis que se executem na sua integra, que com prebendam a todos, sem que ninguém possa escapar-se á sua acção. Ora, segundo as bases que fornece a estatística geral, intento provar que o governo se souber fazer cumprir a emenda que proponho com regulamentos justos e adequados, alcançará muito mais do que- exige com os 5 réis por litro. Não me será difficil dizendo a v. exa. que a estatística portugueza reza de uma producção de 700:000 pipas de vinho, estatística, quanto a mim, ainda muito acanhada. Note v. exa. que não ha estatística alguma no pais, onde estamos em perpetua desconfiança receiando as exigências do estado, que não seja errada de um terço ou de metade. De forma que, para poder fazer bem o calculo, devia suppor uma producção de 1.000:000 de pipas; mas não quero, quero faze-lo em relação a 700:000 pipas. Destas 700:000 pipas 50:000 sáem para o estrangeiro, proximamente 50:000 queimam-se para aguardente não só para o uso geral, como para alcoolisar e preparar os vinhos do Douro. Por consequência ficam 600:000, que não podem todas soffrer o imposto da lei que estamos discutindo, porque parte deste vinho consome-o o proprietário no custeio da sua casa, e principalmente com os trabalhadores, porque a cultura na província da Beira Alta, tanto no rigor do verão como do inverno, demanda que se dó vinho ao trabalhador como principal e indispensável alimento. Supponhamos 10 por cento para este consumo; são 60:000 pipas; ficam portanto 540:000 pipas para o consumo geral do paiz, que, applicando-lhes a percentagem que proponho de 1$325 réis dá-nos 715:000$000 réis. Aqui tem v. exa. uma cifra muito superior áquella que o governo calcula.
Resumindo, digo que tendo confiança em que o governo proporá economias, estou prompto a votar o imposto; reconheço que é absolutamente preciso vota-lo; mas não quero por forma alguma gravar uma certa e determinada industria, que é o principal regimen do paiz (apoiados), tornando-a nulla, matando-a e matando por consequência o próprio paiz, que não poderá com um tributo maior do que naturalmente cabe nas forcas contributivas deste producto.
Nada mais digo senão que com sentimento meu não posso votar o projecto do governo; mas, aceitando o seu pensamento, voto a emenda que mando para a mesa, reduzindo-o a metade (muitos apoiados).
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que na tabeliã a que se refere o artigo 1.° seja o vinho tributado na rasão de 12,5 réis por litro.
Sala das sessões, 15 de dezembro de 1870. = O deputado por Vizeu, Luiz de Campos = Bandeira Coelho = Soares Moraes = Francisco de Albuquerque = Francisco Coelho do Amaral = Joaquim Augusto da Silva = Francisco António da Silva Mendes.
Foi admittida.
O sr. Mariano de Carvalho: - Vou ler a minha moção de ordem (leu).
A camara vê que ha apenas differença na palavra provisoriamente, mas esta palavra explica o meu voto.
Antes de justificar a moção, devo dizer a v. exa. e á camara que pedi a palavra sobre a ordem, porque dispomos de muito pouco tempo, e eu não queria que a discussão findasse sem explicar os motivos por que assignei o projecto com declarações. É objecto de poucos minutos, e peço á camara que me perdoe o tempo que lhe vou tomar.
Assignei com declarações, porque é doutrina adoptada por mim, e tenho pelo meu lado boas auctoridades, que os impostos de consumo devem principalmente pertencer às localidades. As corporações locaes são as que mais facilmente podem escolher 03 géneros que devem tributar, e que com mais facilidade do que o governo central podem fiscalisar a cobrança do tributo, e applica-lo segundo as peculiares circunstancias dos seus concelhos.
Alem disso creio que a crise financeira se ha de resolver pelos tributos e pelas economias. Mas, note-se bem, que eu não entendo por economias o que geralmente se toma por tal. Economia para mim não é supprimir esta ou áquella repartição, corcear os ordenados de meia dúzia de empregados públicos, substituir uma repartição por uma direcção o geral ou reciprocamente. Não é isso. Entendo que a economia consiste primeiramente na descentralisação dos, serviços, dando às localidades maiores attribuições, maior área de acção, e lançando lhes lambem maiores encargos, e alem

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disso consiste tambem na simplificação dos serviços, que é consequência inevitável da descentralisação. Desta e daquella podem provir economias não de dezenas, mas de centos de contos de réis.
Ora se vamos dar às localidades maiores attribuições, maior liberdade de acção, maior largueza de movimentos e maiores encargos, é preciso tambem calcular que devemos deixar-lhes os meios de satisfazer a esses encargos. Aqui vem a propósito responder a uma observação que se fez ácerca da reforma da instrucção primaria decretada em dictadura.
Seguramente essa reforma é muito superior á nossa actual legislação sobre instrucção primaria.
Tem defeitos que convém emendar, mas é superior ao actual regimen. Tem comtudo o pequeníssimo inconveniente de ser absolutamente inexequível. E é inexequível, porque lançando para as localidades o encargo da instrucção primaria, que importa em mais de 300:0000$000 réis, não dá parallelamente às administrações locaes os meios de satisfazer esses encargos.
De que serve decretar que as camaras municipaes dotarão a instrucção primaria se não lhes proporcionarmos os meios de occorrer a essa despeza? Eis aqui por que eu fui de parecer que aquella lei fosse revogada.
Repito, se damos maiores attribuições e maiores encargos às localidades, precisámos deixar-lhes os meios de os satisfazer. Que meios? Será o imposto directo? Não pode ser. Se em alguns concelhos do reino se póde ainda augmentar o imposto directo, na maior parte é impossível. Ha muitos municípios, em que os addicionaes sobre as contribuições predial, industrial e pessoal já excedem cento por cento, 40 e 60 por cento é conta vulgarissima.
Portanto, se em alguns concelhos é excepcionalmente possível augmentar os impostos directos, essa possibilidade não se dá na maior parte do reino. Não resta, pois, às camaras municipaes senão o recurso do imposto indirecto, o qual alem disso eu julgo mais próprio para constituir os orçamentos concelhios e parochiaes.
Aqui está o motivo por que julgo muito perigoso que o estado augmente para si os impostos de consumo. De que hão de viver os concelhos privados tambem deste recurso? Entretanto voto este projecto, mas unicamente como medida provisória destinada a occorrer às necessidades urgentíssimas do thesouro.
Entendo que o primeiro acto do governo na futura sessão legislativa deve ser preparar a descentralisação por meio da reforma administrativa. Quando ella se fizer, seguramente o déficit do thesouro ha de diminuir considerável mente, e então poderemos prescindir para o estado da maior parte do imposto de consumo que elle recebe. Essa será a occasião de revogar esta lei. Emquanto a reforma administrativa não vem, não se discute e approva nas duas casas do parlamento, como é urgente que o thesouro tenha os meios necessários para satisfazer aos encargos que pesam sobre elle, aceito o projecto com caracter provisório, pelas considerações que expuz.
Já agora que estou com a palavra, seja-me permittido, como membro que sou da commissão de fazenda, e sem pretender intrometter-me nas attribuições que pertencem ao illustre relator deste projecto, o sr. Barros Gomes; seja-me licito, digo, visto que votei este projecto na commissão como o votarei na camara, que acrescente duas palavras de passagem em resposta a algumas reflexões feitas pelos illustres collegas que me precederam.
Vejo que os nobres deputados pela Beira desejam que este imposto seja consideravelmente diminuído, pelo receio de que vá prejudicar a producção vinícola daquella província. Realmente não sei nem percebo como esto prejuízo se possa realisar.
Vamos porventura tributar o vinho de exportação? Não. Apenas tributamos o vinho no consumo interno. Ha temor de que venham os vinhos estrangeiros concorrer aos nossos mercados com o vinho da produção nacional? Com certeza que não póde haver esse receio. Por outro lado, póde porventura temer-se que o augmento do imputo cerceie o consumo? Digo tambem que não. O augmento do imposto, tendo em vista a relação media que ha entre o litro e a canada, é de 5,5 a 0 réis em canada. Ora o imposto de mais 5,5 ou 6 réis em canada, seguramente não fará diminuir o consumo de um género II que o povo está habituado.
Já alguém viu, que numa data povoação o consumo deste género diminuísse pelo augmento do preço do mais 5, 10, 15 ou 20 réis em canada? Ainda não succedeu isso, e não ha de succeder com o augmento no preço de mais 5,5 réis por canada, resultado do augmento do imposto. O contrario da diminuição pelo augmeuto do preço doeste género já eu vou succeder, e permitta-me a camara que lhe conte essa anecdota.
A minha terra é tambem vinícola, é um aldeiola estremenha, tem terrenos pobríssimos, mas produz bom vinho. Houve uma epocha em que o vinho custava ali 20 réis cada canada; então os trabalhadores, que naturalmente são os que fazem maior consumo deste género, era consequência da sua vida laboriosa, bebiam, termo médio, um quartilho de vinho, e gastavam 5 réis. Mais tarde, o preço do vinho foi elevado de 20 a 30 réis a canada, e o que succedeu? Foi que a gente pobre, em logar de beber um quartilho de cada vez, passou a beber meia canada (riso) por espirito de economia. Dois quartilhos juntos custavam 15 réis e separados 20 réis. A economia fez augmentar o consumo. O facto é que o augmento do imposto a rasão de 5,5 ou 6 réis por canada não póde, de modo nenhum, cercear o consumo. Mais de 5 ou 6 réis varia o preço do vinho de terra para terra, e na mesma povoação de mez para mez. Em limites estreitos o augmento de preço não obsta ao consumo de um género tão essencial.
Aqui vem a propósito responder ao sr. Lobo d'Avila, que sinto não ver presente, o qual hontem discorreu largamente sobre a incidência do imposto, affirmando que esta incidência do imposto é uma phantasmagoria.
Pois entendo eu que a incidência é uma triste realidade. Quando o imposto incide sobre mi m, acho que me fere de um modo que não tem nada de phantasmagorico, antes de muito duramente real. Não nos illudamos, as questões de incidência de imposto são muito sérias, muito melindrosas, muito importantes, e não merecem o soberano desprezo com que s. exa. as tratou.
Também o sr. Lobo d'Avila estabeleceu a proposição absoluta, der que o imposto a final cáe sempre sobre os consumidores. E verdade, mas é só afinal. Ao principio não succede assim, porque o preço dos géneros, e portanto a incidência do imposto, não dependem só da vontade do productor, mas do estado dos mercados, da relação entre a offerta e a procura, e de outras circumstancias. Se o estado, do mercado permittir que o productor augmente o preço do producto tanto quanto crescer o imposto, será este pago inteiramente pelo consumidor. O ónus tributário poderá em outros casos dividir-se entre o productor e o consumidor, ou poderá incidir só sobre aquelle quando o mercado não lhe der um excesso de preço igual. Só quando a falta de consumo viesse diminuir a producção, o imposto se reflectiria do productor para o consumidor. Quem soffria primeiro seria o productor que, obrigado a vender com prejuízo, teria de reduzir a producção e soffreria muito nos seus interesses. Ora a diminuição da producção é quebra da riqueza nacional e portanto da matéria tributável. Aqui se vê como as questões de incidência dos tributos são importantíssimas.
Também o sr. Lobo d'Avila disse que = considerava independente o imposto de consumo do imposto directo, porque tanto como outro sempre vem por fim a cair igualmente sobre os consumidores =. Isto não é verdade.
Quando se vae pedir ao productor um imposto sobre qualquer género de consumo, e esse imposto se reflecte so-

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bre os consumidores, o tributo recáe igualmente sobre todos os consumidores ricos ou pobres da nação.
Se formos lançar o imposto de consumo sobre a venda por miúdo, os indivíduos do medianos ou de grossos haveres podem abastecer-se por atacado, e escapam ao fisco. A differença é enorme.
É preciso distinguir as cousas. O imposto do s r. Fontes recaia sobre o consumidor pobre, e deixava escapar os ricos pelas malhas da rede tributaria. Por isso, por ser muito pesado, porque pesava sobre géneros de primeira necessidade e pelo methodo da sua fiscalisacão e cobrança, foi repeli ido pelo paiz.
O ar. Lobo d'Avila tambem discreteou bastante a respeito das condições em que se acha a nossa producção vinícola.
Creio que não dou novidade á camara dizendo que o futuro da nossa vinicultura depende da producção de vinhos baratos de consumo. Para os vinhos generosos não nos faltarão mercados em que concorramos com os vinhos francezas e com os vinhos hespanhóis.
É necessário, porém, produzir vinhos baratos de consumo para exportação, que se conservem sem addicção artificial de álcool, e que assim possam acommodar-se ao paladar do consumidor e escapar aos rigores da escala ingleza.
Não nos illudamos com a idéa de um tratado de commercio com a Inglaterra para a reducção da escala alcoólica. Não o conseguimos, podemos empenhar para isso os nossos maiores esforços, podemos metter a esta obra os nos sós mais hábeis diplomatas, que não havemos de obter de certo que o governo inglez, só pelo intuito de nos ser agradável, deixe diminuir o rendimento do álcool, um dos mais importantes das alfândegas inglezas. Mas instemos com o governo para que se resolva a fazer os tratados de commercio propostos ha muito tempo pela Áustria o principalmente pelo Zollverein.
Tanto a Áustria como a associação aduaneira allemã nos propozeram tratados, de que nos poderiam advir grandes vantagens como os propozeram tambem á Hespanha. Nós, como economistas consummados, sumimos cuidadosamente os tratados nas gavetas das secretarias. Os hespanhoes, muito menos hábeis em assumptos de economia política, aceitaram os tratados, e hoje têem já um grande commercio de vinhos catalães, e logo se estabeleceu uma linha de vapores entre Bilbau e Hamburgo.
Repito, não imaginemos que o governo inglez ha de cercear a receita do seu thesouro, apenas com o intuito de nos obsequiar. Lancemos os olhos para outro lado.
Se temos a Áustria e, mais que tudo, a Prussia que nos querem abrir os seus mercados, para que os havemos de deixar fechados por incurias ou por falsas doutrinas económicas?
Tanto o sr. Lopo Vaz, como o sr. Faria Guimarães, mandaram para a mesa propostas para que o Porto fosse exceptuado deste imposto de real de agua. Allegaram para isto que o consumo dos vinhos e das bebidas alcoólicas e fermentadas no Porto está sujeito a um imposto creado por decreto da dictadura.
Pela minha parte não posso votar estas emendas, sobretudo a do sr. Faria Guimarães, que differe alguma cousa da do sr. Lopo Vaz, e direi a rasão em breves palavras. Supponhamos que o imposto sobre o consumo dos vinhos é pago no Porto em virtude do decreto dictatorial e nas províncias pelo actual projecto de lei. Então o Porto pagará 3$144 réis por pipa e as províncias 2$670 réis. Ora se Lisboa póde pagar 16$500 réis, não vejo rasão por que o Foi to não pague 3$ 144 réis, mais alguma cousa do que as províncias.
Agora vejamos o que succederia com a aguardente. O resultado era que a aguardente pagava no Porto 3$144 réis e nas províncias 10$180 réis.
É por consequência evidente que não podemos votar tal isenção, e eu não acho nada injusto que...
O sr. Faria Guimarães: - Mas limite se ao vinho.
O Orador: - Mas não acho nada injusto que o imposto do vinho para consumo do Porto seja superior ao que se paga nas províncias. Pois o Porto não está em muito melhor posição que, por assim dizer, os sertões do reino? Porque é então que o Porto não ha de pagar uma percentagem superior às provindas? Se Lisboa pode pagar réis 16$500 por pipa, porque não ha de o Porto pagar 5$814 réis?
Aproveito tambem esta occasião para dizer que não pedi a revogação do decreto da dictadura, que lançou imposto sobre o vinho e bebidas alcoólicas introduzidas no Porto, porque ouvi dizer aos membros do gabinete, que tencionavam apresentar uma proposta modificando este decreto.
E é cousa singular que os srs. conde de Samodães, Braamcamp e Dias Ferreira adoptassem um imposto cuja philosophia nunca comprehendi, e que me será difficil comprehender. Quando eu me comparo com estes illustres cavalheiros, fico desconfiado da minha intelligencia: não percebo bem um imposto que tributa igualmente géneros de valor desigual.
Uma pipa de aguardente paga 3$ 144 réis, como paga uma pipa de vinagre ou de agua pé. Os srs. ministros hão de ter muito boas rasões; não as acho: a minha intelligencia não me deixa perceber esta belleza. Sinto com isso grande mágua, porque duvido da minha intelligencia, visto não poder duvidar da de tantos ministros.
Por outro lado estamos constantemente pedindo ao governo que contrate sem demora com a Inglaterra para favorecer a exportação dos nossos vinhos e ao mesmo tempo tributamos a exportação dos vinhos que se faz pela barra do Porto! Os inglezes têem fácil resposta a dar - os senhores estão a lançar impostos sobre a exportação dos vinhos e querem que lhes façamos modificações na escala alcoólica! Não póde ser.
Sr. presidente, eu declaro desde já a v. exa. que hei de pedir na sessão seguinte a revogação deste imposto de exportação, se o governo não o fizer.
Quanto ao imposto sobre as carnes pouco tenho que dizer. Sou contrario ao imposto de consumo que recáe sobre os alimentos de primeira necessidade, mas a carne que pagava 4,4 por arrátel, agora passa apenas a pagar 10 réis por kilogramma. Não ha alteração sensível no tributo. Como este imposto já existe, e o paiz não tem reclamado, não sinto duvida em o approvar.
Não aceito porém a proposta do sr. visconde de Montariol, para que sejam diversos os direitos sobre as differentes espécies de carne. O paiz nunca reclamou similhante alteração, e por isso não quero tomar a iniciativa de modificar o imposto. Essa alteração traria muitíssimas dificuldades na fiscalisação, era necessario haver um perito em cada açougue para classificar a carne de vacca, de chibato, de cabra, de bode, de carneiro, etc. Para levar a previdência até ao ponto que pretende o illustre deputado, pediria desde já que lançássemos imposto maior sobre os ratos, sobre os animaes da raça azinina, sobre os mulos, etc., que dizem, merecem grande apreço em Paris. Seria bom pre-venirmo-nos para o futuro, e mostrarmo-nos consequentes. A minha única duvida, a respeito do imposto denominado real de agua, é que elle não renderá tanto quanto se espera.
O vinho produzido no nosso paiz anda por 700:000 pipas; d'essas 700:000 pipas umas 100:000 pipas, o máximo, são convertidas em aguardente, 50:000 são exportadas. Ficam pois 550:000 para o consumo interno. Bastava que 300:000 pagassem hoje o real de agua, para este imposto render 100:000$000 réis; entretanto rende apenas réis 28:000$000.
O maior ou menor rendimento depende da fiscalisação. Hoje ninguém póde dizer - este imposto renderá tanto. Com a actual fiscalisação pouco poderá produzir, se ella foi modificada e melhorada, queira Deus que o augmento de des-

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peza não exceda o augmento da receita. Os exemplos do pequeno rendimento dos impostos de consumo abundam.
Em cinco freguesias dos subúrbios do Porto, quasi todas situadas extra-muros, existe o imposto municipal de C$000 réis por pipa de vinho maduro, e 3$000 réis por pipa de vinho verde. Este imposto das cinco freguezias muito populosas, dá apenas 2:000$000 réis, e ë cobrado por arrematação; se fosse por administração não chegava a esta quantia.
Por isso receio mais que as despezas da fiscalisação venham a absorver o rendimento do imposto. Tudo depende do sr. ministro da fazenda, como confio em s. exa., por isso não tenho duvida de votar provisoriamente este projecto de lei. Digo provisoriamente pelas rasões que expuz.
Mando para a mesa a minha moção.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 1.° onde se diz: "o imposto denominado real de agua será cobrado em todo o continente do reino segundo a tabella annexa a esta lei" se diga "o imposto denominado real de agua será provisoriamente cobrado em todo o continente do reino, segundo a tabeliã annexa a esta lei".
Sala das sessões, em 15 de dezembro de 1870. = Mariano Cyrillo de Carvalho.
Foi admittida.
O sr. Pinto Bessa: - Mando para a mesa a moção de ordem, que passo a ler (leu).
Esta proposta vae tambem assignada por v. exa., como digno representante nesta casa, do circulo de Villa Nova de Gaia. Mandando-a para a mesa tenho por dever pedir á camara a sua approvação.
Não se pense, porém, que a satisfação deste pedido importa um favor feito às duas camaras a que se refere a minha proposta: não é assim; a sua approvação não é mais que um acto de inteira justiça.
Sr. presidente, sempre tive, e ainda hoje conservo, a opinião de que o imposto sobre os géneros reputados de primeira necessidade só e unicamente póde ser tolerado quando lançado pelas municipalidades, porque neste caso os povos, a quem é pedido esse sacrifício, vêem que o seu producto é immediatamente empregado no melhoramento das respectivas localidades, melhoramento de que elles gosam e que desfructam, resignando se por isso a supportar o augmento do imposto que se lhes pede, porque reconhecera a sua justa e útil applicação.
Ora, já v. exa. vê que sendo esta a rainha opinião eu não posso dar o meu voto, a favor do projecto que se discute sem grande constrangimento e levado unicamente pela força de imperiosas circumstancias que me obrigam a proceder assim.
Todos sabem o deplorável estado a que têem chegado as finanças do nosso paiz; estado que se aggrava de dia para dia de uma maneira assustadora e a que é urgente pôr ter mo quanto antes. Isto porém não se póde conseguir sem sacrifícios, e é necessario que nos desenganemos, de uma vez para sempre, que para continuarmos a ter existência como nação independente precisámos pagar, e mostrar as sim que estamos, habilitados a satisfazer a todos os encargos do estado. É urgentíssimo, é de primeira necessidade restabelecer o equilíbrio entre a receita e a despeza, e, para isto se conseguir, só temos dois caminhos: diminuir a despeza e augmentar a receita. Com a diminuição da despeza, só de per si, não podemos attingir ao desejado fim; temos, por conseguinte, de recorrer ao augmento da receita, e este só se póde obter de prompto, como é mister, com o lançamento de novos impostos. E eu receio que quanto mais de morarmos a resolução desta grave questão, maiores serão os sacrificios que teremos de supportar. O adiamento collocar-nos ia em tristes circumstancias, porque tenderia a aggravar o nosso já triste estado financeiro.
Por isso, sr. presidente, fundado nas rasões que tenho expendido é que aceito e voto o projecto em discussão. Desejo, porém, que seja adoptada a proposta, que tive a honra de mandar para a mesa, porque é ella, como já disse, fundada em justiça; e tanto isto é assim que, quando em 30 de junho do corrente anno foi promulgado o decreto ditatorial, elevando o direito do vinho que entrasse pela" barreiras seccas ou molhadas da cidade do Porto e de Vila Nova de Gaia, de l$000 réis por pipa, que até ahi pagava, a 60 réis por decalitro, ou 3$204 réis por pipa, as camaras municipaes do Porto e de Villa Nova representaram ao governo pedindo augmento das suas respectivas dotações, e o governo julgou tão attendiveis e de tanta justiça as rasões que justificavam esse pedido, que immediatamente o deferiu. Uma, como as rasões que levaram o governo daquella epocha a deferir a essa justa pretensão são idênticas às que se dão actualmente, é o motivo por que mandei para a mesa a minha proposta.
E para mais a justificar preciso dizer a v. exa. e á camara, que o município do Porto está actualmente sobrecarregado com enormes encargos, que lhe provém principalmente da obra que a camara daquella cidade foi obrigada a emprehender, obra que deveria ser feita pelo estado, por isso que tem por principal fim communicar, por meio de uma espaçosa rua, a nova alfândega de Miragaia com o centro da cidade.
Esta rua é obra a que a camara não procederia, se a alfândega tivesse sido edificada no sitio em que todas as conveniências do commercio, e a própria camara, indicaram. Mas sendo desprezadas essas indicações, viu-se a camada obrigada a emprehender á custa do município esse trabalho, que não custará talvez menos de 300:000$000 réis. Ora, para satisfazer aos encargos resultantes de tão avultada despeza, alem de muitas outras que já pesam sobre os seus cofres, é necessario habilitar a camara com suficientes meios para poder occorrer a todos casses encargos.
Eu, como presidente que me honro de ser daquella camara, projectava no próximo futuro orçamento, se os meus collegas vereadores disso concordassem, propor o lançamento de um imposto sobre o vinho de consumo, com o fim de augmentar a receita municipal, para assim habilitar a camara a acudir às variadas necessidades que são reclamadas pelos habitantes daquella cidade; mas, sr. presidente, "m vista da proposta de lei apresentada pelo governo, tenho do desistir do meu propósito, porque reconheço a impossibilidade de sobrecarregar com um maior imposto, do que o estabelecido na tabeliã a que o projecto se refere, o vinho de consumo na cidade do Porto.
É este o único genero que ali poderia ser tributado, e assim conhecerá a camara que é de toda a justiça que sejam de alguma forma indemnizadas as duas camaras a que me tenho referido, pela impossibilidade em que ficam de poder augmentar a sua receita.
Eu já disse, e repito, que a minha opinião é inteiramente contraria ao direito denominado de consumo, com relação aos géneros reputados de primeira necessidade; entretanto sou forçado a dar o meu voto a favor do projecto, pela dura lei da necessidade a que me curvo, attentas as tristes circumstancias era que se acha o thesouro, e porque tambem estou certo de que a camara attenderá á justiça da minha proposta, e não deixará de approva-la.
Tenho concluído.
Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Additamento - ao artigo 1.° do projecto, acrescente-se o seguinte §:
São augmentadas as dotações estabelecidas pela lei de 23 de dezembro de 18(35 e decreto de 30 de junho de 1870, às camaras municipais do Porto e Villa Nova de Guia, como compensação do imposto lançado sobre o vinho de consumo e denominado real de agua, a que se refere a tabeliã annexa a esto projecto, sendo este augmento de 10:000$000 réis para a camara do Porto e de 1:000$000 réis para a de

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Villa Nova de Gaia. = O deputado, Francisco Pinto Bessa = O deputado por Villa Nova de Gaia, António Cabral d$ Sá Nogueira.
Foi admittida
O sr. Pereira de Miranda: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre as alterações á pauta. Peço a v. exa. consulte a camara sobre se dispensa a sua leitura.
Consultada a camara, decidiu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Agora tem a palavra, sobro o projecto que se discute, o sr. relator da cornmissão.
O sr. Barros Gomes: - Procurarei tomar pouco tempo á camara, porque a vejo bastante cansada; comtudo parece-me que um projecto desta ordem não póde passar sem uma quanto possível larga discussão (apoiados); e eu estimo por isso, que por parte de alguns srs. deputados elle tenha sido repetidas vezes impugnado, para que respondidos, como me parece que o podem ser, os argumentos até este momento apresentados, o projecto de lei sobre o qual deliberamos venha a final a sair desta camaras, com a anctoridade moral que resulta de um amplo debate, durante o qual houve occasião de ouvir manifestar as mais diversas opiniões (apoiados}.
Podem, a meu ver, grupar-se em três series ou classes diversas as objecções e os argumentos que os meus illustres adversar os têem apresentado com relação á doutrina consignada pela commissão de fazenda no seu parecer, e consequentemente contra a final approvação do projecto, que está em discussão.
Na primeira destas três classes figurara os argumentos baseados nos princípios geraes económicos, que se invocam sempre contra todos os impostos de consumo, ou impostos indirectos; na segunda, as objecções firmadas no estado de crise, em que se pretende existir a nossa industria vinícola, insistiram nellas o sr. Luiz de Campos, e muito particularmente o meu amigo o sr. Lopo Vaz de Sampaio e Mello, por cuja feliz estreia nesta casa em um assumpto de administração, isto é, da ordem daquelles que verdadeiramente interessam o paiz, eu felicito do coração s. exa. e a camara, embora divirja da opinião deste meu illustrado collega, e esteja bem longe do ver no actual projecto de lei, caso seja adoptado, a causa da ruina da industria vinícola do paiz; constituem finalmente a terceira e ultima classe, as duvidas que se originara na diversidade das condições em que se encontram os differentes municípios do reino, aonde o consumo destes dois géneros, carne e vinho, se acha sobrecarregado com impostos muito diversos entre si, e que nós vamos aggravar era relação ao vinho de um modo bastante sensível.
Procurarei successivamente responder a estas três espécies de argumentos, mas antes disso, seja-me permittido, levantando uma insinuação por mais de uma vez repetida no parlamento e fora delle, demonstrar que o partido reformista, sustentando hoje e mesmo aggravando este antigo imposto do real de agua, não está em contradicção, como se tem querido inculcar, com as doutrinas que proclamara quando combateu o imposto geral de consumo.
A meu ver essa contradicção, que nos querem lançar em rosto, não existe por forma alguma (apoiados).
Todos sabemos, na verdade, que os impostos de consumo são mais ou menos prejudiciaes nos seus effeitos, mais ou menos condemnados pelos economistas e homens distado que lhes são adversos, conforme os géneros sobre que recaem são ou não os de primeira necessidade.
Combateu-se em tempo com vigor, sobretudo o imposto na carne elevado a 20 réis por kilogramma; e parece-me que em um paiz nas condições do nosso, aonde o consumo desse género ainda infelizmente é tão limitado, tudo indica a conveniência de facilitar por todas as formas a generalisação de um alimento extremamente sadio, ao que de certo se opporia um direito bastante elevado.
Nem se deve argumentar contra isto, com o facto de constituírem verba avultada de receita para o thesouro de vários estados da Europa, os direitos sobre o consumo da carne, por isso que muitos ha tambem aonde existem pesados impostos de consumo sobre differentes géneros, excluindo se todavia cautelosamente a carne desse imposto.
Para citar alguns exemplos, referir-me-hei á França, á Grâ-Bretanha, á Baviera e ao Wurtemberg, estados que tiram uma parte muito importante da sua receita de impostos de consumo sobre o vinho, e sobre as bebidas alcoólicas o fermentadas; mas que entenderam conveniente, por elevadas considerações de ordem económica e moral, facultar quanto possível, ainda aos menos abastados, o consumo da carne.
Ora notem-o v. exas. é precisamente neste ponto que o projecto que hoje se discute diversifica essencialmente do que foi apresentado em tempo pelo sr. Fontes Pereira de Mello.
Em relação á carne não ha alteração alguma no sentido de aggravar o direito que pesava já sobre o consumo deste género, porque não merece tal nome a differença de 0,6 de real em kilogramma, differença que é consequência necessária da passagem das antigas para as novas medidas, e da necessidade de arredondar o numero de réis que se lança sobre cada kilogramma de carne, sem o que elle seria cobrado em beneficio exclusivo do vendedor; e em relação ao vinho e às bebidas alcoólicas e fermentadas, os direitos marcados na tabeliã que hoje se propõe são exactamente iguaes á metade dos que eram pedidos na tabella do sr. Fontes.
Este projecto está amplamente estudado. Foi-o de um modo completo por occasião da discussão do imposto geral de consumo; mais tarde o sr. conde de Samodães apresentou-o também; e reparem v. exa. e a camara que a tabella proposta pelo sr. conde de Samodães, nos quatro géneros a que a reduzia, era inteiramente idêntica á do sr. Fontes; e então, a commissão de fazenda e o partido reformista, representado pela maioria desta casa, entenderam que não deviam approvar aquelle projecto, por isso que de algara modo ficavam era desaccordo com os princípios que tinham declarado serem essenciaes a este partido.
Seguiu-se depois a proposta do sr. Braamcamp, que alterou profundamente as dos seus illustres antecessores, e é a iniciativa desta ultima que foi agora renovada pelo sr. Carlos Bento. Nenhumas objecções graves se podem levantar contra a sua adopção, por isso que, repito, o imposto que se lança hoje na carne não diverge do que existia em mais de uma fracção insignificantissima de real, que não póde produzir differença apreciável no consumo, e o que diz respeito ao vinho está muito aquém dos limites em que o consumo deste género é tributado em paizes menos bem fadados do que o nosso para uma producção vinícola abundante.
Ouço ao meu illustre amigo e collega, o sr. Francisco de Albuquerque, um não apoiado, e não só elle como todos os srs. deputados por Vizeu, que têem combatido este projecto, me affirmam em áparte que não acham verdadeira esta proposição que acabo de avançar.
Direi a s. exas. que, se a industria vinícola, sejam quaes forem as crises por que se pretende ella está passando em um paiz, como nenhum fadado para a cultura do vinho, não póde com um imposto tão módico lançado sobre o consumo, que de mais a mais não deve ir ferir essa industria, mas sim affectar exclusivamente o consumidor, salvo o caso de condições muito excepcionaes, que se não dão actualmente, a meu ver, não sei sobre que possa recair entre nós um imposto de consumo. E deve notar-se, repito, que o direito de 5 réis em litro é extremamente módico, e fica muito longe daquelle que é lançado sobre o consumo deste género em todos os paizes da Europa. E a esse respeito permittam-me v. exas. que eu cite alguns números.
Tenho aqui sobre a minha banqueta um livro devido á penna de um homem eminente nas sciencias económicas, e

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m distinctissimo escriptor o dr. Carlos Henrique Rau, cuja morte recente a Allemanha e a Europa toda deploram. Encontro nesse livro a seguinte nota. E refiro-me a ella, porque todas as notas que ahi se contém, elucidando amplamente o texto com uma serie de preciosas indicações e factos do maior interesse, baseiam-se exclusivamente na legislação e documentos officiaes dos diversos paizes, fazendo essa circumstancia que mereçam o mais inteiro e completo credito os algarismos que vou citar.
Dizem elles respeito ao rendimento dos impostos do consumo sobre o vinho e bebidas fermentadas, nos diversos paizes da Europa, e sabe v. exa. a quanto sobe esse rendimento?
Em França chegou em 1865 a 212.000:000 francos, ou 38.160:000$000 réis, e tem subido posteriormente a mais de 40.000:000$000 réis. Na Inglaterra em 1861-1862 importou o direito de consumo sobre o vinho e bebidas alcoólicas e fermentadas em 19.235:833 libras. Na Bélgica em 1863 subiu ao valor de 16 780:000 francos ou 3.020:400$000 réis. Na Prussia em 1860 alcançou o thesouro por este genero de imposto 7.882:000 thalers, ou aproximadamente réis 4.729:200$000. No colossaal imperio austriaco tambem se tem ido buscar ao consumo do vinho, da cerveja, da aguardente e do vinagre um recurso importante para melhorar as finanças publicas. E ahi a progressão em que o rendimento tem crescido surprehende tanto pela rapidez como pela grandeza. Em 1847 não excedia a totalidade do imposto 4.492:000$000 réis, em 1856 já era de 10.502:350$000 réis, e em 1864 subia á somma enorme de 17.989:650$000 réis!
Vejam v. exas. como em um paiz que na sua maior parte se encontra em condições tão desfavoráveis, comparadas com as nossas emquanto á producção e portanto fácil consumo do vinho, se consegue alcançar um rendimento valiosissimo só do imposto que onera o consumo do vinho, e o das bebidas fermentadas e alcoólicas em geral.
Na Itália em 1868 o rendimento total dos impostos de consumo, que ali recaem tambem sobre a carne, a farinha, o arroz, o azeite, os óleos e o assucar, foi de 11.340:000$000 réis, não sei dizer neste momento qual a parte desta importância que corresponde ao consumo do vinho e das bebidas alcoólicas e fermentadas, mas o que este numero me suscita é o desejo de não ver em Portugal pesar, como na Itália, sobre o consumo de géneros, taes como a carne e outros que são mais exclusivamente o sustento do pobre, tão pesados impostos. Possamos nós sobretudo conservar sempre o nosso systema tributário alheio ao odioso imposto de moagem (apoiados), porque elle só vae carregar sobre as classes desvalidas.
Em Hespanha a pauta do consumo, estabelecida pela lei de 1845, contém 105 artigos. Essa lei abolida pela revolução de setembro, que pretendeu substitui-la por um imposto pessoal, que nunca chegou a passar do papel, acha-se já novamente em vigor, tendo-se reputado indispensável o seu restabelecimento. Em 1866 rendeu o imposto de consumo no vinho, aguardente, etc. 648:000$000 réis. Nada direi em relação ao producto dos direitos cobrados sobre o consumo dos outros artigos da pauta hespanhola, por isso que o meu fim era considerar exclusivamente os impostos de consumo que recaem, nos diversos paizes da Europa, sobre o vinho e as bebidas alcoólicas e fermentadas.
Vê-se pois por esta resenha, que acabo de apresentar á camara, que em toda a parte as bebidas fermentadas e alcoólicas são consideradas matéria excellente para ser tributada no seu consumo; e ainda, que em todas as nações, onde é necessario um augmento de receita, para acudir a urgentes necessidades do thesouro, se vão buscar muito particularmente ao consumo destes géneros valiosissimos recursos.
Não vejo pois que entre nós, paiz vinhateiro por excellencia, haja rasão bastante para uma fundada opposição a um augmento aliás muito módico de um imposto no consumo do vinho, augmento que é apenas metade do que um
nosso distincto estadista, o sr. Fonte Pereira de Mello, propunha em 1867.
m taes condições parece-me que o projecto do governo está no caso de poder ser aprovado pela camara, e eu, como relator da commissão, desde já declaro em nome della que não posso aceitar nenhuma reducção nos direitos marcados na tabella, e que portanto me vejo obrigado a rejeitar as propostas dos srs. Lopo Vaz e Luiz de Campos.
Se, deixando ainda os exemplos das outras nações, analysarmos o que se passa a este respeito nesta capital, veremos que sobre o consumo do vinho em Lisboa pesa um imposto enorme que se eleva a 30 réis por litro, 310 réis por 10 kilogrammas, segundo a pauta de 22 de junho de 1870. Pela estatística da alfândega municipal, que tenho presente, vejo que no anno económico de 1868-1869 este imposto sobre o consumo do vinho em Lisboa chegou a render para o estado para cima de 340:000$000 réis. E note-se que sobre o litro de aguardente recáe o direito de 75 réis, e sobre o kilogramma de carne o de 60 réis. Veja
pauta só do consumo da carne resultou para o thesouro, em 1868-1869, um valor de 430:000$000 réis. Se quizessemos considerar este imposto com referencia aos seus effeitos sobre a producção do vinho ou industria vinícola como o quizeram fazer o meu collega, o sr. Lopo Vaz e outros srs. deputados, deveríamos attender tambem a que a producção de uma larga região vinhateira que cerca a capital, e encontra nella um mercado dos mais amplos do paiz, poderia ser affectada de um modo sensível pela exigência de um direito tão elevado, e a consequência lógica seria abaixarmos o imposto, approvando a proposta do sr. Barros e Cunha; que com tão justificados motivos a fundamentou hontem, alludindo por essa occasião ao consumo relativamente pequeno da capital, e á adulteração que soarem em Lisboa os vinhos, que se escolhem de propósito nas condições de poderem suportar uma, quanto possível, considerável mistura com agua. Isto é inteiramente verdade, e comtudo, apesar da restricção forçada do consumo pela elevação do direito, plantam-se sempre novas vinhas em torno de Lisboa, o que prova que esse direito exageradissimo não póde só por si destruir os effeitos benéficos do solo e do clima, que tão bem recompensa os capitães e trabalhos gastos com a cultura da vinha.
Nas condições em que se acha o thesouro seria perigoso diminuir este imposto em Lisboa, como o illustre deputado com muita rasão desejava, mas se não é possível diminui-lo em Lisboa onde elle é tão exagerado, menos possível será por certo deixar do pedir ao resto do paiz, que até hoje tem estado quasi isento de qualquer imposição por parte do estado sobre o consumo do vinho, este pequeno augmento que se lhe pretende lançar, como um dos recursos a que indispensavelmente se tem de recorrer, para acudir ao estado embaraçoso em que se acha a fazenda publica.
Vou agora referir-me a alguns documentos que me foram fornecidos pela secretaria da fazenda, e que considero de grande interesse para esclarecimento desta questão. São os mappas baseados nas informações dos delegados do thesouro, que toem sido colligidos naquella secretaria, com respeito ao rendimento do real de agua sobre o vinho e sobre a carne cobrado nos differentes districtos do reino.
No que diz respeito ao exercício de 1867-1868 conseguiu-se a final ver satisfeitas as instancias, por mais de uma vez repetidas, para que se indicassem separadamente os rendimentos do imposto lançado sobre o consumo da carne e do vinho, de maneira a poder calcular este. Quando em 1867 o sr. Fontes Pereira de Mello, no seu notável e tão bem elaborado relatório, que é uma das melhores provas das altas faculdades, muito talento, e grande illustração daquelle cavalheiro, que todos respeitara, e que merece de certo aos membros desta casa a maior consideração, procurou avaliar o rendimento provável do novo imposto ge-

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ral do consumo, baseou ao para isso nos dados que lhe forneciam os cinco districtos - de Aveiro, Castello Branco, Leiria, Lisboa e Vianna, nos quaes a arrecadação do real dagua se fazia por conta do estado, havendo-se abandonado ahi o systema das arrematares, condemnado pelos economistas em todos os paizes cultos da Europa, e que nessa epocha ainda se conservava nos restantes districtos do reino.
Partindo do consumo nestes cinco districtos do reino.
Partindo do consumo nestes cinco districtos, s. exa. achada a relação de 3 para 1, que lhe era dada pela comparação do rendimento do real de agua da carne e do vinho nos districtos estudados, concluía para todo o reino, que o consumo geral accusado por este imposto não deveria elevar-se a mais de 16.460:547 kilogrammas de carne e 66.738:111 litros de vinho, excluídas as duas cidades de Lisboa e Porto.
Orçamento do que produzirá um augmento no imposto do real de agua no continente do reino, tomando-se por base o consumo no anno de 1867-1868

[Ver Quadro na Imagem].

Districtos

Aveiro ....
Beja ....
Braga ....
Bragança ....
Castello Branco ....
Coimbra ....
Evora ....
Faro ....
Guarda ....
Leiria ....
Lisboa ....
Portalegre ....
Porto ....
Santarém ....
Vianna ....
Villa Real ....
Vizeu ....

Rendimento no anno de 1867-1868 ....
Addiciona-se a importancia de uma avença no districto de Aveiro ....
Addiciona-se a importancia de 10 por cento addicionaes ....
Abate-se o que pertence aos expostos de Coimbra ....
Producto do novo imposto ....
Augmento do imposto ....

Pelo mappa a que alludo, e que farei publicar no Diario da camara vê-se que a quantidade total de carne manifestada foi de 14.422:005 kilogrammas, ha para acrescentar a este numero, a parte que diz respeito ao consumo da carne no producto de uma avença cobrada em Aveiro, e ainda o consumo de Belém e Olivaes, concelhos isentados do pagamento deste imposto do real de agua pela carta de lei de 5 de agosto de 1854, e que no anno anterior tinham dado entrada no thesouro com a quantia de 6:450$000 réis, proveniente desse ramo da receita publica.
Para distinguir na somma destas duas verbas, que se eleva a 9:500$000 réis a parte que diz respeito ao consumo da carne, adoptaremos a relação de 5:1, que é a resultante da comparação do rendimento total do imposto sobre o vinho e sobre a carne em todo o reino. Essa relação dá-nos proximamente 8:000$000 réis para a carne e 1:500$000 réis para o vinho, o que corresponde a 918:000 kilogrammas do primeiro destes géneros e 2.100:000 litros do segundo.
O resultado pois de todos estes cálculos é o seguinte:
Consumo da carne em todo o continente com excepção de Lisboa, 15.342:005 kilogrammas, e do vinho na mesma área, e excluindo tambem a cidade do Porto para dentro de barreiras, que, segundo affirma o illustre deputado o sr. Faria Guimarães, não paga o real de agua sobre o vinho, 50.180:779 litros, numero que se elevará facilmente a 60.000:000 litros quando se tenha incluído na regra geral, como de justiça, a segunda cidade do reino.
Prestam-se estes números, e bem assim as indicações que no mappa em questão dizem respeito aos diversos districtos, a curiosas investigações. Cumpre em primeiro logar reconhecer quanto elles se approximam dos números de 16.500:000 kilogrammas de carne, e 66.738:000 litros de vinho, em que o sr. Fontes calculara no seu relatório o consumo destes dois géneros no paiz, o que abona a maneira por que foram feitos esses cálculos. Póde-se também, pela analyse do mappa, reconhecer a proporção em que nos diversos districtos estão entre si os productos das duas verbas deste imposto, e, o que é mais interessante, pela comparação com a população districtal, avaliar o consumo por cabeça da carne e do vinho, tanto quanto o permittem indicações que se derivem do producto de um imposto tão mal fiscalisado, como o é este do real do agua.
No districto de Lisboa, excluída a capital, nos de Santarém e Villa Real, a relação do imposto sobre a carne para o que recáe sobre o vinho é de 5:1, nos de Braga, Faro e Vianna, de 4:1, no de Portalegre de 33:1, no de Évora de 10 : 1, no de Beja de 8:1, e o limite mínimo corresponde a Bragança onde essa relação é de 1,5:1.
No que diz respeito ao consumo por cabeça, é como se podia esperar na província do Alemtejo, que esse consumo toma proporções mais avultadas. Em Évora achâmos por

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exemplo 6 1/2 kilogrammas por cabeça; em Portalegre 5, ao passo que em Braga e em Villa Real o consumo é apenas do 4 kilogrammas, e em Aveiro não excede 0,8 kilogramma.
Eu peço desculpa á camara de a estar cansando com estes números, mas estas investigações do consumo dos differentes géneros, ligadas com as que dizem respeito ao valor dos salário? e ao preço das subsistencias, são, a meu ver, precisamente as que mais nos devem interessar, e que era toda a parte chamam largamente a attenção dos economistas e dos homens públicos; por isso que é por meio dellas que se póde alcançar a medida para a apreciação do grau de bem-estar relativo das differentes populações da Europa, e que no caso actual nos habilitam a saber as condições em que vive o nosso povo.
Excluir do da população total do reino, que é de 3.829:668 habitantes, segundo o censo de 1864, a população de Lisboa, que se eleva a 163:000, e calculando, como ha pouco fizemos, o consumo da carne, excluída a capital, em 15.342,075 kilogrammas, acharemos por cabeça 4 kilogrammas, e incluindo Lisboa 6. Ora, sendo a arrecadação do real de agua mal fiscalisada, é claro que podemos, sem receio de grande erro, augmentar pelo menos em 50 por cento os números que acabo de referir, e acharemos assim que o consumo da carne por habitante em relação ao reino é de 9 kilogrammas, o que está inteiramente de accordo com as indicações das estatísticas officiaes hespanholas, que dão em mediado 1858 a 1861, 8,04 kilogrammas para a população rural e 23,03 para as populações das cidade?, ou em media geral 9,15, numero que está em harmonia com o que diz respeito á Itália, paiz em condições bastante análogas às da península ibérica, mas que fica muito aquém do que indica o consumo em França, que é de 25 kilogrammas, na Prussia onde chega a 18,5, na Gran-Bretanha a 28, na Saxonia de 19 a 25, na Baviera de 20, etc.
Em relação ao consumo do vinho os cálculos tornam-se menos interessantes, porque a maior parte destes como bem disseram alguns dos meus collegas, escapa, e na minha opinião deverá sempre escapar às investigações fiscaes. Não insistirei por isso nos resultados que se podem inferir deste inappa a esse respeito, e tanto mais, quanto conhecida a producção do vinho, a parte que se exporta e approximadamente a que é queimada para aguardente, tem-se com mais segurança a verba total do consumo. Esse calculo já o fizeram o sr. Mariano do Carvalho e outros collegas, inútil pois se torna repeti-lo.
No que diz respeito ao rendimento que o governo tem direito a esperar do agravamento proposto no real de agua, quando mesmo se conservasse o actual systema de fiscalisação, que se diz ser quasi nenhuma, vê-se pelo mappa, a que me tenho estado referindo, que na carne esse rendimento deverá ser de 144:000$000 réis, e no vinho de réis 240:000$000, calculando com o sr. Anselmo Braamcamp, em 40:000$000 réis o rendimento do novo imposto lançado sobre o consumo das bebidas alcoólicas e fermentadas e acrescentando o que resulta de Belém, Olivaes e a cidade do Porto, para dentro de barreiras ficarem sujeitas á regra geral, teremos um rendimento total de 460:000$000 réis proximamente, e portanto acrescem para o thesouro, sobre os 168:000$000 réis que o estado já recebia, uns 300:000$000 réis.
Disseram alguns dos meus collegas que, com a fiscalisação actual, ou para melhor dizer a ausência della, o imposto não poderá render esta somma. Parece-me, porém, que sendo elle como é muito moderado, não deverá dar logar a uma fraude muito maior do que a que se dá actualmente, e portanto o effectivo rendimento não poderá divergir muito da verba que eu calculei. Mas alem disso estou convencido que o sr. ministro da fazenda, e s. exa. em tempo dará explicações á câmara, pretende fiscalisar o rendimento deste imposto por uma forma que permitia torna-lo mais productivo para o estado, sem que Beja necessario comtudo ir repentinamente lançar sobre os povos vexames, inquéritos, visitas e varejos, contra os quaes, quando exagerados, elles se levantam, e que tem alem de outros inconvenientes gravíssimos o de ir logo no principio tornar impossível a boa aceitação deste imposto, e levantar contra elle os protestos de todas as povoações (apoiados). É necessario evitar isto; e o sr. ministro da fazenda, repito, de certo tomará muito em conta que na fiscalisação que tenciona fazer exercer na percepção deste imposto se attenda a que elle deixe para o thesouro pelo menos esta módica somma de 300:000$000 réis, sem grande vexame para o contribuinte. Não espero pelos meus cálculos; a receita elevada que o meu amigo, o sr. Luiz de Campos, por exemplo, reduzindo ainda a 3 réis o direito proposto na tabella sobre o litro de vinho, imagina poder tirar do imposto de consumo, receita que na opinião de s. exa. seria, se me não engano, de 600:000$000 réis. Não espero resultados tão lisonjeiros, mas imagino que 300:000$000 réis com uma fiscalisação um pouco mais aperfeiçoada que a actual, sem chegar a ser vexatória, tem o governo todo o direito a esperar deste projecto de lei. E nestas condições, parece-me que não é muito grande o sacrifício que se vae pedir ao contribuinte, por isso que está muito aquém daquelle que se verifica em Lisboa e na maioria das nações da Europa.
Creio ter analysado nas suas disposições mais essenciaes o projecto de que tive a honra de ser relator, e julgo haver demonstrado pelos argumentos que acabo de sujeitar á apreciação da camara, que eram fundadas as considerações que apresentei ao escrever este parecer.
Agora procurarei responder em muito breves palavras a alguns dos argumentos a que a principio me referi, e que podem, como então disse, grupar-se em três classes. Objecções de ordem económica, objecções que dizem respeito á crise com a qual se pretende ver lutar a nossa industria vinícola, e finalmente objecções que dizem respeito á desigualdade dos impostos de consumo municipaes.
São muitos os argumentos que constantemente se levantam em nome da sciencia economina contra os impostos de consumo em geral. Não quero neste momento desenvolver esses argumentos, que todos os meus collegas conhecera tão bem ou melhor do que eu; limitarme-hei para os combater a algumas indicações dos mesmos economistas, e sobretudo dos financeiros, que sustentam não só a impossibilidade de prescindir deste imposto, mas ainda a justiça da sua conservação. Estou respondendo nesta parte áquelles dos meus collegas, que sobretudo se fundam na theoria para combater o projecto de lei que está em discussão. A esses direi, que a primeira condição essencial que a theoria nos indica para que um systema tributário seja aceitável aos olhos da sciencia, é a proporcionalidade do imposto, e é esse desideratum que não se alcança sem recorrer aos direitos de consumo, que se justificam por esta consideração, particularmente quando são de natureza a não sobrecarregar de mais o consumo dos géneros de primeira necessidade, restringindo assim indirectamente a producção com perda das forças vivas do paiz, que cumpriria sempre alentar.
Diz-se que este imposto vae ferir exclusivamente o pobre; parece-me porém que não se affirma com isso um facto verdadeiro, porque elle fere igualmente todos os consumidores, e sobre o consumidor rico já recaem impostos pesadíssimos, como são os que oneram a propriedade, a industria e em geral todas as manifestações da riqueza.
Qual é pois a maneira de attingir em muitos casos o ultimo ramo da producção, o trabalho, de todos o mais valioso e que não fica sempre onerado pelos impostos directos? Exclusivamente pelo direito de consumo, que não recáe como se affirma sobre o pobre desproporciooalmente, por isso que sobre os ricos já pesavam outros encargos, e este vae ferir aquelle contribuinte, que não póde por outra forma satisfazer às obrigações, cuja satisfação todos devemos ao estado.

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Pelo que respeita á bondade ou ruindade deste imposto tudo depende de quaes sejam os géneros escolhidos para sobre o seu consumo recair um direito, e ainda da taxa mais ou menos elevada que se vá lançar sobre cada um delles.
Como já tive occasião de dizer, eu desejaria ver sempre afastado do meu paiz o imposto sobre a carne, como existe em muitas nações da Europa; e pelo que toca ao imposto de moagem espero, com fé, que tarde ou nunca nos será necessario recorrer a elle; mas vejo que sobre esses mês mós géneros, reputados os últimos, cujo consumo deva ser tributado, alguns paizes muito mais adiantados, mais felizes e mais ricos do que o nosso, não duvidam lançar direitos módicos, mas suficientes, para dahi tirarem rendimentos que figuram entre os mais elevados dos seus systemas financeiros, e sem que o desenvolvimento progressivo desses paizes tenha corrido perigo ou soffrido a menor quebra.
Basta citar, como exemplo a este respeito, a Prussia, onde existiu por muito tempo, e ainda hoje se conserva em parte, o imposto sobre a carne e sobre a farinha. No caso da Prussia estão outros estados allemães, e ninguém por certo, comparando as condições de bem-estar e de fortuna em que vivem a maior parte das povoações ruraes da Prussia com aquellas em que se encontram as povoações ruraes do nosso paiz, poderá deixar de confessar que este imposto, moderadamente lançado, não vae de encontro ao desenvolvimento progressivo de uma nação.
Diz-se tambem que = a fiscalisação dos impostos de consumo é muito cara; e que a maior parte do rendimento se consome com ella =. Observarei a esse respeito que se nessa fiscalisação se consome mais dinheiro do que na dos impostos directos, é necessario tambem attender a que estes exigem sommas importantíssimas para poderem ser estabelecidos de maneira a alcançar se uma distribuição e lançamento que não vão ferir os preceitos da justiça.
Entre nós quantos contos de réis se não têem gasto com a organisação das matrizes? E não se levantam todos os annos unisonos clamores contra a injusta distribuição do imposto predial?
Portanto, se a fiscalisação dos impostos directos é mais fácil, não se perca tambem de vista que as despezas necessárias para o lançamento e distribuição desses impostos são elevadíssimas.
Isto é uma rasão, a meu ver, muito valiosa para não se combater este projecto, só porque a sua fiscalisação é dispendiosa.
E nisto respondo mais particularmente ao meu illustre collega, que sinto não ver presente, o sr. Mello e Faro, o qual se oppoz até certo ponto á adopção do actual projecto de lei, por isso que, na opinião do illustre deputado, sem fiscalisação nada produziria e melhor fiscalisado absorveria nisso uma parte importante do seu rendimento.
E visto que me estou referindo neste ponto a s. exa., não perderei a occasião de tambem procurar responder a algumas outras duvidas, que se levantaram no animo do sr. deputado, e que elle hontem expoz á camara.
S. exa. acha o projecto injusto, porque indo ferir exclusivamente a venda a retalho, deixa escapar ao sacrifício do imposto o lavrador abastado que consome o género produzido nas suas propriedades.
Em primeiro logar tenho a observar que sobre esse lavrador, que se figura em tão boas condições, já recaíam os impostos predial e pessoal, e ainda os que a esses acrescem para o município e para a parochia, mas independentemente disto convém notar que a fiscalisação que exigiria o alargamento da área tributável que o illustre deputado desejava ver adoptado, tornava-a tão odiosa, tão vexatória, que difficilmente seria possível fazer aceitar o imposto, assim generalisado, em um paiz como o nosso. E note a camara que a principal objecção que se tem levantado contra este imposto em França, paiz aonde elle chega a ser tão rendoso, não é a elevação do tributo que ainda assim é considerável, mas sim os vexames a que dão logar os regulamentos.
Quando Napoleão, voltando da ilha de Elba e atravessando uma parte da França, parava em alguma cidade ou pequena povoação rural, era ahi acclamado pelas multidões com o grito de «vive lempereur! à bas les droits reunis ou à bas les droits de detail et de circulation»; e o imperador, que desejava tornar-se popular, consentiu na abolição deste imposto, contra o qual se levantavam tão geraes os clamores da opinião. Já á revolução francesa em 1789 tinha procurado prescindir delle, substituindo o por uma contribuição directa lançada sobre os departamentos productores de vinho. Pouco tempo, porém, se manteve esta alteração. E não foi só então, todas as vezes que tem havido uma revolução em França, em 1830 e em 1848, sempre a opinião se tem manifestado contra o imposto sobre o consumo das bebidas, e apesar de tudo vemos que elle tem sido conservado, por se entender, que o thesouro não podia por forma alguma prescindir da avultadissima receita que elle lhe fornece.
Mas isto indica-nos também, e era a esse ponto que eu queria chegar, que nós não devemos transplantar para o nosso paiz precisamente aquillo que este género de tributos tem de mais desagradável e, que o torna muito vexatório. A entrada em casa do productor para examinar o lucro resultante do seu honrado grangeio e muito trabalho, e sobre elle fazer pesar o imposto, exige uma fiscalisação bastante odiosa, e que eu não aconselharia ao sr. ministro da fazenda que fizesse exercer.
Voltando ainda á questão das despezas da fiscalisação, direi que não são ellas tão extraordinariamente consideráveis, quando bem calculadas, como se pretende inculcar.
Nos paizes onde esses assumptos estão mais estudados, por exemplo, na Áustria, em 1867 a percentagem da cobrança do imposto indirecto apenas se elevou a 4,5 por cento. Na Saxonia em 1860 a percentagem da cobrança dos impostos directos foi de 7,1 por cento, dos indirectos de 12. Em França em 1859 não excedeu para estes últimos 10,8 por cento.
E seja dito em nosso abono, porque em geral quando nos comparámos com as nações estrangeiras temos uma tendência infeliz para deprimirmos o que é nosso, na alfândega municipal de Lisboa a percentagem da cobrança em 1868-1869 foi apenas de 4,6 por cento; e quando se quizesse incluir a despeza com os empregados aposentados e addidos não se elevaria ainda assim alem de 5,1 por cento. É de certo esta uma percentagem muito moderada, contra a qual não se podem levantar objecções.
E ainda acrescentarei, com respeito ao receio de que sem uma fiscalisação mais rigorosa nenhum acréscimo de receita se possa esperar deste projecto de lei, que em seguida a 1867, por providencia tomada, creio que pelo sr. Fontes, o real de agua, que apenas era cobrado por conta do estado em alguns districtos, passou a sê-lo em todo o continente do reino, e o rendimento não diminuiu por isso. O rendimento conservou-se o mesmo, ou antes augmentou um pouco, e eu imagino que hoje, por pouco que se aperfeiçoem os methodos de fiscalisação, embora haja todo o cuidado em evitar torna-los vexatórios para o povo, o rendimento ha de augmentar muito, e ir mesmo um pouco alem dos 300:000$000 réis que o governo tem direito a esperar deste projecto, caso elle seja convertido em lei.
Em relação á crise da industria vinícola, fez o illustre deputado o sr. Lopo Vaz diversas considerações. Referindo-se particularmente á situação em que ficaram nas províncias do norte os productores de vinho por effeito da legislação de 1865, que acabou com absurdos privilégios e poz termo às peias e tropeços que embaraçavam entre nós o commercio dos vinhos, privilégios combatidos por todos os economistas, s. exa. mostrou quanto desejava que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, empregando nisso todo o

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seu zêlo o elevadas faculdades, procurasse quanto possível negociar tratados vantajosos com diversas nações da Europa. Nesse desejo acompanho eu o illustre deputado, e se, como muito bem disse o sr. Mariano de Carvalho, é difficil esperar que se alcance em breve um tratado com a Inglaterra, temos toda a rasão para julgar que se não darão as mesmas difficuldades em os alcançar com o Zollverein e com a Áustria. Assim os nossos industriaes não comecem todos, como ha pouco aconteceu no Porto, a clamar contra isso.
E não é só nestes paizes que nós podemos esperar alcançar mercados para os nossos vinhos. Achando-me ha pouco no Oriente tive occasião de ali conhecer vários cavalheiros que representavam na côrte de Constantinopla os diversos paizes da Europa. Pude assim encontrar-me entre outros com um diplomata sueco muito distincto, que me disse admirar-se muito, que da parte do nosso governo não se empregassem maiores esforços, para fazer reviver na Suécia um grande mercado para os nossos vinhos, porque antigamente fazia-se ali uma importação muito considerável de vinhos portuguezes.
Hoje muitas nações productoras de vinho têem conseguido, modificando antigos tratados, mandar para ali uma parte importante da sua producção; entre nós tem-se descurado desgraçadamente este assumpto. O tratado que temos é antiquíssimo e muito desfavorável comparado com outros feitos posteriormente, e o resultado é que o consumo de vinhos portuguezes naquelle mercado é quasi nullo.
Chamo pois com o meu collega o sr. Lopo Vaz a attenção do sr. ministro dos negócios estrangeiros, para que s. exa. empenhe os esforços da sua alta intelligencia no sentido de chegar a este respeito a um accordo, entre outros paizes, com o Zollverein, com a Áustria e as nações do norte.
Seja porém qual for a crise por que se diz estar passando entre nós a industria vinícola, é certo que Portugal mais que nenhum outro é um paiz vinhateiro, a cultura do vinho augmenta sempre, o que prova que elle não deixa perdas; e um módico imposto que se lance sobre o consumo não deverá ir ferir a producção, mas sim recair sobre o consumidor.
Em relação às difficuldades que resultam de serem os impostos municipaes diversos em todo o continente do reino, devo dizer que se nós fossemos a regular-nos exclusivamente por essas desigualdades, nunca poderia o governo alterar os impostos que sobrecarregara os differentes ramos da producção.
Eu tenho aqui presente a copia de um parecer, apresentado á camara na ultima legislatura, com a nota dos encargos que pesam sobre os impostos directos em algumas camarás dos concelhos da Beira e do Alemtejo. Por esta nota se vê que os impostos addicionaes, mandados cobrar peio município de Aljustrel, sobem a 62 por cento; no concelho da Vidigueira a 76 por cento; no de Celorico da Beira 62 por cento sobre a contribuição predial e 130 por cento sobre a industrial.
E note-se, visto que se trata de contribuições municipaes, que não devem tambem esquecer as curiosas pautas de Bragança, do Faro comprehendendo 186 artigos, de Castro Marim com 142, de Portimão com 116.
Existindo, pois, entre nós as contribuições directas sobrecarregadas com tão pesados addicionaes lançados pelos municípios, havendo direitos, por vezes elevadíssimos, que recaem sobre pautas tão extensas, como aquellas a que acabo de me referir, se todas as vezes que se propozesse uma alteração nestes tributos tivéssemos de proceder como o sr. visconde de Montariol propunha que procedesse-mos em relação ao real de agua, tomando em attenção para cada concelho os impostos municipaes que ahi podessem existir, seria impossível chegar nunca á resolução do nosso problema financeiro; mas isso não pode ser; não podemos estar a legislar tomando em conta as condições particulares de cada concelho do reino. E livre às municipalidades attender aos inconvenientes que resultam dos seus systemas tributários. Os povos podem representar junto às vereações. Os indivíduos que as compõem, mais do que nós em contacto com as povoações, mais do que nós conhecedores das condições especiaes dos concelhos, podem attender às reclamarei desses povos e alterar a base do imposto, recorrendo mais ou menos aos tributos directos ou indirectos (apoiados).
S. exa. não nos deu novidade dizendo-nos que o imposto de consumo varia muito no paiz. Eu sei, pelo relatório do sr. Fontes, que, por exemplo, o imposto sobre o vinho varia de 1 a 30, 35, 48 e 57 réis por litro nos 216 concelhos do reino onde elle existe. Mas, repito, se nós fossemos attender às condições especiaes de cada concelho, não poderíamos approvar nem este projecto, nem qualquer outro que dissesse respeito ao imposto.
Bem desejava ainda fazer mais algumas observações em resposta a vários pontos a que se referiram alguns dos meus illustres collegas, mas a discussão vae larga, e entendo que todos podem já dar o seu voto com conhecimento completo da matéria.
Devo porém, antes de terminar, pronunciar-me em nome da commissão de fazenda ácerca das diversas moções, emendas ou additamentos que no decurso do debate têem sido successivamente enviados para a mesa. Occorrem-me em primeiro logar as que foram sustentadas pelos dois illuatres deputados pelo Porto, os srs. Pinto Bessa e Faria Guimarães. Ambos estes cavalheiros se referiram ao facto de já estar onerado o consumo no Porto pelo imposto lançado em dictadura pelo decreto de 30 de junho do corrente anno, que estabeleceu o direito de 60 réis por decalitro sobre o vinho, geropiga, aguardente e vinagre que entrasse pela foz do Douro, e pelas barreiras seccas ou molhadas da cidade do Porto e Villa Nova de Gaia.
Pelo projecto actual vae-se augmentar este imposto com mais 5 réis por litro, elevando-o a 11 réis na sua totalidade, o que não é por certo muito exagerado quando se compara com o direito de 30 réis que onera o consumo do vinho na capital do reino.
No Porto fica-se pagando por pipa de 420 litros 4$620 réis, em Lisboa 12$600 réis. Já se vê, portanto, que o Porto fica em condições muito favoráveis em relação a Lisboa, ainda mesmo pagando tanto o imposto lançado pelo referido decreto da dictadura, como aquelle que é estabelecido por este projecto, se elle for approvado pelas duas casas do parlamento. O sr. Pinto Bessa fez algumas considerações em relação á situação particular em que se acha a municipalidade do Porto, e fundando-se nellas apresentou uma moção em que pedia, que do producto deste imposto 11:000$000 réis fossem applicados para augmentar a dotação das duas municipalidades do Porto e Villa Nova de Gaia. Já por considerações análogas os ministros que lançaram o imposto decretado era dictadura tinham tambem augmentado as dotações daquellas duas municipalidades. As rasões apresentadas pelo sr. Pinto Bessa são muito attendiveis; e tendo eu consultado a este respeito, tanto o sr. ministro da fazenda como a maioria dos meus collegas da commissão, posso declarar, em nome desta, que aceitâmos o additamento apresentado pelo sr. Pinto Bessa. Em relação porém ao do sr. Faria Guimarães temos duvidas, porque nos parece que a totalidade do imposto que resulta dos dois direitos reunidos, o de 60 réis por decalitro marcado no decreto de 30 de junho do corrente anno, e o de 5 réis em cada litro proposto no projecto que discutimos, é ainda muito moderado em relação ao que se paga em Lisboa.
E note a camara tambem que este aggravemento de 50 réis em decalitro apenas deve ir ferir o consumo e nunca o vinho destinado á exportação. E a este respeito convém notar que me parece valer bem a pena, para corrigir o erro económico que hoje estamos presenceando de sobrecarregar cora direitos os vinhos de exportação, esta-

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belecer a destrinça entre esses e os que são destinados ao consumo interno, embora isso exija alguma fiscalisação.
O vinho de consumo interno póde ser onerado com um ou outro imposto, mas não se deve fazer o mesmo aos que são destinados á exportação, porque esta póde ser affectada, e todas as indicações económicas suo concordes em mostrar que nós devemos em logar de embaraçar, quanto possível facilitar a venda nos mercados estrangeiros em geral, a todos os géneros da nossa industria agrícola, e muito particularmente ao mais importante de todos ao que constituo o nosso mais valioso producto de exportação.
Em circurastancias normaes o decreto de 17 de junho devera ser revogado (apoiados). Hoje, porém, os embaraços do thesouro não nos permittem chegar já a esse resultado que mais tarde, em condições mais favoráveis, se deve poder alcançar.
Não devemos comtudo ir aggravar o mal, e a este respeito não posso deixar de instar com o sr. ministro da fazenda, para que s. exa. tome todas as providencias indispensáveis no sentido de estabelecer no Porto a distincção possível entre os vinhos destinados a comsumo e os da exportação.
Em relação á proposta apresentada pelo sr. visconde de Montariol, direi que a commissão entende não poder attender aos diversos valores das carnes de vacca, porco, chibato, etc., estabelecendo para cada um delles direitos diversos.
O governo teve muito em attenção não alterar os costumes dos povos, e alem disso o imposto geral que se propõe é tão diminuto, que não permitte ter em conta essa graduação.
Não queiramos muita novidade em matéria tributaria. Neste ponto estou inteiramente de accordo com o sr. ministro da fazenda. Imposto velho, embora às vezes injusto, é muito preferível ao novo, com o qual os povos não estão costumados, mesmo porque essa injustiça com o decorrer do tempo póde ter cessado, havendo-se equilibrado as condições económicas, que a principio o tornavam vexatório.
Emquanto á proposta do sr. Barros e Cunha, direi que, sendo natural de Lisboa, tendo propriedades ao pé de Lisboa, vendendo vinho meu em Lisboa, bem desejava que ella podesse ser aceita.
S. exa. comprehende, porém, perfeitamente as rasões que levam o governo a rejeita-la, e inútil se torna por isso insistir nellas.
O sr. Mariano de Carvalho tambem propoz um additamento.
Cumpre-me lembrar a s. exa. que o sr. ministro da fazenda já declarou que este projecto de impusto não podia ter a pretensão de uma larga reforma.
Se chegarmos a elevar por meio delle a receita, sem gravame considerável do contribuinte, teremos conseguido tudo quanto ha direito a esperar da sua approvação, e nada nos impede que mais tarde se realise uma ampla reforma na qual se attendam as considerações muito justas e rasoaveis, que s. exa. expoz á camara (apoiados).
A reforma do codigo administrativo não póde demorar-se muito, e eu sei que o sr. ministro do reino não descura es se assumpto gravíssimo, terão então pleno cabimento as reflexões do meu iilustre collega o sr. Mariano de Carvalho.
Não me lembro neste momento que fossem apresentadas outras moções, alem daquellas a que já me referi.
Se, porém, pela leitura dellas pelo sr. 1.° secretario, conhecer que não respondi a todos os oradores que trataram este assumpto, declararei a v. exa. nessa occasião, por parte da com missão de fazenda, quaes são as emendas que a mesma commissão aceita, e quaes as que entende dever rejeitar.
O sr. Paes Villas Boas: - V. exa. dá-me a palavra para uma explicação previa?
O sr. Presidente: - Queira o sr. deputado dizer qual ella é.
O sr. Paes Villas Boas: - Versa sobre o assumpto que se discute, nem eu podia apresentar agora uma questão previa de outra natureza. É uma pergunta que quero fazer ao governo.
O sr. Presidente: - Como é uma pergunta ao sr. ministro da fazenda, s. exa. responderá se assim o entender.
O sr. Paes Villas Boas: - V. exa. faz favor de me dizer se depois me dá a palavra. O sr. Presidente: - Está inscripto.
O sr. Paes Villas Boas: - Esta minha questão previa é ácerca de certas duvidas que tenho sobre a execução do projecto que se discute, e por isso preciso fundamentar mais ou menos estas duvidas, para que o sr. ministro as possa comprehender.
O sr. Presidente: - Use da palavra quando lhe competir, e exponha as suas duvidas.
Agora tem a palavra o sr. Alberto Carlos sobre a ordem.
O sr. Alberto Carlos (sobre a ordem): - Tinha pedido a palavra sobre a matéria, mas como vejo que a titulo de se apresentar uma moção de ordem ou uma questão previa, se tira a palavra a quem a tem, fui forçado tambem a pedir a palavra sobre a ordem, a fim de ver se assim lograva alcança-la.
Tenho pois que fundamentar a minha moção, mas é necessario que v. exa. me sustente a palavra, do mesmo modo que o fez aos outros srs. deputados...
O sr. Paes Villas Boas: - Creio que v. exa. não quer fazer injustiça às minhas intenções.
O Orador: - De certo que não; mas a verdade é que v. exa. foi adoptando o meio que lhe pareceu mais conveniente, segundo a pratica, para não ficar sempre preterido. Eu tinha tenção de apresentar esta proposta quando me chegasse a palavra sobre a matéria, mas como vejo que se não dá logar a isto, vou tambem apresentar desde já a minha proposta (leu).
Esta camara não tem presentes, naturalmente, as circumstancias que se dão a respeito do assumpto a que a minha proposta se refere; mas os srs. deputados pelo districto de Coimbra sabem talvez deste facto, e v. exa. de certo se recordará tambem dos trabalhos e diligencias que ha mais de vinte annos se empregaram nesta casa para se restituírem 2 reaes do imposto denominado real de agua para os expostos de Coimbra, que desde muitos annos lhes estavão consignados. Depois vieram as duas leis, de 28 de novembro de 1854 e 30 de maio de 1858, que mandaram destacar dois terços do producto do real de agua para estes infelizes, e o producto daquelles dois terços entrava no cofre da junta geral do districto, por isso que essa consignação estava estabelecida em duas leis.
Pergunto agora: votado este projecto, igualado em todo o reino o real de agua, do producto deste novo real continuará a dar-se ainda a prestação dos 6:000$000 réis approximadamente para os expostos de Coimbra? Creio que deve continuar; mas é útil remover duvidas.
Eu assignei com declaração o projecto, porque não pude assistir á discussão delle na commissão, e, quando mo apresentaram neste logar para assignar, disse que havia diversas observações a ponderar, e que então assignava com declarações para as fazer na occasião da discussão.
Mando pois desde já esta proposta, a qual me parece que não póde deixar de ser attendida, porque não se póde suspender o subsidio que está destinado para aquelles infelizes emquanto se não estabelecer outra cousa.
Agora direi que eu julgava que este objecto não podia ser tratado sem que tivéssemos os esclarecimentos convenientes sobre quaes são as imposições parochiaes, municipaes, ou districtaes que estão lançadas pelas juntas de parochia, camaras municipaes, ou juntas de districto em todo reino sobre os artigos agora tributados.

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Mas o sr. relator da commissão disse agora que = as localidades lá se entendem; e que nós não podemos aqui tratar das circumstancias em que se acha cada povoação =.
Pois eu tenho opinião inteiramente contraria; nós podemos e devemos.
Pergunto eu, nós estamos aqui para ir fazer transtornar a administração das diversas corporações e localidades do reino, destruir toda a sua organisação tributaria e o seu modo de ser? Isto não póde estar nas intenções da camara, que deve ser a previdente protectora dos povos.
Imaginemos que chegava esta lei a Coimbra e o governo dizia - os expostos não recebem mais cousa alguma; todo o producto do real de agua entra para o thesouro; isto é, o addicional já refundido no principal; e então perecerão todos os expostos?!
Imaginemos que se não diz tanto; mas unicamente que continuam para os expostos os 2 réis addicionaes ao imposto agora estabelecido; mas como a elevação do imposto geral passa talvez de 2 a 11 réis, é claro que os 2 réis addicionaes sobre os 11, produzirão a exageração a 13; e não serão o mesmo que até agora lhes estava consignado, nem produzirão a importância que lhes estava calculada, e que elles até agora recebiam.
Agora seguir-se-ia tratar da matéria, se eu fizesse como outros têem feito, entrando pela porta da ordem para fazer desordem, transtornando a palavra aos que a tem sobre a matéria, como aconteceu na discussão do bill; parece-me que não deve ser permittido este systema, mas emquanto for tolerado, como a lei deve ser igual para todos, eu que tambem tenho a palavra sobre a matéria irei já fallando sobre ella, se v. exa. mo permittir; entretanto não quero entrar já na matéria, e me reservarei para o logar que me competir, se v. exa. me assegura que não permittirá nenhuma palavra sobre a ordem para fallar sobre a matéria, como se tem admittido até aqui. Eu preciso fallar e dizer mais alguma cousa.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - O regimento não consente que os srs. deputados que pedem a palavra sobre a ordem fallem na matéria; mas tem-se praticado, e eu consulto a camara. Os sr. deputados que concedem licença ao sr. deputado para fallar já sobre a matéria, tenham a bondade de se levantar.
Está concedida.
(Interrupção de um sr. deputado, que se não ouviu.)
O Orador (continuando): - O illustre deputado que está sentado ao pé de mim pergunta se isto que referi dos expostos é uma disposição districtal ou municipal? Não é nada disso, é o cumprimento das leis de 1804 e 1858 com relação a este negocio.
Farei agora algumas considerações sobre a matéria; eu declarei que não podia approvar o projecto, e as rasões são simplicíssimas. Não é porque eu tenha difficuldade em votar tributos de consumo; nem porque desconheça as gravissimas necessidades do thesouro, nem porque me falte a melhor vontade de coadjuvar rasoavelmente o governo; mas é porque julgo que esta exorbitante exageração do tributo não produzirá resultado de vantagem considerável para o thesouro, continuando o systema da administração actualmente estabelecido; ou quando se queira alterar para ser efficaz, ha de produzir grande vexames, e estorvos commerciaes, e custar muitas despezas, que absorverão talvez mais de um terço do augmento! O illustre relator da commissão e o sr. Lobo dAvila, que se pronunciaram a favor deste tributo, dizem que pouco mais se tirará de 300:000$000 réis, augmentando ou melhorando-se a fiscalisação, o que o sr. ministro da fazenda ha de promover, quer dizer - o tributo será productivo, se o sr. ministro der umas convenientes providencias. Mas quaes serão ellas? E em que termos se acha agora a fiscalisação?
Não VI ainda ninguém occupar-se deste artigo especialissimo, que é o que deve determinar este negocio. Ainda ninguem perguntou como se póde fiscalizar este tributo! E digamos a verdade, quanto recebemos delle é devida á benevolencia dos contribuintes.
Pela portaria de 24 de maio de 1866 o sr. Fontes mandou suspender a arrematação
deste tributo, e que desde 1 de julho de 1866 fosse estabelecida a cobrança por conta do estado, observando para isso as instrucções de 12 de julho de 1854. E que dizem essas instrucções? Dizem: «Este imposto arrola-se e cobra-se pelos manifestos que fizerem os vendedores de vinho e carne, perante o escrivão de fazenda do concelho, antes de começar a venda, onde declararam a quantidade e qualidade da carne e vinho, o local, e o tempo em que avaliam o consumo dos géneros manifestados; e o escrivão é encarregado de examinar, por todos os meios ao seu alcance, que as quantidades sejam correspondentes á venda media da casa ou loja, segundo os manifestos feitos durante o anno antecedente, etc.º
Toda a segurança e importância essencial deste imposto se firma pois nos manifestos ou declarações, até certo ponto voluntárias, que os vendedores vão fazer perante o escrivão de fazenda, segundo as quaes se regulam as exigências e as cobranças; entretanto é preciso ter muita benevolência para acreditar que elles o façam exactamente como deve ser! Mas para nós podermos duvidar na gene ralidade de que elles o não fazem bem, basta reflectir no que nos diz o relatório da commissão, que o producto do real do vinho imposto no reino não rendeu senão réis 28:000$000! Mas isto é a consequência infallivel de se achar o arrolamento do imposto entregue á vontade livre dos homens encarregados da venda.
Mas diz-se: «Remediar-se-ha a fiscalisação». Pôde ser, mas como se ha de fiscalisar? Aqui está outra pergunta que vem determinar o negocio. Póde fiscalisar-se, eu bem sei, com vigias, com homens encarregados especialmente disso, homens que entrem nas tabernas e vão ver quanto vinho ha num certo dia, quanto em dias successivos, etc.; mas nos dias seguintes aos do varejo, se elles não ficarem de sentinella á porta, póde entrar quanto vinho se queira para preencher as vendas feitas depois do ultimo varejo, e o dono da casa, se for perguntado, diz que tem sempre o mesmo, porque nada póde vender!
Eu sei de pessoas occupadas muito lealmente no exercício deste negocio, cavalheiros de Coimbra que julgam impossível, absoluto, fiscalisar bem este imposto, sem se empregarem muitas pessoas, e sem praticarem certos actos de violência e rigor, que nos tempos actuaes serão difficeis e perigosos, porque chegavam muitas vezes á porta de um taberneiro, e elle dizia: «Aqui tenho uma pipa de vinho»; e tomavam nota dessa pipa, dahi a dias iam lá e achavam a mesma pipa; perguntavam: «Então nestes dias passados não se vendeu nada?» E a resposta era: «Não se vendeu nada».
Por informações de vizinhos sabia-se que o taberneiro tinha muito vinho escondido, tendo até vasilhas e panellas cheias, dentro de caixões, debaixo das camas, etc., mas nos tempos actuaes seria possível entrar por toda a casa do taberneiro e ir examinar-lhe os cantos, e tudo quanto elle tivessse na sua casa? De certo não
Seguramente o descaminho do imposto se evitaria por meio dos varejos, mas Deus nos livre dos varejos, como disse o sr. relator da commissão.
Talvez se podesse adoptar ura termo médio sobre os varejos e a inspecção exterior, fazendo partir os géneros, quando são transportados nos concelhos, acompanhados de guias que indicassem o destino que esses géneros levavam, etc., mas isso traria graves embaraços ao commercio e á administração, e para os evitar o sr. Fontes, na portaria de 24 de maio de 1864, mandou que se fizesse obra pelos manifestos e declarações dos indivíduos encarregados das vendas; mas isso não dará resultado nenhum, ou muito insuficiente, como se observa.
Portanto tenho para tuim que o augmento do real de agua,

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ou ha de ser fiscalizado por medidas muitissimo odiosas e muitíssimo vexatórias, ou então não dará resultado nenhum de grande importância.
Póde-se dizer que o que se paga hoje é voluntário, só porque o taberneiro é quem vem dizer conforme quer: "Eu neste mez venderei duas pipas de vinho"; quando elle venderá oito ou dez, ou vinte, se poder!
Entretanto eu vou lembrar o que acontecerá, segundo as theorias económicas; estou já a ver, passando esta lei, o que ha de acontecer: os negociantes de vinho chegarão á porta dos productores, offerecer-lhes-hão um diminuto preço, e lhes dirão: "Bem vê que agora tem de se pagar tanto augmento de imposto; e portanto deve fazer-me um abatimento correspondente"; e com esta observação hão de obtê-lo! Depois virão para o mercado, e dirão ao consumidor, ao homem que vae comprar-lhes o vinho: "Tenha paciência, mas pague mais 5 réis em litro que é o equivalente ao novo imposto que eu tenho de pagar"; e o consumidor pagará; e o taberneiro, etc. (que não manifestará a maior parte do que vende) será essencialmente quem virá a colher o maior interesse com esta differença do augmento agora proposto! Esta é que ha de ser a realidade do negocio, e a experiência o mostrará! Vejamos agora o que se passa no districto de Coimbra, que eu tenho a honra de representar, e onde muitos cavalheiros se mostram animados de verdadeiro zêlo publico; e me prestam os seus conselhos e informações para a melhor direcção dos negócios públicos, e direi de passagem, que o convite que eu, logo depois de eleito fiz aos meus eleitores, pedindo lhes todos esclarecimentos, e manifestando-lhes as minhas opiniões, se me expoz a ser aggredido com os manifestos injuriosos, e calumnias (determinados talvez por ordens e motivos superiores), aos quaes julguei que não devia responder, porque negócios sérios não se tratam com doestos e insultos, deu-me em compensação muita satisfação; porque me tem proporcionado indicações e esclarecimentos que dali me tem vindo, onde pela maior parte predomina o bom senso e a justiça.
A respeito do real de agua, e do estado e das causas da sua má cobrança, tenho aqui informações importantes, e até um mappa curioso do seu estado nos concelhos. O sr. Lobo d'Avila disse hontem, que quando o imposto foi administrado pelo governo crescera; pois no districto de Coimbra aconteceu o contrario, diminuindo tanto quanto custaram as despezas da fiscalisação, etc.
Tenho aqui, como disse, um mappa que reputo exactissimo, do que o importo do real de acua produziu no mez de julho de 1869 nos diversos concelhos do districto de Coimbra. Por elle se vê (leu), que com relação ao consumo do vinho, Arganil pagou no total 10$422 réis; sendo para os expostos 6$948 réis; Góes 7$434 réis o total, sendo para os expostos 4$956 réis ; Pampilhosa 3$150 réis o total, sendo 2$100 réis para os expostos; Cantanhede 2$376 réis o total, sendo 1$584 réis para os expostos, etc. etc.; mas chega se a Penacova e acha se um cifrão! Não se pagou ali imposto de consumo, nem de carne nem de vinho! E um povo feliz que vive sem comer carne, nem beber vinho! Em Poyares o mesmo cifrão, tambem não rendeu nada em todo o mez! Agora em todo este anno desde julho de 1869 a junho de 1870, quanto rendeu o real de agua em todo o districto? Aqui está o resultado. Deu o imposto geral 15:000$401 réis; mas delle se tiraram para os expostos 6:935$000 réis, ficando para o thesouro réis 8:064$560.
Mas quer v. exa. saber quanto custa a cobrança deste imposto? 2:026$651 réis, só na parte dos expostos réis 937$966, de modo que a sua cobrança anda por 13 1/2 por cento sobre o imposto.
(Interrupção que se não percebeu.)
Estou convencido de que estes dados são tão exactos como os officiaes; e ao sr. ministro da fazenda, que parece deseja contestar a verdade destes documentos, notarei que submettendo elle este projecto á apreciação da camara, o seu primeiro dever era faze-lo acompanhar dos necessários dados estatísticos e esclarecimentos para se saber officialmente como os géneros agora tributados já estavam onerados mas municípios, nas parochias e nos districtos; e eu hei de nesse sentido fazer um requerimento nesta camara em occasião opportuna (apoiados). Entendo, repito, que a primeira necessidade a que o governo tinha de prover, era dar satisfação a estes esclarecimentos, isto é, remette-los; porque sem elles não se póde votar com conhecimento de causa, nem resolver com acerto e prudência. E com effeito, se as carnes e os vinhos estão já onerados com imposições graves para as despezas parochiaes, municipaes ou districtaes, nós não havemos de ir deslocar essas dotações, e arranjos de todos os municípios, juntas de parochia e de districto, dizendo-lhes - cumpram a lei, vão para as montanhas viver do que por lá acharem, e deixem ao thesouro receber o que exige! Não, nós não havemos de transtornar e embaraçar inteiramente os recursos do município, da parochia e do districto, dizendo-lhes - arranjem-se como poderem, e venha para cá o equivalente do que vocês tinham tributado?!... - O sr. Mariano de Carvalho disse effcctivamente a este respeito a verdade (apoiados).
Nós, sr. presidente, somos deputados da nação, e não estamos aqui só a legislar para o thesouro, estamos tambem nesta camara para velar pelos interesses do municipio, da parochia e do districto, que são indispensáveis para o bom andamento da machina administrativa (apoiados), e sem a subsistência dos quaes não póde subsistir o thesouro!
Mas votando se todos os recursos tributados para o thesouro, com que ficam os municípios? O sr. Fontes (e digo-o, porque a verdade deve dizer-se em toda a parte), quando intentou o imposto geral de consumo pela lei de 10 de junho de 1867, começava por extinguir os impostos do real de agua, e os impostos lançados pelos municípios sobre géneros ou mercadorias, etc. etc.; mas dava logo a auctorísação geral, e as proporções para os addicionaes, que as camaras podiam lançar sobre o consumo geral e sobre as demais contribuições; e isso comprehendia providencias geraes da maior transcendência, que na minha humilde opinião só tinham de mau a excessiva exageração do pedido, os varejos e vexames, que se tornavam indispensáveis para a cobrança; e o tomar a cargo do governo central todas essas cobranças, quando as devia encarregar aos municípios, etc., associando-os como interessados nos resultados; mas no projecto que discutimos não se extingue, mas exagera-se o real de agua; não apparece idéa alguma de organisação tributaria systematica, e não se dá a menor satisfação às parochias, municípios, etc,; e eu estou muito convencido da idéa, de que a cobrança deste imposto não pode ser rasoavelmente feita sem o auxilio destas corporações,
interessando-as na parte do producto, e na sua applicação a melhoramentos que sirvam para seus gosos immediatos.
Eu, sr. presidente, sou bastante velho, e quando ainda era bem novo, no anno de 1835 ou 1836, na cidade de Coimbra, ajudei muito (e não quero ter a vangloria de dizer que fui eu o principal); ajudei, digo, para que fossem tributados artigos, cujo producto tem sido a base dos mais importantes melhoramentos daquella cidade.
Fez-se a proposta, e submetteu-se á approvação dos representantes do municipio segundo a legislação que então vigorava. Houve grande opposição; eu fui encarregado de fazer o relatório, e a final resolveu-se que se auctorisasse o imposto sobre os meemos artigos, já onerados com o antigo real de agua; mas note v. exa. que já naquelle tempo não tivemos outro recurso senão o de tributar os mesmos artigos que já estavam onerados pelo real de agua!! E agora para onde recorrerão os municípios, juntas, etc., se a exageração do real de agua para o thesouro torna impossível que desses mesmos artigos se possa obter producto importante?

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Mas diz o sr. Barros Gomes: "Arranjem-se com outros artigos". Artigos que possam dar productos importantes, não os ha, o reconheçam-no, ou indiquem quaes elles são!
V. exa. ha de certamente recordar-se das fadigas por que passou nesta camara o nosso antigo e saudoso collega, o sr. Derramado, referindo-se às difficuldades com que lutavam as camaras municipaes, e as aberrações que appareceram em consequência dos impostos e tributos que ellas lançavam, embaraçando todas as transacções commerciaes, e collocando-se em continuadas hostilidades umas com as
outras, e tudo isto pelas difficuldades de encontrarem objectos que podessem prestar-se às contribuições municipaes, sem affectarem os seus vizinhos, etc., etc. Pois nós agora havemos de nos esquecer de tudo isso, e não havemos de dizer: venha tambem para os municípios alguma cousa?! Harmonisemos as suas contribuições, os seus dispêndios com os do thesouro publico.
Entretanto se ao menos da proposta do governo podessemos esperar que provinha um grande resultado, um acréscimo importante de receita, ainda por esta consideração poderíamos ser induzidos a votar por ella, se essa importante receita viesse. Mas não virá. E porquê? Porque não confio nada nas declarações dos taberneiros, que, salvo algumas excepções, cuidam dos seus interesses, sem mais considerações.
Dizem que vendem dois, e vendem vinte, e o estado se não empregar varejo e a fiscalisação rigorosa num ou outro ponto, não tira nada de importância. Então havemos de ir lançar derramas sobre as povoações, inquietando-as e assombrando-as, sem esperança de um augmento extraordiario?! Não o julgo prudente; mas o peior é que me parece inconsequente, porque conservo a opinião de que este augmento fará diminuir o producto do imposto dando occasião a maiores descaminhos; e uma grande parte do mesmo imposto sem beneficio nenhum do thesouro, ficará pela maior parte em beneficio das tabernas. Isto é que me parece uma grande desgraça publica!
Repito, pois, que não combato o projecto por querer negar os meios ao sr. ministro; é precisamente por me parecer que elle lhos não dará! O sr. ministro sabe que tenho todo o empenho em o coadjuvar; mas não posso destruir a convicção profunda de que o governo não tira disto resultado importante, a não estabelecer os varejos e rigores da fiscalisação, rigores que considero impoliticos; e ainda, admittida a sua proficiência, quanto custarão elles para o thesouro?
Em Coimbra parece-me que ha 57 parochias; e para serem fiscalisadas será necessario que haja um fiscal ou syndico em cada uma; mas quanto ha de dar-se a cada um desses homens? 100 réis por dia? Será insufficiente; mas sendo só isso são 3$000 réis por mez; isto parece não ser nada, mas multiplicado por todas as freguezias do reino, veja a camara em quanto importa o que tem de pagar a cada um dos zeladores. E se o não fizerem não cobram quasi nada.
Sabe v. exa. o que se faz em Coimbra?
Parece que ha doze homens, que se chamam zeladores, dentro da cidade, e fora não ha nenhum, e cada um paga o que quer, como acontece nesses dois concelhos que já referi. Diz-se que se paga a doze homens, mas não se paga nada, porque os 13 1/2 por cento não chegam para isso.
Ouvi dizer que o escrivão de fazenda dá 240 réis a um homem, que é continuo da repartição, e que não póde fiscalisar nem verificar cousa alguma; elle parece ter-se accordado com os syndicos municipaes; mas como elles têem o seu ordenado pela camara, importam-se pouco com o real da fazenda. Não cuidam disso, e dahi resulta que ha corporações onde se matam dois bois por semana, e onde muitas pipas de vinho entram para consumo, e ninguém solicita o pagamento do imposto respectivo. O pagamento do real de agua pelas corporações de Coimbra ha mais de cem e duzentos annos deu occasião a diversas providencias que se encontram na legislação; e dantes, talvez por que ellas pagavam, o real de agua produzia muito mais; e parece-me que em 1834 rendia 35:000$000 réis, e hoje apenas dá 15:000$000 réis, captivos das despesas.
Repito a minha prophecia - o sr. ministro da fazenda não tirará do projecto 50:000$000 réis livres das despesas se não reformar completamente a administração e fiscalisação; mas para esta reforma ha de empregar os varejos e outros meios odiosos, que em epochas de inquietação geral julgo muito inconvenientes, e podem ser o fermento de uma revolução (apoiados).
E é isso que eu desejo que não aconteça, e que é necessario ter muito em vista. Com as minhas observações não quero difficultar ao sr. ministro os meios que me parecem rascáveis. S. exa. tem em seu poder o projecto sobre a fixação e repartição da contribuição predial onde consignei as minhas idéas a esse respeito; creio que o recebeu hontem, porque lho remetti logo que mo pediu; e aproveito esta occasião para declarar que, tendo-me sido distribuída a proposta do governo para a fixação e distribuição da contribuição predial, exigi do sr. ministro esclarecimentos, sem os quaes eu não podia dar o meu parecer; o emquanto não vieram foi-me forçoso demorar a apresentação desse mesmo parecer.
Ouvi na camara uma espécie de censura, porque a commissão ainda não tinha apresentado trabalhos a este e outros respeitos; mas não julguei conveniente dar então explicações. Logo que vieram os esclarecimentos, parecendo-me que a proposta do governo não podia ser aceita como estava, organisei então uma substituição da maneira que me pareceu mais vantajosa para o thesouro, e não digo para o sr. ministro, porque, nós não devemos tratar aqui de pessoas, mas sim do thesouro do estado. São aquellas as minhas opiniões humillissimas, que hão de ser ratificadas ou modificadas quando se discutir na camara esse objecto.
Entretanto como nem a commissão nem o sr. ministro têem tido occasião de examinar e discutir a minha substituição, que ha muitos dias se acha prompta, e tenho solicitado que se examine; agora que s. exa. me fez a honra de ma mandar pedir, e com todo o gosto lha enviei ha dois dias, rogo a s. exa. que a examine com a necessária reflexão, e que indique as rasões por que lhe não agrada, ou as modificações de que julga carecer, para serem adoptadas, se for possivel, sem offensa da justiça, sem oppressão dos contribuintes e com resultado plausivel, pois da minha parte só desejo coadjuvar o governo, uma vez que seja por meios quanto possivel efficazes para podermos chegar ao fim que nos propomos da nossa organisação financeira, e não pela maneira por que o temos tentado fazer, que, longe de a organisar, temos recuado, e receio que cada vez nos estejamos afastando mais dessa organisação.
Conduzido pelas idéas que tenho expendido, concluirei por pedir ao sr. ministro, que leve a sua condescendência a consentir que este projecto volte á commissão, para que até janeiro possa ser de novo considerado sob o ponto de vista da fiscalisação, que é o que ainda se não fez, eco assumpto mais importante a tratar.
Estou persuadido que nem a camara, nem o sr. ministro quererão que se empreguem para esta fiscalisação os varejos e as pesquizas pelo modo que se faziam antigamente, que, longe de darem resultado satisfactorio, só serviam para por embaraços e peias ao commercio, e para opprimir as povoações. Repito, que não approvaria este imposto, ainda que elle desse os 300:000$000 réis, que não ha de dar com certeza, e nem me faz peso que elle tenha sido proposto por outros ministros, e em diversas occasiões; e até estou persuadido de que o sr. Braamcamp, quando apresentou um projecto inteiramente similhante a este, não tinha attendido a todas as difficuldades da cobrança, porque nada indicou a tal respeito.
Diz-se, que para este fim se podem empregar os guardas do contrato do tabaco; mas esses mesmos estão pres-

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tando um serviço, que não será talvez de grande vantagem o conservar-se, em vista do que produz e do que custa, e ainda assim com esses empregados, ou com quaesquer outros, o que seria preciso para levar a effeito as vantagens do projecto? Seriam precisos os malsins, e todos aquelles elementos sem os quaes esta lei não pode dar resultado nenhum; seria preciso entrar a cada momento na casa alheia, devassar o que cada um lá tinha para fazer uma exacta fiscalisação; e isto não podo ser na epocha actual.
Peço portanto ao sr. ministro da fazenda, que mande outra vez o projecto á commissão para ella considerar todas estas difficuldades. Cada um dos districtos do reino está em diversas condições; nos mesmos districtos ha concelhos e parochias desigualmente tributados, e com encargos differentes, muitos d´elles subsidiados pelo estado, e nós não podemos legislar às cegas, dizendo simplesmente - cesse tudo que está estabelecido.
Considere, pois, novamente a commissão esta materia; examine o mappa das contribuições que oneram as differentes localidades, e depois de tudo bem examinado decida o que for mais justo e conveniente.
Eram estas as explicações que eu queria dar. Agradeço á camara a bondade com que me ouviu, e a benevolencia com que permittiu que entrasse na materia, tendo sómente pedido a palavra sobre a ordem.
Concluo pedindo a v. exa. que me inscreva para em occasião opportuna dar algumas explicações sobre o meu voto na questão do bill de indemnidade, em cuja discussão não pude entrar, por me não chegar a palavra; e sómente direi agora que votei pelo restabelecimento do subsidio para os deputados, por me parecer um elemento indispensavel para o regular andamento do systema parlamentar; e porque na maxima parte dos casos nem o talento, nem a instrucção, nem os conhecimentos adquiridos pelo trabalho, e pratica dos negócios, andam associados com a fortuna, que exclua a necessidade do subsidio; mas votando por aquelle restabelecimento, sempre tive na tenção, como anteriormente havia declarado a diversos, de ceder o que me pertencesse em favor dos asylos e corporações da cidade de Coimbra, que se empregam em alimentar ou educar os que precisam.
Leu-se na mesa a proposta, e é a seguinte:
Proposta
Proponho que qualquer que seja o augmento approvado para o real de agua em todo o reino, fique o governo obrigado a entregar mensalmente no cofre da junta geral do districto de Coimbra as quantias equivalentes ao rendimento medio que se acha consignado para a sustentação dos expostos pelas leis de 28 de novembro de 1854 e 30 de maio de 1858, e que effectivamente lhe tem sido entregues desde 1854 até hoje, a fim de que aquelles infelizes não pereçam, emquanto não forem subdiados por outra fórma. = O deputado por Coimbra, Alberto Carlos Cerqueira de Faria.
Foi admitida.
O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): - Começarei respondendo ás observações do illustre deputado que acabou de fallar.
Declaro a v. exa. que se acaso procedessem as duvidas apresentadas pelo illustre deputado, era completamente inutil este projecto de lei, porque o imposto de que tratâmos não daria ao thesouro garantia alguma de poder satisfazer os encargos que sobre elle pesam.
Na minha opinião o projecto que se discute não altera nenhuma das obrigações contrahidas pelo governo em relação ás misericordias, camaras municipães e outros estabelecimentos, quando esteja estabelecido por lei qualquer subsidio que o governo lhes deva conceder.
Por consequencia já vê o illustre deputado que era inutil a apresentação da sua proposta, que parece um obstaculo ao projecto, quando já não precisava d´ella para que a sua passagem fosse difficultada na camara.
Eu acredito na sinceridade de s. exa. e na boa com que deu diversos conselhos ao governo. O que eu digo é - que é muito facil adiar a approvação do augmento de receita, muito facil discutir os inconvenientes dos impostos, mas que não é facil adiar a satisfação de despezas que não estão cobertas pelas receitas publicas; e quanto maior for o adiamento maiores serão as difficuldades.
(Áparte do sr. Alberto Carlos, que se não percebeu)
Se o illustre deputado quer tirar esta consequência, eu adopto a em toda a extensão da palavra. S. exa. sabe muito bem que mesmo nos povos mais adiantados nunca foi muito fácil fazer passar uma lei de fazenda.
Ha medidas que contrariam necessariamente interesses individuaes, e se a essa contrariedade de interesses se reunem as difficuldades politicas, não, faz isso senão retardar a resolução da questão financeira. É louvavel a ambição de resolver juntamente com a questão financeira a questão administrativa, e com esta uma infinidade de outras muitas, que podem merecer a attenção dos homens praticos; é louvavel de certo, mas é um desejo cuja resolução não póde ter logar simultaneamente. E agora cabem aqui as palavras de um homem muito illustrado de uma nação em que existia o governo pessoal, que, estando a fallar-se das nossas cousas, disse: «Acho que o governo de Portugal quiz fazer muita cousa ao mesmo tempo, e assim era». Desfez-se depois tudo e não digo ainda bem.
O que é verdade é que quando se combatem projectos pela extensão d´elles, ha ordinariamente alguma injustiça neste procedimento.
Dizia o celebre economista Malthus, discorrendo ácerca da argumentação que = quando uma opinião se inclina muito num sentido dado, para restabelecer o equilíbrio, é preciso inclinar de mais no sentido opposto = Quando se combate o projecto por esta rasão, prejudica-se o que ha n´elle de mais rasoavel.
De que se trata aqui? Trata-se da extensão em que foi apresentado o projecto á camara? Digo sinceramente, á vista das difficuldades que se tem levantado por este pequeno augmento de imposto, que se propozesse outro maior não seriam maiores as difficuldades. Não se attende á diminuição do sacrificio pedido, o resultado é sempre o mesmo.
Um illustre deputado chegou a dizer que a commissão devia examinar esta questão, e que o governo a devia examinar tambem, e fez uma injustiça, sem querer, á commissão e ao governo. Pois um projecto d´esta natureza, cuja apresentação tem sido repetida por differentes vezes n´esta camara, não havia de chamar a attenção dos governos e das commissões, o não haviam de conhecer o seu alcance quando propunham medidas d´esta natureza?
O sr. Telles de Vasconcellos: - Não ha as estatisticas que devia haver.
O Orador: - Pois não ha estatisticas?! Senão ha as estatisticas aperfeiçoadas que devia haver, nem por isso deixa de haver estatisticas (apoiados).
O sr. Telles de Vasconcellos: - V. exa. liga muita exactidão á base que tomou para o imposto sobre o vinho, e não me póde dizer talvez sobre quantas qualidades de vinho elle vae igualmente pesar.
O Orador: - Não lhe poderei dizer isso. O que porém posso dizer ao illustre deputado, porque tenho os mappas em meu poder, é a quantidade do vinho sobre que se applica o imposto do real de agua.
Posso dizer que no anno de 1867 a 1868 a quantidade de vinho, sobre que recaiu o real de agua, foi de 45.000:000 de litros. Note a camara, que o illustre deputado que não antecedeu, disse ha pouco que era muito difficil conhecer o vinho que se consome, e que nada mais facil do que subtrahir qualquer quantidade á verdadeira produção.
Em parte assim será, mas a base que eu tomei é effectivamente pouco menos do que a estabelecida pelo sr. Fontes Pereira de Mello em relação ao consumo dos vinhos, e por

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isso já o illustre deputado vê, que não são tão deficientes como lhe parecem os dados estatisticos, e que consultando os que se referem ao consumo de 1867 a 1868, se chega a um resultado analogo, ou muito approximado d´aquelle em que foram calculados os direitos do consumo, pelo meu amigo o sr. Fontes, nos muito copiosos e illustrativos relatorios que precederam as suas medidas.
Direi mais que o consumo da carne em 1867 a 1868 foi de 14.000:000 de kilogrammas, algarismo ainda mais approximado d´aquelle que com antecedencia se tinha calculado. E eu comprazo-me em dar este publico testemunho ao meu amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, porque a primeira obrigação dos governos é fazerem justiça aos seus antecessores no que poderem (apoiados). Desde que o podem devem faze-lo.
Disse e que estes algarismos se approximam muito dos calculos estabelecidos pelo sr. Fontes Pereira de Mello no seu relatorio; e isto prova duas cousas: em primeiro logar a boa vontade que têem todos os ministros, que se sentam n´estas cadeiras, de esclarecerem os seus projectos; e em segundo logar que não é verdade não haver nada de positivo a este respeito.
Que volte pois o projecto é, commissão!... Para que?!... O que ha de fazer a commissão?!... Ha de inventar estatisticas, visto que se duvida de todas as que existem ?!...
(Aparte do sr. Barros e Cunha.)
Apartemos a politica d´este assumpto (apoiados). Confesso que sinto que se queira entrar n´esse caminho, e eu digo a v. exa. porquê.

esde que um ministro da fazenda entende que é indispensavel propor ao paiz um augmento de receita dentro dos limites em que elle suppõe que esse augmento póde ser satisfeito pelo mesmo paiz, e quando esse ministro tem todos os dias de assignar letras por sommas importantes, pô-lo no caminho da prodigalidade é na verdade triste.
Pois como é que se satisfazem as despezas publicas? Satisfazem-se porventura pelos capitães dos rendimentos com que se pretende fazer face á importancia das mesmas despezas?
Estamos recorrendo ao elemento do credito; mas o que é o elemento do credito desde que se saiba que o menor projecto tendente a augmentar a receita é motivo para todas as difficuldades? (Apoiados.)
Quantas edições da commissão de fazenda ha de haver para os projectos d´esta natureza?!... Pois uma reunião de homens tão illustrados como os que constituem uma commissão de fazenda, não havia de dar com conhecimento de causa um parecer sobre este projecto?!...
Direi ainda outra cousa ao illustre deputado que me precedeu no debate.
O illustre deputado, para contrariar uma distribuição de contingente que se vota ha quinze annos successivamente n´esta casa sem contestação, mudou a base do imposto; transformou o imposto de lançamento em imposto de quoto, e estabeleceu a quota de 8 por cento para todos os districtos, doutrina do maior perigo e da maior injustiça, porque as percentagens são em relação ao rendimento collectavel, e o rendimento collectavel não está calculado na mesma proporção em todos os districtos.
Quer a camara ver qual é a suprema injustiça que provém da adopção d´esta percentagem de 8 por cento? Passo a demonstra-lo.
Ha um districto, o districto de Vizeu, onde efectivamente a base do imposto mostra a percentagem de 8 por cento, ao passo que o rendimento collectavel calculado ha tres annos na matriz em Vizeu augmentou n´este tempo por forma que importa numa somma superior ao dobro do que era n´aquella epocha. Examinando se os outros districtos ve-se tambem que não se dá entre elles a mesma proporção, de maneira que ha districtos onde ha uma percentagem de 20 por cento ou mais, e ninguem se queixa d´essas percentagens.
O sr. Alberto Carlos: - Apesar d´essa differença que v. exa. indica ter-se estabelecido da ha tres anos para cá, continua a estabelecer a quota nos mesmos termos em que estava em 1864.
O Orador: - Seria dez mil vezes peior, para fazer uma distribuição com rigor, e de modo que se harmonise em todos os districtos, proceder a investigações que levariam immenso tempo.
Desenganemo-nos, eu creio que n´esta casa está quem sabe muito bem que eu não desejava ser ministro da fazenda, e que empreguei todos os meios da diplomacia para ver se não tinha a vantagem de ser ministro da fazenda (riso); mas desde que estou n´este logar, a minha obrigação é declarar, alto e bom som, que a fazenda não se administra unicamente por considerações geraes, e que quanto mais tarde se votar qualquer acréscimo de receita, tanto menos efficaz será o effeito d´essa receita e tanto maior será a somma que se ha de pedir ao paiz (apoiados).
Estou completamente justificado, porque em outros tempos apresentei objecções a projectos de receita; ainda ha pessoas mais retardatarias do que eu! Mas as objecções que hoje se fazem têem logar a respeito de muito menor importancia de receita. Acontecerá isso por que as nossas circumstancias financeiras melhorassem tão consideravelmente, que é hoje dispensavel o que era hontem absolutamente necessario? Não acredito.
Tambem não acredito que as nossas circumstancias sejam desesperadas, e a prova de que não as considero assim, é que continuo a ter a honra de ser ministro da fazenda; mas declaro que ellas se tornam desesperadas se por acaso nós sujeitarmos as necessidades da nossa administração ao remanso philosophico de um estudo profundo sobre todas as questões de administração, se quizermos resolver estas questões, esperando que philosophicamente no gabinete de uma commissão adquiramos a persuasão de que adoptamos uma regra que não inflingirá injustiça em nenhum caso particular, e que fazemos regulamentos sufficientes para que nem um só real possa deixar de ser arrecadado com todas as condições de maxima economia na cobrança, e de maior fiscalisação possivel; d´este modo difficultosamente chegaremos a um estado em que possamos occorrer ás mais elementares necessidades da administração. Tambem se fallou muito na despeza da cobrança d´este imposto.
Quando se invoca a estatistica é preciso seguir as indicações que ella apresenta.
Diz-se que os impostos indirectos são aquelles, cuja cobrança exige uma despeza mais consideravel! Pois eu posso apresentar documentos impressos, que demonstram que entre nós o imposto de consumo é aquelle a respeito do qual a despeza da cobrança é menor.
Uma voz: - É notavel!
O Orador: - Parece-me que isto é inquestionavel á vista dos documentos officiaes, e se querem que se estudem as questões, não as podemos estudar senão por meio dos documentos que podermos colligir ácerca d´elles.
Nos ultimos annos de que temos documentos com relação á cobrança do imposto do real de agua, a importancia d´esse imposto era de 160:000$000 réis e a despeza da cobrança era de 16:000$000 réis; 10 por cento da totalidade do imposto.
Quando se sabe o que custa a cobrança do imposto de consumo em todas as nações, não se póde dizer que a despeza que nós fazemos com a cobrança d´esse imposto seja elevada. E o modo de tornar a percentagem d´esta cobrança ainda menor, é augmentar a importancia sobre que ella tem de recair (apoiados). Também n´este ponte se fez uma resenha vasta das difficuldades que havia na cobrança do imposto de consumo, resenha tal que não serve para pedir o augmento do imposto do real de agua, serve para o destruir completamente. Seria o maior de todos os desperdicios fazer adiar a votação d´este imposto até se alcançar a certeza de uma fiscalisação que correspondesse necessaria-

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mente ás sommas que devessem entrar no thesouro. Era um impossivel.
Ora, se a cobrança d´este imposto é limitaria quanto ao vinho, não o é contra a carne, porque o imposto da carne produziu, em 1868, 164:000$000 réis, sendo a carne um genero indispensavel á alimentado, o que não se dá exactamente a respeito do vinho, porque o vinho tem sido proposto por quasi todos os financeiros como objecto do imposto, por isso mesmo que não é indispensavel para a alimentação (apoiados).
O sr. Barros e Cunha: - Não apoiado; o vinho é indispensavel para o custeio agricola. Os nossos trabalhadores nada fazem não bebendo vinho, e muito. O vinho é para elles um segundo alimento.
(Ápartes de differentes srs. deputados.)
Posta de parte a questão da temperança, declaro a v. exa. que todas as nações tiram da contribuição, sobre as bebidas espirituosas, uma parte importante das suas receitas.
(Ápartes)
Não me admira isso, entre nós póde e deve acontecer o mesmo, e todos os ministérios que têem precedido o governo actual, sabem que é indispensavel auxiliar o governo para que elle possa satisfazer as necessidades da administração. Demais os governos entre nós não têem uma duração bastante consideravel, e não digo isto por mim; mas a verdade é que, quando se trata de impostos, estes fazem cair mais os governos que os propõem do que os deputados que os sustentam. Portanto a grande arte, para toda a gente habilitada a succeder no governo, está em combater o tributo, posto tenham depois de entrar na fruição de uma situação cheia de difficuldades.
Eu pedi, por exemplo, a votação de um augmento de receita sobre a contribuição predial, e em vista do que a historia contemporanea me indica, diz-me a consciencia que não serei eu quem colha os fructos d´esse augmento de receita. Mas eu entendo que as medidas devem ser permanentes, e que devemos habilitar os governos futuros com os recursos necessarios para que possam ser governos.
Creio que as convicções devem estar formadas a este respeito. O imposto que hoje só propõe tem sido successivamente proposto por todas as administrações.
Quando se dá um facto d´esta natureza, todos os homens públicos de um paiz devem pensar que ha uma certa necessidade na adopção de medidas que foram apresentadas por individuos de differentes partidos que têem estado no poder, e que as têem proposto para augmentar a receita proveniente d´este genero de consumo, uns em maior extensão, outros em menor escala.
Direi aos auctores de algumas propostas que foram mandadas para a mesa, e das quaes passo a occupar-me immediata e rapidamente, propostas apresentadas na melhor boa fé possivel, de não deixarem o governo desherdado da receita precisa para satisfazer aos encargos do thesouro, direi que algumas d´essas propostas têem só o inconveniente de diminuirem o imposto que actualmente existe. E na verdade eu seria menos prudente se aceitasse indicações que diminuem a percentagem que actualmente se paga.
A proposta estabelecendo a percentagem de 2 réis, que foi mandada para a mesa, essa, á vista das medidas de differentes concelhos do reino, importava sujeitar alguns d´elles a um imposto inferior ao que actualmente se cobra. E na situação em que me encontro, não me acho muito disposto a poder aceitar uma emenda, que diminuo o producto do imposto em differentes concelhos.
Sabem todos que não ha muitos annos, em 1857, foi abolido um imposto que tinha por fim tirar uma receita das bebidas alcoólicas; fallo do subsidio litterario. Pois não foi abolido o subsidio litterario em 1857, encorporando-se o rendimento d´esta receita publica na contribuição predial, que não comprehendia similhante tributo? E note-se que este ramo de receita encorporado na contribuição predial está dando uma somma superior a 100:000$000 réis.
Quanto á carne, só por acaso, com as disposições actualmente existente nas leis, nós formos realisar uma somma importante sobre este genero, direi que temos feito um bom serviço.
Direi tambem a todos os srs. deputados, que fallam em estatística, que o rendimento actual é calculado aproximadamente em 27:000$000 ou 28:000$000 réis, recebidos sem os vexames que se suppõem indispensaveis para a cobrança d´esta receita; e se o imposto actualmente dá 28:000$000 réis com as condições existentes, subsistindo exactamente as mesmas condições, não havendo varejos, não havendo vexames de fiscalisação, deve com o augmento dar réis 240:000$000; se com o systema actual, sem nenhum vexame novo de fiscalisação, se póde contar com este resultado, tenho o direito tambem de dizer que o imposto não é excessivo.
Disse aqui, e disse muito bem, o sr. Mariano de Carvalho, que em relação a este género as fluctuações dos preços provenientes da producção fazem desapparecer os effeitos do imposto desde que não é estabelecido em larga escala.
E por esta occasião lembrarei á camara o que acontece em relação ao imposto sobre o vinho, e não são as minhas palavras que o dizem, que não têem tanta importância como os dados estatisticos - são estes dados. Dizem elles que quanto maior é a producção do vinho tanto menor é o producto do imposto d´este genero. Ainda ultimamente com a grande producção do vinho o estado perdeu 400:000$000 a 500:000$000 réis.
Porventura estarão estas condições financeiras em harmonia com as circumstancias economicas do paiz? Não sei, mas o que é certo é que quando se dá uma grande colheita de vinho o estado deixa de receber 400:000$000 ou 500:000$000 réis, por isso que não entra aguardente estrangeira na proporção d´essa somma.
Uma voz: - É uma calamidade para lamentar.
O Orador: - Eu não quero com isto dizer que temos necessidade de abrir os portos á aguardente estrangeira, o que quero é ter vinho em quantidade necessaria para não ter necessidade d´essa aguardente.
Este projecto não obsta a que o fisco possa locupletar-se quando as condições economicas do paiz melhorem, e não se possa entristecer quando se dê esse melhoramento.
Disse-se que era deploravel que nós fossemos sobrecarregar um producto tão importante como é o nosso vinho, o primeiro valor da nossa exportação, porque na ausencia de tratados deve isso produzir um pessimo effeito.
Direi que a objecção apresentada pelo meu amigo, o sr. Barros e Cunha, é respondida por este projecto.
Desde que o imposto de consumo das vinhos do Porto tiver um acressimo resultante do augmento do imposto, não se poderá dizer em Inglaterra que o direito de exportação dos vinhos em Portugal é igual ao imposto de consumo dos mesmos vinhos. Sirva isto de resposta aos argumentos apresentados pelo illustre deputado sobre o assumpto, quando entende que é inconveniente irmos sobrecarregar este genero com o imposto.
Também não é tão facil, como parece á primeira vista, a doutrina de que o imposto de exportação não seja igual ao imposto de consumo. Acho que a regra de haver o mesmo imposto para os dois factos económicos e inconveniente. Quando o imposto de exportação é muito elevado, então é que o de consumo se considera rasoavel. Mas não é do repente que isto se póde effectuar.
Nas condições em que se acha o Porto e Villa Nova de Gaia a differença do imposto considera-se por esta forma.
Não me parece que haja muita rasão para dizer que se vae onerar o consumo dos vinhos do Porto dentro das barreiras com este acréscimo, quando é certo que fora das barreiras, pertencendo á municipalidade do Porto, os vinhos pagam 6$000 réis de direito de consumo, e dentro das barreiras pagam 3$000 réis. Por conseguinte esta contribuição

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ainda tem a vantagem de dar uma carta igualdade ao imposto que se vae exigir dentro das barreiras do Porto, com relação ao que se paga fóra das barreiras (apoiados).
Vou concluir, mas direi que eu tambem não reputo de vantagem que não se faça distinção entre as diversas qualidades de vinho, como por exemplo entre vinho maduro e vinho verde, vinho mais rico e mais pobre de alcool, mas note-se que a fiscalisação tinha n´este caso de ser muito mais rigorosa.
N´uma palavra, só peço a attenção dos illustres deputados para a solução do difficil problema da administração das nossas finanças. O que posso assegurar á camara é que o adiamento de projectos que criam receita póde ser uma necessidade politica, mas não se justifica como uma necessidade de administração (muitos apoiados). Declaro mais que estou sinceramente disposto a concorrer com os meus collegas para effectuar na despeza todas as reducções aonde houver possibilidade de as effectuar. Quando esta idéa não prevalecesse no governo, bastava impor lhe a obrigação de diminuir a despeza; mas parece-me que a camara não está bem informada, ou está muito mal informada, se suppozer que é muito adiando os projectos de receita, e fazer face depois aos encargos do thesouro.
Tenho concluido.
(S. exa. não reviu este discurso.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se a ultima redacção do projecto n.° 4 sobre o bill, a fim de poder ser expedido para a outra camara. (Leu-se.)
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Declaro a v. exa., e desejo fazer notar á camara, que é esta de certo a primeira e creio que será a ultima vez que n´esta casa se remette á outra camara um projecto de lei, na redacção definitiva do qual se encontram, segundo ouvi ler, disposições puramente regulamentares, e de tal ordem que até hoje tem sido inalteravel costume serem objecto de umas portarias dos ministros, que até muitas vezes ficara ineditas, pois tratam apenas das pessoas que, na sua falta ou impedimento, são auctorisadas a assignar por elles.
Declaro-me disposto a admirar todas as novidades, e mesmo as d´esta ordem e singular natureza. Cumpro, porém, o meu dever declarando que algumas das disposições que ahi se encontram, constituem para mim uma completa novidade, porque não as ouvi tratar, nem discutir, e agora ouvindo-as ler, produzem em meu espirito uma impressão tristissima, porque vejo misturar em um bill, não sei com que proposito, e nem quero mesmo dizer que houvesse proposito, disposições que a legislador nenhum poderiam merecer a honra ou distincção de fazerem parte de uma lei. Seja qual for a resolução da camara a este respeito, eu deixo aqui lavrado o meu protesto solemne contra este caso singular e unico.
O sr. Presidente: - O sr. deputado manda alguma proposta?
O Orador: - Eu faço apenas estas observações á camara. A commissão de redacção representa para mim a reunião de todas as luzes, e se estas observações forem admittidas, a commissão facilmente encontrará o melhor meio de dar a este projecto uma redacção conveniente e digna do parlamento.
O sr. Francisco Beirão: - Não sei se a commissão de redacção representa a reunião de todas as luzes: sei que todos os membros d´esta commissão são homens de caracter e de dignidade, e que não eram capazes de intercallar na proposta uma palavra, uma virgula sequer, que não tivesse sido mandada pela mesa á commissão como tendo sido approvadas pela camara (apoiados).
Pela minha parte creio que, apesar de novo na vida publica, não tenho dado direito a ninguem para julgar que eu era capaz de fazer a minima alteração n´aquillo que a camara approvasse (apoiados). Faço esta declaração categorica e solemne.
Na discussão do bill foram mandadas para a mesa propostas, alterações e emendas, e as que foram approvadas, com as notas postas pelo sr. secretario, de cuja probidade ninguem duvida (apoiados), remetteram-se á commissão de redacção.
Esta commissão reuniu-se hontem e mandou convocar o sr. relator da commissão do bill; estivemos todos em conferencia, fallamos com os empregados da secretaria, e posemos palavra por palavra o que vinha nas propostas. Não satisfeitos ainda com a minuta que hontem redigimos, conferenciámos hoje de novo, e só depois d´estas reuniões e d´este trabalho mandámos para a mesa a ultima redacção da lei. São membros d´esta commissão os srs. Mártens Ferrão e Elias Garcia: não sei se algum d´estes cavalheiros está presente...
O sr. Elias Garcia: - Estou eu.
O Orador: - Está o sr. Garcia: s. exa. pois sendo preciso dará testemunho pleno da consciencia com que trabalhámos, do escrupulo com que nos houvemos - escrupulo que era do nosso dever empregar não só como deputados, mas sobretudo como homens que prezam o proprio nome, a honra e a dignidade.
Tenho dito.
O sr. Luciano de Castro: - Faço justiça ás intenções e aos actos dos illustres deputados que compõem a commissão de redacção; estou inteiramente convencido de que s. exas. não alteraram nem uma virgula ao que a mesa lhes mandou. Mas o que é possivel é que, pela grande confusão que houve n´esta casa, passasse uma proposta sem ter sido lida
Eu declaro a v. exa. e á camara que assisti a toda a votação com a maior attenção, e que não votei uma proposta que vejo ahi mencionada.
(Susurro.)
(Interrupção que se não ouviu.)
O Orador: - O que eu tenho visto n´esta casa é que, quando se apresenta um projecto de lei como o do bill, vota-se ou não se vota; são ou não confirmadas as medidas da dictadura. Se estas não são approvadas, ficam restabelecidas as disposições da legislação anterior. Esta é que é a verdade.
O sr. Presidente: - Peço perdão ao illustre deputado para observar que não está em discussão essa materia; o que está em discussão é a redacção do projecto.
O Orador: - E verdade que v. exa. sujeitou á discussão da camara a redacção do projecto do bill mas julgo necessario mostrar a v. exa., que seguramente houve alguma confusão na votação das propostas que por occasião da discussão do bill foram mandadas para a mesa. Parece-me que estou perfeitamente na ordem. Se v. exa. quer que não falle, não fallo; não tenho interesse n´isso; mas quero contar as cousas como se passaram.
Eu acompanhei as votações da camara, e vejo hoje no projecto incluida uma proposta que eu não ouvi ler.
Vozes: - Leu-se, leu-se.
O sr. Presidente: - Todas as propostas foram lidas em voz alta.
O Orador: - V. exa. diz que foram lidas todas os propostas em voz alta; eu e mais alguns srs. deputados não ouvimos. Mas se v. exa. e a maioria entendem que o que apparece no projecto é o que se decidiu, não tenho reclamação a fazer.
O sr. Freitas Oliveira: - Creio que ninguem teve idéa de fazer a mais leve censura á commissão de redacção. A commissão de redacção deu parecer sobre o que lhe mandaram. Sou o primeiro a fazer justiça ao caracter cavalheiroso das pessoas que a compõem.
Mas eu tambem fui d´aquelles que não ouvi discutir, nem approvar o que hoje se diz que foi largamente discutido e approvado pela camara; porém como v. exa. affirma que tudo foi lido em voz alta e approvado em seguida pela maioria, eu fico mais satisfeito reconhecendo em mim um

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defeito de audição, que não julgava ter, do que em duvidar do que se affirma agora tão calorosamente.
No entretanto, depois d´este facto, desejo que fique bem consignado, pelo menos no Diario da camara, que eu votei contra todo o unico § do artigo 2.° do parecer sobre o bill.
Como se rejeitou a votação nominal sobre este assumpto, eu desejo que todos saibam como votei, para que se me não tome jamais responsabilidade senão dos actos que pratico.
O sr. Mendonça Cortez: - Eu creio que nenhum dos meus collegas teve intenção de levantar a menor suspeita sobre nenhum de nós: é ponto assentado. Portanto a questão não podia ser senão de fórma de redacção; mas pelas declarações dos srs. deputados, vejo que a intenção não é tanto essa; é da base a que se refere a redacção.
Por isso se algum de v. exas. quizer levantar a questão n´este campo, eu pedirei a s. exa. que mande ler a acta para se ver que a camara approvou essa emenda tal qual foi apresentada pela commissão de redacção.
Se a emenda foi approvada é um facto consummado e devemos aceita-lo.
Vozes: - Votos, votos.
O sr. Francisco Beirão: - Eu requeiro, em nome da commissão de redacção, que sejam lidas na mesa as emendas que foram remettidas á commissão, porque desejo que não fique pesando a menor suspeita sobre a commissão.
Vozes: - Nada.
Outras vozes: - Votos.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu pedi a palavra a v. exa.
O sr. Presidente: - Foi para explicações, e para isso não posso dar-lh´a. Vae votar-se. Os senhores que approvam a ultima redacção do projecto de lei n.° 4 tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada por 42 votos contra 17.
O sr. Presidente: - Vae ser expedido para a outra camara.
Tem a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão o sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Mariano de Carvalho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que a sessão continue até que se vote o projecto de lei em discussão, ácerca do real de agua.
O sr. Presidente: - A sessão já está prorogada para explicações.
O sr. Mariano de Carvalho: - O meu requerimento é para que antes das explicações se vote o projecto.
O sr. Presidente: - Consulto a camara.
Foi approvado o requerimento do sr. Mariano de Carvalho por 31 votos contra 28.
O sr. Presidente: - Continua a discussão do projecto de lei n.° 14.
O sr. Vasconcellos Coutinho (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se a materia do projecto está ou não discutiria na generalidade. Consultada a camara, julgou a materia discutida.
O sr. Presidente: - Vae votar se o projecto na generalidade.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Passa-se á especialidade. Está em discussão o
Artigo 1.°
O sr. Paes Villas Boas: - V. exa. concede-me a palavra em condições um tanto desfavoraveis para mim, se quisesse usar largamente d´ella.
O estudo em que está a camara, já em prorogação de sessão, não é estimulo para que eu me demore no uso da palavra. Deixarei pois de expender algumas considerações que desejara fazer no sentido de combater em parte o projecto de lei em discussão.
Limitar-me-hei a pedir algumas explicações ao nobre ministro da fazenda, ou ao ilustre relator da commissão. V, exa. já me ouviu o objecto da minha duvida par occasião da leitura que fiz da minha questão prévia, que v. exa. classificou como bem lhe pareceu.
No interesse da boa execução d´esta medida, que aliás não defendo, insisto em pedir as explicações que desejo ouvir, e que não peço no intuito de crear embaraços ao governo, mas com o de prevenir dificuldades que porventura possam embaraçar a regular execução da medida.
O nobre ministro das obras publicas apresentou ha dias n´esta casa um projecto de lei, com o fim de prorogar até 1 de janeiro de 1872 o praso para o uso obrigatório das novas medidas de volume e capacidade, praso de tempo que terminaria em 1 de janeiro do proximo futuro anno, segundo era disposto no decreto de 27 de novembro de 1869. Isto com referencia a todos os concelhos do reino, excepto Lisboa e Porto.
Reconheceu o governo a patente necessidade d´esta prorogação.
Com o projecto de lei em discussão tem por fim o governo augmentar o imposto denominado real d´agua, para o que apresenta a tabella annexa, na qual propõe o augmento de imposto, partindo, como base, da adopção ou uso das novas medidas.
A illustre commissão, no seu relatorio, aconselhando a approvação do projecto, tira um dos seus mais valiosos argumentos da adopção das medidas do systema metrico decimal, como base em que assentará o novo imposto, tendo d´esta sorte o governo em mente uniformisar um imposto desproporcional pela variedade da medida de volume, que serve de base ao imposto existente.
Temos, pois, um projecto de lei, o n.° 19, dispondo que durante o futuro anno de 1872 estarão em uso as antigas medidas de volume e capacidade, e outro, o que faz objecto do debate, legislando em materia de imposto para o mesmo anno, partindo, como de cousa julgada, do uso obrigatório d´essas medidas. Um assenta no uso das novas medidas de volume o augmento do imposto do real d´agua que ha de cobrar-se no anno de 1871; no outro propõe-se até ao anno de 1872 a prorogação do praso para o uso das mesmas medidas.
Pergunto: como conciliará o governo a execução d´estes dois projectos, caso sejam convertidos em leis? Ou uma cousa, ou outra (apoiados).
(Alguns srs. deputados pedem a palavra.)
O fisco ha de servir-se de medidas de volume segundo o systema metrico-decimal, e o paiz ha de fazer uso das antigas medidas; mas o fisco não poderá servir-se das novas medidas, porque a isso se oppõe o que se acha consignado no projecto n.° 19, e o paiz ha de fazer uso das medidas decimaes logo que estiver em execução o projecto que se discute.
Eu poderia prevenir a resposta do sr. ministro, ou do sr. relator, cujas explicações estou presumindo que não satisfarão cabalmente.
Sr. presidente, não me fará v. exa. a injustiça de suppor que eu desconheça as vantagens da pratica e uso das medidas do systema metricodecimal. Oxalá seja em breve plena a execução d´este systema. Devo tambem observar que com o que venho de dizer não quero contrariar a salutar providencia da prorogação do praso para o uso das novas medidas. Antes applaudo o pensamento que dictou aquella medida. É uma providencia acertada, que de certo a camara approvará, pois que é aconselhada por força de rasões, cuja plausibilidade creio que não será contestada.
Vou concluir, dizendo algumas palavras com referencia a outras que ouvi a um dos illustre deputados que me precedeu.
Quando este projecto se discuta na generalidade, pedi a palavra para uma questão prévia. Entendia, como entendo ainda, que deveria formular as duvidas que acabei de expor numa questão prévia. Parecendo que nos dois

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rojectos do lei a que me referi, ha uma tal ou qual antinomia, parecendo inconciliaveis na sua execução, entendi que numa questão prévia estava a formula parlamentar de que devia usar. Não foi meu intento escalar a palavra; nunca o fiz, e estou que o não farei, porque na deficiencia dos meus recursos, no interesse da discussão, no meu interesse proprio, eu não devo prccurar substituir-me a cavalheiros, cujos discursos mais aproveitam á camara e ao paiz do que os meus simplices arrazoados. Não vae longe que se encerrou uma discussão importante, na qual desejei tomar parte; esperei tranquillo pela minha vez de usar da palavra, que, sem perda de certo para a camara, me não chegou, embora não fosse eu dos ultimos inscriptos.
O sr. Presidente: - Peço licença ao sr. deputado para observar que se tem sempre seguido a ordem da inscripção, salvo quando a camara tenha resolvido o contrario.
O Orador: - Longe de mim a idéa de irrogar censura a v. exa. a quem muito respeito; tambem dou testemunho da imparcialidade e rectidão com que v. exa. tem dirigido os trabalhos parlamentares.
Sr. presidente, deixo, como disse, de expor algumas considerações sobre o projecto em discussão, attendendo a que a hora vae muito adiantada, e vendo que a maioria dos illustres deputados quer votar ainda hoje o projecto; mas não deixarei de declarar que me não sujeito voluntariamente a um certo jugo que se pretende impor, a uma doutrina que ha certo tempo ouço proclamar quando se trata de discutir assumptos de fazenda.
Sr. presidente, assumptos d´esta ordem demandam reflectido exame, e merecem discussão (apoiados). Cesse a discussão porque se trata de augmento de receita, vote-se um projecto só porque contém augmento de imposto. Declaro que me insurjo contra similhante doutrina, que acho pesado este jugo (apoiados). A penuria do thesouro, a necessidade impreterivel de augmentar a receita publica são amargas verdades de que todos estamos compenetrados, mas que não aconselham a passar de leve sobre assumptos d´esta ordem. Estamos aqui ha dois mezes para nos ser presentes á ultima hora projectos d´esta importancia (apoiados), cuja discussão parece vedada. N´este afan de votar acho um zêlo um tanto pharisaico, que poderá facilitar o augmento da receita publica, mas que não pude ser louvado por aquelles que entendem que estes assumptos merecem exame e discussão.
E isto póde dizer-se, como eu digo, sem intuito de causar embaraços ao governo, difficultando-lhe os meios de governar.
Termino, sr. presidente, para ouvir as explicações do illustre relator da commissão sobre a duvida que expuz.
O sr. Barros Gomes: - Serei muito breve na resposta ao meu illustre collega e amigo.
A objecção que s. exa. levantou por pensar ver certa antinomia entre os dois projectos de lei, o que estamos discutindo e outro apresentado ha poucos dias pelo sr. ministro das obras publicas, não tem fundamento, porque uma das cousas que se teve em mente com a apresentação do projecto em discussão, foi que o imposto se tornasse, quanto possivel, igual em todo o continente do reino, o que não acontecia subsistindo um direito lançado na canada que variava de concelho para concelho, a ponto de representar em uns um volume de liquido muito superior ao dobro d´aquelle a que era equivalente em outros.
E certo que o uso das novas medidas de capacidade não vae ser obrigatorio immediatamente em todo o reino; mas não é isso rasão para que este projecto deixe de ser votado, porque, por um trabalho importante da extincta repartição dos pesos e medidas, estão colligidas as tabellas por meio das quaes é facil verificar, quanto cada concelho deva pagar em virtude d´esta lei.
É isto o que se está passando em Lisboa, onde os direitos aduaneiros são desde muito estabelecidos sobre as novas medidas, apesar do seu uso não ter sido obrigatorio.
Quanto ao zêlo pharisaico em que faltou o illustre deputado, não quero dizer agora quem teve a culpa de nós estarmos aqui três semanas a discutir uma questão de interesse puramente politico. Não é de certo á maioria, dentre a qual apenas fallaram tres ou quatro srs. deputados, que se póde imputar essa falta, se o é; á opposição se deve o facto, que eu lamento; não a condemno por isso, mas não nos venham agora arguir a nós, que não temos culpa d´essa discussão ter sido tão longa, e que precisámos sobretudo attender ás urgentes circumstancias do nosso thesouro (apoiados).
Este imposto não é uma cousa nova; já foi apresentado na camara por mais de uma vez, e na sessão passada teve a approvação do sr. Santos e Silva, que a par de outros srs. deputados assignou, sem declaração, o respectivo parecer da commissão de fazenda.
E um assumpto muito estudado, discutido agora mesmo durante duas longas sessões, e sobre o qual como relator eu fallei hoje, ou bem ou mal, por mais de uma hora. O sr. ministro da fazenda deu tambem largas explicações a este respeito. A opinião publica está formada sobre elle, e quando sair d´aqui não vae sem a auctoridade moral que resulta de um amplo debate no parlamento.
Tenho concluido.
O sr. Telles de Vasconcellos: - Requeiro a v. exa. que se consigne na acta que eu não votei a ultima redacção do projecto sobre o bill.
O sr. Presidente: - Não é agora occasião para tratar disso, por consequencia não dou a palavra ao illlustre deputado.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n´este logar.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a tabella seja substituida por outra, que se retira ao antigo systema de medidas, cujo uso foi prorogado por decreto do governo. = Visconde de Moreira de Rey.
Foi admitida.
O sr. Augusto de Faria: - Pedi a palavra, a fim de requerer a v. exa. que queira consultar a camara sobre se julga sufficientemente discutido o assumpto do artigo 1.° do projecto.
E permitta-me v. exa. tambem que eu diga, que lamento me tivesse ainda agora negado a palavra, substituindo por seu livre arbitrio as disposições do regimento d´esta casa, em virtude do qual eu tinha direito de ter preferencia aos outros srs. deputados a quem v. exa. deu primeiro a palavra.
O sr. Presidente: - Peço licença para dizer que, em primeiro logar, o regimento não dá preferencia aos srs. deputados que pedem a palavra para um requerimento; só se for para julgar a materia discutida, ou para prorogar a sessão.
N´esta conformidade perguntai a dois srs. deputados, que tinham a palavra para requerimentos, qual era o objecto para que a pediam, e disseram-me qual era: como não era para este fim retirei lhes a palavra.
Os srs. deputados que entendem que a materia está sufficientemente discutida, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 1.°
O sr. Francisco de Albuquerque (sobre a ordem): - V. exa. tem a bondade de me dizer se a votação d´este artigo annulla as emendas que foram mandadas para a mesa?
Só elle vae ser votado com prejuizo das emendas, eu mando para a mesa a seguinte (leu).
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Requeiro que a votação do artigo 1.° seja feita sem prejuizo das emendas que foram mandadas para a mesa. = O deputado, Francisco de Albuquerque.
Foi admittida.

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O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que, de accordo com os meus collegas da commissão de fazenda, não posso aceitar as alterações feitas pelos meus collegas, alem d´aquella a que já dei o meu voto. Refiro-me á emenda do sr. Pinto Bessa. Todas as outras, repito, a commissão de fazenda não as póde aceitar.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votação nominal sobre este artigo.
O sr. Presidente: - Os senhores que approvam que haja votação nominal, tenham a bondade de se levantar.
Não se venceu que houvesse votação nominal.
O sr. Presidente: - Os senhores que approvam o artigo 1.°, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Mariano de Carvalho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. Pinto Bessa.
Foi lida na mesa e em seguida approvada.
O sr. Presidente: - Vae ler se a proposta do sr. Alberto Carlos.
O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra para confirmar a declaração que fez aqui o sr. ministro da fazenda, de que s. exa. não tinha em mente cercear os rendimentos das misericórdias, municipios, hospitaes ou estabelecimentos de caridade, provenientes de algum addicional lançado sobre o imposto cobrado pelo estado. É esta a rasão por que nós não aceitámos a emenda de s. exa. e digno collega.
Considerâmo-la inutil.
O sr. Alberto Carlos: - É necessario que esta declaração do sr. ministro da fazenda se lance na acta; e que ahi se diga tambem que é n´esse sentido que a camara vota.
Foram rejeitadas as propostas dos srs. Alberto Carlos e Visconde de Moreira de Rey.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o
Artigo 2.°
O sr. Alberto Carlos: - Peço a palavra sobre a ordem, porque quero mandar para a mesa uma proposta.
O sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra senão depois de lido o artigo.
Leu-se na mesa o artigo 2.°
O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°
Tem a palavra o sr. Alberto Carlos.
O sr. Alberto Carlos: - Este artigo é um dos mais importantes. Pela declaração que fez o sr. ministro não sei se s. exa. fica auctorisado para fazer todos os regulamentos como quizer; isto póde fazer reviver, muitas d´aquellas oppressões que antigamente se faziam. É necessario, pois, fazer as indicações que ponham os limites a essa auctorisação. A hora não me parece propria para discutirmos isto. Eu quero fazer uma proposta n´este sentido, mas, repito, não me parece possivel continuar hoje a matéria d´este artigo; e digo mais, que não devemos discutir a esta hora da noite por credito d´esta casa e do systema parlamentar.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer dar por terminada a sessão de hoje, para continuarmos amanhã n´esta discussão.
Mando para a mesa a minha proposta.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que se dê por terminada a sessão de hoje, para continuar ámanhã.
Sala das sessões, em 15 de dezembro de 1870. = Alberto Carlos Cerqueira de Faria.
Foi admittida.
O sr. Mariano de Carvalho (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga suficientemente discutido o artigo 2.°
O sr. Santos e Silva: - Eu e os meus amigos politicos temos dado prova da que deseja nos ver terminada hoje a discussão d´este projecto (apoiados). Estamos n´esta casa e a esta hora para isso, porque, se nós nos retirassemos da sala, não havia numero para funcionar (apoiados).
Uma voz: - Na ultima votação houve 36 por um lado e 2 por outro.
O Orador: - Isso não faz senão confirmar o que eu digo. São necessarios 37 deputados para que a camara funccione; 1 ou 2 da opposição, que saissem, obrigaria o sr. presidente a levantar a sessão (apoiados).
Custa-me ter de repetir mais uma vez, que não póde ser bem aceito do paiz, nem próprio da dignidade do parlamento o que ha dias se passa n´esta casa. Pedir um deputado a palavra para por um requerimento intempestivo se julgar discutido o artigo de una projecto sobre que ninguem ainda fallou, estava reservado para esta camara e para esta maioria...
O sr. Mariano de Carvalho: - Não tem discussão.
O Orador: - Tem discussão; e eu vou mostrar ao sr. deputado que tem discussão, posto que não desejasse agora senão fazer umas perguntas ao governo, ou antes ao sr. relator da commissão, visto ter-se ausentado o sr. ministro da fazenda e os seus collegas.
Não me queixo de se ter encerrado a discussão sobre a generalidade e sobre o artigo 1.° sem que me chegasse a palavra. Se por essa occasião tivesse fallado, diria o que entendesse sobre o real de agua, e affirmaria de novo as minhas opiniões centra o imposto de consumo, que são hoje as mesmas. A occasião passou, e nada direi sobre o assumpto. Sentindo que os srs. ministros se hajam todos retirado da sala, o que me inhibe de discutir o artigo 2.°, não posso comtudo deixar de recommendar ao governo que tenha a maior cautela na fabricação dos regulamentos para a execução d´esta lei.
Os regulamentos sáem, quasi sempre, mil vezes peiores do que as leis (apoiados). E são os regulamentos vexatorios e iniquos que em regra alborotam os povos contra os impostos (apoiados). Este conselho é de amigo.
Appello para a historia recente do nosso paiz, e por ella se verá que a minha recommendação não é abstracta, mas que se funda em factos que estão na memoria de todos (apoiados).
Eu creio que o imposto do real de agua, no que respeita ao vinho e á carne, ha de continuar a cobrar se como até aqui, quer dizer, segundo as praticas e regulamentos conhecidos dos povos; mas a medida que estamos discutindo abrange outros artigos, como bebidas fermentadas e alcoólicas, que são novos, ou pela vez primeira tributados no paiz.
Pergunto - o que tenciona o governo fazer a este respeito? Como pretende fiscalisar estes novos impostos? Tenciona applicar a estes artigos os mesmos processos de fiscalisação que são applicados com respeito ao imposto da carne e vinho do real de agua? Pretende, por exemplo, verificar a cobrança do imposto sobre a cerveja na occasião e local em que se fabrica, ou tornar esta bebida fermentada passivel do imposto na occasião da venda? Como pensa a respeito das bebidas alcoolicas?
Já vê v. exa. que este artigo 2.° comportaria uma larga discussão se estivesse presente o governo, e eu tivesse intuitos de prolongar este debate. Não passarei pois d´estas simples perguntas, a que talvez possa responder o illustre relator. Todavia fica bem claro que este artigo tem discussão (apoiados).
O sr. Barros Gomes: - Peço a palavra para responder ao sr. deputado.
O Orador: - Faço estas perguntas, ou antes dou estes conselhos, porque os governos geralmente quando encommendam regulamentos não os lêem depois, não os estudam, ou se os lêem e estudam, não têem escrupulos de que n´elles muitas vezes se consignem disposições que não estão dentro da letra e do espirito da lei, nem são as mais con-

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ducentes para que o imposto se cobre com a menor repugnancia da parte dos povos.
São estas perguntas que tinha por agora a fazer.

sr. Presidente: - Tudo quanto o sr. deputado disse é muito attendivel, mas nada tem com o modo de propor á votação o que tem de ser votado.
O sr. Santos e Silva: - Confesso que não estive dentro da ordem, e peço desculpa.
O sr. Presidente: - O meu dever agora é consultar a camara sobre se a materia está discutida.
O sr. Barras Gomes: - Eu tinha pedido a palavra para responder ao sr. Santos e Silva.
O sr. Presidente: - Não posso deixar de consultar a camara sobre o requerimento que foi feito pelo sr. Mariano de Carvalho se a camara entender que a materia não está discutida, que não approve o requerimento.
Consultada a camara, não se venceu que a materia estivesse discutida.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.
O sr. Barros Gomes: - E indispensavel dar uma resposta ao meu collega, o sr. Santos e Silva.
E eu, apesar da impaciencia da camara, não posso deixar de começar louvando, quanto em mim cabe, o procedimento de s. exa., e de outros cavalheiros da opposição que, apesar de serem adversarios politicos do gabinete, não duvidaram conservar-se n´esta casa até tão tarde para votar ao seu paiz um projecto de lei que reputam necessario, dando com isto uma prova do seu patriotismo, o qual em questões de administração lhes faz esquecer a politica.
Estou convencido de que é com actos d´estes que a camara se eleva e que o systema parlamentar ha de grangear maior respeito no paiz.
Felicito pois s. exa., e agradeço-lhe, em meu nome e no dos meus amigos politicos, e passo a responder-lhe com a maior deferencia ás observações tão sensatas que a camara acaba de ouvir.
Não sei dizer qual seja o pensamento do governo ácerca da maneira por que pretende fiscalisar este imposto e proceder á sua cobrança; mas o que posso comtudo asseverar a s. exa. é que o governo ha de com toda a certeza proceder com o maior cuidado para que não sejam vexados inutilmente es povos, e evitar que um regulamento mal combinado vá d´estruir os bons effeitos que para o thesouro se esperam d´esta lei.
No que diz particularmente respeito ás bebidas alcoolicas e fermentadas, devo observar que este imposto, ha pouco tempo introduzido em Lisboa, tem sido até hoje cobrado por avenças nas fabricas que na capital produzem cerveja. Não sei se o governo tenciona generalisar este systema por todo o paiz, e cobrar por avenças o imposto sobre bebidas fermentadas e alcoolicas nas localidades onde ellas se produzem, ou se entenderá mais conveniente proceder a uma cobrança directa, como se quer já inaugurar era Lisboa; entretanto o que posso, repito, é assegurar a s. exa. e á camara, por me constar pelo sr. ministro da fazenda, que o governo ha de empregar todos os seus esforços para que um mau regulamento, repito, não venha indispor os povos contra este, aliás muito modico imposto, que se pretende lançar sobre o consumo por meio do actual projecto de lei (apoiados).
O sr. Vasconcellos Coutinho: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se este artigo está sufficientemente discutido.
O sr. Presidente: - Tem sido pratica não se proceder á votação quando acaba de fallar o relator da commissão, e...
Vozes: - Votos, votos.
O sr. Presidente: - A vista da manifestação da camara, vou consulta-la sobre se o artigo 2.° está suficientemente discutido.
Consultada a camara, decidiu afirmativamente.
Em seguida foi approvado o artigo 2.°

sr. Presidente: - Está em discussão o
Artigo 3.°
O sr. Freitas e Oliveira: - Não tomarei senão por dois minutos a attenção da camara.
Desejo declarar que achando-me presente n´esta casa, não estou fazendo serviço algum politico ao governo, nem a qualquer partido que se ache aqui representado. Estou aqui em cumprimento do meu dever como deputado da nação, que me obriga a estar n´esta camara emquanto não estiver encerrada a sessão; estou aqui, não para approvar o projecto de lei em discussão, mas para o rejeitar. E se não tomei a palavra para o combater; se não fiz nenhuma consideração sobre todos estes addicionaes, que constituo o deplorável systema financeiro do sr. ministro da fazenda; se me não extasiei diante da respeitavel coherencia com que os mais puritanos partidarios da gloriosa revolução de janeiro de 1868 resuscitam o imposto do consumo; se me não congratulei com o partido progressista pelo importante progresso que manifesta decretando em 1870 um addicional ao real de agua, é porque não vejo presente o governo, nem sequer o sr. ministro da fazenda, e por isso concluo d´este desamparo de cadeiras ministeriaes, quando se trata de discutir a sua primeira medida financeira, que estamos talvez em crise politica, que eu não quero acelerar, nem retardar com as minhas considerações.
Em seguida foi approvado o artigo 3.º e a tabella annexa ao projecto.
O sr. Presidente: - Em virtude da decisão da camara, vou dar a palavra aos srs. deputados que a pediram para explicações.
Tem a palavra o sr. Falcão da Fonseca.
O sr. Falcão da Fonseca: - O meu fim, quando pedi a palavra para explicações, foi declarar o motivo por que dei silenciosamente o meu voto com relação ao projecto que acaba de se votar; porém como a camara está cansada, e com rasão, peço a v. exa. a consulte sobre se permitte que ámanhã mande para a mesa uma declaração de voto um pouco mais desenvolvida do que é costume.
O sr. Presidente: - Ámanhã, quando se ler a acta, é a occasião opportuna para o sr. deputado fazer esse requerimento.
O sr. Falcão da Fonseca: - Dou me por satisfeito com a explicação de v. exa.
O sr. Vasconcellos Coutinho: - Depois de se ter hontem prorogado a sessão para explicações, retirei me, e fi-lo porque não sabia que algumas dessas explicações me diziam respeito. Não houve a benevolencia para me prevenirem, por isso sai, porque não me interessava ouvi-las. Hoje porém vi no extracto da sessão, que se publica no Jornal do commercio que o sr. Mendes Leal dissera que desejava saber se o facto, a que me referi na discussão do dia 13, lhe dizia respeito; isto é, quando a proposito da discussão do bill procurei demonstrar que o marechal Saldanha não teve intenção de fazer revolta senão depois do dia 29 de abril, e disse o que estava convencido, e que este facto era exacto, eu explico. Tendo eu ido no dia 30 de novembro de 1869, ás dez horas da noite, a casa do marechal, vi saír um dos ministros da corôa do gabinete reservado de s. exa. Se o marechal estava em tão boas relações com o governo, que recebia um dos ministros em conferencia reservada, claro era que não podia dizer-se que s. exa. tratava de perturbação de ordem publica.
Por occasião d´estas minhas observações os srs. José Luciano de Castro e Lobo d´Avila perguntaram-me se a algum d´elles, que eram então ministros, tinha relação o facto indicado. Eu promptamente disse que não.
A mesma declaração tenho que fazer agora com relação ao sr. Mendes Leal, porque s. exa. merece para mim toda a deferencia. Não tenho a menor duvida em affirmar que não foi s. exa. o ministro que eu vi sair do gabinete do marechal. Sobre este acontecimento não dou mais explicações, porque não ha direito a pedirem-se-me.

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Aproveito agora a occasião para agradecer a alguns cavalheiros d´esta camara, e entre elles especialmente ao meu collega e amigo, o sr. Mello e Faro, porque pondo alguem em duvida, na sessão de hontem, o motivo por que eu me tinha retirado, julgando-se que fôra por não querer manter a declaração que fiz em referencia a um dos ministros d´aquella epocha, s. exas. fizeram o favor de me defender da injustiça com que era apreciado o meu caracter. Repito os meus agradecimentos a todos os meus collegas o amigos, que tambem souberam ser amigos.
A s. exa. e á camara declaro que não vim, nem virei jamais affirmar ao parlamento senão a verdade, e quando assim procedo não me acompanha nunca intenção injuriosa para pessoa alguma.
O sr. Coelho do Amaral: - Se não tivera pedido a palavra para explicações, e se não fora a isso provocado pelo illustre deputado, o sr. José Dias Ferreira, emprasando-me para que apresentasse provas de uma asserção que avancei por occasião da discussão do projecto sobre o bill, não a pediria agora que o debate é findo.
S. exa. provocou-me a que apresentasse provas da censura que fiz da nomeação de uma auctoridade para uma certa freguezia na epocha eleitoral, e dos fundamentos da apreciação do caracter do individuo sobre quem tinha recaido essa nomeação. O desfavor publico, que geralmente pesa sobre esse individuo, abona a minha estranheza de que a auctoridade descesse tão baixo.
N´um áparte que dirigi a s. exa., alludindo aos meios que se tinham empregado na eleição do districto de Vizeu, s. exa. de novo repetiu a provocação para que eu apresentasse provas do que avançava a tal respeito. Não fujo ao repto.
Devo dizer á camara e ao illustre deputado que não tenho provas juridicas a respeito do que disse no meu aparte, isto é, de que se tinham empregado meios de corrupção. S. exa. e nós todos sabemos que o emprego desses meios não deixa rasto que possa fazer prova juridica; mas a opinião publica, e o testemunho que eu invoco de todos os meus collegas d´aquelle districto, porque todos elles podem vir em soccorro da minha asseveração, dão testemunho sobejo. Appello á honra dos meus illustres collegas, para que elles, como cavalheiros, declarem se os meios de que ali se lançou mão, por parte da auctoridade, seriam de tal ordem que podessem excluir a suspeita de corrupção.
Ora, o sr. Dias Ferreira, querendo attenuar a força da minha asseveração, invocou o nome probo e honrado do magistrado que então governava o districto de Vizeu, apresentando-o como incapaz de se prestar ao emprego de torpes meios, e dando como prova disso a sua conservação pelo ministerio actual, transferindo-o apenas para o districto de Leiria.
Devo declarar que não me referi a esse magistrado, e dou mesmo testemunho da sua probidade, da sua honra, e de que o julgo incapaz de prestar-se a ser instrumento cego em uma luta eleitoral em que se tivesse de lançar mão de meios menos licitos e não permittidos pela lei. Não me referi a este digno magistrado, referi-me ao secretario geral, que foi o encarregado de dirigir os trabalhos eleitoraes ou, pelo menos, apresentou-se como tal, e o governador civil se declarou estranho aos trabalhos eleitoraes.
Se s. exa., o sr. José Dias Ferreira, não aceita a minha palavra, e se ainda insiste em que apresente provas, comprometto-me a apresentar perante a camara o testemunho escripto de pessoas respeitaveis, para com as quaes se empregaram meios, que ninguem poderá considerar senão como de pura corrupção. Se o sr. José Dias Ferreira ordenou o emprego de taes meios, não o sei, nem o affirmo.
E não se persuada s. exa. que, quando eu assim fallo, tenho em vista feri-lo; vá a quem toca a responsabilidade.
Repito que não tenho provas juridicas, mas se se quizer, e julgar necessario o testemunho escripto de cavalheiros respeitáveis, comprometto me a apresenta-lo.
Termino declarando que nem na apreciação dou meios postos em acção para ganhar as eleições, nem nem apreciação que eu fiz, mais ou menos severa, dos actos da dictadura, eu tive em vista offensa pessoal para o cavalheiro a quem me estou referindo, e que desempenhou um papel importante no periodo dictatorial.
S. exa. com uma ironia visivel, quasi me recusou o direito de livre apreciação, benevola ou severa, dos actos da dictadura, negando me competencia porque não havia documento algum parlamentar de alta importancia, ou trabalho algum litterario do minha producção que me auctorisasse a fazer tal apreciação.
Eu julgo porém que, como deputado, embora não haja documentos parlamentares importantes devidos á minha iniciativa, embora não haja escripto scientificos de qualquer natureza, ou producção alguma da minha acanhada intelligencia, nem por isso estou tolhido da qualidade de representante do paiz e do direito de apreciar os homens publicos e os seus actos como eu entender.
S. exa. maguou-se pelo modo como á minha humilde intelligencia se offereceram os seus actos. São modos de ver, mas que me não parecem bastantes para que s. exa. me retirasse a amabilidade jovial e a benevolencia com que me tratava. Maguar-me-hei tambem.
Ainda o illustre deputado faltou nos meus serviços á liberdade, na minha independencia, no meu patriotismo. A este respeito contento-me em responder com a minha longa vida publica, obscura sim, mas toda devotada ao meu paiz. Respondo com as graças e mercês que tenho recebido dor differentes ministerios; e, satisfeito com a minha consciencia, e entregando o julgamento do meu caracter á imparcialidade dos homens que me conhecem, termino aqui.
O sr. Bandeira Coelho: - Reservo para outra occasião tratar o assumpto para que tinha pedido a palavra. Agora só direi que presto inteiro testemunho ás palavras do meu illustre collega e amigo, o sr. Coelho do Amaral, na parte em que s. exa. appellou para o testemunho dos seus collegas do districto de Vizeu.
O sr. Francisco d´Albuquerque: - Não posso deixar de vir em abono do appello que fez o meu honrado amigo o sr. Coelho do Amaral, e declarar a s. exa. que é verdade tudo quanto s. exa. disse, sem com isto querer por forma alguma fazer offensa ao caracter pessoal do sr. Dias Ferreira, porque julgo que este illustre deputado não deu de certo ordem alguma para que se usasse de meios que eu supponho pouco decentes, mas que se empregaram por parte de algumas auctoridades do districto de Vizeu. Pelo testemunho que tenho de cavalheiros insuspeitos, affirmo a v. exa. que effectivamente se empregaram esses meios. Não quero invocar nomes de auctoridade alguma que tivesse immediata responsabilidade n´elles; mas é certo que elles se empregaram. Não ha, nem creio mesmo que possa haver, prova juridica d´elles; mas a opinião publica pronunciou-se de uma maneira severa contra esses actos, principalmente pelos praticados no circulo, por onde o illustre deputado, o sr. Coelho do Amaral, foi eleito.
Permitta-me v. exa. que aqui dê um testemunho do muito respeito que me deve o governador civil a quem nessa epocha estava confiada a gerencia do districto, porque é uma auctoridade que pelo seu saber e zêlo pelo serviço publico não póde deixar de ser considerada como a justiça pede (apoiados).
Vozes: - Muito bem.
O sr. Mendes Leal: - Muito poucas palavras. Julgava eu que o illustre deputado, o sr. doutor Antonio de Vasconcellos, estava informado do assumpto do requerimento, apresentado pelo meu collega o sr. conselheiro José Luciano, porque s. exa. claramente designou o assumpto; suppunha tambem que lhe era conhecida a occasião em que se deviam verificar estas explicações, porque para ellas se fez uma prorogação expressa. Basta-me porém a declaração, feita a este respeito pelo illustre deputado a quem respondo. Nunca

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puz em duvida que s. exa., estando presente, respondesse á minha pergunta.
Essa resposta fui categoricamente dada. S. exa. asseverou já que não era eu o ministro que em 30 de novembro de 1869 vira em casa do sr. duque de Saldanha. Não perguntava nenhuma outra cousa. Não tenho direito de reclamar nem polir mais.
Pelo que respeita ao nosso illustre e honrado collega o sr. Rebello da Silva, a quem por exclusão necessariamente tenho de referir-me, já o sr. José Luciano de Castro deu as mais cabaes explicações, e já a essas explicações me associei. É o que me cumpria fazer, não tendo aquelle nosso collega assento n´esta casa, e achando-se actualmente prostrado no leito da enfermidade, como é notorio, e como lamentam o parlamento, as letras e a nação, (apoiados) a quem s. exa. tem sempre lealmente e gloriosamente servido, e a quem a sua falta é por todas as rasões tão sensivel.
Creio pois que não ha motivo para prolongar este incidente (apoiados). O governo, que cessou as suas funcções em 19 de maio, não podia suppor sentimentos hostis da parte do sr. duque de Saldanha, na data de 30 do novembro anterior, porque s. exa. ainda então se conservava n´um logar da mais alta confiança. Só na manhã do dia immediato... isto é, na manha do dia 1.° de dezembro de 1869... vieram a publico as primeiras manifestações de tal e tão inesperada hostilidade. Antes disso, o governo, por honra, sua, e em homenagem e respeito a tão alto funccionario, não podia nem devia sequer imagina-la.
Agradeço as explicações do illustre deputado, que alludiu aos factos d´aquella epocha. Não pense a camara que insisti em obte-las, por excessiva susceptibilidade ou desejo de provocar questões impertinentes. Ninguem ignora as vozes que por essa mesma epocha se espalharam, attribuindo ora a um ora a outro membro do governo de que tive a honra de fazer parte, não sei que suspeitas connivencias. Pois que n´este soleme logar só apresentou occasião de dissipar qualquer equivoco, duvida ou inferencia menos justa, entendi necessario, indispensavel, como entenderam os meus solicitar os mais positivos esclarecimentos. Os esclarecimentos eram faceis, como a camara terá reconhecido e são honrosos para todos (apoiados).
Não [...] pois o tempo. Por organização, por tendencia [...] politico, sou naturalmente inclinado á [...] tudo, menos no que toca ao caracter e ao melindre. Devo acreditar o mesmo em todos, e penso que todos em iguaes circunstancias fariam o que fiz. (Apoiados.) Nada mais tenho que dizer.
O sr. Francisco Mandes: - A camara, sr. presidente, deve estar fatigada; a sessão realmente tem-se prolongado muito, e por isso eu pouco lhe prenderei a attenção. Direi só duas palavras em resposta ao appello do meu amigo o sr. Coelho Amaral.
S. exa. respondeu ao meu illustre collega o sr. Dias Ferreira [...] a mim resta-me apenas firmar as suas palavras e eu testemunho, o que faço.
O sr. Dias Ferreira emprasou o sr. Coelho do Amaral para que apresentasse provas de que a dictadura delegára a auctoridade em mãos pouco dignas de a exercerem (isto referindo-se creio que a um regedor), e que quizera intervir por um modo pouco regular na eleição.
Emquanto ao primeiro ponto só o posso attestar com a muita confiança que tenho na palavra honrada do meu collega Coelho do Amaral, da qual não posso duvidar, porque ma garante o conhecimento que eu tenho do seu honradissimo caracter.
Sobre o segundo ponto, isto é, sobre a auctoridade querer intervir demasiadamente na eleição, limitar-me-hei a citar o que se deu no meu circulo.
Compõe-se elle de dois concelhos, Tondella e Mortagua. Para vencer a eleição o sr. Dias Ferreira (de certo por indicação do governo civil) escolheu para candidato um cavalheiro de Mortagua, que não tenho a honrra de conhecer, mas que me dizem intelligente e illustrado. Este cavalheiro era e é irmão do administrador d´aquelle concelho e já se vê que devia contar com a metade do circulo, pois tinha ahi a autoridade a auctoridade a protege-lo. No outro concelho Tondella, demittiu o administrador e nomeou para o substituir um primo do dito candidato; e, como, dispostas as cousas por este modo, alguma esperança tivesse de vencer a eleição n´aquelle circulo, andou por lá em correrias o secretario geral.
Os meus collegas do districto aqui presentes podem assegurar se o que avanço é ou não verdade.
Não será isto intervir irregularmente na eleição? A camara que o julgue.
Disse o sr. Dias Ferreira que, se o governador civil tivesse andado irregularmente, por certo o governo actual o não tinha conservado.
Ora, sr. presidente, o governador civil, segundo me asseguraram, pediu a sua demissão logo que principiou o trabalho eleitoral. Não lhe foi porém dada, e o nobre ministro, o sr. Dias Ferreira, mandou ura secretario geral, aquém commetteu toda a acção politica retirando a ao governador civil, portanto, quando entrou o novo ministerio, o chefe do districto foi apenas transferido, já por ser um funccionario antigo, zeloso no bom desempenho do serviço e sem meios de fortuna alem dos que lhe ministra o seu ordenado, já porque tinha estado completamente estranho á politica, que tinha, como já disse, sido commettida ao secretario geral, e esse foi demittido.
Portanto este argumento adduzido por s. exa. parece-mo que de nada lhe serve.
Eu, sr. presidente, já disse que não gosto de recriminações e muito menos de as fazer ao sr. Dias Ferreira agora que está caído,.. . não digo bem; s. exa. não póde cair, a sua intelligencia e illustração hão de sempre eleva-lo, e portanto não direi caído; mas sim fóra do poder; comtudo, sr. presidente, não podia deixar de responder tendo-se appellado para mim.
Tenho dito, sr. presidente.
O sr. Soares de Moraes: - Como o sr. Francisco Coelho do Amaral invocou tambem o meu testemunho, quando dava explicações ao sr. José Dias Ferreira, não tenho a dizer senão que são a expressão da verdade as palavras de s. exa. a respeito dos factos que se deram com relação ás eleições de Vizeu.
O sr. Braamcamp: - O facto a que se referiu o illustre deputado, o sr. Vasconcellos Coutinho, está hoje completamente esclarecido. As palavras do meu nobre collega, o sr. José Luciano, mostrara o que se passou, e mostram tambem que o sr. Vasconcellos deve estar convencido de que, sendo verdadeiro o facto, s. exa. tirou d´elle illações que não devia tirar.
Não podia deixar de tomar a palavra n´esta occasião para unir as minhas expressões ao eloquente elogio que o meu respeitável collega e amigo, o sr. Mendes Leal, fez do honrado ex ministro o sr. Rebello da Silva. Todos nós conhecemos a alta intelligencia e o leal caracter d´aquelle companheiro fiel que nós tivemos. Faço portanto publica a expressão dos meus sentimentos a este respeito.
Se não tomei mais cedo a palavra foi por entender que depois das explicações apresentadas polo sr. José Luciano, a questão estava completamente acabada; mas desejo que se saiba que me associarei sempre aos meus collegas em todos os actos do ministerio a que eu tive a honra de pertencer.
O sr. Dias Ferreira: - Só duas palavras, mesmo porque o incidente que chamou a attenção de alguns collegas nossos foi tão esclarecido que eu nada devo acrescentar. Limito-me a uma breve explicação á camara e ao sr. Coelho do Amaral, explicação que darei com a franqueza com que costumo tratar todos os meus collegas. Se porventura algumas das minhas palavras, ou qual-

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quer phraae ou periodo do meu discurso envolvo qualquer insinuação que respeite não a medidas de administração ou actos politicos, mas ao caracter pessoal de algum dos meus collegas, eu retiro-a immediatamente; e digo isto uma vez por todas.
Eu doí-me das palavras do nobre deputado, o sr. Coelho do Amaral, das quaes tomei nota e que conservo ainda na lembrança, que eu nunca tinha ouvido n'esta casa, apesar de as ter já lido na imprensa periodica. Doi-me de algumas palavras, repito, do sr. Coelho do Amaral, que me pareceu ferirem o meu caracter pessoal ou o dos meus collegas. A camara decidirá se tinha ou não rasão de desforçar.
Entre os cavalheiros que começaram discutindo, mesmo sem estar em discussão o bill de indemnidade, o movimento de 19 de maio e os acontecimentos que se lhe seguiram, tomou a palavra o sr. Coelho do Amaral a proposito de um acontecimento local, a repartição da contribuição predial feita pelo conselho do districto de Vizeu; e já n'essa occasião a linguagem do nobre deputado foi tão extremamente apaixonada que tendo eu assentado n'esse mesmo dia com o meu illustre collega, o sr. Camara Leme, em não defendermos os actos da dictadura senão na discussão do parecer da commissão sobre o bill de indemnidade, o meu illustre collega viu se na necessidade de tomar a palavra, e de responder ás provocações do sr. Coelho do Amaral em termos que eu escuso de repetir á camara.
Repetirei apenas as palavras do nobre deputado, o sr. Coelho do Amaral, que me obrigaram a perguntar-lhe quaes eram as obras que s. exa. tinha escripto, e os titulos pelos quaes se julgava auctorisado a tratar com tanto desfavor o gabinete de que eu tive a honra de fazer parte.
O nobre deputado, depois de ter avaliado, a proposito de uma discussão estranha, as medidas da dictadura em termos e linguagem, que eu me abstenho agora de qualificar, disse na sessão nocturna, que = o caracteristico da dictadura tinha sido puramente o nepotismo, a corrupção e a inimoralidade =; quando ainda ficaram algumas medidas que mereceram a approvação desta assembléa e nomeadamente do partido reformista! Chamou-nos o sr. Coelho do Amaral dictadores microscopicos. Eu posso aceitar esta qualificação para mim. Tenho trabalhado toda a minha vida; tenho-a gasto a estudar (apoiados). A minha intelligencia e as minhas faculdades têem estado sempre ao serviço da penna e da palavra (apoiados). Mas ainda assim, reconhecendo a minha inferioridade aceito a qualificação que me foi dada pelo sr. Coelho do Amaral, e outra mais acerba e amarga que fosse; verdade seja que, se esta qualificação me pertencia durante a dictadura, que a imprensa da opposição me chamava um espirito ordinario e vulgar, e me considerava com intelligencia não acima do commum, talvez me não pertencesse agora que, depois da minha saída do ministerio, torno a ser considerado como talento privilegiado (riso). No entretanto para mim aceito a em quaesquer circunstancias, mas não posso aceita-la para a entidade moral governo de que eu fiz parte. Um ministerio presidido pelo nobre duque de Saldanha, e de que fizeram parte cavalheiros tão respeitaveis, não merecia similhante qualificação, nem ser tratado com palavras de tanto desfavor que me ofenderam, que me doeram, mas que me offenderam e doeram não por mim, que era o mais insignificante membro d'aquelle gabinete, mas que offenderam-me pelos meus collegas, especialmente pelo presidente do conselho, que pode ter peccados, todos os têem, mas cujos serviços á liberdade e á dynastia, hão ficar sempre na memoria de todos (apoiados).
Ao menos os nobres ministros do gabinete caido em 19 de maio foram mais benevolos e imparciaes, com relação ao chefe do governo da dictadura, fazendo justiça aos talentos e serviços do nobre duque de Saldanha. Depois das palavras tão asperas e tão acres, proferidas pelo illustre deputado na primeira vez que se dirigiu á dictadura, que eram tão graves mesmo para o caracter pessoal dos ministros, eu entendi que a minha jovialidade para com o illustre deputado seria offensiva, porque me pareceu que s. exa. teria escrupulo de receber os cumprimentos de um homem envolvido em responsabilidades tão graves como eram aquellas que o nobre deputado lhe attribuiu...
O sr. Coelho do Amaral: - Ha ahi perfeita confusão.
O Orador: - Não estou confundindo, estou dando explicações do facto. Todos se lembram de que o meu illustre collega, o sr. Camara Leme, apesar da minha declaração com elle combinada, de que só na discussão do bill faria a defeza dos actos da dictadura, viu-se de tal maneira ferido na apreciação que o illustre deputado fizêra dos actos d'aquella administração, apreciação que chegava á offensa do caracter pessoal dos ministros, que elle foi obrigado a tomar a palavra para responder, em continente, ás observações do illustre deputado. S. exa. não tinha rasão para proceder como procedeu, quando, de mais a mais, nunca tinha recebido de mim a mais pequena desattenção. (O sr. Coelho do Amaral: - Apoiado.)
Eu procuro ser o mais tratavel para com todos, não offendo ninguem (apoiados), comquanto em politica, auxilie principalmente os meus amigos politicos. Por politica nunca deixei de dirigir a palavra a ninguem.
Apenas deixei de fallar a dois escriptores publicos, que me offenderam da maneira mais grave. Alguns collegas meus me têem asseverado que são devedores áquelles jornalistas de iguaes obsequios; mas eu entendo que quando as injurias assumem certa gravidade, apertar a mão e fazer comprimentos ao aggressor é um acto que deshonra tanto o offendido como o offensor (apoiados).
Quanto á nomeação de uma auctoridade para uma freguezia do districto de Vizeu, e cuja nomeação foi desagradavel ao illustre deputado, nada tenho que dizer, e apenas a declarar que estou muito agradecido aos illustres deputados por aquelle districto. Dou lhes todas as satisfações, porque effectivamente me prepararam o melhor triumpho. N'esta parte os illustres deputados associaram-me a todos os partidos que desde 29 de agosto têem estado sempre a trabalhar para mim, vingando os aggravos feitos á administração de 19 de maio (apoiados). A camara fica sabendo que toda a questão das violencias praticadas pelo governo da dictadura na eleição do districto de Vizeu se limitou a final á nomeação de um regedor, nomeação que eu ignorava, porque os governadores civis não dão arte ao ministro dos regedores que nomeiam.
Uma voz: - Não era a questão de regedores.
O Orador: - Ouvi dizer que era uma auctoridade da freguezia.
Os illustres deputados dão todos testemunho de que o sr. Coelho do Amaral disse a verdade, e elle referia-se a uma auctoridade parochial.
Se s. exa. tivesse declarado que a auctoridade era má, mas não a tivesse considerado como ré de crime tão grande a que corresponde a grilheta, eu não teria dito uma palavra a este respeito.
Apesar de que o governador civil e o secretario geral de Vizeu eram dois funccionarios dignissimos, não me surprehenria com a nomeação de um mau regedor.
A nomeação de maus regedores com a organisação administrativa que ha no nosso paiz, não é monopolio da minha administração (apoiados. - Riso).
Eu não quero retaliar; sympathisando tanto com a cidade de Vizeu, e com quasi todos os cavalheiros que têem vindo eleitos por circulos d'aquelle districto, tenho sempre encontrado n'elles a mais crua e implacavel guerra.
Durante o meu ministerio de 1868 os patriotas de Vizeu, apoiados por os patriotas do Porto, começaram a levantar-me difficuldades parlamentares; e agora continuaram a fazer guerra sem treguas. Demais, em varios circulos d'aquelle districto, segundo me consta, por onde se propozeram os canditados mais patriotas, que vieram á camara do partido reformista, creio que não eram combatidos pelos amigos do governo (apoiados). Por consequencia já

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v. exa. vê que o procedimento do illustre deputado por Vizeu se não significa ingratidão, significa pelo menos pouca benevolencia para commigo (riso).
Uma voz: - Faltavam os elementos para os combater.
O Orador: - Foram os eleitores que lá combateram. Não posso suppor outra cousa. Tenho muita veneração pelos illustres deputados de Vizeu, peço-lhes até perdão do gravissimo crime de ter sido nomeado administrador um primo do candidato, não sei em que circulo (riso), e por isso não quero retaliar. Quero ser extremamente agradavel para com s. exa.
O que posso, porém, dizer a v. exa. é que se eu fosse capaz de recriminações ou de fazer insinuações que podessem ferir proxima ou remotamente o caracter de alguem; se fosse capaz de levantar a mais pequena suspeita sem provas tão documentadas que me pozessem ao abrigo de toda a censura, ainda dos mais escrupulosos, eu poderia dizer aos illustres deputados que effectivamente numa parte do districto de Vizeu, n'aquella que não pertence nem á diocese da Guarda, nem á de Lamego, nem á de Coimbra, a liberdade da uma soffreu contrariedades (riso). Escuso de acrescentar que d'essas contrariedades não tenho eu a culpa. No entretanto este mal vae sor remediado, os eleitores vão-se illustrando, o governo teocratico vae-se enfraquecendo em quasi toda a parte; e mesmo depois da proposta patriotica para a reforma da lei eleitoral, apresentada pelo sr. bispo de Vizeu, que eu venero e com quem sympathiso, d'aqui em diante havemos de ter menos motivos para nos queixarmos de falta de liberdade nas eleições. A liberdade eleitoral ha de ser franca e plena, e não teremos senão de gloriarmo nos e de congratularmo-nos com o governo, por elle ter apresentado á camara uma proposta, de lei que, depois de votada, ha de trazer a felicidade publica, e assegurar de um modo incontestavel a liberdade da uma (apoiados - riso).
O sr. Paes Villas Boas: - Peço a v. exa. que annuncie para ordem do dia de amanha o projecto n.° 24.
O sr. Presidente: - A ordem do dia é a mesma que vinha para hoje...
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - V. exa. não se lembra que quando fallou o sr. Francisco Beirão insisti na palavra para um requerimento?
O sr. Presidente: - Eu não alterei a inscripção. A camara não pode votar agora, porque não está em numero.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Quero apenas dizer que quando me referi á ultima redacção do projecto, disse que não tinha ouvido na sessão anterior o que hoje foi lido na mesa, e que parte do que ouvi ler não me parecia proprio nem digno de sair de um parlamento.
Depois d'isso veiu o sr. Beirão affirmar as suas qualidades pessoaes e exaltar as virtudes de todos os membros da commissão, que eram incapazes de inserir na lei uma disposição que não tivesse sido approvada pela camara.
Eu não me referi a nenhum dos membros da commissão, e sou o primeiro a reconhecer os altos dotes do sr. Beirão, com cuja amisade muito me honro. Mas eu não hei de estar aqui a dizer todos os dias que nunca me refiro ás pessoas, mas sim e unicamente ás cousas, as quaes eu hei de tratar sempre como eu entender e quizer, sem que ninguem me metta medo, trazendo para a discussão as pessoas. Fique dito isto por uma vez.
Eu respeito as intenções de todos os membros da commissão; creio que as suas virtudes não podem ser excedidas, mas não discuto esse ponto. O projecto redigido é que me não serve, porque o não reputo proprio nem digno do parlamento. É o projecto ou a redacção que eu discuto, e que combato com todas as minhas forças. Fui vencido, a redacção passou como vinha, não me afflijo por isso, e apenas declino a gloria, e recuso a responsabilidade de um facto que se realisou contra a minha vontade e contra a minha expectativa.
O sr. Presidente: - Á ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.
__________

Discurso do sr. deputado A. J. Teixeira, proferido na sessão de 9 de dezembro, e que devia ler-se a pag. 371, col. 2.ª

O sr. A. J. Teixeira: - Obedecendo ás prescripções do regimento, tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte moção de ordem:
«Proponho a eliminação do § unico do artigo 2.° do projecto em discussão.
«Sala das sessões, em 9 de dezembro de 1870. = Antonio José Teixeira.»
Sr. presidente, direi poucas palavras em defeza d'esta minha proposta; não só porque a materia em discussão tem sido tratada com toda a proficiencia nos excellentes discursos dos illustres oradores que me precederam, mas ainda porque um incommodo de saude, que soffro ha dias, não me permittiria fazer largas considerações, quando ellas podessem esperar-se de algum supposto merecimento, que sou o primeiro a confessar a v. exa. e á camara, francamente e sem modestia, que estou muito longe de possuir. Sei perfeitamente que não me acompanha nenhuma das condições do orador, e é sempre com difficuldade e esforço quando alcanço as minhas palavras exprimirem o meu pensamento. Não vou portanto fazer um discurso estudado, mas simplesmente discorrer em presença dos apontamentos que tomei, com o que prometto não gastar muito tempo, que é preciso para que outros collegas nossos, que estão inscriptos, e cujo talento oratorio sou o primeiro a reconhecer, possam melhor que eu expor o que porventura resta para dizer sobre o assumpto, que está submettido á apreciação e resolução d'esta camara.
Sr. presidente, posto que não tenha a honra de ser ministerial, na accepção rigorosa desta palavra, sou a favor do pensamento fundamental do projecto, porque entendo que o governo não podia deixar de trazer a esta casa o bill de indemnidade, para sanar a irregularidade commettida pelo gabinete seu antecessor, e por elle proprio. Aqui ha duas responsabilidades distinctas: a responsabilidade em que incorreu o gabinete que entrou na gerencia dos negocios publicos em 19 de maio ultimo, e terminou em 29 de agosto, quando se viu obrigado a deixar os conselhos da corôa, pelas medidas dictatoriaes, tomando as attribuições do parlamento, publicadas durante esse periodo; e a responsabilidade que resulta ao actual gabinete, de então até hoje, ou antes de 29 de agosto até que seja convertido em lei o projecto que estamos discutindo; porque o ministerio actual está tambem em dictadura, posto que não tenha publicado actos dictatoriaes apreciaveis; dictadura estéril e improductiva, exercida n'um espaço de tempo igual ou superior ao da antecedente, mas dictadura que resultou necessária e fatalmente do golpe d'estado de 29 de agosto d'este anno; acto do qual este gabinete tomou a responsabilidade, ficando com outra não menos grave - a de impedir que o seu antecessor viesse ao parlamento, aonde tinha todo o direito de vir, aonde desejava com empenho vir, para explicar os seus actos, e a necessidade que havia tido de lançar mão da dictadura.
É um facto pouco vulgar, sr. presidente, que este ministerio se apresente aqui, tomando uma parte da responsabilidade que cabia ao ministerio transacto: responsabilidade que não é só politica, mas que podia ser de outra ordem, conforme o caracter com que se apresentasse a discussão. O meu illustrado amigo e collega, o sr. Alves Matheus, meu antigo discipulo em mathematica, e meu mestre hoje em tudo, e muito principalmente em assumptos de eloquencia, disse que só cabia ao ministerio passado a responsabilidade politica, e portanto que era um pleonasmo a apresentação do bill, por isso que o resultado da condemnação n'este

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caso seria a quéda, e esse gabinete já está fóra do poder ha muito.
Mas, sr. presidente, a responsabilidade politica, inherente ao gabinete passado, e que já caducou pela demissão d'elle persiste ainda para com o actual; e tanto que se nós rejeitássemos o bill, a consequencia logica havia de ser a queda d'este ministerio, que tem quasi tanta responsabilidade pela dictadura como o seu antecessor.
Disse eu, sr. presidente, que era um facto pouco vulgar a apresentação do bill de indemnidade por parte de um governo, que não tinha publicado essas medidas dictatoriaes, que o seu antecessor promulgara tomando as funcções legislativas.
E na verdade, sr. presidente, não me lembra de haver outro facto identico na nossa historia, a não ser em 1846
Houve tambem nessa epocha um golpe d'estado similhante áquelle de que fallei, e que teve logar em 6 de outubro desse anno. Tinha eu então apenas quinze annos de idade, mas estava já alistado no partido progressista. Ao appello da revolução do Porto de 9 de outubro do mesmo anno corri com as armas na mão na companhia do illustre irmão de v. exa., o nobre marquez de Sá da Bandeira, dos dois irmãos Passos, Manuel e José, com o sr. Anselmo Braamcamp, com o sr. duque de Loulé, com os srs. Antonio Joaquim Barjona e Justino António de Freitas, com todos os homens progressistas em fim, e até com todos os que se achavam filiados nos differentes partidos, com excepção unicamente dos poucos sectarios do sr. conde de Thomar.
Todos combatemos então esse golpe d'estado, em tudo similhante ao de 29 de agosto d'este anno; e por isso não podia agora aceitar este, de que o gabinete actual tem a responsabilidade, que é o seu peccado original, de que tarde poderá remir-se, e pelo que eu não posso por maneira alguma apoia-lo.
Tenho a honra de pertencer á escola democratica, e entendo que nenhum partidario d'ella, digo mais, nenhum homem liberal, póde desde já perdoar similhante peccado.
Sr. presidente, o que tenho sentido mais na minha já longa vida politica foi a colligação de tres partidos, que todos se dizem liberaes e progressistas, para aconselhar ao chefe do estado a demissão do gabinete de 19 de maio, pelo modo por que foi dada, cinco dias antes da eleição, quando estava para se apresentar aos representantes da nação, e para lhes dar contas dos seus actos. Isto, sr. presidente, é que foi um ominoso attentado, ominosissimo! O ministerio actual veiu dos reposteiros do paço da Ajuda, de uma tenebrosa emboscada; e emquanto por factos do uma ordem superior não resgatar esta culpa, não lhe posso prestar o meu humilde apoio; emquanto não praticar muitos actos de liberdade; emquanto não apresentar medidas productivas e organisadoras, que me levem a dizer: - agora sim, que resgatou o peccado de origem.
E sinto-o, sr. presidente, sinto-o, porque á frente deste governo está um cavalheiro meu amigo, cujos elevados dotes de caracter e de intelligencia sou o primeiro a reconhecer. E o nobre marquez d'Avila e de Bolama. cujo talento e vastos conhecimentos, cuja probidade inconcussa e lealdade provada, numerosos e valiosissimos serviços prestados a este paiz, ninguem admira e respeita mais que eu (muitos apoiados). Estão ainda com elle outros cavalheiros de quem sou amigo ha muitos annos, como o sr. José de Mello Gouveia, meu patricio, o sr. Carlos Bento da Silva, e o sr. Saraiva de Carvalho; está tambem no gabinete o sr. bispo de Vizeu, que eu muito venero, e que no fim de contas creio que me não quer mal.
O sr. Bispo de Vizeu: - De certo que não.
O Orador: - Nem eu tambem a v. exa.
Dizia eu que, apesar de estar á frente d'este gabinete o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que não tinha tido parte no ominoso golpe de estado de 29 de agosto, porque s. exa. que é considerado como conservador, tem idéas mais liberaes que alguns chamados progressistas; apesar de s. exa. não ter aconselhado o golpe d'estado, mas entrar no gabinete só forçado pela obediencia; apesar de eu ter sido sen correligionario politico, primeiro quando se fez a fusão dos partidos historico e regenerador, e depois quando teve logar a chamada revolução de janeiro; apesar de lado isto, sr. presidente, dizia eu, que não podia apoiar o gabinete, porque primeiramente a liberdade, a coherencia, e os principios politicos da escola, em que tive a honra de filiar-me. Eu estava exercendo um logar de confiança do gabinete transacto; achava-me governando o districto de Braga quando teve logar o attentado de 29 de agosto. Assim que tive noticia de que o ministerio estava demittido, pedi a minha exoneração immediatamente pelo telegrapho, repeti ainda o pedido mais duas vezes, e escrevi um officio no mesmo sentido. E não esperei que ella chegasse para entregar as funcções do meu cargo ao conselheiro de districto mais velho. Parti logo para o circulo de Pombal, para trabalhar na minha eleição contra o governo, que tomara a responsabilidade d'aquelle facto. Depois saiu do ministerio o nobre marquez d'Avila, porque a eleição estava marcada para o dia 4 de setembro e foi adiada para o dia 18. Honra seja feita a s. exa. por tal procedimento.
Creio que já ouvi dizer n'esta casa a um cavalheiro, que muito respeito, que o adiamento da eleição fora uma cousa necessaria, para que a uma podesse exprimir a vontade do paiz. Eu não faço questão disto, apesar da gravidade que encerra; mas entendo que o adiamento foi para o sr. bispo de Vizeu poder trazer aqui a sua maioria, porque todos os governos trabalham para isso...
Uma voz : - Está a justificar.
O Orador: - Não, senhor; o sr. bispo de Vizeu entendeu que devia trazer uma camara á sua imagem e similhança. Todos os governos intervém nas eleições, mas uns mais que outros. Pela guerra que me foi feita avalio o que succedeu por toda a parte.
O sr. Ministro do Reino: - Eu não lhe fiz guerra.
O Orador: - Não faria; mas fizeram ma em seu nome. Sr. presidente, tem-se combatido muito a revolta de 19 de maio, e tem-se-lhe chamado attentado ominoso, assalto ao paço dos nossos reis e muitos outros nomes feios. Não estranho isto, sr. presidente.
E costume sempre combaterem-se as revoluções quando não sáem triumphantes, e ainda quando triumpham, as situações, os partidos e os homens que ellas derribaram, têem o direito de se queixar do acto extraordinario, que lhes arrancou o poder das mãos. Não me admira tambem que se combatam os revolucionarios, embora elles já não sejam os senhores da situação, que se haviam esforçado por levantar. Isto comprehendo eu perfeitamente. Comprehendo portanto que o partido histórico, que tinha o poder em 19 de maio, e que caiu em resultado da revolução desse dia, venha para aqui verter lagrimas sentidas, e soltar acerbas queixas contra áquelle facto. Isto é logico; tem uma certa justificação. Mas o que para mim é completamente incomprehensivel é que o partido reformista, o herdeiro da situação revolucionaria, se queixe...
O sr. Luiz de Campos: - De que?
O Orador: - O illustre collega não se queixou; fallou até da satisfação que experimentára com a revolta de 19 de maio. Alludo a outros cavalheiros do partido reformista, ao meu amigo o sr. Alves Matheus, por exemplo.
O sr. Luiz de Campos: - Fallei por mim.
O Orador: - Honra seja feita a v. exa., que declarou com toda a franqueza que tinha gostado da revolta.
Vozes: - E eu, e eu.
O Orador: - Deviam ter gostado todos. Infelizmente alguns ha, que expõem opinião contraria.
Sr. presidente, v. exa. sabe perfeitamente qual foi a origem da revolta. Sabemos nós todos igualmente que nos mezes de abril e maio havia no paiz certa agitação. Não quero entrar agora na analyse das causas d'essa agitação, nem quero saber se os actos do governo eram bons ou maus.

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Recordo apenas os factos. Um dos actos que mais contribuira para esse estado, e que mais adversarios adquirira para o governo de então foi o decreto ácerca dos arrolamentos. E digo a v. exa. com toda a franqueza, que eu não partilhava similhante opinião; porque não comprehendo que se posta exigir a cada individuo o pagamento do que deve, e que se saiba quanto cada um deve de imposto predial, sem a matriz exprimir a exactidão, tanto quanto possivel, e para este fim entendo que é indispensavel o arrolamento dos predios (apoiados). Mas a verdade é que o paiz estava agitadíssimo, principalmente por causa d'esse decreto, e em consequencia tambem dos esforços que a opposição nos seus jornaes fazia, para mostrar a ruindade dos actos do governo, e o abysmo para que este arrastava o paiz. Pela minha ordem de idéas já vê pois v. exa. e a camara, que eu era e sou a favor dos arrolamentos, mas não o partido reformista, que agitara o paiz com esta providencia do ministerio, cuja queda tinha pela maior das necessidades publicas. Nos jornaes reformistas fallava-se todos os dias em revolução; tinha havido até desgosto e movimento bem pronunciados nos povos do districto de Vizeu.
Admirou-me pois ouvir muitas vezes o meu illustradissimo collega, o sr. Alves Matheus, queixar-se amargamente da revolta de 19 de maio, dos dictadores, das dictaduras, e de todas as consequecias d'ellas; quando a mim me parecia que s. exa. as devêra ter estimado bastante.
mas houve ainda um acto mais extraordinario e que mais excitou a opinião publica. Foi a saída da opposição parlamentar d'esta casa.
Uma voz: - Foi para a revolta?
O Orador: - Desde que a opposição sáe desta casa, para onde vae? Se abandona aqui o seu posto de honra, se desampara os interesses dos seus constituintes, é certamente porque vae procurar outro posto, aonde melhor possa der empenhar a sua missão. Assim acontece em todos os paizes; assim aconteceu entre nós com os srs. José Estevão Coelho de Magalhães, e Antonio Cesar de Vasconcellos Correia, quando partiram para Torres Novas para fazer a revolta de 1844. Quando a opposição parlamentar saiu por aquellas portas, não foi lá fóra procurar o ócio; nem para satisfazer um capricho deixou emmudecer aqui a sua voz. Foi revolucionada contra a verdadeira ou supposta rigidez da maioria, o foi revolucionar o povo. Não quero com isto dizer que tomou espingardas e partiu logo para o largo da Ajuda, mas completou pelo seu procedimento energico a revolução principiada no paiz. Apressou o facto material da revolta, que tornou assim popularissima. Justificou o acto de 19 de maio, praticado pelo nobre marechal Saldanha.
O sr. A. R. Sampaio: - E os mortos e feridos do largo da Ajuda? Tambem defende esse feito?
O Orador: - São desgraças que todos nós deploramos, e que infelizmente se dão n'estes conflictos. Tambem as houve no Porto em 1851, a morte do coronel Cardoso, por exemplo; e o illustre deputado applaudiu a revolução.
Eu não quero offender os illustres membros do partido reformista por este seu passo audacioso. Talvez no seu logar fizesse o mesmo. Mas o que eu entendo é que o deputado não deve vir só pugnar pela ordem n'esta casa, horrorisando-se com revoluções, que tem preparado e dirigido lá fóra, umas vezes entrando ostensivamente n'ellas, outras promovendo-as e justificando as com os seus actos. Eu quando tiver conspirado, digo-o francamente, e tomo a responsabilidade dos meus actos.
O sr. Ministro do Reino: - Mas sempre é bom dize-lo depois.
O Orador: - Certamente. Até para v. exa. me não mandar prender. Tem sido o systema de v. exa.
O governo tem obrigação de manter a ordem e de debelar as revoluções, assim como todo o individuo que entende em sua consciencia que deve ir para uma revolução, vae, e responde pelo acto. Cada um está no seu direito. Se vence, é um heroe; se é vencido, um criminoso.
E por isso, sr. presidente, permita-me v. exa. e a camara lhes diga, que a minha theoria ácerca das revoluções não é a theoria do meu illustre amigo e condiscipulo, e um dos ornamentos d'esta casa, o sr. Santos e Silva. A minha theoria sobre revoluções consiste em as dividir em duas classes apenas: revoluções victoriosas, e revoluções vencidas (apoiados).
A differença entre revoluções, insurreições, sedições, revoltas ...
Uma voz - E bernardas.
O Orador: - E ainda bernardas, ou o que quizerem, permitta-me v. exa. que eu diga, é uma distincção methaphysica.
O sr. Santos e Silva não apresenta theoria nova; a sua classificação é a que está nos livros. Todos sabemos distinguir theoricamente o que é revolta, do que é revolução ou insurreição; mas o que nós não sabemos é na pratica determinar onde acaba a revolta, e onde começa a revolução ou a insurreição; isto é que ninguem é capaz de fazer.
E digo mais, a revolta desde o momento em que o paiz não reage contra os revolucionarios, é aceita por elle, torna-se uma revolução nacional, e está justificada (apoiados).
O sr. Santos e Silva: - A da Maria da Fonte foi necessario intervirem tres nações para a debellar; essa era uma verdadeira revolução.
O Orador: - Quer o illustre deputado dizer que é sempre a força que vence. Então foi a força estrangeira; n'outras occasiões é a força do paiz. Não contraria o que affirmo. E depois é preciso que se declare bem alto, que nós não existimos como paiz independente senão em consequencia da revolução. O nosso primeiro rei foi tambem o nosso primeiro revolucionario (Muitos apoiados). Mais tarde não recobrámos a nossa independência senão por outra revolução em 1640. Ultimamente fundámos a liberdade sobre novas bases, em 1834, tambem por meio de uma revolução. Portanto, os factos fundamentaes da nossa vida politica são todos elles filhos da revolução (apoiados). Eu ainda não vi aspiração nobre e generosa, principio grande e elevado, que não tenha saído da revolução.
Eu digo francamente que sou revolucionario, e não me parece que a ninguem seja desairoso dizer isto. Os filhos de um paiz creado pelas revoluções não podem horrorisar-se com ellas.
E tambem devemos muito ás chamadas revoltas. Pois não sabem todos que foi a uma revolta, em que tomou grande parte o sr. Passos Manuel, que se deveu o alargamento das nossas liberdades, e o estabelecimento de instituições que, esboçadas apenas então, produziram mais tarde excellentes resultados, contribuindo para o desenvolvimento do paiz? Pois não sabem todos, o que se deveu á revolta de 1851, em que o actual sr. ministro do reino entrou, assim como eu tambem...
O sr. Ministro do Reino: - Não me lembro (riso).
O Orador: - Se v. exa. não se lembra, lembro-me eu; por signal que v. exa. era até um dos redactores dos jornaes do movimento, como tinha sido em 1847 da Entrella do norte como foi tambem mais tarde do Nacional. Estava eu no terceiro anno do meu curso da universidade, quando o illustre marechal Saldanha, com os dois unicos corpos que poude revolucionar - o 1 de caçadores, commandado pelo sr. Joaquim Bento, hoje barão do Rio Zezere, creio que pelo brilhante feito militar que então praticou, e o 5 de caçadores, do cominando do sr. barão da Batalha, tambem condecorado com este titulo por outro similhante feito militar; quando o illustre marechal com estes seus companheiros de armas, estygmatisando a tyrannia do sr. conde de Thomar, o qual ha muito tempo se achava nos conselhos da corôa, appellou francamente para a revolta. Não se sabia em Coimbra qual era o programma que invocavam, e lembro-me bem de que um cavalheiro meu amigo, e meu contemporaneo nos estudos que já tem sido aqui deputado, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, foi a Condeixa

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perguntar ao marechal Saldanha qual era o programma da revolução, o voltou triste e pezaroso dizendo, que a revolução não tinha programma, que era hybrida, anomala e acephala. Algumas horas depois entrava na cidade o general á frente dos dois corpos sublevados, e era recebido na ponte de Coimbra entre duas alas de academicos no meio do mais religioso silencio. Parecia um cortejo funebre. Esta é a verdade.
O duque de Saldanha dentro de pouco tempo estava emigrado em Lobios; e foi preciso que a guarnição do Porto, concitada pelo visconde do Pinheiro, então o sr. Miguel Ximenes, se revolucionasse para se mandar chamar o marechal. Mudou tudo desde aquelle momento. Então não imaginam o enthosiasmo que houve!
Tinha partido de Lisboa uma divisão commandada por El-Rei o Senhor D. Fernando, commandante em chefe do exercito, com o proposito de esmagar a revolução. Eu, o meu collega e amigo o sr. Santos e Silva e muitos outros académicos, coadjuvados pelo povo de Coimbra, fizemos quantos esforços podemos para que parte d'essa divisão adherisse ao movimento; e conseguimos que os corpos de infanteria n.º 1 e de granadeiros da minha abandonassem Sua Magestade, que voltou para Lisboa com metade da divisão, pois a outra metade tinha ido para o Porto. Estava a revolução victoriosa.
É sempre assim.
O mesmo aconteceu em 19 de maio.
No dia seguinte a este acontecimento eu não vi nos jornaes senão hymnos, coroas, flores. O dictador já era bom. A revolta tinha sido um acto providencial!
Não é excellente agora, não, porque o dictador não está aqui, sentado n'aquellas cadeiras.
Uma voz: - Se não está, a culpa não é minha.
O Orador: - Não será, individualmente. Mas o partido reformista não póde declinar a responsabilidade do 29 de agosto, e por consequencia tem culpa de não estar ali o gabinete de 19 de maio, de quem o ministerio actual herdou parte da responsabilidade, não tanta como lhe quiz dar o meu collega e amigo o sr. Santos e Silva, mas alguma, e pelo lado politico a unica que podia ter resultados praticos.
Mas, dizia eu, que a revolta de 19 de maio tinha sido tambem muito festejada no dia seguinte; e acrescento agora que todos os partidos pretendiam pactuar com a nova situação, exceptuando apenas o que havia sido expulso do poder. Chegaram até a publicar-se programmas; e com uma das parcialidades houve uma alliança, que durou alguns dias.
O meu collega e amigo, o sr. Santos e Silva, disse-nos aqui, num dos rasgos da sua brilhante oratória, que protestava contra o ominoso attentado que rasgará algumas paginas da carta constitucional. Pois eu digo a v. exa., com toda a franqueza, que só encontro, e tenho d'isso pena, um grande erro na revolta de 19 de maio. Foi o não ter ella rasgado completamente a carta constitucional, e convocado o poder soberano da nação, para em côrtes constituintes se fazer uma constituição digna de nós e da epocha em que vivemos.
Vozes: - Apoiado, não apoiado.
(Grande agitação na assembléa.)
O sr. Mártens Ferrão (horrorisado): - Oh!
O Orador: - Repito, sr. presidente, se a dictadura tivesse convocado cortes constituintes, os seus actos haviam de ser mais justificados ainda, e teriamos hoje uma constituição digna de nós e da epocha em que vivemos. Não seria uma carta de alforria, dada por um senhor aos seus escravos, mas uma constituição de um povo livre, onde estivessem bem definidos os direitos dos cidadãos, bem marcados os limites dos puderes...
O sr. Presidente: - Lembro ao sr. deputado que está fallando contra o juramento que prestou quando entrou para esta casa.
O Orador: - Estou fallando em these, e applicando á hypothese de 19 de maio. Eu não faço revoluções aqui;
mas digo que, depois de feita a de 19 de maio, o dever dos revolucionarios era preparar-nos e dar-nos uma constituição digna de um povo livre e civilisado, digna da epocha em que vivemos.
Tem-se faltado muito contra os actos da dictadura, e até alguns d'elles foram classificados como actos immoraes. Um dos cavalheiros, que foi membro do governo da dictadura, defendeu já brilhantemente grande parte d'elles; e eu espero que o outro digno cavalheiro, que é tambem membro desta casa, completará essa defeza no que resta ainda para defender. Não sei, não posso, nem devo tirar-lhe a gloria de cumprir esse dever.
Mas, sr. presidente, tem havido muitas dictaduras em seguida ás revoluções. E o costume. É uma necessidade que resulta da obrigação de manter illesos os princípios proclamados. Houve as dictaduras do imperador, as de Passos Manuel, a do sr. conde de Thomar, as do sr. duque de Saldanha e do sr. duque de Loulé.
O sr. Freitas e Oliveira: - Este systema é uma dictadura.
O Orador: - Houve a dictadura do sr. marquez de Sá, que fez as deducções nos ordenados dos funccionarios publicos. Houve a dictadura do sr. duque de Saldanha e do sr. Fontes, as dictaduras de 1851 e 1852; e lembro a v. exa. e á camara, que tambem essas dictaduras lançaram impostos. Uma d'ellas, lembro-me muito bem, de que dissolveu a camara, e acto continuo a essa dissolução publicou a lei de meios! O sr. duque de Loulé, tambem por um acto dictatorial, publicou um decreto sobre cereaes, que não é senão um decreto de impostos. Esse decreto ainda não está revogado, e por consequencia ainda a dictadura está pesando sobre a cabeça do illustre chefe do partido progressista historico! (Apoiados.) Se portanto a dictadura de 19 de maio errou lançando impostos, errou em muito boa companhia; e eu só lamento que este supposto erro não fosse até equilibrar a receita com a despeza do estado (apoiados).
Mas, sr. presidente, tambem tenho a infelicidade de não poder concordar com o que disse o sr. Alves Matheus a respeito do decreto de 14 de julho, que reduziu os laudemios á quarentena. Disse s. exa. que - esse decreto significava um dos mais graves attentados, que por parte de um governo se ha praticado n'este paiz, porque atacava um principio e feria profundamente um direito sacratissimo, qual é o direito de propriedade. Não tenho a honra de ser jurista, sr. presidente, é por isso pouco auctorisada a minha opinião; mas o que aprendi nas escolas é bastante para repellir similhante accusação. Não posso de fórma alguma concordar com estas palavras do illustre deputado, porque não admitto que tenham direito de propriedade as corporações de mão morta (apoiados). Se ellas tivessem direito de propriedade, não podiam ser por nós obrigadas á desamortisação (apoiados).
Tambem o illustre deputado classificou de illegal, subversivo e anarchico o decreto que a dictadura publicou relativamente ás promoções, proferindo a este proposito um pomposissimo discurso, e empregando n'elle as bellezas do seu estylo. Entendo, sr. presidente, que estes e outros erros que se dizem commettidos em quaesquer revoltas, não são tão grandes como se quer indicar; e se por occasião da revolta de 19 de maio houve n'este ponto erro, foi em a promoção não ter sido feita immediatamente. Quando triumphará quaesquer revoluções, é claro que são premiados os homens que as fizeram, quando porém ficam vencidos, é certo que são castigados; isto é o que sempre se tem feito, e foi por exemplo o que tambem se praticou em 18 de abril de 1851, porque tambem então se fizeram promoções em consequencia de uma revolução militar (apoiados).
Ainda o meu prezado amigo, o sr. Alves Matheus, que espalhou immensas flores pelo seu discurso, apresentou por fim uma imagem digna da sua oratoria, mas muito infiel á verdade.
Disse s. exa. que = o governo da dictadura, arrancando das mãos do chefe do estado o decreto das promoções, lhe

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fez beber até ás ultimas fezes o calix da amargura! = É certo que se não deve discutir aqui a pessoa do soberano, e não serei eu por consequencia que acompanhe n'este campo o illustre orador; mas todos sabem que a revolução de 19 de maio foi unicamente feita para derrubar um governo; a corôa aceitou-a lealmente; e portanto não havia aqui o perigo de mudança de instituições. O chefe do estado não bebeu pois até as ultimas fezes o calix da amargura; e por conseguinte não poderá a historia dizer ámanhã cousas similhantes ás que se tem dito em relação ao procedimento, que alguns soberanos têem tido para com servidores lealissimos, a quem devem o throno em que estão sentados...
Ouvi tambem dizer que = o governo da dictadura não tinha por si a opinião do paiz, e por isso caíra =.
A agitação que os partidos promoveram era ficticia. O paiz não se associou a ella. Não mo podem provar por modo nenhum. E tanto reconheceu o sr. Santos e Silva que este argumento era fraco, que s. exa. disse logo que = as camaras podiam abusar do direito de petição, e por isso não queria conservar-lh'o, para certamente se não repetir o que já aconteceu, de virem algumas camarás representar em nome dos seus constituintes =. Não quer, e faz muito bem, porque podem ellas abusar no futuro contra o partido de s. exa., como s. exa. abusou e o seu partido, quando as levaram a representar contra a dictadura.
Ouvi tambem accusar aqui de mil maneiras o illustre marechal Saldanha, com cuja amisade me honro ha muito tempo. Eu não quero fazer agora o elogio de s. exa., por que já hontem foi dignamente feito pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Camara Leme, e anteriormente o havia sido na imprensa por um outro talento d'esta terra, e distinctissimo membro do partido reformista, o sr. Latino Coelho, numa primorosa biographia publicada na Revista contemporanea. Nem o digno marechal o precisa, nem eu sou competente para isso, depois d'esse bello discurso e excellente artigo ; mas digo só que o marechal Saldanha é aquelle a quem a patria deve a liberdade de que gosa (apoiados).
Uma voz: - Não apoiado.
O sr. Julio do Carvalhal:- Deve-a a muitos.
O Orador: - Mas a elle mais que a ninguem.
O sr. Julio do Carvalhal: - A cada um a parte que lhe pertence.
O Orador (com a maior vehemencia): - Sim, mas a elle a maior parte, a parte decisiva. Quando a 25 de julho de 1833 o marechal Saldanha no Porto, á frente do seu estado maior, expulsou de dentro da cidade o exercito realista, quem salvou a causa da liberdade?
O sr. Julio do Carvalhal: - Eu sei essa historia melhor do que v. exa.; fui dos que o acompanharam a elle e ao Imperador.
(Grande agitação. - Vozes: - Apoiado, não apoiado.)
O sr. Presidente (tocando a campainha): - Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.
O Orador: - Quando o exercito miguelista tinha já transposto as linhas do Porto, a causa estava perdida, se não fosse o marechal Saldanha. Isto pelo menos é o que se diz por toda a parte; é o que está escripto na historia; eu não estava lá, porque era então muito novo, mas sei-o tão bem como v. exa.
O sr. Julio do Carvalhal: - Isso é um insulto a todos os que trabalharam pela liberdade.
O Orador: - Não é insulto; é a verdade. O marechal Saldanha é a quem se deve mais. Trabalharam todos conforme podiam e sabiam; mas elle trabalhou mais, porque podia e sabia mais que todos os outros. É o unico general , que temos; e fazem muito mal em negar-lhe o merecimento; porque se a França em vez de Bazaines e Leboeufs tivesse marechaes de Saldanha, não estaria a estas horas espesinhada pela Prussia.
(Susurro e grande agitação. - Vozes: - Apoiado; não apoiado.)
Estamos todos os dias a extasiar-nos diante do alheio, e desprezar o muito e o bom que por cá temos. É costume antigo de portugueses. Quem ha ahi que desconheça que o marechal é um general de primeira ordem? Onde estão os louros colhidos pelo duque de Saldanha? Até perguntou aqui um illustre deputado. Estão na liberdade da que gosâmos, respondo eu, sem receio de que me contradigam (apoiados).
Na ausencia do nobre marechal, que tem acento na outra cana do parlamento, mas que o não tem aqui, e se encontra hoje fóra do paiz, lembro que é pouco generoso lançar-lhe insinuações; e agora que elle se não acha á frente do governo, duvidar dos seus serviços feitos á patria e á liberdade...
Uma voz: - Não duvida ninguem.
O Orador: - Duvida muita gente; e ainda ha pouco ouvi invocar os artigos de guerra para o fuzilar como militar insubordinado. E depois acrescentou-se que o não desejavam offender! Era um fuzilamento interino como os de outro tempo em Hespanha... Ora invocar os artigos de guerra para fuzilar o homem que deu a liberdade para se poder dizer isso n'esta casa, é uma cousa que se não póde admittir, e que eu senti ouvir da bôca de um mancebo instruido, militar e engenheiro distincto, mas que não praticou ainda feito algum comparavel com os d'aquelle vulto venerando, que nos firmou a liberdade, e com ella o systema parlamentar (muitos apoiados).
O sr. Candido de Moraes: - Eu não queria que fosse fuzilado o marechal Saldanha. Citei os artigos do regulamento, que mandam fuzilar os militares que se insubordinam.
O Orador: - Mas v. exa. declarou, que lhos applicava com a inflexibilidade de juiz.
O sr. Candido de Moraes: - Eu cumpria o meu dever, julgando; o poder moderador perdoaria depois.
O Orador: - Sc o marechal Saldanha não tivesse infringido os artigos de guerra, não teriamos nós hoje aqui implantado o systema constitucional. Fuzilar o marechal Saldanha! O heroe de Almoster! A primeira espada d'este paiz! Isto nem se pensa, nem se diz. Felizmente entre nós está abolida a pena de morto, e ainda que o illustre deputado vencesse, o marechal não seria fuzilado. E nos crimes politicos está abolida desde 1852, no acto addicional á carta. E saiba o illustre deputado que esta lei está referendada pelo nobre duque de Saldanha (muitos apoiados).
Vou terminar, porque a camara está cansada, e eu tambem o estou.
Vozes: - Não está; póde continuar que é ouvido com toda a satisfação.
O Orador:- Agradeço muito, mas diz-me a consciência, que não mereço tal distincção.
Eu proponho a eliminação do § unico do artigo 2.°, porque entendo que o governo devia tomar a responsabilidade de todas estas medidas, para a sua confirmação provisoria. Não quero dizer que, fosse sujeitar o seu programma ao do ministerio passado; não podia ninguem exigir lhe tal. Mas tornando agora a responsabilidade d'estas medidas, e relevada a entidade governo da irregularidade de as haver decretado, apresentava depois o gabinete as propostas de lei que julgasse convenientes, e nós as approvariamos ou não. Isto era muito mais curial que a distincção do parecer da commissão.
Em 1852 encarregou-se um distincto cavalheiro, que era então deputado, o sr. Basilio Alberto de Sousa Pinto, hoje visconde de S. Jeronymo, de propor que se descriminasse, entre as tresentas peças da dictadura do ministerio d'essa epocha, o que eram medidas lascáveis e justas, e que deviam subsistir, e as que deviam ser rejeitadas; mas na discussão a camara reconheceu que era impossivel fazer tal distincção, porque grande parte d'ellas já estava em execução, e por consequencia a separação seria impraticavel. E quem apresentou esta difficuldade foi um dos homens mais liberaes d'esta terra, o sr. José Estevão Coelho de Magalhães, um dos primeiros ornamentos da tribuna portugueza.

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E a camara confirmou então todas as providencias. Agora affirma o illustre relator da commissão, que esta separou no projecto em discussão umas providencias das outras; porque houve dados para essa separação, que não foi arbitraria. Eu não vejo tal. Por mais que faça, não descubro a caracteristica da distincção.
Diz-se que algumas d'estas medidas não estão em execução, e cita-se para exemplo a primeira subsidio aos deputados. Eu não o entendo assim. Eu tenho a honra de ser professor da faculdade de mathematica na universidade, e é n'essa qualidade que recebo o meu ordenado. Sei que de algumas repartições perguntaram ao governo se se devia pagar o ordenado aos funccionarios que são deputados, e sei tambem que a resposta foi affirmativa, porque o decreto a respeito da extincção do subsidio aos deputados estava em execução; e tanto que nenhum de nós ainda recebeu cousa alguma.
Eu não partilho a opinião do illustre deputado, que muito respeito, o sr. Barros e Cunha, relativamente ao artigo, creio que 38.° da carta, que determina que a camara, no fim de uma legislatura, tem direito de fixar, augmentando ou diminuindo, o subsidio dos deputados para a legislatura seguinte. Não entendo que este artigo seja constitucional, porque não trata, na conformidade do artigo 144.° da mesma carta, de direitos individuaes e politicos dos cidadãos portuguezes, nem dos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos; mas não me parece bem que a primeira resolução que tenhamos de tomar a respeito de todas estas medidas, seja a do restabelecimento do subsidio a nós mesmos; não me parece digno que...
Uma voz: - E uma questão de chronologia.
O Orador:- De chronologia feita por nós, porque ninguem nos obriga a revogar a extincção do subsidio. Não me parece digno, repito portanto, que principiemos por esta a revogação das medidas da dictadura.
Ha tambem outra medida, é o decreto de 15 de junho, que permitte a todos os cidadãos constituírem se em associação para fins eleitoraes, litterarios, artisticos, de recreio, etc., sem necessidade de licença, que está igualmente em execução. Sei de muitas associações constituidas depois de promulgado este decreto; assim como sei que foram conservadas outras medidas, que pelo contrario não estavam em execução.
O sr. Cortez (relator}: - Tem a bondade de me apontar alguma?
O Orador:- Por exemplo o decreto que permittiu a liberdade do ensino superior.
O sr. Cortez: - Mas está n'esse decreto a liberdade do ensino secundario, ha muito em execução.
O Orador: - Essa liberdade estava concedida na legislação anterior. O decreto de 15 de junho de 1870, permittindo o livre ensino de matérias de instrucção superior, secundaria e primaria, reuniu o que havia ácerca dos dois primeiros graus da instrucção, e to concedeu de novo o que respeita ao terceiro. Se fosse revogado é claro que vigorava a legislação anterior, e portanto ficava a liberdade de ensino primario e secundario, mas não a do ensino superior, que ainda não está em execução. Pelo menos não me consta que se tenha fundado no paiz nenhuma universidade ou collegio de ensino superior livre desde 15 de junho em diante (apoiados).
Ha o decreto de 21 de julho, extinguindo as repartições do deposito publico de Lisboa e Porto, que tambem começou a ter execução.
Este decreto, permitta-me v. exa. e a camara que o não analyse, porque a opinião publica affirma que lucra com a revogação d'elle um individuo, cujas relações pessoaes tenho cortadas ha muito, e qualquer cousa que podesse dizer julgar-se ia, não a expressão desapaixonada da verdade, mas o resultado de algum pequeno resentimento.
Ha tambem o decreto de 21 de julho, approvando, para ter força de lei, o novo codigo administrativo.
Tenho pena, e muita pena, que este decreto não venha a ter execução.
Tem-se dito por toda a parte que é preciso descentralisar (apoiados). Vejo diante de mim um dos apostolos mais fervorosos da descentralisação, o sr. Mariano de Carvalho, que do energicamente professa as idéas da nossa escola. Sinto que s. exa. não empregasse os seus muito valiosos recursos e a sua grande auctoridade para salvar este decreto, ou, se os empregou, que o não podesse conseguir. Pois apparece uma excellente medida descentralisadora, que não tem comparação alguma com o codigo administrativo de 1842, e é immediatamente posta de lado?! Não comprehendo isto. Não entendo que devesse deixar de adoptar-se qualquer meio, que contribuisse para uma nova organisação administrativa no sentido de descentralisar; e ninguem poderá negar que o novo codigo contribuía muito poderosamente para isso...
Uma voz: - Ha cousa melhor.
O Orador: - Mas emquanto não houver outra cousa melhor, prefiro este (apoiados).
Nada direi das outras providencias, para não cansar a attenção da camara (Vozes: - Não cansa.), e mesmo porque estou fatigado; mas antes de terminar fallarei, apenas do decreto que reformou a instrucção primaria. E outra reforma que tenho muito sentimento em ver comprehendida nas excepções do § unico do artigo 2.° do projecto em discussão.
Nós precisamos muitissimo de instrucção e de descentralisação. Não vi ainda saído das secretarias d'estado decreto mais perfeito, mais completo e mais acabado, do que este que organizou a instrucção primaria.
Este decreto descentralisou completamente para as municipalidades este importantissimo ramo do serviço publico. Este decreto fez um grande serviço ao paiz, e uma valiosa economia nos cofres do estado. Trouxe nada menos do que 60:000$000 réis de diminuição de despeza.
Chamo a attenção dos srs. ministros sobre este ponto, que é importante, porque este decreto traz para o thesouro uma economia de 60:000$000 réis, derivando a despeza para as localidades.
Uma voz:- Então não é economia.
O Orador: - Pois o illustre deputado não quer a descentralisação? Se a quer, ha de passar para as localidades muitas attribuições e conferir-lhes muitos direitos, mas ha de tambem impor-lhes muitas obrigações e exigir-lhes avultadas despezas. E o resultado do systema.
Eu vou terminar. Tem-se dito aqui por vezes que houve, quando teve logar a queda do gabinete passado em 29 de agosto, um compromisso com o sr. duque de Saldanha. Não sei se o houve ou não. Se o houve, e se esse compromisso foi para se não fazer reacção, abençoado compromisso, sr. presidente! N'este ponto sou ministerialissimo, e dou merecidos louvores ao sr. marquez d'Avila e de Bolama, se foi s. exa., como tambem se affirma, quem se comprometteu a não fazer restaurações. Dou os parabens a s. exa. por isso, porque a reacção podia trazer em 29 de agosto de 1870 consequencias as mais desastrosas. O paiz podia responder áquelle ominosissimo attentado, como respondeu em 9 de outubro de 1846 a um golpe doestado similhante.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara, e dignos pares que se achavam presentes na sala.)

Rectificação

Declara se que a votação nominal que na sessão diurna de 13 do corrente se refere ao artigo 1.° do projecto n.° 4, sobre o bill de indemnidade, deve referir-se á generalidade do mesmo projecto; e a que na sessão nocturna de 12 vem por engano attribuida á generalidade, deve attribuir-se ao artigo 1.º

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